4 Inspeções Regulares de Segurança de Barragens – IRSB
As Inspeções Regulares de Segurança de Barragens – IRSB foram regulamentadas pela Agência Nacional de Mineração – ANM, bem como pela Agência Nacional das Águas – ANA e pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, e visam ao levantamento de informações periódicas sobre as barragens. As inspeções regulares são realizadas em intervalos de seis meses ou de dois anos, dependendo do tipo de barragem. Essas inspeções produzem relatórios periódicos de inspeção regular, devendo gerar: “a) Ficha de inspeção regular; b) Relatório de inspeção regular; c) Extrato de inspeção regular e d) Declaração de condição de estabilidade (só ANM)” (NEVES, 2018, p. 16). Assim, faz-se necessário considerar que, devido aos estragos ambientais, aos riscos à vida e à segurança, bem como às perdas econômicas e financeiras que podem ocorrer a partir do rompimento de uma barragem, as inspeções e relatórios, gerados pela fiscalização e acompanhamento constante, são instrumentos estritamente necessárias como medida preventiva a fim de levantar com antecedência os riscos e repará-los em tempo (NEVES, 2018).
5 A (in)eficácia da legislação ambiental e de segurança em barragens no Brasil: um olhar sobre Mariana e Brumadinho
Em 05 de novembro de 2015, a Barragem do Fundão em Mariana, município do Estado de Minas Gerais, rompeu-se, o que ocasionou a liberação de cerca de 60 milhões de m3 de lama com rejeitos de mineração, acarretando a morte de 19 pessoas. A lama com rejeitos atingiu a comunidade de Paracatu de Baixo e seguiu o curso de rios da região, até o rio Doce, afetando mais de 200 municípios entre Minas e Espírito Santo (HOJE EM DIA, 2019). E as leis ambientais citadas neste trabalho nada puderam fazer para evitar essa tragédia. No caso da empresa SAMARCO, ela estava licenciada e fez o requerimento dentro do prazo de antecedência estabelecido na legislação. Mas o órgão ambiental não conseguiu examinar a documentação (COUTINHO; AVZARADEL; FARIAS, 2020).
Dessa forma, as normas jurídicas não tiveram o efeito esperado devido à ineficácia da fiscalização, do monitoramento e do controle por parte dos órgãos estatais ambientais.
Ainda no caso da SAMARCO, constatou-se posteriormente que ela “não possuía um Plano de Emergência para o caso de acidente na barragem” (COUTINHO; AVZARADEL; FARIAS, 2020, p. 3), nem foi devidamente cobrada pelo Estado de Minas Gerais, que seria o responsável por permitir o funcionamento da empresa em seu território e fiscalizar o processo de gestão de riscos, favorecendo assim a potencialização desses riscos (COUTINHO; AVZARADEL; FARIAS, 2020).
A nota técnica referente aos danos ambientais provocados pelo acidente em Mariana na barragem de Fundão, elaborada pelo Centro de Sensoriamento Remoto do IBAMA, dá conta de que esse acidente provocou a destruição de “1.469 hectares ao longo de 77 km decursos d’água, incluindo Áreas de Preservação Permanente” (BRASIL, 2015, p. 10).
Já em 25 de janeiro de 2019, ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos de minério da mineradora Vale S.A., Complexo Minerador Córrego do Feijão, localizado no Município de Brumadinho – MG, na Bacia do Rio Paraopeba. A lama decorrente do rompimento da barragem, atingiu a área da companhia Vale, destruiu casas, estradas, pontes e vegetações por onde passou, cerca de 11,7 milhões de m3 de rejeitos foram liberados no solo e nas águas de córregos e rios como o Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco (G1, 2019).
O acidente na Barragem I do Complexo Minerador Córrego do Feijão apresentou impactos significativos sobre o meio ambiente, a vida e a economia, como esclarece o Relatório da missão emergencial a Brumadinho/MG após rompimento da Barragem da Vale S/A: “(...) Os dados da Defesa Civil confirmam que 727 [pessoas] ficaram em situação de desaparecidas no dia do rompimento da barragem. Deste total, 134 foram mortas no desastre e outras 199 seguem desaparecidas.” (BRASIL, 2019, p. 10-13).
Esse acontecimento, com extensões de estrago em proporção bem maior que o de Mariana (pois os números apresentados assim declaram), causou danos econômicos e financeiros, bem como danos irreparáveis pela perda de vidas, de bens móveis e imóveis, e além disso trouxe morte de animais, assoreamento de córregos e nascentes, porque a lama, em uma velocidade de 70km/h, saiu varrendo tudo que encontrou pela frente e assolando a comunidade local, trazendo tristeza, dor, medo e angústia para muitas famílias e pessoas em geral.
No âmbito ambiental, os quase 13 milhões de m3 de lama com rejeitos de mineração jogados sobre o Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco, contaminaram a água, ampliando os riscos de doenças na população que a consome, haja vista que, “após o rompimento da Barragem B1 (Mina do Feijão), (...) constatou que a água apresentava riscos à saúde humana e animal, emitindo ‘Alerta para uso de água em Brumadinho’ e indicando a não utilização da água bruta do Rio Paraopeba para qualquer finalidade, até que a situação seja normalizada” (PBH, 2019).
Vê-se portanto que a situação originada pela tragédia de Brumadinho resultou em um agravo ao direito constitucional a um ambiente ecologicamente equilibrado e saudável, pois a água contaminada, se consumida, poderia provocar danos à saúde da população local e/ou de seus animais, assim como danos à vegetação das encostas do Rio Paraopeba. Da mesma forma pode-se falar da tragédia de Mariana, conforme destacam Barcellos et al. (2019, p. 2): “Como se não bastasse, o desastre de Mariana comprometeu o abastecimento de água, a pesca, a agricultura e práticas de lazer de cidades e comunidades situadas ao longo de 650km do rio Doce”.
Destaca-se também que, quanto aos impactos socioeconômicos sofridos pelas populações atingidas por barragens, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana já contemplava esses impactos em suas resoluções antes mesmo das tragédias: “No caso de comunidades dependentes da terra e de recursos naturais, isso resulta na perda de acesso aos meios tradicionais de vida, incluindo a agricultura, a pesca, a pecuária, extração vegetal, para falar de alguns” (CDDPH, 2010, p. 30).
Quatro anos separaram as tragédias de Mariana e Brumadinho, duas cidades mineiras com distância aproximada de 80 km, uma da outra, e mesmo assim “a Vale perdeu a oportunidade de aprender com o desastre causado pela Samarco Mineração S. A., mineradora da qual é uma das controladoras” (BARCELLOS et al., 2019, p. 1). Portanto, ambos os acontecimentos permitem que se questione o uso na prática do princípio da sustentabilidade e preservação do meio ambiente, bem como do respeito ao direito à vida, à saúde e a um meio ambiente saudável e sustentável para os homens desta e das futuras gerações.
Com o desastre até mesmo índios da aldeia Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, a 22 km de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tiveram prejuízos por causa da contaminação das águas do Rio Paraopeba, que banham as suas terras. Assim, 18 famílias indígenas que usavam dessas águas para beber, tomar banho, lavar suas roupas e pescar, acabaram sendo prejudicadas (G1 MINAS, 2019).
Vê-se portanto que os desdobramentos dos desastres ocorridos em Mariana e Brumadinho resultaram em prejuízos à população local, ferindo os seus direitos. Considerando que os “(...) os direitos fundamentais protegem os bens jurídicos mais valiosos, e o dever do Estado não é só o de abster-se de ofendê-los, mas também de promovê-los e salvaguardá-los das ameaças e ofensas provenientes de terceiros” (SARMENTO, 2005, p. 32), infere-se que houve falhas tanto por parte do empreendedor (no caso a Vale) e do Estado no processo de garantia dos direitos fundamentais das famílias atingidas. Diante disso, “os impactos causados aos atingidos pela catástrofe socioambiental são passíveis de mitigação, compensação, indenização, e não repetição.” (CDDPH, [2010], p. 31).
Tendo em vista que os impactos causados pelo rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho afetam a ecologia, biologia, sociologia, antropologia e o direito ambiental, acredita-se na necessidade de uma ação conjunta do Estado e da Vale para a amenização dos efeitos negativos para que se possa fazer valer os direitos constitucionais dos atingidos.
A falha humana no planejamento e fiscalização da segurança das barragens pode ser observável no exemplo de Brumadinho, como explica Carvalho: “O exemplo de Brumadinho é esclarecedor nesse sentido, uma vez que a Sede Administrativa da Barragem, de onde deveriam ser acionados os alarmes de aviso de rompimento, estava junta com o refeitório dos funcionários, justamente na rota da lama, sendo atingida cerca de dois minutos após o rompimento.” (CARVALHO, 2019).
Assim, verifica-se uma brecha no desenvolvimento dos mecanismos de segurança das barragens, o que torna, na prática, um fator que desfavorece o sucesso da eficiência da legislação de segurança ambiental e das barragens.
Tragédias ambientais como estas ocorridas recentemente têm levado a se questionar a eficácia da legislação brasileira, ambiental e de segurança em barragens. Como já salientado, elas acarretaram prejuízos à sociedade, ao meio ambiente, à existência humana, e à economia do país (CARVALHO, 2019).
Essas tragédias são fruto do modelo de gestão ambiental adotado pelas autoridades brasileiras, que tornam ineficiente a legislação, pois nesse modelo “o licenciamento é feito rapidamente, há grande fragilidade técnica e política dos órgãos públicos, e as vozes de populações atingidas e ambientalistas são abafadas ou até silenciadas.” (PORTO; SCHÜTZ, 2012, p. 17). Assim, essa falta de estratégias e ações concretas para prevenir os danos e os impactos ambientais e sociais tem favorecido a existência de acontecimentos dessa natureza.
No que concerne à gestão de riscos das barragens, algumas ações e medidas para prevenção, controle e diminuição das possibilidades de prejuízo poderiam ser tomadas. Deveria se considerar que políticas ambientais de prevenção, com a finalidade de minimizar riscos de danos potenciais e reais, bem como a realização do controle das operações, de estudos dos riscos aplicando-se o princípio da precaução, não têm se constituído mecanismos eficazes para evitar ou minimizar os danos e promover a segurança de barragens (AYALA; LEITE, 2003).
Nessa direção, há que se verificar o que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro, que apresenta duas formas de haver dano ambiental: o dano ambiental público, esse tipo de dano recai sobre aquilo que é de uso comum da sociedade e possui natureza transindividual difusa; já o dano ambiental privado é uma variável do dano civil, pode gerar o direito à indenização, com a finalidade de recomposição do patrimônio individual das vítimas diretas (GOMES JUNIOR, 2008).
6 Da Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020
Em 30 de setembro de 2020, passou a vigorar a Lei nº 14.066, que altera a já referida Lei nº 12.334/2010 (PNSB), a Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração).
Essa nova lei disciplina acerca da segurança em barragens, apresentando a necessidade de que se façam mapeamentos e estudos, com a finalidade de definir qual seria a zona de inundação de uma barragem, bem como definir a Zona de Autossalvamento (ZAS), assim como a Zona de Segurança Secundária (ZSS). Disciplina ainda acerca da necessidade de se fazer o levantamento das áreas construídas de barramento e de estruturas, bem como o levantamento cadastral e mapeamento atualizado da população existente na zona de autossalvamento, sem deixar de realizar a identificação da vulnerabilidade social dessa população. Essa lei prevê ainda que sejam criados, em âmbito nacional, sistemas de informação vinculados em várias esferas do poder público que devem estar, em contínuo, disponíveis para consulta pública. A lei prevê ainda o cruzamento de informações referentes às áreas consideradas de risco, informações acerca de registros e cadastro imobiliário do município, incluindo as ocupações não registradas (BRASIL, 2020).
Esses registros e cruzamentos de informações previstos por essa nova lei, que permitem melhor monitoramento e troca de informações, aliados ao processo de elaboração do guia de boas práticas em segurança de barragens, previsto no artigo 6º da referida lei, assim como a integração dos sistemas nacionais de informações e a criação de um mapa de inundação, considerado o pior cenário identificado, são medidas propostas que trazem esperança de melhoria, caso essas medidas sejam obedecidas na prática.
O artigo 11º dessa mesma lei, em seu parágrafo único, reza que: “Independentemente da classificação quanto ao dano potencial associado e ao risco, a elaboração do PAE (Plano de Ação Emergencial) é obrigatória para todas as barragens destinadas à acumulação ou à disposição de rejeitos de mineração.” (BRASIL, 2020).
Ainda na mesma lei, o artigo 12º, em seu parágrafo 1º, estabelece que: “O PAE deverá estar disponível no site do empreendedor e ser mantido, em meio digital, no SNISB e, em meio físico, no empreendimento, nos órgãos de proteção e defesa civil dos Municípios inseridos no mapa de inundação ou, na inexistência desses órgãos, na prefeitura municipal.” (BRASIL, 2020).
Assim, a forma como a referida lei trata da qualidade das informações pode favorecer facilidade e rapidez na tomada de decisão de modo mais seguro e preciso. Esse gerenciamento de informações poderá resultar em ações de melhoria da segurança e de monitoramento de barragens em operação e desativadas em todo o território nacional.
Além disso, a Lei nº 14.066/20 obriga o empreendedor a notificar imediatamente o órgão fiscalizador, o órgão ambiental e o órgão de defesa civil quanto a qualquer alteração das condições de segurança da barragem que possa causar risco de acidente ou desastre (BRASIL, 2020).
Conclusão
Finalmente, agora em oportuna reflexão conclusiva, cabe então dizer, à luz do exposto, que as tragédias de Mariana e Brumadinho foram fruto da fragilidade do modelo de gestão ambiental adotado no Brasil, que torna ineficiente a legislação. Assim, a falta de ações concretas para prevenir os danos e os impactos ambientais tem favorecido a existência de acontecimentos dessa natureza.
Ademais, considera-se que tais tragédias poderiam ter sido evitadas se fosse observado, pela empresa Vale e pelo poder público estadual, a Lei nº 12.334/2010, lei de segurança em barragens, e as demais legislações correlatas citadas neste trabalho, colocando-se em prática uma política precautória de gestão das barragens de Mariana e Brumadinho.
Além disso, verificou-se que à luz do preceito da defesa do meio ambiente a legislação atual brasileira orienta para a responsabilidade civil e a reparação do dano com a finalidade de possibilitar a coexistência de desenvolvimento econômico e manutenção da qualidade ambiental.
Os aspectos legais para a normatização da segurança de barragens no Brasil na época das tragédias de Mariana e Brumadinho eram diversos, contudo foram ineficientes para garantir as boas práticas em segurança de barragens.
Por fim, conclui-se que a proteção ao meio ambiente não pôde ser garantida, na prática, através da Política Nacional de Segurança de Barragens, nos casos de Mariana e Brumadinho, devido à grande fragilidade técnica e política dos órgãos públicos ambientais, bem como às falhas dos o processo de gestão de riscos por parte dos empreendedores.