Capa da publicação Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).
Capa: DepositPhotos
Artigo Destaque dos editores

Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).

Alguns aspectos

Exibindo página 2 de 5
02/07/2006 às 00:00
Leia nesta página:

2. PRINCIPAIS SUJEITOS INSTITUCIONAIS NA NOVA LEI

2.1. O administrador judicial

A tarefa do administrador judicial, numa empresa em crise, consiste em aplicar sua atividade no reerguimento do ente produtivo enfraquecido, não se submetendo a qualquer influencia do devedor ou dos credores, agindo sob critérios próprios de convicção:

Com base em pesquisas socioeconômicas, o que mais importa é preservar a empresa como ente produtivo, posto que a principal causa de seu insucesso reside na má gestão, busca restaurar o organismo desequilibrado, substituindo-se os causadores da crise. 28

Dessa forma, o administrador judicial assume papel fundamental na legislação brasileira, com a especialização de suas funções, posto que o art. 21 da Lei 11.101/2005 descreve que deve ser profissional idôneo com formação preferencial em direito, economia, administração de empresas ou contabilidade, inclusive autorizando pessoa jurídica especializada para exercer esta atividade.

A expressão "preferencialmente" dá a entender que o administrador, pessoa física, estará constrito a estas profissões, o que pode ser um erro, pois, por exemplo, o engenheiro civil, hodiernamente, é uma profissão multifacetada e, em muitos casos, sobrepõe-se aos demais, numa visão holística da administração empresarial.

Por outro lado, com a flexibilização da recuperação judicial, se comparada com a rigidez da concordata, a possibilidade de pessoa jurídica assumir o papel de administrador judicial neste novo contexto organizatório é um avanço considerável. Já é perceptível, no mercado, movimento de empresas especializadas na área de gestão empresarial, criando um novo e fértil nicho de atuação.

Ao se instituir a figura do administrador judicial na recuperação de empresas, o legislador o fez com objetivos concretos, reais, definidos, pois ao dizer que o mesmo deveria ser, preferencialmente, um profissional daquelas áreas citadas, é porque antevia uma missão que para ser bem feita, necessariamente teria que contar com os trabalhos de tais profissionais. Só mesmo diante do quadro concreto é que terá o administrador judicial a real visão do papel que terá de desempenhar no cumprimento de suas tarefas, disto dependendo uma serie de ocorrências, como por exemplo, a classificação do recuperando (pequena, media ou grande empresa), o seu passivo, a representatividade deste passivo pelo número de credores, pelas espécies de créditos e suas respectivas classificações, pelos documentos contábeis e fiscais do devedor, pelos documentos apresentados pelos credores quando de suas habilitações, etc.

O ônus da nomeação do administrador judicial é de competência exclusiva do juiz do feito, que pode entender recair sobre um profissional de outra área as mesmas ou talvez melhores condições de administrar um processo de recuperação judicial, e daí nomeá-lo, até mesmo por que ficará, permanentemente, sob a fiscalização do juiz.

Dependendo da complexidade que o administrador judicial vai enfrentar num determinado processo de recuperação, e independentemente, de qual profissão ele exerça, sem dúvida necessitará de auxilio de profissionais de outras áreas, que poderão ser contratados com a autorização do juiz do feito.

Esta flexibilização legal é sinal positivo do novo sistema. O legislador mostrou sensibilidade procurando colocar ao alcance do devedor em recuperação meios para que possa voltar a exercer, normalmente, sua condição de unidade produtiva no cenário nacional.

Se a hipótese de nomeação do administrador judicial recair sobre pessoa jurídica especializada nos fins exigidos pela lei, esta, de início, terá a obrigação de, comparecer, no prazo de 48 horas, na sede do juízo, e assinar o termo de compromisso de bem, e fielmente, desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades inerentes a ele, declarar o nome do profissional integrante da citada empresa que será responsável pela condução do processo de recuperação judicial. Ou seja, todos os trabalhos poderão ser conduzidos por todos os profissionais da empresa nomeada como administrador judicial, mas perante o juiz apenas um responderá pela condução do processo. Caso haja a necessidade de sua substituição para estes fins, esta somente poderá ser feita com autorização do juiz do feito.

O art. 22 da Lei 11.101/2005 prescreve, com clareza, os deveres do administrador judicial, que são:

  • enviar correspondência aos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, comunicando a data do pedido de recuperação judicial, ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada a cada crédito;

  • fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;

  • dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício 29, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;

  • exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;

  • elaborar a relação de credores;

  • consolidar o quadro-geral de credores;

  • requerer ao juiz a convocação da Assembléia-Geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para tomada de decisões;

  • contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;

  • manifestar-se, nos prazos previstos em lei;

  • fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;

  • requer a falência do devedor no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação;

  • apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;

  • apresentar o relatório final para o encerramento da recuperação judicial.

É de ressaltar-se que uma das principais características das novas atribuições do administrador judicial está explícita no item d) do inciso I do art. 22 que diz: "exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações". Observe-se que não é dito que o administrador deve requerer ao juiz que o devedor, ou o credor preste informações; a Lei diz que o próprio administrador pode "exigir". Tais informações são necessárias para que possa o administrador inteirar-se de todas as causas e situações anteriores e concomitantes à recuperação judicial, ou à falência. Trata-se de medida de boa prática, impondo ao administrador agir com relação ao devedor e suas obrigações, diligenciando com prontidão, sempre que necessário. Caso haja recusa na prestação de informações, o devedor e seus administradores serão afastados da administração da empresa (inciso V do art. 64).

Diz a lei que, se o administrador judicial não apresentar, no prazo estabelecido, suas contas ou qualquer dos relatórios previstos na mesma, será intimado, pessoalmente, a fazê-lo, no prazo de cinco dias, sob pena de desobediência, com pena cominada de 15 dias a 6 meses de detenção, nos termos do art. 330 do Código Penal.

Agravando a situação do administrador judicial omisso, o juiz o destituirá, nomeando-lhe substituto para o desempenho das tarefas não concluídas por aquele.

De ofício, ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado (devedor, credores, Ministério Público, etc.) o juiz poderá determinar a destituição do administrador judicial ou de quaisquer os membros do Comitê de Credores assim que verificar qualquer ato de desobediência aos preceitos legais tais como descumprimentos de deveres, omissões, negligências ou práticas de atos lesivos às atividades do devedor ou mesmo a terceiros.

O administrador que, bem e fielmente, cumprir sua funções será remunerado com percentual nunca superior a 5% do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial. A fixação desta remuneração será, também, de competência exclusiva do juízo do feito, tendo como parâmetros:

  • capacidade de pagamento do devedor;

  • grau de complexidade do trabalho;

  • valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.

Caso o juiz condutor do feito, ao fixar as remunerações tanto do administrador judicial quanto de seus auxiliares, o fizer em níveis insatisfatórios ou que fuja dos padrões que a lei lhe impõe, nada impede que o interessado, em petição devidamente fundamentada, acompanhada de documentação que se fizer necessária, como, por exemplo, tabelas de preços, esclarecimento do grau de complexidade, envolvimento do número de profissionais e auxiliares para a realização das tarefas, a real capacidade de pagamento do devedor (após analise de sua vida contábil, econômica e financeira), etc. reivindique melhoras, e até mesmo se recuse a assumir as respectivas funções.

O administrador judicial substituído será remunerado proporcionalmente ao trabalho realizado, salvo se renunciar sem relevante razão ou for destituído de suas funções por desídia, dolo, culpa ou descumprimento das obrigações fixadas na Lei de Recuperação de empresas, hipótese em que não terá direito a qualquer remuneração. Também não terá direito a remuneração, o administrador judicial que não tiver suas contas aprovadas.

O legislador também previu alguns impedimentos para o exercício do cargo de administrador judicial. Dessa forma, não poderá exercê-la quem, nos últimos cinco anos, no exercício deste cargo, ou de membro de Comitê em falência ou recuperação judicial anterior foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve prestação de contas desaprovada.

A questão do parentesco também se constitui em motivo impeditivo. A função de administrador judicial, diz a Lei, não poderá ser exercida por quem tiver relação de parentesco ou afinidade, até 3º grau, com o devedor, seus administradores, controladores, ou representantes legais, ou deles for amigo, inimigo ou dependente.

Também não pode ser administrador judicial quem não pode ser empresário, tais como funcionário público, militar, quem tiver contra si mandados de prisão ou tenha sido condenado por crime falimentar, de prevaricação, de peita ou suborno, de concussão, de peculato, contra a econômica popular, a fé publica ou crimes contra a propriedade alheira, como roubo, furto, apropriação indébita, estelionato e outros semelhantes. Também é vedada a nomeação de quem tenha sido condenado por prática de crime que vede, ainda que temporáriamente, o acesso à cargo público.

Na mesma linha de seriedade que o legislador direcionou ao exercício das funções de administrador judicial, bem como aos motivos impeditivos destas mesmas funções, abriu ainda ao devedor, à qualquer credor e ao Ministério Público a faculdade de requerer ao juiz a substituição, se nomeados em desobediência aos princípios da Lei 11.101/2005, tanto o administrador como qualquer membro integrante do Comitê de Credores. O prazo que o juiz tem para decidir requerimentos desta natureza é de apenas 24 horas (parágrafo 3º do art. 30).

É possível, não obstante tantos critérios e cuidados que o legislador tenha usado para que o administrador judicial seja efetivamente idôneo, exerça com profissionalismo e seriedade suas funções, tenha as devidas cautelas que deve preceder o desempenho das atividades de qualquer profissional que se preze, etc., que ainda assim, em algum caso, possa o mesmo, por qualquer motivo, causar algum prejuízo a massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa.

Nesta hipótese, a lei determina que o administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores, por dolo ou culpa, devendo o dissidente em deliberação do Comitê consignar sua discordância em ata para eximir-se da responsabilidade (art. 32).

Além de estarem explícitas na lei todas as responsabilidades do administrador judicial, e dos integrantes do Comitê de Credores, tem eles ainda a obrigação de, logo que nomeados e após a respectiva intimação, no prazo de 48 horas, assinarem, na sede do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar os cargos e assumir todas as responsabilidades a eles inerentes. E específica a lei ao dizer que, se o administrador judicial não assinar o termo no prazo legal, o juiz nomeará outro (art. 34).

2.2. Assembléia geral de credores

2.2.1 Composição

Segundo o art. 41 da Lei 11.101/2005, a Assembléia Geral de Credores será composta por três classes de credores, a saber:

  • titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;

  • titulares de créditos com garantia real;

  • titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

Há duas observações relevantes: a primeira, no parágrafo inicial do artigo, indica que os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe dos trabalhadores, independentemente do valor. A justificativa é que a representação do trabalhador não se pode dar em face do valor de seu crédito, que é definido por muitas variáveis (tempo de serviço, etc.), o que acarretaria a elitização do crédito trabalhista se o valor fosse utilizado como critério único, até porque as categorias gerenciais e de diretoria, numa empresa, teriam maior valor de créditos do que os trabalhadores de nível mais baixo, gerando privilégio inadmissível. A segunda, contida no parágrafo 2º, é que os titulares de créditos com garantia real votam com a classe dos credores com garantia real, mas sómente até o limite do valor do bem gravado; aquilo que superar este limite passa a valer para a classe dos credores quirografários pelo restante do valor de seu crédito.

Ao distribuir os credores em classes, a lei incorreu num gravíssimo erro. Falo da inclusão, na mesma classe, dos credores quirografários e dos titulares de privilégio geral. Em tese, as classes deveriam agrupar os credores com interesses convergentes. O objetivo da divisão dos credores reunidos em Assembléia de classes é o de impedir distorções na formação da vontade da comunhão. Se os créditos de maior importância pertencem à credores de uma certa classificação, a indistinção em classes levaria a prevalência dos interesses deles, nem sempre conciliáveis com os das demais. Pois bem, a reunião, numa mesma classe de credores com interesses divergentes, representa a negativa deste objetivo. Os credores quirografários tem interesses diversos dos titulares de privilégio, especial ou geral. Enquanto estes últimos, exatamente por gozarem de preferência na falência, tendem a ser menos receptivos às propostas de alteração, novação ou renegociação de seus créditos no âmbito da recuperação judicial, os quirografários em geral se abrem mais facilmente a tais propostas. Isso porque a falência do devedor certamente impedirá que os quirografários tenham os seus créditos atendidos. Em outros termos, é muito diferente o risco de não recebimento do crédito que enfrentam os quirografários, de um lado, e os titulares de privilégio, de outro. O mais correto seria classificar os titulares de privilégio geral junto com os credores com garantia real e privilégio especial. Há maior convergência entre esses credores do que entre um deles e os quirografários. 30

2.2.2 Convocação, quorum, voto e deliberação

A Assembléia de Credores, nos termos do art. 36 da Lei 11.101/2005, deve ser convocada pelo Juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 dias e com indicação de local, data e hora do evento em primeira convocação, não podendo a segunda convocação ser realizada a menos de cinco dias após a primeira. O Edital deve também ter a ordem do dia, e o local onde os credores poderão obter cópia do plano de recuperação judicial a ser submetido à Assembléia, para que o credor possa ir analisando o plano sem ser pego de afogadilho nas diversas questões que podem ser suscitadas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Foi oportuna a inclusão, pelo legislador, da previsão de que, além do mecanismo de convocação ex officio pelo Juiz, poderão os credores que representem no mínimo 25% do valor total dos créditos de uma das classes (trabalhistas, privilegiados ou quirografários previstos no art. 41), requerer ao Juízo a convocação da Assembléia, pois pode, o devedor, em alguns casos, não se interessar por nenhuma solução para o seu negócio, sendo importante que o credor, verdadeiro interessado nos destinos da empresa em crise, seja ele quem for, possa querer participar mais ativamente do processo e agir com cautela. Entretanto, é necessário que este credor seja minimamente representativo para movimentar todo o processo de convocação e instalação da Assembléia.

As despesas com a convocação e a realização da Assembléia Geral correm por conta do devedor, saldo se convocada em virtude de requerimento dos credores, exatamente para não impor maiores ônus ao credor, além dos prejuízos da inadimplência. Uma segunda hipótese em que o credor arca com tais custos é quando o Comitê de Credores, por qualquer razão, convoca a Assembléia, desestimulando sua convocação por razões pífias.

A Assembléia Geral de Credores é presidida pelo Administrador Judicial, que designara um secretário entre os credores presentes (art. 37, caput). O legislador optou pela mesma solução da antiga Lei de que o Administrador é pessoa de confiança do Juízo, e, assim sendo, não poderia ser de escolha do credor. É o Juízo quem o nomeia e só ele pode substituí-lo.

O Presidente da Assembléia dirige os trabalhos, dá a palavra para que os interessados se manifestem e ordena as votações. É papel importante e, não raro, acaba decidindo pela aprovação de uma ou outra proposição do Plano. Porém, nas deliberações sobre o afastamento do Administrador Judicial ou em outras em que haja incompatibilidade deste, a Assembléia será presidida pelo credor presente que seja titular do maior crédito.

A Assembléia Geral de Credores é instalada, em primeira convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em segunda, com qualquer número, medida destinada a evitar procrastinações. Igualmente está previsto o modo de registro da participação dos credores, devendo assinar a lista de presença, que será encerrada no momento da instalação.

O credor poderá ser representado em Assembléia por mandatário, ou representante legal, desde que entregue ao Administrador Judicial, até 24 horas antes da Assembléia o documento hábil que comprove seus poderes, ou a indicação das folhas do processo em que se encontre o documento (parágrafo 4º do art. 37).

Os sindicatos dos trabalhadores poderão representar seus associados titulares de crédito derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente do trabalho que não comparecerem, pessoalmente ou por procurador (parágrafo 5º do art. 37). O intuito é fazer com que o trabalhador seja representado: se não puder estar presente, ou se optar por uma representação coletiva, o sindicato poderá agir como representante legal. Há, neste formato, vantagens e desvantagens. Por um lado, o sindicato, entidade coletiva e legítima, supõe-se mais organizado e preparado do quem um trabalhador individual, que, muitas vezes não dispõe de conhecimento especializado. No entanto, com esta representação, está trazendo para a Assembléia, um ator que poder ter interesses diferentes daqueles necessários ou mais adequado a um processo de recuperação, onde a todos são impostos sacrifícios.

De toda sorte, para exercer a prerrogativa legal, o sindicato deve apresentar ao Administrador Judicial, até dez dias antes da Assembléia, a relação dos associados que pretende representar, e o trabalhador que conste da relação de mais de um sindicato devera esclarecer, até 24 horas antes da Assembléia, qual o sindicato que o representa, sob pena de não ser representado por nenhum deles (parágrafo 6º art. 37).

Segundo o art. 39 da Lei 11.101/2005, terão direito a voto as pessoas arroladas no quadro geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo Administrador Judicial (publicados no Edital que contém a relação dos credores), ou na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos do art. 51, incisos III e IV.

Como regra geral, portanto, votam todos aqueles que estejam habilitados na data de realização da Assembléia ou que tenham crédito admitido ou alterado por decisão judicial, inclusive os que tenham obtido reserva de importâncias. Aqui, os titulares de créditos retardatários, excetuados os créditos derivados da relação de trabalho, apesar de credores habilitados, não terão direito a voto nas deliberações da Assembléia (art. 39, caput).

Não terão direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum de instalação e deliberação, os titulares de créditos cujas obrigações são provenientes da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente comprador de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, nos termos do parágrafo 1º do art. 39, bem como os adiantamentos por contratos de câmbio (inciso II do art. 86).

O parágrafo 3º do art. 39 prevê: "No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa".

O art. 40 da Lei 11.101/2005 prescreve: "Não será deferido provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório dos efeitos da tutela, para a suspensão ou adiamento da assembléia-geral de credores em razão de pendência de discussão acerca da existência, da quantificação ou da classificação de créditos".

Este art. 40 é de duvidosa constitucionalidade por flagrante violação ao inciso XXXV do art. 5º da CF/88, in verbis: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito".

Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, no âmbito da Assembléia, todas as classes de credores (trabalhadores, credores com garantia real e quirografários) deverão aprovar a proposta. Ou seja, a regra geral é que a aprovação da Assembléia deva ser unânime.

No entanto, em cada uma dessas classes, a proposta deverá ser aprovada por credores que representam mais da metade do valor total dos créditos presentes na Assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

Já na classe dos trabalhadores, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

Cumpre lembrar-se de que o credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito (art. 49).

Outrossim, os titulares de créditos com garantia real votam com a respectiva classe até o limite do valor do bem gravado, e com a classe dos credores quirografários pelo saldo do valor de seu crédito (parágrafo 2º do art. 41), enquanto que os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrente de acidentes do trabalho votam na mesma classe, independentemente do valor de seu crédito (parágrafo 1º do art. 41).

Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras ou controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% do Capital Social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% do Capital Social, poderão participar da Assembléia de Credores, mas sem ter direito a voto, tampouco sendo considerados para fins de verificação do quorum de instalação. Tais disposições também se aplicam ao cônjuge ou a parente, consangüíneo ou afim, colateral até segundo grau, ascendente ou descendente do devedor, do administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal ou semelhante da sociedade devedora, e a sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções (art. 43 e parágrafo único).

Sobre os quoruns de deliberação na Assembléia Geral de Credores, adverte Jairo Saddi:

O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial. No entanto, o mecanismo de deliberação pelo voto é desnecessariamente complicado. Senão vejamos: cada classe vota individualmente. Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a sua classe, independentemente de valor; os titulares de créditos com garantia real votam com a respectiva classe até o limite do valor do bem gravado e com a classe dos credores quirografários com o saldo do valor de seu crédito. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor dos créditos presentes a assembléia geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial (que é o mais importante), e sobre a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145. Nestas deliberações em específico (sobretudo acerca do plano de recuperação judicial) todas as classes de credores referidas no artigo 41 deverão aprovar a proposta. Contudo, a unanimidade de votos de cada classe tem um requisito. Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do artigo 41, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes a Assembléia e, cumulativamente, por maioria simples dos credores presentes. Ou seja, une-se o critério de voto qualitativo com o quantitativo, com exceção da classe dos credores trabalhistas em que a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, não importa o valor do crédito. 31

O Senador Ramez Tebet, em relatório apresentado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, prestou importante esclarecimento sobre os critérios de votação em assembléia quando comentou:

A regra geral para a deliberação sobre propostas na assembléia geral de credores é o voto proporcional ao valor do crédito e a proporção pela maioria dos presentes, independentemente da natureza do crédito. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, contudo, as deliberações são tomadas por classe, observada a proporção do crédito de cada credor. Na classe dos trabalhadores, as diferenças entre os credores podem implicar inadmissível detrimento dos pequenos, que tem menor capacidade econômica para aceitar descontos ou diferimentos no recebimento, dado o caráter alimentar das parcelas trabalhistas e tanto maior quanto menor for o crédito. Propomos, assim que os votos dos trabalhadores nas votações por classe sejam tomados na proporção de um voto por trabalhador, e não em função do valor do crédito de cada um. Com esta medida, à todos os trabalhadores é dado igual peso na votação, o que protege os mais humildes. Em deliberações outras, que não as referentes ao plano de recuperação, os credores votam independentemente de classes e, nesse caso, não é possível mesclar os critérios de votação por valor do crédito e por cabeça. Assim, nas demais deliberações, e também para fins de verificação de quorum de instalação, os trabalhadores são contados e votam como todos os demais credores, ou seja, em função do valor de seu crédito. 32

Para cada matéria em apreciação, cabe à mesa diretora dos trabalhos delimitar com cuidado o conjunto dos credores envolvidos. Se a revisão do passivo trabalhista conste do plano de reorganização implicar, por exemplo, antecipação de pagamentos devidos aos trabalhadores, como ela impacta o fluxo de caixa da sociedade devedora, todos os credores sujeitos a recuperação judicial são interessados e não apenas os titulares de créditos trabalhistas. Neste caso, as três instâncias devem deliberar.

O privilégio concedido aos trabalhadores é exatamente para se compensar algumas limitações que a própria Lei dispensa a esta classe, como por exemplo, a de que o Plano de Recuperação Judicial não poderá prever o pagamento além de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial (parágrafo único do art. 54), e mesmo a limitação de até 150 salários mínimos por cada trabalhador, no caso de falência (art. 83, inciso I).

A Lei não mostraria sabedoria, pois seria injusta caso determinasse que a votação da classe dos trabalhadores devesse ter por base a proporção de seu crédito, quando, em outro momento, o limita, o que não ocorre com as outras classes de credores. Daí, prescrever a lei que esta classe vota com o total de seu crédito, independentemente do valor. 33

A divisão da Assembléia dos Credores em classes tem lugar, unicamente, na colheita dos votos. Durante a fase de discussão, o credor presente tem sempre direito à voz, ainda que a matéria deva ser votada numa instancia classista a que não pertence.

2.3. O comitê de credores

2.3.1. Constituição e Composição

O Comitê de Credores não é uma figura nova em nosso diploma falimentar, pois existia no Decreto-Lei 7661/45, como se pode ver nos arts.122 e 123 daquele diploma legal, que previam a formação do comitê de credores para liquidar ou administrar a massa falida, da forma que viessem a propor ao juiz. No entanto, não houve interesse em usar tal prerrogativa legal, porque a recuperação econômica por meio de comitês é fenômeno de natureza econômica e não jurídica. Ou seja, embora já houvesse a previsão legal, não houve interesse econômico e, por isto mesmo, o sistema de comitês na legislação anterior não funcionou.

A instalação do Comitê de Credores é facultativa. Ele não existe, e nem deve existir, em toda e qualquer recuperação judicial, ou falência. Deve, ao contrario, ser instaurado pelos credores apenas quando a complexidade e o volume da empresa em crise o recomende. Não sendo empresa de vulto (seja pelo indicador da dimensão do ativo, ou do passivo) e não havendo nenhuma especificidade que justifique sua formação, o Comitê representará, apenas, burocracia e perda de tempo, sem proveito algum para o processo de recuperação ou falimentar.

Em nenhuma hipótese será obrigatório o Comitê, nem mesmo em macroempresas.

Quem decide se o Comitê de Credores deve existir são os credores através da Assembléia Geral de Credores. Cabe a eles verificar se existem meios para absorver, sem maiores conseqüências, os custos de implantação e funcionamento do Comitê e se a complexidade do passivo recomenda. Na falência, o Comitê pode ser instalado não só por deliberação dos credores, mas também por determinação do juiz em sentença (art. 99, XII).

Pela regra do art. 26 da Lei 11.101/2005, o Comitê é composto, por:

  • um representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com dois suplentes;

  • um representante indicado pela classe dos credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com dois suplentes;

  • um representante indicado pela classe dos credores quirografários e com privilégios gerais, com dois suplentes.

No processo de escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores, sómente os respectivos membros daquela classe podem votar. Contudo, a falta de indicação de representante por quaisquer das classes não prejudicará a constituição do Comitê, que poderá funcionar com número inferior ao previsto (parágrafo 1º do art. 26).

A Lei também prevê a possibilidade de o juiz nomear o representante e os suplentes da respectiva classe ainda não representada no Comitê, independentemente de realização de Assembléia Geral de Credores, desde que haja requerimento subscrito por credores que representem a maioria dos créditos da classe requerente.

As mesmas causas que impedem a nomeação do administrador judicial também obstam a nomeação dos membros do Comitê, sendo que, em caso de indicação em desobediência aos termos da Lei, ou ocorrência de descumprimento dos deveres, omissão, negligência ou mesmo a prática de atos lesivos às atividades do devedor ou de terceiros, o Juízo poderá determinar a destituição dos infratores à pedido do devedor, qualquer credor ou do Ministério Público, convocando os suplentes.

Da mesma forma como previsto para o Administrador Judicial, o integrante do Comitê de Credores também presta compromisso em Juízo, mediante a assinatura do respectivo termo, assumindo todas as responsabilidades inerentes ao cargo, inclusive às decorrentes dos prejuízos que causarem, por dolo ou culpa, ao devedor, à massa falida, ou mesmo aos credores, e das quais sómente se eximirão se consignarem em ata a expressa discordância quanto à deliberação causadora do alegado prejuízo (art. 32).

2.3.2. Atribuições e Responsabilidades

As atribuições do Comitê de Credores, comuns tanto ao regime da recuperação judicial como da falência, são (art. 27, inciso I da Lei 11.101/2005):

  • fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;

  • zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;

  • comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores;

  • apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;

  • requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;

  • manifestar-se nas hipóteses previstas na Lei.

As tarefas específicas do Comitê de Credores na recuperação judicial são (art. 27, inciso II da Lei 11.101/2005):

  • fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;

  • fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;

  • submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas na Lei, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessário a continuação da atividade empresarial durante o período que antecede à aprovação do plano de recuperação judicial.

As decisões do Comitê são tomadas por maioria, e consignadas em livros de atas, rubricadas pelo Juízo, que ficará a disposição do administrador judicial, dos credores e do devedor. Como livro mercantil, deve respeitar as normas aplicáveis ao instituto, inclusive no que diz respeito à forma de escrituração e arquivamento na Junta Comercial. Por outro lado, seu conteúdo tem a eficácia probatória prevista no art. 226 do Código Civil/2002 e arts. 378 e 379 do CPC.

Se não for possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o impasse será resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo Juízo: "Norma confusa, certamente irá provocar dúvidas desnecessárias (que incentivarão a não-formação do Comitê de Credores)" 34.

Se o Comitê é formado por três membros, é fácil supor que a maioria simples nem sempre é atingível; ora o administrador passará a ter voto decisivo sem participar do Comitê; se cabe a ele decidir o impasse (por exemplo, cada voto por uma opção diferente), no fundo a decisão pode caber sempre ao administrador, o que pode não ser desejável.

Se a existência do Comitê é facultativa, na hipótese de não haver Comitê de Credores, cabe ao administrador judicial (ou, na incompatibilidade deste, ao Juízo) exercer suas atribuições. Mais uma vez, é discutível a opção do Legislador optar por dar mais poder ao administrador judicial.

Prevê o art. 29 que os membros do Comitê terão sua remuneração custeada pelo devedor, no entanto, as despesas para a realização de diversos atos do processo, se devidamente comprovadas e com autorização do Juízo, serão ressarcidas, dentro das possibilidades de caixa.

Além de sua competência fiscal, por cujo exercício presta contas mensais, o Comitê pode, eventualmente, exercer também duas outras.

A primeira diz respeito à elaboração de plano de recuperação alternativo ao apresentado pelo devedor. A lei não a menciona especificamente, mas deve-se admití-lo em qualquer caso. Sempre que o Comitê tiver um plano de recuperação diferente do apresentado pelo devedor, pode, e até deve, tomar a iniciativa de submetê-lo a Assembléia de Credores. Convém que indique as diferenças entre seu plano e o do requerente, bem como as vantagens que lhe atribui.

A segunda competência do Comitê estranha à função de fiscalização tem natureza administrativa. Quando o Juízo determina o afastamento da administração da sociedade em recuperação judicial, cabe ao Comitê cuidar das alienações de bens do ativo permanente e dos endividamentos necessários a continuação da atividade empresarial, submetendo ao Juízo as medidas administrativas a eles relacionadas. Cessa o exercício desta competência de participe da administração da empresa após a aprovação do plano de recuperação judicial.

Diz a Lei 11.101/2005, em seu art 32, 1a parte que "o administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos prejuízos causados a massa falida, ao devedor ou aos credores, por dolo ou culpa (...)".

Sobre a eventual responsabilidade solidária dos membros do Comitê de Credores frente ao que dispõe o Código Civil Brasileiro, destacou o Advogado Manoel Ignácio Torres Monteiro:

Os membros do comitê de credores estariam sujeitos a responsabilidade civil por atos ilícitos, conforme o previsto no art. 927 do Código Civil, e poderiam ser responsabilizados por seus atos, especialmente aqueles contrários as suas atribuições e deveres, estes bem definidos no projeto de lei.

Mas estariam sujeitos a responsabilidade solidária entre eles, já que se trata de órgão colegiado, composto por três representantes, cujas deliberações são tomadas por maioria?

Em princípio, não. O novo Código Civil, em seu artigo 265, dispõe que não há presunção de solidariedade: esta resulta da lei ou da vontade das partes. Tanto a redação do projeto de lei aprovada na Câmara dos Deputados quanto a atual não dispõe expressamente sobre a responsabilidade solidária entre os membros do comitê de credores. Cada um responde individualmente por seu atos... omissis. Entretanto, o legislador, no Senado Federal, preferiu garantir possibilidade de membro do comitê de credores que, em princípio, não é solidáriamente responsável por seus pares, eximir-se de quaisquer responsabilidades, fazendo consignar sua discordância em ata...omissis...Certo é que os membros do comitê serão responsabilizados principalmente por omissão, ou seja, caso deixem de agir verificando ato irregular, especialmente do administrador judicial e do devedor. 35

2.3.3. Impedimentos, Substituição e Destituição

Com relação aos impedimentos, não poderão integrar o Comitê de Credores, assim como não poderá ser administrador judicial, quem, nos últimos cinco anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro de Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada. Tampouco poderá fazê-lo quem tiver relação de parentesco até terceiro grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. (art 30 e parágrafo 1º da Lei 11.101/2005).

Tais impedimentos se justificam por razões de conflito de interesse.

No caso de prova de impedimento, o devedor, qualquer credor ou o Ministério Público, poderá requerer ao juiz a destituição de qualquer membro do Comitê nomeados em desobediência aos preceitos legais ou quando não forem cumpridas a contento suas funções legais. Neste caso, é obrigatório ao juiz decidir, no prazo de vinte e quatro horas, sobre o requerimento ajuizado e, óbviamente, são necessárias provas de que a nomeação se deu ao arrepio da lei. (art. 30, parágrafo 2º e 3º).

Sem prejuízo da boa intenção certamente insuflada pelo saudável princípio da celeridade, a Lei traz uma determinação de impossível cumprimento, ao estabelecer que o juiz decidirá em 24 horas sobre o requerimento. Antes de tomar a grave decisão de substituir o administrador, ou qualquer membro do comitê, deverá, no mínimo, abrir vista para a manifestação deste, não sendo recomendável tal tipo de decisão sem a ouvida dos interessados, a ser em casos especiais e graves, nos quais a comprovação do alegado já venha documentalmente comprovada, de forma suficiente. 36

A substituição, bem como a destituição, são sanções impostas aos membros do Comitê de Credores, assim como ao administrador judicial, que deixar de cumprir adequadamente suas obrigações na recuperação judicial, ou na falência. Destituído, o membro do Comitê de Credores fica impedido de ser eleito em outro Comitê de Credores.

Não se confunda a destituição com a substituição que é ato desprovido de caráter punitivo de cabível em casos como o de renúncia fundamentada, morte ou falência de qualquer membro do Comitê ou do administrador judicial.

Compete ao Juízo da recuperação judicial, ou da falência —agindo de ofício ou a pedido de qualquer interessado (inclusive o Ministério Público, tendo em vista sua função de fiscal da Lei)— decretá-la. Observe-se que, por se tratar a destituição de uma penalidade, tem o destituído o direito constitucional a ampla defesa, que deve ser assegurado pelo juízo antes de sua decisão.

Se o membro do Comitê foi negligente ou tiver praticado ato lesivo a administração da empresa em recuperação ou prejudiciais a credores ou terceiros, ele deve ser destituído de suas funções pelo juízo.

Se pela negligência ou lesão forem responsáveis todos os integrantes do órgão, o Comitê será dissolvido pelo Juízo.

Tem legitimidade para requerer a destituição, o Ministério Público e qualquer interessado.

A lei não define o procedimento a ser observado na hipótese, mas cabe ao Juízo garantir o exercício do direito de defesa aos acusados, tendo em vista que a destituição configura penas impostas aos membros do Comitê.

2.4. O representante do ministério público

O Ministério Público atua, a despeito do veto presidencial ao art. 4º. da Lei 11.101/2005 que dispunha que: "O representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência. Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta", como interveniente e/ou como agente. Não há necessidade do Juízo remeter aos autos ao Ministério Púbico a cada passo da recuperação ou da falência, o que sempre ocorria na legislação anterior.

A atuação do Ministério Público como órgão interveniente decorre de sua intimação do despacho de processamento da recuperação (inc. do art. 52). Estabelece-lhe o dever de requerer, quando o caso, a substituição do administrador judicial ou de membro do Comitê (parágrafo 2º do art. 30), o que pressupõe, naturalmente, a sua atuação no processo. Da mesma forma, poderá impugnar a relação de credores e recorrer da decisão judicial proferida na impugnação do crédito, já que pode promover a ação prevista no art. 19; poderá recorrer da decisão que homologar a recuperação judicial (art. 59, parágrafo 2º), o que, por óbvio, pressupõe que esteja desempenhando seu papel no processo. Manifesta-se na prestação de contas apresentada pelo administrador judicial (art. 154). O Ministério Público deve ser intimado pessoalmente na apresentação do plano de recuperação, e poderá manifestar-se sobre ele antes da assembléia dos credores.

Estabelecida, pela lei, a atuação do Ministério Público, impende dizer que a sua atuação deve pautar-se pela fiscalização da legalidade e, ainda, pela eficiência do processo. Quanto menor a participação dos credores, mais intensa deve ser a atividade de Ministério Público. O que precisam os credores para tomada de decisão em relação à recuperação da empresa é de informações a respeito da empresa devedora e o Ministério Público deve trabalhar para que todos os dados da empresa estejam à disposição dos credores.

Do despacho de processamento da recuperação, o Ministério Público será intimado pessoalmente (parágrafo 2º do art. 236 do CPC); deverá examinar toda a documentação apresentada (art. 51 da Lei 11.101/2005), não somente no seu aspecto formal, mas, sobretudo, no significado econômico e jurídico.

A intimação do Ministério Público é sempre obrigatória, mas a intervenção deve ficar a critério da instituição, conforme o caso, como explicaram as razões do veto do Presidente da República ao art. 4º. "O Ministério Público e, portanto, comunicado a respeito dos principais atos processuais e nestes terá a possibilidade de intervir. Por isso, é estreme de dúvidas que o representante da Instituição poderá requerer, quando de sua intimação inicial, a intimação dos demais atos do processo, de modo que possa intervir sempre que entender necessário e cabível".

O Ministério Público não interferirá no conteúdo das decisões tomadas em assembléia por parte maiores e capazes, mas, se identificar abusos, poderá postular ao juiz sua superação; para tanto, após a decisão da assembléia, deve ser ouvido. "Entre credores-devedor há relação obrigacional debito-crédito. Para o Ministério Público há, subjacentemente à relação obrigacional, uma empresa cuja função social é ponto de exame". 37

Esta atividade do Ministério Público está em rigorosa consonância com a dicção constitucional. Com efeito, a sede constitucional do Ministério Público é o art. 127, caput da CF/88: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

A atuação do Ministério Público no processo de recuperação de empresas passa pela defesa da ordem jurídica e pela defesa dos interesses sociais, no estrito cumprimento, portanto, de sua missão constitucional.

Sempre que ocorra, pelo menos, ameaça de lesionamento a interesse público, evidenciado pela natureza da lide, é obrigatória a intervenção do Ministério Público, nos termos do art. 82, inciso III do CPC, considerando que, pelo art. 189 da Lei 11.101/2005, o CPC é aplicado supletivamente.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Carlos Souto Júnior

advogado em Porto Alegre (RS), pós-graduado em Direito de Empresa pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUTO JÚNIOR, Carlos. Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).: Alguns aspectos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8587. Acesso em: 28 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos