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Compatibilização dos princípios da legitimação coletiva adequada e da primazia do julgamento do mérito no âmbito do processo coletivo

25/11/2020 às 20:00
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Enquanto a legitimação coletiva adequada garante que os interesses metaindividuais sejam tutelados por autores ideológicos capacitados, o princípio da primazia do julgamento do mérito visa a evitar que o processo se perca em formalismos desnecessários e priorize o exame efetivo da demanda.

1. INTRODUÇÃO

No presente mini-artigo, abordar-se-á a possibilidade de compatibilização dos princípios da legitimação coletiva adequada e da primazia do julgamento do mérito, no âmbito do processo coletivo.

2. DESENVOLVIMENTO

O processo coletivo surge dentro da concepção teórica da fase instrumentalista, fruto da segunda onda de acesso à Justiça, com o intuito de tutelar molecularmente, de forma efetiva e adequada, os direitos difusos e coletivos em sentido estrito (essencialmente coletivos) e individuais homogêneos (acidentalmente coletivos), desafogando o Judiciário, evitando decisões contraditórias e rompendo a tendência natural à imobilização social.

Para tanto, o direito processual coletivo teve que superar as amarras individualistas e liberais do processo civil clássico, construindo um regime diferenciado de legitimação, competência, intervenção de terceiro, coisa julgada, execução, etc., bem assim, e sobretudo, promovendo uma necessária releitura do princípio do devido processo legal, que passa a assumir uma vocação coletiva.

E é do princípio do devido processo social, conforme feliz expressão de Mauro Cappelletti, que defluem todos os demais princípios do processo coletivo, a exemplo dos princípios da legitimação coletiva adequada e da primazia do julgamento do mérito, ora abordados.

Segundo lição de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., o princípio da legitimação coletiva adequada “impõe o controle judicial da adequada legitimação extraordinária: só estaria legitimado quem, após a verificação da legitimação pelo ordenamento jurídico, apresentar condições de adequadamente desenvolver a defesa em juízo dos direitos afirmados (legitimação conglobante).”[1]

O princípio da primazia do julgamento do mérito, por seu turno, encontra-se elencado dentre as Normas Fundamentais previstas no Novo Código de Processo Civil (art. 4º), certamente em razão de contribuição do direito processual coletivo ao processo individual, e impõe ao juiz “priorizar a decisão de mérito, tê-la como objetivo e fazer o possível para que ocorra. A demanda deve ser julgada – seja ela a demanda principal (veiculada pela petição inicial), seja um recurso, seja uma demanda incidental”.[2]

Ricardo José Macedo de Britto Pereira, no mesmo sentido, assim conceitua tal princípio:

O princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo, segundo o qual o Judiciário deve envidar todos os esforços para enfrentar o mérito, ainda que por meio da flexibilização de alguns requisitos de admissibilidade.”[3]

Verifica-se, portanto, que ambos os princípios acima aludidos cumprem papéis de grande relevância dentro da tutela jurisdicional coletiva. Enquanto o da legitimação coletiva adequada garante que os interesses metaindividuais sejam tutelados por autores ideológicos capacitados e idôneos para tanto, o da primazia do julgamento do mérito, de outro lado, visa a evitar que o processo coletivo se perca em formalismos desnecessários, garantindo, dessa forma, um efetivo acesso à ordem jurídica, ao impor o exame efetivo do mérito da demanda coletiva.

Muito embora, à primeira vista, possa parecer que tais princípios estão situados em polos antagônicos, essa impressão não resiste a uma análise mais acurada.

Com efeito, é plenamente possível que se dê a análise da legitimação coletiva adequada pelo magistrado e, caso o autor ideológico assim não se caracterize, que haja a continuidade do processo rumo ao julgamento do mérito por meio da aplicação do instituto da “sucessão processual”, ingressando outro autor coletivo com legitimidade adequada, geralmente o Ministério Público -  mas não necessária e exclusivamente-, para continuar a demanda até o seu desfecho, que deve ser, como visto, o exame do mérito.

Nesse sentido a doutrina:

“(...) percebe-se a aplicação deste princípio no entendimento segundo o qual a ilegitimidade ativa no processo coletivo deve implicar sucessão processual, saindo a parte ilegítima e ingressando uma parte legítima, em vez da extinção do processo sem exame do mérito (...). Trata-se de aplicação analógica do que já dispõem os arts. 5º, § 3º, da LACP e 9º da LAP.”[4]

Nesse passo, em relação ao questionamento apresentado na AD, pode-se afirmar ser possível sim garantir a legitimação coletiva adequada sem violar a primazia do julgamento do mérito.

3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se, em relação à questão posta, ser possível sim garantir a legitimação coletiva adequada sem violar a primazia do julgamento do mérito, mediante a aplicação do instituto da sucessão processual, por exemplo.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10a. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

BRITTO PEREIRA, Ricardo José Macedo de. Ação Civil Pública no Processo do Trabalho. 2a. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.


[1] Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10a. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 98.

[2] Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10a. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 104.

[3] Ação Civil Pública no Processo do Trabalho. 2a. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 100.

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[4] Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10a. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 106.

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Sobre o autor
Danilo Nunes Vasconcelos

Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera, Uniderp. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT. Analista Judiciário - Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Danilo Nunes. Compatibilização dos princípios da legitimação coletiva adequada e da primazia do julgamento do mérito no âmbito do processo coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6356, 25 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86722. Acesso em: 24 abr. 2024.

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