O contrato de trabalho intermitente no brasil: uma análise crítica a partir da constituição e do direito comparado

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3 O CONTRATO INTERMITENTE E A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

    No capítulo anterior foi abordado o contrato intermitente sob a perspectiva da legislação brasileira, com seu conceito e as suas definições por meio do artigo 452-A da CLT, bem como, a precarização trazida por tal modalidade no que diz respeito aos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.

O presente capítulo, a seu turno, tem como escopo tecer breves comentários acerca do contrato de trabalho intermitente em países estrangeiros.

Far-se-á uma análise legislativa dos sistemas jurídicos particulares de diferentes países, a fim de possibilitar posteriormente a comparação destes sistemas jurídicos com o sistema brasileiro, no que tange ao contrato de trabalho intermitente.

3.1. Análise legislativa do modelo italiano de Trabalho Intermitente

No ordenamento jurídico italiano, o contrato de trabalho intermitente ou contrato de trabalho a chamada – job on call, como é comumente chamado – originou-se do Decreto nº 276/2003 com o intuito de inserir modalidades flexíveis de contratos de trabalho no ordenamento italiano. Recentemente, o Decreto nº 81/2015 alterou as regras sobre o trabalho intermitente.

O conceito de trabalho intermitente está previsto no artigo 13 do Decreto nº 81/2015, que define trabalho intermitente como sendo o trabalho em que o empregado se coloca à disposição de um empregador que poderá utilizar da prestação de trabalho descontínuo/intermitente, conforme algumas exigências estabelecidas por meio de contratos coletivos,  podendo prestar serviço em períodos pré-determinados que poderão variar em uma semana, um mês ou dentro de um ano.

A título de esclarecimento, o contrato coletivo é o que entendemos no Brasil como as negociações coletivas, representadas na CLT pelo artigo 611 e seguintes, em que o artigo 611 da CLT define como sendo "o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho", nesse sentido, o artigo 611-A é responsável por definir normas que podem ser negociadas, e o artigo 611-B responsável por limitar a negociação de determinados direitos e garantias, de modo a evitar sua supressão ou diminuição. 

Retomando, na ausência desse contrato coletivo, os casos do trabalho intermitente serão individualizados e solucionados por meio de um decreto do Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais.

O trabalho intermitente italiano traz disposições e limitações mais específicas no já citado artigo 13 do Decreto nº 81/2015:

(...) § 2º O contrato de trabalho intermitente pode ser firmado com indivíduos com menos de 24 anos de idade, desde que a prestação laborativa se desenvolva até a idade completa de 25 anos de idade e com mais de 55 anos;

§ 3º Em cada caso, com exceção dos setores de turismo, empresas destinadas a serviços direcionados ao público, e de espetáculos, o contrato de trabalho intermitente é admitido, para cada trabalhador com o mesmo empregador, por um período complessivamente não superior a quatrocentas jornadas de trabalho no arco temporal de três anos solares. No caso de superamento de tal limite, o contrato se transforma em contrato de trabalho a tempo pleno e indeterminado;

§ 4º Nos períodos nos quais não venha utilizada a prestação laborativa intermitente, o trabalhador não tem direito a nenhum tratamento econômico ou normativo, salvo se tenha garantido ao empregador a disponibilidade a responder às suas chamadas, caso no qual é devida a indenização de disponibilidade prevista no art. 16;

§ 5º As disposições deste contrato não se aplicam aos contratos de trabalho com a administração pública. (ITÁLIA, 2015)

Conforme se observa, a legislação italiana estabeleceu limites tanto de idade, quanto de profissões, em que a modalidade de trabalho intermitente poderá ser desempenhada, bem como dispôs que se descumpridos tais requisitos a prestação laboral se converte em trabalho a tempo pleno e indeterminado.

De outro modo, o artigo 14, em seu parágrafo primeiro, do mesmo Decreto nº 81/2015, traz as disposições acerca de quando tal modalidade contratual não é cabível:

Artigo 14 - É proibida a utilização de trabalho intermitente:

a) para a substituição de trabalhadores no exercício do direito de greve;

b) nas unidades produtivas nas quais tenha ocorrido, nos seis meses anteriores, dispensa coletiva na forma dos arts. 4 e 24 da Lei n. 223 de 23 de julho de 19918, que tenha atingido trabalhadores contratados nas  mesmas funções às quais se refere o contrato de trabalho intermitente, ou junto a unidades produtivas nas quais tenha havido suspensão do trabalho ou redução do horário de trabalho em regime de cassa integrazione guadagni, que atinjam trabalhadores que exercem as mesmas funções às quais se refere o contrato de trabalho intermitente;

c) pelos empregadores que não tenham efetuado a avaliação dos riscos, conforme previsto na norma de tutela da saúde e da segurança dos trabalhadores. (ITALIA, 2015)

Merecedora de nota é a alínea “b” de tal artigo que impede que o contrato intermitente seja utilizado com a finalidade de substituir empregados anteriormente contratados por tempo indeterminado. A legislação italiana, consequentemente, protege o empregado no sentido de evitar que os empregadores dispensem empregados contratados para trabalho por tempo indeterminado – que requer uma responsabilidade maior por parte do empregador no que diz respeito a garantias trabalhistas – e contrate empregados intermitentes para substituí-los, exercendo a mesma função, só que com menos responsabilidade por parte do empregador.

No que tange à forma, o artigo 15 do Decreto dispõe que o contrato este deve ser escrito e que nele devam ser discriminados: a duração da prestação laboral; em qual hipótese legal a contratação se fundou; as regras acerca do pré-aviso de chamada do empregado (que não poderá ser inferior a um dia útil); e ainda o tratamento econômico que será utilizado para fins remuneratórios e de indenização de disponibilidade.

A indenização de disponibilidade consiste em um direito previsto no artigo 16, do decreto em estudo, que será estabelecido por meio dos contratos coletivos e não poderá ser inferior ao valor fixado pelo Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais. Consiste na remuneração a ser percebida pelo empregado em troca da prestação laboral. O Ministério da Economia e Finanças estabelece piso para a indenização de disponibilidade, de modo que, uma vez não alcançado, deverá o empregador pagar a diferença, constituindo-se, pois, tal indenização em verdadeira garantia mínima para o empregado.

Dispõe o artigo 17 acerca dos princípios de não discriminação aplicáveis ao trabalho intermitente:

1. O trabalhador intermitente não deve receber, pelos períodos trabalhados e por tarefas iguais realizadas, tratamento econômico e regulatório globalmente menos favorável do que o mesmo trabalhador de nível.

2. O tratamento econômico, regulatório e previdenciário do trabalhador intermitente, é proporcional devido ao desempenho do trabalho efetivamente realizado, principalmente no que diz respeito à quantidade de remuneração global e seus componentes individuais, bem como férias e benefícios tratamentos para doenças e acidentes, maternidade e licença parental. (ITÁLIA, 2015)

Pode-se observar o cuidado do legislador italiano, quando dispôs sobre as garantias mínimas no contrato, garantindo um piso remuneratório (chamada de indenização de disponibilidade), dando previsibilidade de renda e, consequentemente, maior segurança aos empregados.

No que toca à recusa por parte do empregado à prestação laboral, se for injustificada, servirá de motivo para a dispensa, tendo como consequência a restituição ao empregador da quota parte referente à indenização de disponibilidade relativa ao período posterior a recusa.

Para efeitos de fiscalização e regularidade, o decreto instituiu que os empregadores adotantes de tal modalidade de trabalho devem anualmente informar os representantes sindicais por via de qualquer meio de comunicação acerca dos contratos firmados, dispondo que em caso de descumprimento dessa medida informativa deve ser aplicada sanção administrativa que pode variar de 400 a 2400 euros, em relação a cada empregado contratado que não fora devidamente comunicado.

Diante do exposto, observa-se que a atual legislação italiana se mostra bem detalhada e equilibrada acerca da modalidade de trabalho intermitente, atentando-se a garantias como a vedação de substituição de mão de obra permanente; a vedação de seu uso por empresas que tenham efetuado recentes dispensas coletivas de empregados por tempo indeterminado e a fixação de garantia mínima remuneratória a ser percebida pelo empregado (indenização de disponibilidade).

3.2.  Análise legislativa do modelo inglês de Trabalho Intermitente

O contrato intermitente no Reino Unido é chamado de “zero hour contracts - contratos zero hora”. Conforme o próprio nome já diz, nessa modalidade não há garantia de um número mínimo de horas a serem trabalhados, de modo que os empregados são solicitados conforme a demanda do empregador. Esse contrato é muito utilizado em serviços que possuem demandas sazonais, o que é comum nos modelos estrangeiros. Segundo Lorena de Mello Rezende Colnago, o contrato zero hora:

[...] é aquele que impõe a disponibilidade do trabalhador 24 horas por dia, outorgando as cláusulas e condições contratuais ao empregador, deixando o empregado em uma situação muito vulnerável e instável, pois o empregado pode ficar por vários dias sem ser convocado e receber salário, e a empresa sequer necessitará despedi-lo. (COLNAGO, 2018, p. 30)

 O trabalho intermitente no modelo inglês é regulamentado apenas pelo artigo 27-A da Lei dos Direitos do Emprego de 1996 - Employment Rights Act que diz que o contrato intermitente tem como principais características a não garantia de prestação de serviços e a não garantia do recebimento de salário fixo. Por óbvio, uma regulamentação tão escassa é insuficiente para disciplinar o contrato, deixando o empregado a mercê de seu empregador (UK, 1996).

De acordo com os dados do ONS - Office for National Statistics (Escritório de Estatísticas Nacionais), os empregados que se sujeitam ao trabalho intermitente ganham cerca de 2,5 vezes menos do que os empregados com outros contratos. Assim, o rendimento semanal de um empregado com um outro contrato seria em média 479 libras, enquanto o rendimento dos empregados intermitentes seria de apenas 188 libras, ou seja, menos da metade. (ZERO, 2017, p.1).

Portanto, o modelo é alvo de diversas críticas pelos próprios empregados ingleses, que se sentem inseguros com tal modalidade, eles alegam que até na segunda feira de manhã não sabem por quanto tempo vão trabalhar na semana, comprometendo toda uma programação semanal, pois eles precisam aguardar o chamado pelo empregador.

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3.3. Análise legislativa do modelo português de Trabalho Intermitente

O trabalho intermitente em Portugal foi instituído pela Lei nº 7 de 2009 a partir do artigo 157 e seguintes. Assim como no contrato de trabalho intermitente no modelo italiano, tal trabalho no modelo português também é limitado a determinadas atividades, conforme artigo 157 (PORTUGAL, 2009) Em empresa que exerça actividade com descontinuidade ou intensidade variável, as partes podem acordar que a prestação de trabalho seja intercalada por um ou mais períodos de inactividade, ou seja, tal modalidade é permitida apenas  em atividades empresariais caracterizadas pela descontinuidade ou intensidade variável.

No que tange a forma do contrato este deve ter forma escrita e conter a identificação, assinatura e domicílio das partes, bem como, a indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo. A não observância desses requisitos para validade do contrato implica na aplicação do item 2 do artigo 158 (PORTUGAL, 2009) 2 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, ou na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade, isso quer dizer que para a caracterização do trabalho intermitente é necessário o respeito aos requisitos descritos, sob pena de ser considerado contrato por tempo indeterminado.

A prestação de serviço no modelo português traz algumas novidades, até mesmo porque divide o contrato intermitente em duas modalidades. No contrato, deve ser estabelecida a duração da prestação laboral (seja consecutiva ou intercalada), bem como o início e o final de cada um desses períodos de prestações de serviço. Caso não seja informado, no momento da contratação sobre o início da prestação laboral, o empregador deve fazê-lo com o prazo de 20 (vinte) dias de antecedência.  Desse modo, temos duas espécies de trabalho intermitente, o trabalho alternado e o trabalho à chamada.

O trabalho alternado é observado quando as partes preveem além da duração do trabalho, o início e fim de cada período conforme explicitado acima, e a lei impõe alguns limites, quais sejam, a prestação não pode ser inferior a seis meses anualmente, dos quais pelo menos quatro têm que ser consecutivos. Essa espécie é adequada para empresas que possuem épocas de pico durante o ano, como por exemplo, empresas de artigos natalinos ou fabricas de ovo de páscoa. Já o trabalho à chamada, ocorre quando o empregador deve convocar o empregado com antecedência mínima de 20 (vinte) dias. Essa espécie, se aproxima do contrato intermitente instituído no Brasil.

Ademais, a lei nº 7 de 2009 traz o artigo 160 para falar especialmente dos direitos dos empregados:

1 - Durante o período de inactividade, o trabalhador tem direito a compensação retributiva em valor estabelecido em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, na sua falta, de 20 % da retribuição base, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição.

2 - Os subsídios de férias e de Natal são calculados com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses, ou no período de duração do contrato se esta for inferior.

3 - Durante o período de inactividade, o trabalhador pode exercer outra actividade.

4 - Durante o período de inactividade, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.

5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos nos 1 ou 2. (PORTUGAL, 2009)

Isso quer dizer que durante o período de inatividade, o empregado tem direito a compensação retributiva em valor estabelecido por meio de uma Convenção Coletiva [5]ou, na ausência dessa convenção, a compensação se daria no importe de 20% da retribuição base, o que traz uma segurança maior para o empregado no que tange a sua remuneração.

As férias e os subsídios no direito português serão calculados com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses, ou no período de duração do contrato se esta for inferior.

Diante do exposto, observa-se que a atual legislação portuguesa se mostra bem detalhada acerca da modalidade de trabalho intermitente, atentando-se a garantir ao empregado uma segurança maior no que diz respeito a sua jornada que deve respeitar um período mínimo, deve haver uma estipulação de início e fim da prestação laboral ou a convocação com no mínimo 20 (vinte) dias de antecedência, bem como a sua remuneração (com o pagamento, ainda que reduzido, dos períodos de inatividade)

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Sobre a autora
Ana Carolina Ávila Cavalcante

Advogado, Correspondente jurídico

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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