O contrato de trabalho intermitente no brasil: uma análise crítica a partir da constituição e do direito comparado

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4 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O TRABALHO INTERMINTE NO BRASIL: COMPARAÇÕES COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

Apesar do contrato intermitente ser um instituto novo no Brasil, o modelo desse contrato já existe e é muito utilizado em diversos países estrangeiros, conforme mencionado acima, a Itália por exemplo, conta com a regulamentação de tal modalidade desde 2009.

De acordo com Maria Aparecida Gugel (2017), a Reforma Trabalhista sistematiza a modalidade de contrato intermitente de forma deficitária em relação aos aspectos de proteção ao trabalhador intermitente e em contradição ao próprio sistema consolidado.  Ao que tudo indica, o legislador brasileiro baseou-se no direito estrangeiro, sendo esse parâmetro um pouco contraditório, pois utilizou-se do common law (zero hour contract do modelo inglês) e do civil law (job on call do modelo italiano e do modelo português). Aproveitando somente o que há de pior neles, sem considerar os amparos necessários para garantir um trabalho digno.

Após apontamentos legais feitos no capítulo anterior acerca do direito estrangeiro, é possível salientar a semelhança entre o modelo inglês e o modelo brasileiro, de forma que ambos encontram-se escassos no que toca a regulamentação do trabalho intermitente, bem como, precários na positivação de direitos fundamentais que visam garantir um trabalho digno.

No Brasil, tem-se apenas o artigo 452-A da CLT regulamentando a modalidade de trabalho intermitente, o que é injustificável, pois o contrato por prazo indeterminado possui regulamentação ao longo de toda legislação trabalhista, sendo este detalhadamente regulamentado, o que demonstra que houve uma preocupação do legislador em acentuar cada detalhe de tal modalidade. O que é possível observar também no modelo inglês, que possui apenas o artigo 27-A da Lei dos Direitos do Emprego de 1996 como base para organizar uma classe de trabalhadores que vem crescendo com o passar dos anos. É válido destacar que posteriormente a Reforma Trabalhista, foi editada a portaria nº 349/2018 com o intuito de conceituar e esclarecer a regulamentação do artigo 452-A da CLT, não alterando e nem adicionando novas disposições.

Um ponto que deve ser enfatizado, é acerca da jornada do trabalho intermitente. Como visto, no Brasil, a jornada é incerta, o empregado depende do chamado do empregador, o que lhe causa grande insegurança, pois o chamado, pode ser realizado apenas 3 (três) dias para a prestação laboral.

 O modelo brasileiro também se assemelha um pouco ao modelo português, pois este traz uma alternativa que permite ao empregado que se prepare um pouco mais para a prestação do serviço, porém o prazo para convocação é prolongado para 20 (vinte) dias. Entretanto, os dois ordenamentos o empregado continua a aguardar o chamado do empregador, ficando a mercê da sua vontade.

Já a remuneração do ordenamento italiano e português trazem algumas disposições à tona que merecem ser discutidas, como, por exemplo, o fato de no modelo português o tempo de inatividade do empregado ser remunerado com o que chamam de compensação retributiva, o que traz uma maior segurança ao empregado. O modelo italiano utiliza-se da mesma lógica, pois institui uma indenização em valor fixo ao trabalhador, e, caso este não aufira essa renda mínima, exibe que o empregador pague a diferença são disposições com as quais não se pode contar no modelo brasileiro que não garante uma remuneração mínima, muito menos remuneram o período de inatividade do empregado, colocando-o em um enorme desconforto.

O legislador brasileiro nada observou quanto à função fiscalizatória dos sindicatos, bem como quanto aos direitos conquistados por meio das negociações coletivas, o que se pode considerar de suma importância para o contrato intermitente italiano, pois os empregadores devem informar aos sindicatos cada uma das contratações feitas sob pena de multa por cada empregado não informado, aspecto que demonstra a intenção do legislador italiano em fiscalizar a regularidade dessa modalidade e evitar abusos. No modelo português, a remuneração e as demais particularidades devem ser definidas de prontidão por meio de Convenção Coletiva de modo a dar ao empregado uma previsibilidade acerca dos requisitos que circundarão aquele contrato de trabalho.

Uma outra peculiaridade no que tange à falta de limitação do contrato intermitente brasileiro, este pode ser utilizado para qualquer ramo de atividade, com apenas uma exceção expressa no §3º do artigo 443 da CLT que é para os aeronautas, pois possuem legislação própria. Nesse sentido, Eliane dos Santos Alves Nogueira ressalta o porquê deve ser delimitado o ramo de alcance da modalidade intermitente:

[...] é que, se a interpretação seguir no sentido de que qualquer atividade, ainda que contínua, possa se utilizar da prestação de serviços intermitentes, todo e qualquer trabalho intermitente prestado será considerado trabalho subordinado, caso o elemento que afaste a caracterização do contrato de trabalho subordinado seja, única  exclusivamente, a intermitência da prestação de serviços. É exatamente por isso que o limite para o trabalho intermitente deve ser estabelecido em razão da atividade intermitente do empregador, e não pela intermitência da prestação de serviços. (NOGUEIRA, 2017, p.8)

A autora exemplifica a situação da diarista que possui como requisitos da prestação laboral, trabalhar por menos de 3 (três) dias durante a semana, diferenciando-se do empregado doméstico pela não continuidade do serviço (Lei Complementar nº 150/2015). Desse modo, a autora entende que, com o novo raciocínio inserido pela Lei nº 13.467/2017, a figura da diarista não vai mais existir, pois a intermitência que o difere do empregado doméstico, o transformará em trabalhador intermitente.

Essa limitação do ramo de atividade é uma das características presentes em dois dos modelos mencionados no capítulo anterior. No direito português e italiano, o contrato intermitente só pode ser utilizado em atividades que possuam a característica de descontinuidade ou intensidade variável. Segundo Charão e Villarote:

[...] tal forma de introdução do trabalho intermitente, por não o delimitar às atividades que se destina, acaba por incentivar a precarização das relações de trabalho, uma vez que a modalidade de emprego pode ser ampliada a qualquer atividade econômica, excetuados somente os aeronautas. Os doutrinadores afirmam que para a norma prevista na reforma trabalhista sirva ao que se propõe, o contrato de trabalho intermitente só deverá ser adotado quando a atividade explorada pelo empregador tiver caráter de intermitência, a justificar a aplicação dessa espécie de contrato de trabalho, uma vez que sua utilização irrestrita acabaria por precarizar as relações de trabalho. (CHARÃO; VILLAROTE, 2018, p.120)

Portanto, analisada a legislação brasileira, percebe-se, que o legislador brasileiro não se atentou a garantir o necessário equilíbrio entre empregado e empregador. Conclui-se que o modelo brasileiro se utilizou de poucas inspirações do modelo italiano e português que são os únicos que realmente tentam garantir direitos fundamentais mínimos e evitar inseguranças ao empregado intermitente. Aproximando-se mais da realidade do modelo inglês.

De acordo com Charão e Villatore (2018), o modelo inglês indica que o trabalho intermitente impacta diretamente no aumento de pessoas em situação de “subemprego”, ocorrendo um mascaramento dos índices de desemprego. Efeitos estes que não são diferentes no Brasil, pois se deve ter em mente, que esses efeitos negativos, tendem a ser muito maiores aqui, devido ao contexto de desenvolvimento econômico distinto dos países, conforme menciona Caroline Porsche de Menezes e Almiro Eduardo de Almeida (2018):

 [...] a adoção de contratos intermitentes produziria efeitos nefastos na distribuição de renda, aumentando cada vez mais as desigualdades sociais, já tão acentuadas no Brasil. Isso porque, conforme os economistas Almeida e Guilhoto, a economia forma um fluxo circular, haja vista que os salários recebidos pelos trabalhadores estimulam o consumo de bens e serviços, que, por sua vez, são ofertados pelo setor produtivo. (MENEZES; ALMEIDA, 2018, p. 502)

O legislador reformista possui como justificativa para instituição do contrato intermitente diminuir o índice de desemprego que alastra o país atualmente, mas, a partir do momento em que se incentiva uma modalidade contratual que não se garante ao empregado um salário mínimo, o que se faz é resolver apenas formalmente o problema do desemprego. Ser contratado de forma intermitente, ou estar desempregado passa a ser quase a mesma coisa.

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Não faz sentido, segundo Caroline Porsche de Menezes e Almiro Eduardo de Almeida (2018), incentivar a adoção do contrato de trabalho intermitente sob o argumento de que fomentará a economia nacional, e diminuirá o desemprego se essa espécie de contratação acarretará a redução da média salarial e, consequentemente, reduzirá o consumo por parte da população, bem como, influenciará negativamente a qualidade de vida, a segurança do empregado. Podendo-se afirmar que a intenção do legislador reformista não foi de solucionar a crise econômica, pois a criação de postos de trabalho precários, por si só, não fomenta a economia, apenas mascara o alto índice de desemprego com os “subempregos”.

[...] a intenção de ocultar a crítica situação de desemprego – enquanto afasta os direitos dos trabalhadores e reduz a massa salarial – aumenta a vulnerabilidade do empregado frente ao empregador, o deixando ainda mais submisso às condições do explorador da mão de obra. (MAEDA, 2017, p. 325)

 Da mesma maneira, a não garantia de um salário mínimo aumenta os níveis de desigualdade social, pois a renda será concentrada nas mãos de poucos. Concluem os autores que é ineficaz a adoção do contrato de trabalho intermitente para reduzir os índices de desemprego, dizendo ainda que “a garantia dos direitos da classe trabalhadora é a chave para o desenvolvimento econômico e social - e não a criação de inúmeros postos de trabalho precários e escravizantes.” (TEIXEIRA; GONÇALVES, 2016, p.40) Fatos que são relatados e assumidos pelo próprio Ministério Público do Trabalho em nota técnica:

Em nossa ótica, a jornada intermitente institui sistemática prejudicial aos trabalhadores e a própria harmonia da relação capital-trabalho. Além de não proporcionar a alegada segurança jurídica - propalada por seus defensores -, agride normas fundamentais de regência de nosso modelo de produção, encerrando a real possibilidade de agravar o quadro de desemprego no país [...] O estado brasileiro não deveria importar modelos que violam a dignidade da pessoa humana, e mostram-se contrários à valorização social do trabalho. Ao contrário: deveria afirmar a conquista progressivas de cenários que afirmemos valores estampados na Constituição de 1988 (MPT, 2017, p.1)

Portanto, após uma breve análise crítica acerca do contrato de trabalho intermitente, é possível averiguar, que as justificativas utilizadas pelos defensores de tal modalidade, bem como, pelo legislador reformista, são falaciosas, haja vista que esse contrato não assegura meios para melhoria na economia do país, e não diminuiria os efeitos do desemprego. Fica demonstrando que, o que se pretendeu desde o início, foi o afastamento de direitos fundamentais constitucionais e ainda, a supressão de princípios trabalhistas com a única finalidade de reduzir os custos dos serviços prestados pelos exploradores da mão de obra.

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Sobre a autora
Ana Carolina Ávila Cavalcante

Advogado, Correspondente jurídico

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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