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Processo cautelar e antecipação da tutela

(um paralelo possível)

24/06/1998 às 00:00
Leia nesta página:

"Assim, a garantia cautelar surge, como posta a serviço da ulterior atividade jurisdicional, que deverá restabelecer, definitivamente, a observância do direito: é destinada não tanto a fazer justiça, como a dar tempo a que a justiça seja feita." (1)



Consideração Preliminar

Uma das mais conhecidas e repetidas assertivas de todo aquele invoca a tutela jurisdicional do Estado, para assegurar-lhe um direito de que se julgue merecedor, refere-se à demora dos ritos processuais que conduzem à solução da lide levada à apreciação judicial.

A expectativa desse tempo, sabidamente longo, muita vez, leva o potencial Autor à autocomposição extrajudicial ou à renúncia, ou desistência, de sua pretensão resistida, desobrigando o Judiciário de mais essa causa, de mais esse processo.

Os princípios fundamentais que regem os procedimentos processuais, teoricamente, poderiam, em alguns casos, levar a soluções rápidas e menos onerosas. Na prática, contudo, a verdade é bem distinta e contrária. Os princípios fundamentais que comandam o processo, como a garantia do contraditório, e as manobras legais sob a forma de exceções processuais dilatórias, além dos recursos em face do duplo grau de jurisdição, ensejam processos cuja duração é demasiado prolongada, não raro arrastando-se durante anos.

São do jurisconsulto mineiro HUMBERTO THEODORO JÚNIOR essas palavras:

"O provimento judicial definitivo não pode ser ministrado instantaneamente. A composição do conflito de interesses, através do processo, só é atingida mediante a seqüência de vários atos essenciais que enseja a plena defesa dos interesses das partes e propicia ao julgador a formação de convencimento acerca da melhor solução da lide, extraído do contato com as partes e com os demais elementos do processo. (........) É indubitável, porém, que o transcurso do tempo exigido pela tramitação processual pode acarretar ou ensejar variações irremediáveis não só nas coisas como nas pessoas e relações jurídicas substanciais envolvidas no litígio, como, por exemplo, a deterioração, o desvio, a morte, a alienação, etc." (2)

Tal circunstância não satisfaz a quem, mais que requerer, necessita de soluções judiciais rápidas, ou menos demoradas, ante o periculum in mora.



Processo Cautelar

O primeiro instituto voltado a amenizar potenciais prejuízos desse "sem-fim" dos processos judiciais foi a Ação Cautelar.

Citando, outra vez, THEODORO JÚNIOR:

"Se os órgãos jurisdicionais não contassem com um meio pronto e eficaz para assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas, enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional, esta correria o risco de cair no vazio, ou de transformar-se em providência inócua." (3)

MOACYR AMARAL SANTOS, por sua vez, afirma (sobre as ações cautelares):

"Visam a providências urgentes e provisórias, tendentes a assegurar os efeitos de uma providência principal, em perigo por eventual demora.

A decisão, no processo de conhecimento, ou a providência executória, no processo de execução, por exigirem longa série de atos processuais, demanda tempo comumente não pequeno. A aguardá-la, possivelmente, ao ser proferida, o interesse da parte esteja sacrificado. A decisão, ou a providência executória, poderá vir tarde demais. (......) A justificação dessas providências está, pois, no perigo da demora da sentença a ser proferida ou do ato executório reclamado no processo principal." (4)

Da idéia de existirem duas grandes formas de prestação definitiva da tutela jurisdicional (a cognição e a execução), surge um tertium genus, o processo cautelar, uma nova face da jurisdição contendo "a um tempo as funções do processo de conhecimento e de execução. O seu elemento específico é a prevenção." (5)

Considerado haver, na apreciação sumaríssima e superficial do julgador, fumus boni iuris, pode ser concedida uma medida liminar, reduzindo, ou evitando que sobrevenham, danos ou perdas irreparáveis, ou de difícil reparação, ao detentor dos citados indícios de titularidade de um bom direito reclamado, causados pela delonga das marchas e contramarchas típicas de um processo.

Trata-se, assim, de medida provisória, passível de revisão ou cassação a qualquer instante, o que freqüentemente ocorre antes mesmo da decisão de mérito, e que se subordina ao que vier a ser decidido em outro processo, o principal.

Aplica-se, fundamentalmente, àqueles casos em que, no curso de um processo de conhecimento ou de execução, o juiz entende existir o risco que não deve ser corrido de resultar em grave prejuízo o aguardar-se o fim do rito processual ordinário, ou mesmo sumário, em todas as suas fases, sendo o impulso oficial, quase sempre, insuficiente para agilitar o andamento de um processo.

É processo autônomo, fruto de uma Ação Cautelar, pois, por sua natureza e fim específico, redunda em decisão judicial de eficácia temporária e provisória. Sua duração e validade correspondem ao tempo em que se aguarda a solução do processo principal. Destina-se, forçosamente, a ser, alfim, substituída por outra medida, a ser determinada em caráter definitivo naquele outro processo do qual é acessório.

Diz o Código de Processo Civil (CPC), art. 796:

"O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente." grifei.

As medidas cautelares não têm, portanto, um fim em si mesmas, existindo contingencialmente em função de outro processo. Abrangem todo e qualquer tipo de processo, nas áreas cível e trabalhista notadamente, porquanto medidas preventivas podem tender a:

  • conservar um meio de prova relevante para a obtenção de uma sentença; e/ou
  • atingir uma composição provisória dos interesses em conflito.

Elas dizem respeito à utilidade ou perfeição da sentença a ser prolatada posteriormente na ação definitiva, "mas nada têm a ver quanto à eficácia de ulterior processo de execução." (6)

Diz mais THEODORO JÚNIOR:

"Na realidade, até o próprio processo cautelar pode ser objeto de tutela cautelar, como, por exemplo, no caso de obras de conservação da coisa arrestada ou seqüestrada (art. 888, nº I), no de busca e apreensão da mesma coisa, quando desviada ou sonegada (art. 839), etc." (7)

CARNELUTTI (apud THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 47) identifica, diante do estado de fato sobre que incide o litígio, como espécies de providências cautelares,

  • medidas de "impedimento à provável mutação" da situação;
  • medidas de "eliminação de mutação" já ocorrida na situação fática; e
  • medidas de "antecipação da provável ou possível mutação" da situação.

É medida de caráter predominantemente público, baseada na imperiosa necessidade de estabilidade ou equilíbrio na situação de fato, entre as partes, ante a ameaça à eficiência do processo principal devido ao periculum in mora.



Antecipação da Tutela

Trata-se do mais recente instituto inserido no CPC, pela Lei nº 8.952/94, buscando, também, permitir que, na presença de fumus boni iuris e / ou periculum in mora, sejam adotadas, precocemente, decisões interlocutórias, igualmente provisórias e passíveis de revisão, tendentes a minorar, se não evitar, danos e prejuízos irreparáveis ditados pela demora na prolação da sentença.

Sua aplicação é similar, nestes aspectos e somente nestes, ao caso até aqui discutido das Ações Cautelares, mas voltada somente às Ações de Conhecimento.

O texto anterior dos arts. 272 e 273 do CPC, de 1973, rezava: (8)

"272. O procedimento comum é ordinário ou sumaríssimo."

"273. O procedimento especial e o procedimento sumaríssimo regem-se pelas disposições que lhes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento ordinário."

Este último texto, com a Lei nº 8.952/94, tornou-se o parágrafo único do novo art. 272 que, pela mesma lei, substituiu a expressão "sumaríssimo" por "sumário". Apesar disso, os arts. 275 a 281 do CPC continuam a tratar "Do Procedimento Sumaríssimo" (aquele em que "todos os atos, desde a propositura da ação até a sentença, deverão realizar-se dentro de 90 dias." - art. 281) - grifei.

A figura da Antecipação da Tutela é a essência do novo art. 273, verbis:

"O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

§ 3º A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos I e II do artigo 588.

§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento."

Aponta o Juiz Federal NOVÉLY VILANOVA DA SILVA REIS (9) essa impropriedade no texto legal:

"A redação do texto legal não é boa. Na realidade, de que o juiz precisa se convencer não é da verossimilhança da alegação, mas sim da probabilidade da procedência da causa. Convencido desse provável resultado, ele pode antecipar, parcial ou totalmente, os efeitos da tutela pretendida. Isso é uma forma de prestação jurisdicional instantânea, de modo a superar o desprestígio do processo em virtude do tempo, anos até, para o julgamento definitivo da causa."- o grifo é meu.

Analisada a prescrição legal, nota-se existirem os seguintes requisitos para a antecipação do que pleiteia a parte interessada:

  • requerimento da parte (não pode de ofício);
  • existência de prova inequívoca;
  • convencimento do juiz quanto à alegação ser verdadeira e o direito legítimo.

E mais:

  • haver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;
  • restar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Entenda-se, pois, que somente se aplica a antecipação da tutela em favor do Autor; jamais do Réu.

Os parágrafos que complementam o dispositivo do Código de Processo Civil em comento, limitam sua aplicação e ditam o comportamento do juiz. Assim, o juiz está obrigado a indicar, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento (§ 1º); não será concedida a antecipação "quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado" (§ 2º); a decisão não pode abranger atos que importem alienação do domínio nem o levantamento de depósito em dinheiro, sem caução idônea (§ 3º, c/c art. 588, II), ficando sem efeito a decisão sobrevindo sentença que a modifique ou anule, restituindo-se as coisas "no estado anterior" (§ 3º c/c art. 588, III); o § 4º reitera esse aspecto provisório e temporário da decisão interlocutória judicial, enquanto o § 5º impõe o prosseguimento do processo até a sentença de mérito.

A concessão da tutela que o Autor foi buscar no Judiciário, dessa forma antecipada, não significa que, se, na contestação, ficar provado fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do Autor - novo convencimento do juiz, agora na direção da parte contrária - a tutela concedida não possa ser revogada ou modificada (não se trata de cassação, porque não se tratava de liminar concedida; a decisão que autoriza a tutela é da mesma natureza, em conteúdo, da sentença que julga procedente o pleito. Disto o juiz está, ainda que momentaneamente, inteiramente convencido, ao deferir o requerimento do Autor).

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Tem-se, dessa forma, um novo instituto que busca atenuar os efeitos nocivos da lentidão de nosso Judiciário. O art. 273 do CPC refere-se às ações que tenham por objeto o cumprimento da obrigação de dar (ou pagar). Simultaneamente, a mesma Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, estatuiu, no art. 461(particularmente em seu § 3º), medida similar aplicável às ações que tenham por objeto a obrigação de fazer ou não fazer.

São todas ações de cognição (declarar a existência ou a inexistência de ralação jurídica, constituir ou condenar).

Não é cabível a antecipação da tutela contra as entidades estatais (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias ou Fundações Públicas) nas ações que tenham por objeto a obrigação de pagar, já que a Constituição Federal de 1988 (art. 100) determina que seus débitos judiciais só podem ser liquidados em decorrência de sentença, o que não caracteriza uma decisão interlocutória, como a de antecipação da tutela.



Conclusão

Nosso ordenamento jurídico se enriqueceu com a possibilidade de antecipação da tutela pretendida, por parte daquele que recorre à imparcialidade do Estado, como forma de ver um seu direito (evidente, claro e insofismável), assegurado preventivamente, escapando de manobras dilatórias, meramente procrastinadoras, daquele que sabe, no íntimo, que vai ser derrotado no litígio, por assistir razão à outra parte.

Ainda nesse caso prevalece o princípio basilar da Justiça de competir ao juiz, como órgão do Estado, decidir, consoante seu convencimento, consciência e conhecimento, se e quando deve deferir o que lhe é pedido, ou conceder a antecipação requerida de algo postulado em juízo, ou seja, a tutela pretendida.

Lamentavelmente, no dizer de THEODORO JÚNIOR, "o provimento judicial definitivo não pode ser ministrado instantaneamente".

Que, pelo menos, em vista de um convencimento suficiente do fumus boni iuris e do periculum in mora, possa o juiz estar expressamente autorizado, por uma lei, a conceder uma tal medida, inclusive logo no início do processo, mitigando o prejuízo real ou latente daquele que lhe bate às portas respaldado por um interesse legítimo e cuja pretensão esteja sendo, infundadamente, resistida ou insatisfeita.



Referências bibliográficas e Citações remissivas

CINTRA, Antonio Carlos de A. et alii. "Teoria geral do processo." 11ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 1995. p. 318 [1].

Código de Processo Civil brasileiro, atualizado.

Constituição Federal brasileira, de 5 de outubro de 1988.

Exposição de Motivos, nº 11, do projeto de que resultou a Lei nº 5.869, de 1973 (CPC) [5].

NEGRÃO, Theotônio. "Código de processo civil e legislação processual em vigor." 22ª edição ("atualizada até 05 de janeiro de 1992"), Malheiros Editores, São Paulo. p. 213:20 [8].

REIS, Novély V. da Silva. "Antecipação da tutela no processo cautelar". In: Diário & Justiça, de 29-04-96, p. 3 (Suplemento do Correio Braziliense, Brasília) [9].

SANTOS, Moacyr Amaral. "Primeiras linhas de direito processual civil", 1º vol., 18ª edição, Saraiva Editores, São Paulo, 1995, p. 177 [4].

THEODORO JÚNIOR, Humberto. "Processo cautelar". 11ª edição, Livraria e Editora Universitária de Direito, São Paulo, 1989, p. 39:40 [2], p. 41 [3], p. 46 [6] e [7].

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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. Processo cautelar e antecipação da tutela: (um paralelo possível). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/870. Acesso em: 5 nov. 2024.

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