Processos Formais de Criminalização a partir da teoria do Etiquetamento Social e sua Relação com o Direito Penal Mínimo

27/09/2020 às 11:58
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O presente artigo visa fazer uma reflexão sobre os processos formais de criminalização a partir da Teoria do Labelling Approach e relacionar com a aplicação do direito penal mínimo como forma de mitigar a rotulação do infrator de menor potencial ofensivo

1.   INTRODUÇÃO

         A  teoria do etiquetamento social ou “labelling aprouché”, surgiu como um novo paradigma criminológico no inicio da decada de 60 nos Estados Unidos, esse novo modelo criticava o modelo antigo, que tinha como foco o indivíduo. Pois a teoria “labelling aprouché”, via centrava sua analise a partir dos seus processos formais de criminalização que se realizam por três fases distintas: a criminalização primária, criminalização secundária, e a criminalização terciária, em que ambas se complementam a partir de uma lógica de controle social.

    Segundo França ( 2010) essa teoria foi concebida a partir de duas correntes sociológicas. A conhecida como interacionismo simbólico, preconizada por George H. Mead, compreende a realidade social como interações entre o indivíduo e seu grupo social, os quais atribuiriam ele um “rótulo social” a partir de um processo tipificação, que se afastaria das situações concretas. E a outra é a etnometodologia, por sua vez, entendia que a sociedade é oriunda de uma construção social decorrente de um processo de tipificação realizado por diversos grupos ou instituições. 

      De forma geral, a teoria traz a ideia de que o crime e o criminoso são construções sociais, que surgem a partir da definição legal feita pelas instituições oficiais de controle social e pela sociedade. A teoria “labelling aprouché”, representou um marco para a teoria da criminalidade; visto que, trouxe novos pressupostos para analisar o crime e o criminoso, a partir uma concepção fundada na análise da ação de forças policiais, penitenciarias, órgãos do Poder Judiciário e outras instituições de controle social.

     Assim, será realizada uma breve reflexão sobre a teoria do etiquetamento, buscando-se compreender como os rótulos são estipulados e como refletem circunstâncias que contribuem para a criação do estigma “criminoso” para determinados grupos sociais, alterando a própria percepção do indivíduo ou grupo rotulado, tendo como principais abordagens os processos de criminalização utilizados como mecanismo de controle social. 

2.   PROCESSOS FORMAIS DE CRIMINALIZAÇÃO

 
   

    A teoria do etiquetamento social ou “labeling approach” encontra-se inserida nas teorias do processo social e traz a premissa de que qualquer indivíduo possui o mesmo potencial de cometer crimes, sendo que os fatores sociais e econômicos, como; baixa escolaridade, pobreza, desemprego, aumentam a possibilidade de condutas tipificadas como criminosas. Nesse sentido, torna-se necessário entender, os processos de criminalização primária, secundária e terciária que serão discutidos a seguir.

2.1.  Criminalização Primária

      A criminalização primária ocorre quando o estado sanciona uma determinada lei e ela  tipifica certa conduta no ordenamento jurídico, muitas vezes essas leis são criadas a partir, lutas sociais relevantes ou  influenciadas pela situação política, econômica e social em que se encontra o país, Nesse contexto, são definidos os comportamentos considerados como criminosos. Segundo Ayres (2017), o clamor de grupos sociais tem um papel importante na constituição das leis.

(...) a instituição do feminicídio como crime, entusiasmado pelo clamor das mulheres contra a violência doméstica. Isto demonstra como as lutas sociais têm uma participação importante na constituição das leis, demandando uma atuação mais seletiva do legislativo em saber quais as exigências sociais são válidas e quais são desnecessárias. (AYRES, 2017).

      Dessa forma, verifica-se uma seletividade que se institui a partir de uma demanda da sociedade, resguardando direitos tutelados pela constituição. Nesse sentido, vale ressaltar, que para que essa lei tenha sua aplicabilidade, as instituições policiais e os órgãos judiciais tem que ter uma atuação eficaz no sentido de garantir esses direitos. A partir desse ponto, a atuação passa a ser mais jurídica e menos política.

     Assim, percebe-se que a criação de novas leis penais propõe o surgimento de novos crimes e consequentemente, surge um novo grupo de criminosos, tornando clara a seletividade de indivíduos ou grupos de delinquentes.

2.2.   Criminalização Secundária

    Ocorre a partir da atribuição de uma etiqueta aos indivíduos que a sociedade entende como desviantes, especialmente a partir da ação de instituições oficiais de controle social ou seja corresponde ao dever de punir do Estado aos crimes tipificados em lei.

(...)a lei é feita para todo mundo em nome de todo mundo; que é mais prudente reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros; que em princípio ela obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrário do que acontece com as leis políticas ou civis, sua aplicação não se refere a todos da mesma forma; que nos tribunais não é a sociedade inteira que julga um de seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem sanciona outra fadada à desordem. (FOUCAULT, 2008, p. 229)

       Neste processo já ocorreu a criminalização primária e o indivíduo passa a ter sua conduta julgada pelas instituições do sistema judiciário ou penal. Que começa com o inquérito policial ou ação do Ministério Público, passando pelo juiz ou até mesmo o tribunal do jurí, podendo absolver ou condenar o réu

     Assim, nessa fase do processo observa-se que o objetivo maior é aplicar a lei penal e caso o acusado seja condenado, encaminha-se para a devida punição, levando-o ao cárcere ou não, o indivíduo é punido de acordo com a nocividade de sua conduta a sociedade.

2.3.    Criminalização Terciária

    Surge a partir do ingresso dos indivíduos no sistema carcerário, nesse processo, ocorre a manutenção do estigma de “criminoso” atribuído àqueles rotulados como tal, passando pela internalização desse rótulo pelo próprio indivíduo, principalmente no contexto do Sistema Penal que tem seu caráter repressor e preventivo ao mesmo tempo.

Para ser rotulado de criminoso só é necessário cometer um único crime, isso é tudo a que o termo formalmente se refere. No entanto a palavra traz consigo muitas conotações que especificam traços auxiliares característicos de qualquer pessoa que carregue o rótulo. (...) Assim, a detenção por ato desviante expõe uma pessoa à probabilidade de vir a ser encarcerada como desviante ou indesejável em muitos aspectos. (BECKER, 2008. p. 45)

        Cumprimento da pena do criminoso é a punição propriamente dita pela sua conduta antissocial, é o momento em que o criminoso deverá passar por um processo de ressocialização, que tem por objetivo a reintegração do indivíduo a sociedade.

O sistema penal, constituído pelos aparelhos policial, ministerial, judicial e prisional, aparece como um sistema que protege bens jurídicos gerais e combate a criminalidade (“o mal”) em defesa da sociedade (“o bem”) através da prevenção geral (intimidação dos infratores potenciais) e especial (ressocialização dos condenados) e, portanto, como uma promessa de segurança pública. (ANDRADE 2003, p. 132)

      Portanto, verifica-se que a atuação do Estado vai desde de a tipificação da conduta criminosa, selecionando condutas típicas a partir do clamor social até a punição do indivíduo desviante com o intuito ressocializar o infrator. Essa ação do Estado, visa exatamente tentar diminuir os índices de crimes e garantir ordem social.

3. DIREITO PENAL MÍNIMO COMO FUGA DO ETIQUETAMENTO SOCIAL

       Grande parte da população carcerária é constituída por pessoas que cometeram pequenos delitos e que em regra esse indivíduo  é submetido a uma pena extra cárcere, que é a sua rotulação como criminoso desde de sua primeira conduta desviante e condenado a exclusão social mesmo após cumprir sua pena oficialmente imposta pelo sistema punitivo da Justiça penal.

      E isso pode traz consequências capitais, principalmente aos indivíduos que cometeram crimes de menor potencial ofensivo. Pois para que o sistema punitivo seja mais eficaz, deve-se aplicar o direito penal mínimo, evitando o cárcere a condutas menos danosa. Justamente para que esse infrator não seja condenado de forma precipitada pela da sociedade, que geralmente rotula os ex detentos, e dificulta a inserção no mercado formal de trabalho e no seu próprio seio. Pois isso, além de reduzir a super lotação dos presídios, é um fator de redução das vulnerabilidades sociais e pode proporcionar aos indivíduos, novas possibilidades autoconstrução como pessoa, pois isso viabiliza  para que os sujeitos sejam inseridos na estrutura produtiva da sociedade. 

 A idéia da reforma decorre da crença de que o crime resulta de fatores sócio-econômicos que bloqueiam o acesso a meios legítimos de se ganhar a vida. Esta deterioração das condições de vidas traduz-se tanto no acesso restrito de alguns setores da população a oportunidades no mercado de trabalho e de bens e serviços, como na má socialização a que são submetidos no âmbito familiar, escolar e na convivência com sub-grupos desviantes. Conseqüentemente propostas de controle da criminalidade passam inevitavelmente tanto por reformas sociais de profundidade, como por reformas individuais no intuito de reeducar e ressocializar criminosos para o convívio em sociedade. À par de políticas convencionais de geração de emprego e de combate à fome e à miséria, ações de cunho assistencialista visariam minimizar os efeitos mais imediatos da carência, além de incutir em jovens candidatos potenciais ao crime novos valores através da educação, prática de esportes, ensino profissionalizante, aprendizado de artes e na convivência pacífica e harmoniosa com seus semelhantes. (BEATO, 2020, p.57).

        Portanto, os legisladores e a sociedade, devem readequar suas práticas punitivas em relação criminalização  de algumas condutas, e as penas privativas de liberdade, só devem criminalizar apenas infrações que tragam efetivo prejuízo a sociedade, de outra forma, deve primar por medidas alternativas. Pois, a maneira de controle social realizado pelo Estado, pode ser auxiliada por outras instituições como; a escola, a família e a religião, que figuram como elementos fundamentais para recuperação do indivíduo. Exemplo disso; ocorre com a lei de drogas, que submete o usuário a uma medida alternativa, em vez de criminalizar sua conduta.

        Sendo assim, essa nova remodelação no sistema punitivo pode propiciar para as pessoas que praticam pequenos delitos, a não rotulação pela sociedade, reduzir a população carcerária, além de permitir que não se misturem a criminosos de alta periculosidade dentro dos presídios, para não serem recrutados pelo crime organizado e se tornem criminosos profissionais

 

4.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

     Assim, verifica-se que a teoria do etiquetamento social ou “labeling approach”, traz à tona o percepção de que a criminalidade surge como resultado de um processo de construção social e visa trazer a compreensão de como os rótulos são estipulados a partir de demandas sociais, influenciadas pela sociedade e pela mídia, devido diversos conflitos sociais existentes, que levam o legislador a criar tipos penais para reprimir os delinquentes, e posteriormente obrigam as instituições do Estado a cumprir a lei. E dessa forma, se geram o estigma de “criminoso” para determinados indivíduos.

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      Verifica-se também, que os processos formais de criminalização seguem uma lógica a partir de três fases distintas: que sem inicia com a criminalização primária, que pode ser observada com a criação dos tipos penais no ordenamento jurídico de determinado Estado, a criminalização secundária, que se caracteriza com a atuação das Polícias, do Ministério Público e do Poder Judiciário, e a criminalização terciária, que surge a partir do ingresso dos indivíduos no sistema penitenciário para cumprir pena de prisão ou medida sócio educativa com objetivo de cumprir sua punição. E a partir dessa terceira fase dos processos formais de criminalização, se levanta outra questão, que é em relação ao direito penal mínimo como uma alternativa de fuga ao etiquetamento social, que deve ser incorporado pela sociedade para se gerar um novo paradigma criminológico e transformar o senso comum sobre a criminalidade e o sistema penal.

     Portanto, verifica-se que os processos formais de criminalização são realizados por meio da seleção de condutas consideradas em tese, nocivas a sociedade, que passam por um controle social do Estado, que vai desde a tipificação da conduta criminosa, até a punição do criminoso, com o intuito ressocializar o infrator ao meio social. Além disso, sevem para rotular ou etiquetar, o indivíduo como criminoso, fazendo com que ele fique a margem da sociedade, por isso, se propõe nesta reflexão a aplicação de um direito penal mínimo para condutas de menor potencial ofensivo, descriminalizando as mesmas a partir de contextualização social a que é submetido o indivíduo.

    

 REFERÊNCIAS:

ANDRADE,    Vera    Regina     Pereira     de.     Sistema     penal     máximo  x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.

AYRES, Marília. Processo de criminalização: a tipificação da conduta delinquente a partir da influência socialRevista Jus Navigandi, ISSN 1518- 4862,        Teresina, ano 22n.5213out. 2017.        Disponível  em:< https://jus.com.br/artigos/60857>. Acesso em: 08 mar. 2020.

 BECKER, Howard. Outsiders: uma sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 45

BARRATA, Alessandro. Criminologia crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 6 ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2011, pp.85-99.

BEATO F. Cláudio. Políticas Públicas de Segurança. http://www.crisp.ufmg.br/polpub.pdf. acessado em 02 fev. de 2020.

LABELING APPROACH. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: WikimediaFoundation,2019.Disponívelem:<https://pt.wikipedia.org/w/index.php? title=Labeling_approach&oldid=54820205 >. Acesso em: 08 mar. 2020.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

FRANÇA, Leonardo Ayres. O Inimigo ou a Inconveniência de existir. 1ed. .editora: Lumen Juris..2012. 

 

Sobre o autor
Alex de Lima Santos

Bacharel em Direito. Bacharel e Licenciado em Geografia. Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Especialista em Direito Penal. Especialista em investigação forense e perícia criminal. Pós graduando em Geografia Humana e Econômica. Mestre em Geografia pela UNIFAP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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