INTRODUÇÃO
O presente artigo versará sobre as influências do novo Código de Processo Civil de 2015 na seara da tutela processual coletiva.
O referido tema está afeto à interconexão entre a novel lei processual civil e o microssistema de tutela coletiva, formado, sobretudo, pela Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e pela Constituição Federal de 1988.
O trabalho abordará, inicialmente, no Capítulo 1, sobre as aspectos gerais do processo coletivo e, nos Capítulos 2, 3 e 4, acerca da viabilidade, ou não, de aplicação de determinados institutos processuais contemplados no novo digesto processual civil, como a reconvenção (Capítulo 2), a intervenção de amicus curiae (Capítulo 3) e a realização de audiência pública judicial (Capítulo 4), ao âmbito do processo coletivo comum (que se difere do processo coletivo especial, composto pelas ações de controle abstrato de constitucionalidade).
Tendo em vista que o regramento do microssistema de tutela coletiva é omisso quanto a tais figuras, se mostra de suma importância examinar a compatibilidade de cada uma delas com a principiologia própria do processo coletivo, de modo a adequadamente se valer da previsão do art. 19 da Lei n. 7.347/95, segundo a qual se aplica “à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, (...), naquilo em que não contrarie suas disposições” [1]
Destaca-se, nesse contexto, que o novo código processual civil perdeu o caráter estritamente liberal que informava os Códigos de Processo Civil brasileiros anteriores e, com isso, pode agora oferecer melhores instrumentos para o aperfeiçoamento também da tutela coletiva, e, desse modo, aprimorar a defesa em juízo dos interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos da sociedade, resolvendo, molecularmente, os conflitos sociais, com maior celeridade, evitando decisões contraditórias e, ainda, desburocratizando o acesso ao Poder Judiciário.
O artigo encontra-se dividido em cinco capítulos. O primeiro dispõe a respeito das características do processo coletivo e da sua interconexão com o Código de Processo Civil. Nos segundo, terceiro e quarto capítulos se examinará, respectivamente, a compatibilidade, com o processo coletivo comum, da reconvenção, da intervenção de amicus curiae e da realização de audiência pública judicial. Por fim, o quinto capítulo apresentará a conclusão da pesquisa.
Com o fim de alcançar o desiderato científico proposto, o artigo terá como parâmetro um estudo exploratório descritivo aliado à revisão bibliográfica. Por meio de proposições enunciativas específicas, de análise da legislação e de pesquisas bibliográficas, pretende-se chegar a uma resposta para o problema.
1. O PROCESSO COLETIVO
O direito processual, inicialmente tido como uma faceta do direito material (fase imanentista), teve a sua autonomia científica reconhecida no século XIX (fase autonomista), período em que seus principais institutos foram concebidos, mas que também foi palco de discussões processuais sem qualquer relação com o direito material, tornando o processo uma técnica vazia, sem utilidade prática. Contrapondo a essa situação, emergiu, em meados do século XX, a fase instrumentalista, que, sem abandonar a autonomia do processo, propugna seja ele encarado efetivamente como um meio de acesso à Justiça e de realização do direito material.
Nesse contexto é que vieram à tona as "três ondas renovatórias de acesso à Justiça", engendradas por Bryant Garth e Mauro Cappelletti[2], segundo as quais o processo deve prover tutela aos necessitados (assistência judiciária), tutelar os interesses metaindividuais (processo coletivo) e alcançar resultados efetivos e satisfatórios (efetividade).
Ainda nesse período histórico, exsurgiram os direitos humanos de terceira dimensão, de titularidade indeterminada, reclamando uma tutela jurisdicional hábil a efetivá-los.
O processo coletivo surge, pois, no contexto histórico de nascimento dos direitos de fraternidade e dentro da concepção teórica da fase instrumentalista, fruto da segunda onda de acesso à Justiça, com o intuito de tutelar molecularmente, de forma efetiva e adequada, os direitos difusos e coletivos em sentido estrito (essencialmente coletivos) e individuais homogêneos (acidentalmente coletivos), desafogando o Judiciário, evitando decisões contraditórias, rompendo a tendência natural à imobilização social e, especificamente no âmbito trabalhista, propiciando a despersonalização do trabalhador.
Para tanto, o processo coletivo teve que superar as amarras individualistas e liberais do processo civil clássico, construindo um regime diferenciado de legitimação, competência, intervenção de terceiros, coisa julgada, execução, etc., bem assim, e sobretudo, promovendo uma necessária releitura do princípio do devido processo legal, que passa a assumir uma vocação coletiva.
É do aludido princípio do “devido processo social” que defluem todos os demais princípios do processo coletivo, a exemplo dos princípios do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo, da presunção da legitimidade ad causam ativa pela afirmação do direito, da não taxatividade da ação coletiva, do ativismo judicial, da participação, dentre outros.
Não obstante tudo isso, com o advento do novo Código de Processo Civil de 2015, observa-se, com entusiasmo, que o legislador ordinário deu um tom diverso às regras que regem o processo individual, afastando-as, sobremaneira, do supramencionado caráter estritamente individualista e liberal que informava os Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973.
A propósito, para se dar conta dessa mudança, não se faz sequer necessário percorrer todo o novo código, bastando para tanto examinar o “Título Único” do “Livro I” da “Parte Geral” do CPC/2015, intitulado “DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS”, que abre as portas deste Códex explicitando, no seu art. 1º, que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como traz como normas fundamentais do processo os princípios da primazia do mérito (arts. 4º e 6º), da boa-fé processual objetiva (art. 5º), da cooperação processual (art. 6º), do contraditório efetivo (arts. 7º, 9º e 10), da paridade de armas (art. 7º), dentre outros.
Se já não bastasse, o art. 8º do CPC/15 arremata aduzindo, em cores vivas, que:
“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” [3]
Nesse eito, entende-se que o novo Código de Processo Civil poderá agora oferecer melhores instrumentos para o aperfeiçoamento também da tutela coletiva, e, desse modo, aprimorar a defesa em juízo dos interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos da sociedade.
No que diz respeito à mudança de paradigma acima descrita, extraio da doutrina de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr:
“Embora o CPC-2015 não se dedique ao processo coletivo, não se pode ignorar uma circunstância histórica que o torna bem diferente dos anteriores códigos brasileiros de processo: este é o primeiro código que nasce pressupondo a tutela coletiva, incorporando uma boa parte de técnicas processuais antes previstas apenas para o âmbito coletivo e trazendo inúmeras inovações que podem aperfeiçoar bastante a tutela de direitos coletivos.
Não é exagero dizer que o CPC-2015 rompe com um dogma da doutrina brasileira, segundo o qual a legislação individual é inadequada ao sistema coletivo. Agora, muito ao contrário, o CPC passa a ser visto como importante instrumento normativo que, em muitos aspectos, sobretudo em relação às normas fundamentais, coordena-se com o microssistema da tutela jurisdicional coletiva em um diálogo de fontes.
Parece-nos que agora a doutrina brasileira terá de ajudar a reconstruir o processo coletivo a partir do CPC-2015, e não a despeito dele.” [4]
Feita tal contextualização do problema, passa-se, nos capítulos seguintes, ao exame propriamente dito da compatibilidade, com o processo coletivo comum, da reconvenção, da intervenção de amicus curiae e da realização de audiência pública judicial.
2. RECONVENÇÃO NO PROCESSO COLETIVO
Antes da entrada em vigência do CPC/2015, sempre houve, no processo coletivo, grande controvérsia doutrinária a respeito da possibilidade de o réu reconvir em face do autor ideológico. A favor, destacava-se o entendimento de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.[5], e, contra, os posicionamentos dos mestres Hugo Nigro Mazzilli[6] e de Rodolfo Camargo Mancuso[7].
Registra-se que tal discussão se dava em razão de o instituto processual da reconvenção não ser expressamente disciplinado nas normas do microssistema de tutela coletiva, bem assim por conta de o antigo Código de Processo Civil de 1973 disciplinar, no parágrafo único do seu art. 315, que “Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem” [8]..
De efeito, tendo em vista que o autor ideológico, no polo ativo da ação civil pública, ora se constituirá legitimado autônomo para condução do processo (quando tutelar interesses difusos ou coletivos em sentido estrito) ora substituto processual (quando na defesa de interesses individuais homogêneos), não haveria mesmo como ajuizar reconvenção em face dele, à luz da exegese da referida regra legal.
Nessa linha, o professor da Universidade de São Paulo Ronaldo Lima dos Santos ensinava que:
“Assim como nas demais ações coletivas, na ação civil pública não é admissível o instituto da reconvenção. Na ação civil pública o autor coletivo atua em nome próprio na tutela de interesse alheio, na condição de legitimado extraordinário (ou substituto processual ou condutor autônomo do processo), ensejando a aplicação do parágrafo único do art. 315 do CPC, segundo o qual ‘Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem’. Na ação civil pública, o autor ideológico não sustente posição jurídica própria, mas da sociedade, grupo, categoria, coletividade ou classe de pessoas sobre os quais recaem os efeitos dos atos lesivos praticados pelo réu.
A exigência de identidade bilateral entre autor e réu (prevista no art. 315 do CPC) limita o cabimento da reconvenção à observância de dois requisitos: a) tanto na ação originária, quanto na reconvenção, as partes devem ser as mesmas, embora com papéis invertidos; b) autor e réu devem figurar, em ambas as demandas, com a mesma qualidade jurídica. Nesse diapasão, embora o réu (reconvinte) atue como parte ordinária na ação principal e na reconvencional, o autor (reconvindo) estaria figurando como legitimado ordinário na reconvenção e extraordinário na lide principal, circunstância que obsta a admissibilidade da reconvenção na ação civil pública.” [9]
Não obstante, o novo Código de Processo Civil de 2015, ao tratar do instituto da reconvenção, trouxe a lume a seguinte disposição no § 5º do seu art. 343, in verbis:
“§ 5º. Se o autor for substituto processual, o reconvinte deverá afirmar ser titular de direito em face do substituído, e a reconvenção deverá ser proposta em face do autor, também na qualidade de substituto processual.”[10]
Daí se extrai que, hodiernamente, se o réu pretender reconvir em face do autor substituto processual poderá, devendo, para tanto, lastrear o seu pedido em pretensão que tenha em face do substituído e para a qual o substituto tenha também legitimação extraordinária passiva. Noutras palavras, o autor atuará na reconvenção com a mesma qualidade com que atua na ação, qual seja, a de substituto processual.
Diante dessa mudança legislativa, a doutrina passou a defender a viabilidade da reconvenção no processo coletivo nos casos em que dois grupos puderem estar ao mesmo tempo nos polos ativos e passivos (“ações duplamente coletivas”).
Colho, uma vez mais, as lições de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., veja-se:
“Observado o § 5º do art. 343 do CPC-2015, a reconvenção, no caso, tem de veicular pretensão dirigida ao grupo, e não ao legitimado extraordinário. Ora, o interesse de agir será averiguado a partir do interesse do grupo e será o grupo o beneficiado com a tutela, nada mais natural que o interesse contraposto ou pretensão na reconvenção seja também, dirigido ao grupo e não ao substituto processual, que deve apenas figurar como legitimado ativo adequado para fins de tutela. Para cumprir essa exigência, é preciso compreender que o processo coletivo também pode ser passivo; ou seja, é concebível a existência de uma situação jurídica cujo sujeito passivo seja um grupo. A reconvenção, então, será uma ação coletiva passiva. Reconvenção no processo coletivo também é uma ação coletiva; mas não é uma ação coletiva passiva.” [11]
Dessarte, defende-se que, sob a égide do CPC/2015, se mostra sim possível ao réu no processo coletivo apresentar reconvenção ao menos no que diz respeito à ação coletiva movida em regime de substituição processual (tutela de interesses individuais homogêneos), desde que a reconvenção, em que pese oferecida em face do substituto processual autor da demanda originária, veicule pretensão que o reconvinte afirme ter em face dos substituídos.
Ademais, também se vislumbra a admissibilidade da reconvenção em sede de ação civil pública que visa a tutelar interesses coletivos em sentido estrito, contanto que na reconvenção, manejada em face do autor ideológico, se postule pretensão em face do grupo, classe ou categoria de pessoas titular do direito material.
Por outro lado, em razão da indeterminabilidade dos titulares dos direitos difusos (art. 81, parágrafo único, inciso I, do CDC), não parece aplicável o art. 343, § 5º, do CPC/2015 às ações civis públicas que buscam a tutela desses direitos.
3. INTERVENÇÃO DE AMICUS CURIAE NO PROCESSO COLETIVO
Outra importante inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil foi a consagração definitiva da possibilidade de intervenção de amicus curiae nos mais diversos processos subjetivos, aqui incluído o processo coletivo comum, no bojo do qual são examinadas matérias relevantes e controvérsias de grande repercussão social e, não poucas vezes, de singular especificidade.
Nesse sentido o art. 138 do CPC/2015, que estabelece que:
“Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.” [12]
Na verdade, o microssistema processual coletivo, de longa data, já previa, de forma expressa, a intervenção de amicus curiae nas ações coletivas que tratam da proteção do mercado de capitais e da proteção da concorrência, nos termos dos arts. 31 da Lei n. 6.385/1976 e 118 da Lei n. 12.529/2011 respectivamente, o que concorria para o entendimento de parte da doutrina de que tal possibilidade deveria ser estendida às demais ações coletivas.
A propósito, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. [13] já defendiam há muito tempo a viabilidade da intervenção do amicus curiae em todos os processos coletivos, sob o argumento de que a respectiva participação se daria na qualidade de “intervenção atípica”.
Vale destacar, contudo, que, antes do advento do CPC/2015, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[14] era no sentido de que a intervenção do amicus curiae estaria limitada às hipóteses expressamente consagradas em lei, o que, por consequência, excluiria a sua incidência na maioria das ações coletivas.
No entanto, a meu ver, não há dúvidas acerca da enorme contribuição que tal instituto traz para o processo em geral e para o processo coletivo em especial, na medida em que amplia o contraditório e democratiza a participação da sociedade nas decisões judiciais, atribuindo-lhes maior efetividade e legitimação social, o que se mostra imprescindível, atualmente, em razão do vigente sistema de precedentes judiciais.
A participação do amicus curiae no processo também vai ao encontro da “Teoria da Sociedade Aberta de Intérpretes”, propugnada pelo doutrinador alemão Peter Häberle.
Nessa linha os escólios de André Pires Gontijo e Christine Oliveira Peter da Silva:
“Nessa perspectiva, o fundamento magno e estrutural desse instituto processual está contido nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, consubstanciado, segundo o professor Peter Häberle, no princípio da esperança, o qual consiste no dever de cada cidadão (o povo) tomar parte dos aspectos políticos decisórios que o circundam, a fim de possuir o status activus processualis para possibilitar, dentro deste contexto, a concretização da sociedade aberta de interpretes da Constituição.” [15]
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr consignam, ainda, que:
“Na doutrina há defesa de que a intervenção por amicus curiae poderá ser utilizada para permitir a intervenção individual dos membros do grupo no processo coletivo. Assim, os membros do grupo e as associações, entre outros interessados, poderão indicar defeitos na atuação do colegitimado que ajuizou a ação ou colaborar com sua atuação, fornecendo dados, informações e esclarecimentos sobre o objeto do processo.” [16]
Segundo os aludidos doutrinadores, a participação dos membros do grupo na qualidade de amicus curiae traria uma séria de benefícios ao processo coletivo, tais como a superação de entraves dogmáticos quanto à aceitação de indivíduos como assistentes das partes, a realização de um amplo controle social da legitimação e da adequação do autor da ação coletiva e, ainda, a ampliação do contraditório, compreendido como direito de influência e dever de debates.
Diante desse contexto, a inovação trazida pelo novel digesto processual civil serviu para sepultar a controvérsia existente sobre a possibilidade de intervenção de amicus curiae no processo coletivo comum e, por conseguinte, aperfeiçoar a tutela jurisdicional coletiva, concretizando com maior ênfase o princípio do acesso à ordem jurídica justa.
4. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA JUDICIAL NO PROCESSO COLETIVO
Por último, outro instituto de importância ímpar para a concretização do princípio processual coletivo da participação, que já vem sendo utilizado com muito proveito e frutos no âmbito extrajudicial sobretudo pelo Ministério Pública, é a audiência pública, a qual se qualifica “como autêntico instrumento de participação dos cidadãos interessados na tomada de decisões de interesse coletivo por agentes públicos (...), decorrência natural do Estado Democrático de Direito em que se constitui nossa República”[17],
Sobre o instituto da audiência pública, pinço da lição de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:
“A audiência pública é, tal como a audiência de instrução e julgamento, uma sessão pública – transcorre de portas abertas, acessível a qualquer pessoa – que tem por escopo permitir que pessoas com experiência e conhecimento em determinada matéria, ou que de algum modo sejam capazes de contribuir com o assunto discutido, possam externar suas opiniões e pontos de vista, ampliando a participação democrática num determinado processo decisório.” [18]
Impende destacar que o novo Código de Processo Civil previu a possibilidade de realização de audiência pública judicial nos âmbitos do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 983, § 1º) e do julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (art. 1.038, II), bem assim ao versar acerca do procedimento de alteração pelo tribunal de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos (art. 927, § 2º).
Nesse diapasão, comunga-se do entendimento no sentido de que, malgrado o novo código tenha previsto a realização de audiência pública judicial apenas nas referidas situações, isso certamente não impede que se leve a cabo a sua ocorrência em hipóteses outras, máxime no âmbito do processo coletivo, em que se discute, como dito no tópico anterior, matérias relevantes e controvérsias de grande repercussão social, tornando, pois, útil e recomendável o auxílio da sociedade nesse empreitada através deste notável instrumento, de modo a propiciar a produção de decisões de maior qualidade, isto é, mais justas e efetivas.
Ainda a respeito da importância da realização de audiências públicas, colho, novamente, dos escólios de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:
“O objetivo da audiência pública é dar mais legitimidade e qualidade ao ato final do procedimento, seja ele um ato legislativo, uma decisão administrativa ou uma decisão judicial. Trata-se de valioso instrumento de participação democrática no processo decisório, permitindo a ampliação do leque dos sujeitos envolvidos tornando o debate de determinada matéria mais permeável à pluralidade de ideias. Também serve para a colheita de informações que irão subsidiar a decisão ou futuras investigações a respeito dos fatos alegados.” [19]
A doutrina propõe, ainda, que, diante da inexistência de lei federal tratando especificamente do procedimento para a realização da audiência pública, a lei estadual ou o regime interno do tribunal poderá disciplinar sobre o tema, bem assim que se mostra possível, outrossim, se valer do disciplinamento do instituto levado a cabo pelo excelso Supremo Tribunal Federal em seu regimento interno ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público na Resolução n. 82/2012, que o fez de forma muito bem detalhada.
Portanto, diante de tais argumentos, conclui-se compatível com o processo coletivo a realização de audiência pública judicial, quando o magistrado avaliar a sua oportunidade e conveniência à instrução processual.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se afirmar que, em que pese a tradicional resistência doutrinária quanto à aplicação subsidiária do regramento do processual individual ao processo coletivo, com o advento do CPC/15, considerando a mudança paradigmática realizada pelo legislador ordinário, que deu um tom diverso às regras que regem o processo individual, afastando-as, sobremaneira, do caráter estritamente individualista e liberal que informava os códigos de processo civil brasileiros anteriores, tal diálogo de fontes se mostra além de possível, muito recomendável, para se atingir um efetivo acesso à jurisdição coletiva.
De fato, o CPC/2015 pode oferecer melhores instrumentos para o aperfeiçoamento também da tutela coletiva, e, desse modo, aprimorar a defesa em juízo dos interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos da sociedade, resolvendo, molecularmente, os conflitos sociais, com maior celeridade, evitando decisões contraditórias e, ainda, desburocratizando o acesso ao Poder Judiciário.
Sem que tivesse a pretensão de exaurir a temática da aplicação subsidiária do CPC/2015 ao processo coletivo, chegou à conclusão, neste trabalho, que se mostra possível ao réu no processo coletivo apresentar reconvenção ao menos no que diz respeito à ação coletiva movida em regime de substituição processual (tutela de interesses individuais homogêneos), desde que a reconvenção, em que pese oferecida em face do substituto processual autor da demanda originária, veicule pretensão que o reconvinte afirme ter em face dos substituídos.
Também se vislumbrou a admissibilidade da reconvenção em sede de ação civil pública que visa a tutelar interesses coletivos em sentido estrito, contanto que na reconvenção, manejada em face do autor ideológico, se postule pretensão em face do grupo, classe ou categoria de pessoas titular do direito material.
No entanto, em razão da indeterminabilidade dos titulares dos direitos difusos (art. 81, parágrafo único, inciso I, do CDC), não pareceu aplicável o art. 343, § 5º, do CPC/2015 às ações civis públicas que buscam a tutela desses direitos.
Lado outro, entendeu-se que o novel digesto processual civil serviu para sepultar a controvérsia existente sobre a possibilidade de intervenção de amicus curiae no processo coletivo comum, aperfeiçoando, com a respectiva participação, a tutela jurisdicional coletiva, ao concretizar com maior ênfase o princípio do acesso à ordem jurídica justa.
Por último, propugnou-se compatível com o processo coletivo a realização de audiência pública judicial, quando o magistrado avaliar a sua oportunidade e conveniência à instrução processual.