I – O FATO
Segundo o R7 Planalto “após a crise de energia elétrica que atinge o Amapá há mais de 15 dias, a Justiça Federal determinou o afastamento provisório da diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) pelo prazo de 30 dias. A decisão também é válida para os atuais diretores do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).”
A decisão, tomada com o intuito de preservar a apuração da responsabilidade do apagão que atinge os amapaenses, foi dada no dia 19 de novembro do corrente ano pelo juiz federal João Bosco Costa Soares da Silva, da 2ª Vara. O pedido, por sua vez, foi feito pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Já anteriormente o judiciário federal local já havia determinado o juiz João Bosco Soares da Silva, da 2ª Vara Federal Cível do Amapá, determinou que o governo federal viabilize pagamento de auxílio emergencial de R$ 600, por dois meses, às famílias pobres dos municípios atingidos pelo apagão. Treze dos 16 municípios do Estado foram afetados.
Segundo o Econômico Valor, ele também deu mais uma semana para que a Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) solucione integralmente o problema, sob pena de multa de R$ 500 milhões.
O juízo a quo assim determinou:
“A União, por meio da Caixa Econômica Federal, deverá iniciar o pagamento em prazo máximo de dez dias. Segundo o magistrado, a medida visa "amenizar o problema social instalado em decorrência do blecaute e da permanência de seus efeitos".
II – O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
As decisões tomadas nos levam a meditar com relação aos limites da atuação do Judiciário no que concerne ao que se concebe como “inconstitucionalidade de políticas públicas”.
Disse J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional, 4ª ed., pg. 912, Portugal, Livraria Almedina) que os juÍzes não se podem transformar em conformadores sociais nem é possível, em termos democráticos processuais, obrigar jurisdicionalmente os órgãos políticos a cumprir um determinado programa de ação.
No entendimento de Konder Komparato (Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, 1997) a política deliberativa sobre as políticas da República pertence à Política e não à Justiça. Dir-se-ia, outrossim, que as normas constitucionais sobre direitos sociais dependeriam de acolhida pelo legislador, e aí poderiam ser alegadas em juízo (art. 53.3 da Constituição Espanhola).
Realmente, não cabe ao Judiciário a formulação de políticas públicas de caráter social. Não se trata aqui de direito subjetivo público, mas de algo que envolve a adoção clara de políticas econômicas voltadas, globalmente, para o atendimento à saúde, educação, habitação. A formulação de programas nacionais de saúde, por exemplo, com suas estratégias de combate a endemias, é problema do Executivo e do Legislativo, observando as necessárias carências sociais.
Na lição de Canotilho (obra citada) “pode censurar-se, através do controle da constitucionalidade, atos normativos densificadores de uma política de sinal contrário à fixada nas normas-tarefa da Constituição. Mas a política deliberativa sobre as políticas da República pertence à política e não à Justiça”.
Não cabe ao Judiciário substituir-se à política, adotando medidas no campo econômico, social.
Assim como não cabe ao Judiciário formular política pública, judicializando temas que não a ele próprios. Trata-se de governar através do ajuizamento de ações civis públicas. A formulação de políticas públicas é dada aos políticos.
Na SS 5.395, o ministro Toffoli entendeu que não cabe ao Judiciário definir quais as atividades devem ou não funcionar.
Em havendo ato discricionário tomado pela Administração somente caberá intervenção do Judiciário se houver ilegalidade ou abuso de poder.
III – A ADPF 45 – 9
É certo que vem do Supremo Tribunal Federal, na ADPF 45-9, sendo representado pela decisão monocrática do ministro Celso de Mello, que assim se pronunciou, importante e representativo posicionamento nessa matéria:
“É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial — a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIElRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto — consoante já proclamou esta Suprema Corte — que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel.Min. CELSO DE MELLO)”
“Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas”. (...)
“A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível."
“Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração — de implantação sempre onerosa — , traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade-financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas”.
“É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado” (grifei).
Resumindo, percebe-se que a posição do STF, manifestada por um de seus mais sensíveis ministros, é a de que são necessários alguns requisitos, para que o Judiciário intervenha no controle de políticas públicas, até como imperativo ético-jurídico: (1) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; (2) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e (3) a existência de disponibilidade-financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Nessa linha o mínimo existencial é considerado um direito às condições mínimas de existência humana digna que exige prestações positivas por parte do Estado: “A dignidade humana e as condições materiais de existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados”.
Preserva-se o princípio impositivo da dignidade da pessoa humana.
Para tanto, o princípio da proporcionalidade é um importante instrumento a ser utilizado para tal.
Esse o norte a traçar com relação ao problema.
O princípio da proporcionalidade obriga a todos os Poderes: legislativo, executivo e judiciário. A propósito lecionou José Joaquim Gomes Canotilho:
“O campo de aplicação mais importante do princípio da proporcionalidade é o da restrição dos direitos, liberdades e garantias por actos dos poderes públicos. No entanto, o domínio lógico de aplicação do princípio da proporcionalidade estende-se aos conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie. Assim, por exemplo, pode fazer-se apelo ao princípio no campo da relação entre a pena e culpa no direito criminal. Também é admissível o recurso ao princípio no âmbito dos direitos a prestações. É, por exemplo, o que se passa quando se trata de saber se uma subvenção é apropriada e se os fins visados através de sua atribuição não poderiam ser alcançados através de subvenções mais reduzidas.”
O princípio da proibição do excesso aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição.
Some-se a isso a aplicação do princípio da razoabilidade junto com o princípio da proporcionalidade.
Conclui-se daí, com relação à intervenção do Judiciário nas políticas públicas, que por meio da utilização de regras de proporcionalidade e razoabilidade, o juiz analisará a situação em concreto e dirá se o administrador público ou o responsável pelo ato guerreado pautou sua conduta de acordo com os interesses maiores do indivíduo ou da coletividade, estabelecidos pela Constituição e nas lei.
A implementação de uma política pública depende de disponibilidade financeira – a chamada reserva do possível. E a justificativa mais usual da administração para a omissão reside exatamente no argumento de que inexistem verbas para implementá-la.
Caberá ao Judiciário, em face da insuficiência de recursos e de falta de previsão orçamentária, devidamente comprovadas, determinar ao Poder Público que faça constar da próxima proposta orçamentária a verba necessária à implementação da política pública.
IV – CONCLUSÕES
O certo é que o senador Randolfe Rodrigues escolheu o caminho do Judiciário para tratar de tema que tem sua sede de discussão no Parlamento. Trata-se de estratégia política que tem os seus limites.
Caberá à Advocacia Geral da União ajuizar suspensão de segurança nas linhas traçadas no artigo 4º da Lei nº 8.437/92 e ainda recurso de agravo de instrumento em face de decisão interlocutória de mérito tomada, em tutela urgente de aparência.