A imprensa livre é um dos requisitos essenciais para a formação e manutenção do Estado Democrático de Direito. Nos países onde a imprensa é amordaçada, não há liberdade, não há democracia.
Não é preciso ir longe. Aqui entre nós, nos tempos da ditadura militar, não havia imprensa livre. Assistimos ao literal empastelamento de uma das mais ativas imprensas do Rio de Janeiro. Somente passados anos da ditadura militar é que a imprensa pôde trazer à tona algumas das atrocidades cometidas pelo regime militar, sem querer entrar no mérito desse movimento revolucionário.
O certo é que a imprensa, notadamente pelo jornalismo investigativo, que vai a fundo na busca da origem dos fatos a serem noticiados, tem trazido uma relevante contribuição à sociedade em geral, na medida em que desperta o grau de conscientização do cidadão. Este passa a ter uma posição mais ativa na sociedade graças ao conhecimento do que se passa ao seu redor e no País.
Maior conscientização significa maior participação, maior reivindicação a exigir o atendimento pelo poder público de uma demanda de serviços e obras cada vez maiores, de um lado. De outra banda, a divulgação de atos de improbidade e até mesmo de atos tipificados como crime na legislação penal, passa a incomodar as altas autoridades constituídas dos três Poderes. Daí a tentativa de mordaça da imprensa pelos sucessivos governos.
Ultimamente, a reação contra a mídia partiu do Supremo Tribunal Federal. Seus ilustres integrantes, atacados pela mídia em razão de seus comportamentos dentro e fora dos autos, fizeram com que o Presidente da Corte Suprema, vítima desses ataques, abrisse um inquérito que autodenominou de “inquérito das fakenews”, designando, desde logo, o Ministro Relator para conduzir esse inquérito. O fundamento invocado para abertura desse inusitado inquérito pela instituição-vítima é o Regimento Interno do STF, que permite à Corte investigar os crimes ocorridos na sede do STF ou nas dependências de seus órgãos.
Pela dimensão que essa investigação tomou, a sede do STF se estende para além do território nacional, pois o Ministro condutor do inquérito determinou o fechamento das contas nas redes sociais (facebook, twitter, linkedin) das pessoas nominadas (todos bolsonaristas), abrangendo aquelas contas situadas no exterior.
Ninguém sabe como vai terminar esse singular inquérito, não conduzido pelo órgão previsto na Constituição, nem se ao término das investigações o Ministério Público irá, ou não, oferecer a denúncia. Daí a sua investigação sem prazo certo, para que a Corte possa ir monitorando a atuação da imprensa, ordenando busca e apreensão, e até a prisão de jornalistas. Isso é muito ruim para a Democracia, pois, retira a necessária segurança jurídica por ausência da previsibilidade que decorre das leis em vigor.
O Judiciário exerce o controle sobre a atividade policial, coibindo os eventuais excessos. Mas, quem fará esse controle se é o próprio Judiciário que está exercendo a função investigatória criminal? Só falta o STF acumular as funções de investigar, denunciar e julgar!
Em um outro episódio mais recente, o Prefeito da cidade do Rio de Janeiro teria mobilizado um grupo de “guardiões”, na verdade, assessores do Prefeito Marcelo Crivella, para constranger e impedir os profissionais da imprensa para colher informações do que se passa nos hospitais da cidade, nesse momento em que toda a população está preocupada com o atendimento precário da rede pública no tratamento da doença originária da covid-19.
Ora, a função da imprensa é exatamente a de noticiar os fatos observados, suprindo a impossibilidade física de cada um do povo em obter, por conta própria, os dados sobre o tratamento que os hospitais públicos vêm dispensando no controle da pandemia.
Empregar dinheiro público para impedir o trabalho da imprensa configura ato de improbidade administrativa. O dinheiro público só pode ser utilizado para atender ao interesse público, que não se confunde com o interesse do governante, nem mesmo com o interesse privado do poder público. Interesse público é aquele interesse coletivo encampado pelo poder político do Estado, exteriorizado em forma de Lei. E não há Lei que permita o emprego de recursos públicos para coibir o livre exercício da profissão de jornalista.
Por isso, o Prefeito do Rio de Janeiro sofreu a acusação que ensejou a abertura do processo de impeachment, mas, em apertada votação de 25 x 23 votos, os Vereadores rejeitaram a acusação. Por fim, como acontece em todas as profissões, os jornalistas, principalmente os que se dedicam ao jornalismo investigativo, estão sujeitos a cometer enganos, assim como cometem enganos os policiais que presidem inquéritos, bem como juízes que proferem decisões.
Cada qual deve responder por erros que praticar, nos limites da ordem legal. O que não é possível, e nem a Constituição permite, é, direta ou indiretamente, coibir, impedir ou atrapalhar o exercício profissional dos jornalistas e dos que fazem as reportagens ao vivo, pois eles prestam relevantes serviços de utilidade pública ao expressarem livremente o seu pensamento no exercício da cidadania.