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A constitucionalidade da cobrança do IPI na saída do produto importado realizada pelo estabelecimento importador

26/09/2020 às 10:20
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STF decide que é constitucional a cobrança do IPI na saída do produto importado realizada pelo estabelecimento importador, pondo fim à questão que envolvia bilhões de reais em arrecadação de tributos.

1. INTRODUÇÃO

A cobrança do IPI na saída do produto importado, realizada pelo estabelecimento importador, é tema que, há alguns anos, suscita grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Além do conteúdo da discussão ter despertado diferentes opiniões entre os especialistas, a problemática também atraiu atenção, de todas as partes, pela vultosa quantia envolvida, que chega a dezenas de bilhões de reais em arrecadação.

A questão vem sendo polêmica desde outubro de 2015 quando, no julgamento do EREsp 1.403.532/SC, o Superior Tribunal de Justiça reformou seu entendimento e passou a considerar legítima a cobrança do IPI. Contudo, só no final de agosto de 2020 que a discussão foi encerrada com o julgamento do RE 946.648/SC, com repercussão geral.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional, por maioria de votos, a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados na saída do produto importado do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno.

Não obstante a decisão do Supremo Tribunal Federal, faz-se necessário analisar as motivações dos votos que foram favoráveis à sedimentação da tese vencedora, bem como tecer críticas ao referido posicionamento desfavorável ao contribuinte, uma vez que, o entendimento da corte ultrapassa limites constitucionais tributários importantes, sendo firmado em argumentos econômicos e políticos, isto é, extrajurídicos.


2. AS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IPI

O Imposto sobre Produtos Industrializados é tributo federal, indireto, não cumulativo, de perfil seletivo e predominantemente extrafiscal. O referido tributo possui previsão constitucional no art. 153, IV, da Constituição, o qual estabelece que a operação tributada pelo IPI tenha por objeto um produto que tenha sido industrializado.

Em matéria infraconstitucional, o Código Tributário Nacional regula o tema na medida em que expõe duas hipóteses de incidência distintas para a cobrança do IPI, previstas em seu art. 46, in verbis:

Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;

II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51.[1]

Vejamos o que dispõe o parágrafo único do art. 51 do CTN:

Art. 51. Contribuinte do imposto é:

(…)

Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.[2]

Diante da análise dos dispositivos, depreende-se que somente o inciso I do art. 46 se refere, de maneira expressa, aos produtos de procedência estrangeira.

O legislador brasileiro, portanto, definiu como fato gerador do IPI o momento do desembaraço aduaneiro, em relação aos produtos importados; e, quanto aos produtos nacionais, a saída do produto industrializado dos estabelecimentos dos importadores, industriais, comerciantes ou arrematantes. Nesse contexto, a própria Lei nº 4.502/64 já havia regulado a matéria antes da vigência do CTN e, em seu artigo 2º, estabelecia que o fato gerador do IPI restaria configurado: “(i) quanto aos produtos industrializados de produção nacional na saída do respectivo estabelecimento produtor. (ii) quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço aduaneiro” (grifos nossos).[3]


3. CRÍTICA À TESE FIRMADA PELO STF

Apesar dos apontamentos realizados acerca da distinção entre as hipóteses de incidências do IPI, previstas no CTN, e do próprio regramento constitucional, o STJ, no julgamento do EREsp 1.403.532/SC, em outubro de 2015, considerou legítima a cobrança do IPI na entrada e na saída do produto importado do estabelecimento importador. Desse modo, houve a equiparação dos estabelecimentos que revendem produtos importados com os estabelecimentos industriais, para fins de incidência do IPI, sendo possível a cobrança do imposto também na situação prevista no inciso II do art. 46.

Decidida a interpretação da regulamentação infraconstitucional pelo STJ, caberia ao STF decidir se a Constituição autorizou, ou não, o CTN a instituir o IPI no desembaraço aduaneiro e na revenda do produto importado.

Nesse ínterim, no RE 946.648/SC, a celeuma girou, principalmente, em torno da possível violação ao princípio da isonomia (art. 150, II da CF), tendo em mente que a equiparação entre importadores e industriais geraria a quebra do princípio anteriomente mencionado, pois os importadores de produtos industrializados já estariam obrigados a suportar a oneração aplicada através do Imposto de Importação.

Alegou-se, outrossim, que a legislação aplicável ao IPI deve ser orientada de acordo com o preceito constitucional fundante da norma, qual seja, o art. 153, IV da CF. Tanto é assim, que o fato gerador do imposto seria o negócio jurídico a envolver o resultado de um processo produtivo, não sendo possível a oneração através do IPI da simples revenda de mercadorias importadas aos varejistas e atacadistas nacionais, após a realização do desembaraço aduaneiro dos produtos que estariam prontos para o consumo no mercado brasileiro.

Suscitou-se, por fim, que a incidência do IPI em dois momentos distintos, no caso dos importadores, teria caráter confiscatório, expressamente vedado pelo artigo 150, IV da CF.

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Apesar da tese da inconstitucionalidade ter sido defendida pelo Ministro Relator, Marco Aurélio, o Ministro Dias Toffoli abriu divergência e foi acompanhado pela maioria do Tribunal.

A decisão da maioria do Tribunal foi pautada por critérios econômicos e políticos justificados pelo caráter eminentemente extrafiscal do IPI. Apontou-se ainda que era justamente a aplicação do imposto na saída e na entrada do estabelecimento importador que conferiria condições de igualdade para os produtos nacionais e seus similares importados.[4]

Os Ministros entenderam, desse modo, que a legislação brasileira buscou estender o tratamento equânime ao produto industrializado importado e ao similar nacional, resguardando, assim, o princípio da igualdade, da livre concorrência, e da isonomia tributária.

Diante dos argumentos expostos, é necessário apontar, entretanto, que apesar do caráter predominantemente extrafiscal do IPI, inclusive sendo um exemplo de mitigação do princípio da legalidade tributária, o legislador precisa respeitar os limites conceituais e principiológicos do próprio imposto, constantes na magna carta. Nesse sentido, fica a lição de Paulo de Barros Carvalho:

[...] “Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim entendidos tanto os dispositivos expressos quanto os implícitos.”[5]

Nesse sentido, a despeito dos limites constitucionais impostos à extrafiscalidade, o STF acabou por utilizar argumentos, em sua maioria, extrajurídicos, a fim de não acarretar uma perda arrecadatória bilionária aos cofres da União, em um momento de pandemia, e proteger as indústrias brasileiras.


4. CONCLUSÃO

Diante do grande debate acerca da matéria, o STF acabou por adotar o entendimento, lastreado por argumentos econômicos e políticos, de que é constitucional a cobrança do IPI na saída do produto importado realizada pelo estabelecimento importador, pondo fim à questão que envolvia bilhões de reais em arrecadação de tributos.

Nesse sentido, é importante ressaltar que, pelo momento de crise econômica, a decisão da Suprema Corte brasileira extrapolou o caráter extrafiscal do IPI, tendo em vista que princípios basilares do direito tributário, como a isonomia e o não confisco, bem como o próprio conceito do tributo, foram postos em segundo plano, para ser aceita a oneração tributária da simples revenda de mercadorias importadas aos varejistas e atacadistas nacionais, após a realização do desembaraço aduaneiro dos produtos que já estariam prontos para o consumo no mercado brasileiro.

Portanto, por ser o IPI um imposto indireto, essa tributação incidente em dois momentos da cadeia produtiva, onerará ainda mais o contribuinte de fato, consumidor final da mercadoria, em um momento econômico marcado pela alta do dólar, que estimula a venda da produção da indústria nacional para o mercado externo e encarece o produto importado, forçando um aumento dos preços dos produtos disponíveis aos consumidores brasileiros.


Notas

[1]BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Acesso em: 18 de setembro de 2020.

[2] Ibidem.

[3] BRASIL. Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4502.htm>. Acesso em: 18 de setembro de 2020.

[4] STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 946.648/SC - Relator: Marco Aurélio. DJ: 09/09/2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=223&dataPublicacaoDj=09/09/2020&incidente=4923845&codCapitulo=2&numMateria=23&codMateria=12 >. Acesso em: 18 de setembro de 2020.

[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e método. 4ª edição. São Paulo: Noeses, 2011. P. 249.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORTI, Matheus Falcão. A constitucionalidade da cobrança do IPI na saída do produto importado realizada pelo estabelecimento importador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6296, 26 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85514. Acesso em: 19 abr. 2024.

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