Capa da publicação Análise de impacto regulatório (AIR): repensar a regulação
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Como a regulação será (re)pensada a partir do instituto da análise de impacto regulatório (AIR)?

Breves considerações e algumas perspectivas

23/11/2020 às 15:00
Leia nesta página:

O artigo aborda o instituto da análise de impacto regulatório (AIR), discorrendo sobre sua aplicação no Brasil desde 2019 e a mudança que promete. A regulação terá de ser (re)pensada sob novas lentes?

O que é a Análise de Impacto Regulatório (AIR)?

Antes de responder diretamente à pergunta que descreve o título desse capítulo, proponho mais algumas: quem formula as normas regulatórias? Existe algum objetivo por trás de cada regulação? E, por final: o Direito é tão esplêndido a ponto de garantir-se, por si mesmo, e não precisar levar em consideração fundamentos de demais campos do conhecimento?

Esses questionamentos fazem-nos refletir sobre como o Estado cria a regulação. Aqui já deixo a resposta da primeira pergunta; entretanto, é também verdade que o Estado é uma ficção que não existe no plano real, pois, fundamentalmente, é formado por pessoas (a classe política e burocrática). Ou seja: aqueles que criam as regulações são as pessoas que representam e/ou servem ao restante da população. Além disso, certamente existe um objetivo almejado pela norma regulatória. Acontece que, esse objetivo, pode ser a favor da sociedade; ou contra. Nesse segundo caso é que reside o problema. Isso porque, se a regulação pretende teoricamente favorecer os consumidores, por exemplo, seu resultado prático não pode ser diferente disso; ou sua lógica está condenada a irracionalidade, tornando-se contraproducente.

Agora, quem pode alertar que a norma regulatória é irracional e sem lógica: o Direito ou o campo do conhecimento pelo qual incide os efeitos de tal regulação, isto é, a Economia? Fica evidente, portanto, que a ciência jurídica precisa dialogar, mesmo que minimamente, com a ciência econômica para cumprir a tarefa de produzir normas regulatórias que sejam economicamente eficientes, juridicamente racionais e logicamente producentes.

Todavia, como executar essa tarefa? É justamente para cumprir tal objetivo que se desenvolveu a Análise de Impacto Regulatório (AIR), como o instrumento capaz de servir como a ponte para o diálogo entre Direito e Economia.

Veja, portanto, que a maneira de como ocorre a convergência entre as disciplinas é pelo fato de a AIR ser um instituto jurídico, mas que usa métodos econômicos. Nesse sentido, respondendo finalmente à pergunta inicial contida no presente capítulo: a AIR é um mecanismo a ser utilizado para medir os possíveis custos, efeitos e benefícios de uma regulamentação. [1] Sendo assim, nota-se que o instituto é também, nas palavras de Jacobs (2006), uma política pública bastante complexa a ser aplicada em "mercados abertos e competitivos". [2] Além disso, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE igualmente defende seu uso desde a década de 70, como uma das políticas mais efetivas de eficiência regulatória. [3]


Mudança de paradigma

Ao Brasil ter adotado a Análise de Impacto Regulatório em duas recentes inovações legislativas, quais sejam, a Lei de Liberdade Econômica – LLE (Lei nº 13.874 de 20 de setembro de 2020) e a Lei das Agências Reguladoras Federais – LARF (Lei nº 13.848 de 25 de junho de 2020), passou a obrigar aqueles que exercem a regulação econômica em nome do Estado a realizarem um estudo previamente à edição de qualquer norma regulatória. Ou seja: a regulamentação tem de provar seu bônus àquele pelo qual incidirá seus efeitos. Nesse sentido, a intenção é que sequer entre em vigor uma intervenção de tal calibre, porém, sabemos que a forma como será realizada a AIR é através do processo político. [4]

Sendo assim, a LLE previu no seu art. 4º o reconhecimento de “abuso do poder regulatório” àquela intervenção estatal contraproducente, tornando-a passível de anulação judicial, visto que já nasce de forma viciosa. [5]

Por esse motivo, fica possível identificar que a judicialização de atos administrativos ou legislativos que surtem efeitos economicamente interventivos será grande; e, por isso mesmo, terá o Poder Judiciário uma figura protagonista nesse ímpeto de implementação da política de racionalização das normas regulatórias, que constitui o objetivo do instituto da Análise de Impacto Regulatório. [6] Ademais, já foi possível identificar que a AIR é, em última análise, um instrumento estritamente técnico e regido por uma metodologia objetiva, derivada da ciência econômica e do conhecimento empírico; ou seja: fora da alçada político-ideológica. Por isso, é verdade também, então, que sua efetividade será melhor alcançada pelo Judiciário do que pelos poderespolíticos (Executivo e Legislativo), em que pese esses dois últimos serem o palco ideal de sua implementação. Argumenta-se isso porque, dentre os poderes republicanos, aquele que mais enquadra-se em um paradigma técnico é o Judiciário. Portanto, não obstante o processo político, porventura, distorcer ou adstringir a lógica introduzida pela AIR, pode-se assegurar, judicialmente, sua correta implementação.


Eficiência regulatória, ciência econômica e Direito

Apesar do atraso do Brasil em adotar a AIR de forma institucionalizada como atualmente existe, ainda assim é motivo de comemoração, visto que finalmente o país percebeu que a ciência não se inclina a ideologias; cito aqui a ciência econômica, que possui destaque.

Um dos resultados propiciados nesse contexto é (até que enfim) o diálogo entre o Direito e a Economia, que atuam em interdisciplinaridade nessa matéria, compreendendo que problemas complexos exigem soluções em mesmo patamar e não simplórias ou populistas.

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Com isso, o Brasil saiu do grupo de países que praticavam um intervencionismo contraditório e arbitrário para uma concepção de eficiência regulatória – em que a intervenção deve ser coerente e justa –, entendido esta última como aquela que beneficia de fato a quem advoga favorecer e não extrapola os limites de sua proporcionalidade (lato sensu). [7]

Além disso, é também possível incluir, nesse contexto, que uma regulação eficiente é aquela que figura como a melhor hipótese possível diante de diversas possibilidades, boas ou ruins. Ou seja, não basta a norma regulatória ser simplesmente producente – no sentido de cumprir com seu propósito –, mas, ser a melhor alternativa dentre as opções possíveis. No teor de cumprir com esse objetivo, nota-se também que nem sempre a melhor escolha já existe, em virtude de que, por vezes, isso é uma construção. Entretanto, o ponto que se pretende alcançar aqui é justamente de que a AIR deve servir como mecanismo de iluminação desses espaços eventualmente obscuros, através de métodos confiáveis; e, mesmo que a decisão tomada demonstre-se, futuramente, equivocada, não há problema, pois basta adequar agora a norma regulatória a essa alternativa que se demonstrou mais acertada.

O problema existe quando mesmo conhecida uma melhor opção, essa não é adotada, seja por qual motivo for.


Considerações finais

Como corolário, é possível aqui estabelecer a definição de que o instrumento da Análise de Impacto Regulatório é um avanço do país quanto ao respeito da ciência em face da política de compadrio de captura do Estado brasileiro que por muitas décadas praticou a classe política. Por isso, a AIR é também uma garantia da sociedade contra interesses escusos dos reguladores, que criam normas regulatórias meramente por deleite próprio, sem propósito ou interesse público.

Além disso, o instituto é o passo inicial para uma concepção de prudência institucional do Brasil, esquecendo a lógica da prática de um intervencionismo desarrazoado e desproporcional, sem base lógica e ao arrepio das liberdades constitucionais. Sendo assim, a AIR igualmente fomentará o processo de racionalização da atuação do Estado brasileiro.

Por fim, responde-se à pergunta deixada na introdução desse texto: a regulação terá de ser (re)pensada sob novas lentes? A resposta demonstra-se evidente. Certamente a regulação não será extinta; pois o debate não é sobre esse ponto, mas sim, sobre como será (melhor) executada. Nesse sentido, uma coisa é certa: o capitalismo de compadrio praticado por muitos reguladores fica fadado ao fracasso, na medida em que não conseguirão provar, pela ótica da razão e da ciência, a insensatez de tutelarem seus próprios interesses em detrimento de toda a população.


Referências:

[1] OECD. Organisation for Economic Co-operation and Development. Building an Institutional Framework for Regulatory Impact Analysis (RIA): Guidance for Policy Makers. Paris: OCDE, 2018. Disponível em: http://www.oecd.org/regreform/regulatory-policy/40984990.pdf. Acesso em: 26 out. 2020. p. 07.

[2] JACOBS, Scott. Current Trends in regulatory impact analysis: the challenges of mainstreaming RIA into policy-making. [S.l.]: Jacobs and Associates, 2006. p. 03.

[3] OECD, op. cit., p. 11.

[4] JACOBS, op. cit., p. 03.

[5] BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado. Brasília, DF: Palácio do Planalto, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 26 set. 2020.

[6] CYRINO, André. Análise econômica da constituição econômica e interpretação institucional. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v. 8, n. 15, jul./dez. 2016. p. 509-512.

[7] SCHOENHERR, Mateus; PARDINI, Pedro. Direito e Economia: a convergência recente que desenha um novo horizonte ao Brasil. Publicado pelo Fronteiras Livres, 2020. Disponível em: https://fronteiraslivres.com/escritores-livres/publicacao/114897/direito-e-economia-a-converg-ncia-recente-que-desenha-um-novo-horizonte-ao-brasil. Acesso em: 27 out. 2020.

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Sobre o autor
Mateus Henrique Schoenherr

Acadêmico do 7º semestre de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/RS), com bolsa PUIC de iniciação científica. Estagiário jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHOENHERR, Mateus Henrique. Como a regulação será (re)pensada a partir do instituto da análise de impacto regulatório (AIR)?: Breves considerações e algumas perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6354, 23 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86591. Acesso em: 20 abr. 2024.

Mais informações

Esse artigo é baseado no ensaio acadêmico apresentando em 31/10/20 no evento do IV Encontro de Pesquisa Jurídica, realizado pelo República - Núcleo de Pesquisa sobre Direito e Democracia, sob o título "A Análise de Impacto Regulatório (AIR) como instituto de diálogo entre Direito e Economia: e o avanço do Brasil em sua incorporação".

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