As representações do sistema de justiça criminal cearense acerca de mulheres vítimas do crime de estupro.

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04/11/2020 às 15:24
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do presente trabalho, buscou-se tratar, principalmente, acerca da classificação dada às mulheres em geral, pela sociedade, e, especificamente, aquelas que são vítimas de estupro.

Foram analisados, primeiramente, os aspectos gerais sobre o estupro nas legislações brasileiras, oportunidade na qual se fez necessário adentrar na parte histórica e na sua evolução no que se refere às legislações. Foi demonstrado, por exemplo, como em 1830, as mulheres eram divididas em classes, sendo essas: mulheres com honra e sem honra, onde se pode extrair que as primeiras eram aquelas que possuíam família ou um casamento, e as segundas seriam aquelas que já haviam tido relações sexuais antes do casamento ou as prostitutas. Com relação à pena do agressor, essa seria de três a doze anos de detenção, mais um dote oferecido à família da ofendida, se a vítima fosse detentora de honra e diminuída para um mês a dois anos se a mesma não tivesse honra segundo os ditames daquela época. É clara a caracterização de uma diferenciação exorbitante de pena, a depender da categoria em que se enquadrasse a vítima.

Seguindo ainda a evolução legislativa, foi verificado que, no Código Penal de 1890, já houve uma evolução referente às penalidades sofridas pelo agressor, tendo em vista, nesse sentido, que se o agressor estuprasse uma mulher dita honesta, sua pena seria de um a seis anos, do contrário, sua pena seria de seis a doze anos. Além disso, o conceito de mulher honesta, não mais se limitou à virgindade da mesma, e sim se a mulher era pública ou prostituta.

Logo em seguida, foi vista a promulgação do código de 1940, que assim como os outros só obtinha no polo passivo de crimes sexuais a figura da mulher, o conceito de honra ainda se levava em consideração nesse código, havendo uma efetiva mudança somente no que tange à idade da vítima, a qual se fosse menor de 14 anos, o autor do delito teria um aumento de pena.

Resta salientar que o que de fato trouxe inovações aos crimes de estupro está exposto na lei 12.015 de 2009, a qual alterou os crimes contra os costumes, hoje denominados crimes contra a dignidade sexual; além disso, trouxe uma interpretação extensiva da norma, que traz como polo passivo, não somente mulheres, mas também abrange homens e as relações homoafetivas. Essa lei também trouxe uma inovação de suma importância, pois com ela não se discute mais se as mulheres possuem ou não honra.

Hoje, pode-se perceber a grande evolução que o crime de estupro sofreu nas legislações, onde cada vez mais se traz a figura da mulher como um ser autônomo e que não mais se vale da figura do homem para obter valores sociais,sendo esse um significativo progresso na luta das mulheres.

Observou-se também que através das suas lutas, as mulheres conseguiram obter direitos nas seara da educação, política, direito à vida, direito ao divórcio e acesso ao mercado de trabalho, assim como os direitos do corpo passaram a ser vistossob um prisma mais igualitário. Essas correspondem a importantes conquistas do movimento feminista, onde mulheres lutam para obter igualdade de direitos com relação aos homens.

No segundo capítulo, observou-se que, através das classificações de Benjamin Mendelsohn sobre a vítima, pôde-se concluir, como ponto central deste trabalho, que a vítima do estupro deve, em todos os casos, ser classificada como vítima completamente inocente ou vítima ideal, sendo essa a que não contribui de nenhuma forma para o evento criminoso. Assim, a culpa é, sem exceções, inteiramente do agressor, pois esse comete o crime sem provocação da vítima e de forma imoral. Apesar da sociedade ainda querer culpar a figura da mulher em decorrência dos preceitos retrógrados, o presente trabalho demonstrou como o argumento da vítima provocadora não somente é inválido, como também pernicioso, uma vez que sobrevitimiza a mulher que sofreu o estupro.

No terceiro capítulo, foi explanado o valor probatório diferenciado que as vítimas de estupro possuem nos processos, em decorrência da natureza do delito, bem como os elementos que contribuem para fortalecer esse valor probatório.Tais elementos incluem as consequências psicológicas nefastas sofridas pela vítima, e o julgamento tido pela sociedade ou até mesmo a família.

Em um último ponto foram expostos os resultados da análise de seis processos veiculados em notícias, dos quais se extraiu que o judiciário do Ceará é coerente com a jurisprudência do STJ no sentido de dar valor probatório absoluto à palavra da vítima. Como foi visto, em todas as decisões, não foi acolhido o pedido da defesa que argumentava não ser suficiente como provas somente o depoimento da vítima, numa tentativa de desvalorizar a palavra da mesma e trazer dúvida ao judiciário.

Portanto, esses foram os pontos mais relevantes do presente trabalho monográfico, mostrando que as mulheres não mais são vinculadas somente à figura do homem, pois, através de suas lutas, conseguiram conquistar diversos direitos, em vários âmbitos, como: trabalho, educação, casamento, direito ao voto, dentre outros. Além disso, não há culpabilização no crime de estupro por parte da mesma, visto que vestimentas ou modo de agir não podem ser utilizados com a finalidade de trazer culpa de um delito às mulheres; estas são livres social e sexualmente.

Observou-se que o Judiciário jamais deve se eximir da apreciação dessas causas: o objetivo maior do órgão julgador é demonstrar que as vítimas de estupro não são culpadas, que a natureza do delito é tão devastadora que deve ser analisada e apreciada de modo diferenciado, dando às mulheres uma maior segurança jurídica após sofrer esse tipo de delito. Além disso, a palavra da vítima deve servir como valor probatório especial, em decorrência da dificuldade que se tem para encontrar outros meios de prova, como: documentais ou testemunhais, pois como se sabe, o estupro ocorre de maneira sorrateira, às escondidas, tornando quando impossível para vítima usar tais meios para provar o ocorrido.

No entanto, quando a mesma expõe todo o sofrimento causado, e esse é dotado de elementos que coadunam com a veracidade, o julgador deve acolher a palavra da vítima, e punir devidamente o agressor que causou todo aquele constrangimento e trauma para a mesma. Portanto, cabe ao judiciário trazer um cenário de menor constrangimento para a vítima, para que, assim, outras mulheres que foram vítimas de tal atrocidade, passem a ter coragem de expor seus agressores, se valendo da premissa de que esses serão penalizados de maneira justa, e que sua palavra, ao expor o trauma sofrido, possuem sim força probante, sem que seja necessário que a mesma vá atrás de outros elementos para que se tente ter uma “efetiva” comprovação. A palavra da vítima é suficiente, e suas vestimentas ou modos de agir jamais devem ser utilizados como argumento para merecimento do crime de estupro, porquanto esse só é mais um argumento utilizado por uma sociedade machista, patriarcal e androcêntrica, que tenta trazer à tona a figura da mulher como culpada, em decorrência do seu modo de agir, argumento esse que deve ser tomado como erronia da sociedade.


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