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A mercancia de pequena quantidade de substância entorpecente em face da objetividade jurídica da Lei nº 6.368/76.

Crime de bagatela ou estado de necessidade exculpante?

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04/08/2006 às 00:00
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13.SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE

            O termo droga é originário do holandês antigo, onde droog significa folha seca, e reflete o fato de que, noutros tempos, quase todos os medicamentos eram compostos à base de vegetais.

            Sua utilização encontra-se enraizada nos hábitos e costumes dos povos desde a sua antigüidade.

            É toda aquela substância tóxica que atua sobre o sistema nervoso e cuja utilização provoca dependência física ou psíquica. Após a aplicação, muda as funções do organismo, causando modificações comportamentais, uma vez que age no sistema nervoso central.

            De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é toda substância que, ao ser introduzida em um organismo vivo, pode modificar uma ou várias de suas funções.

            Definida pela medicina como substância capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou comportamentais.

            O organismo, após se tornar extremamente viciado à substância, pode vir a tolerar doses cada vez maiores e mais freqüentes, podendo acarretar perturbações físicas e morais.

            Assim, as drogas devem ser vistas como um grave problema de saúde física e mental.

            As substâncias entorpecentes são divididas entre drogas pesadas e leves. Pesadas: causam dependência física (se ocorrer uma privação da droga, o organismo desenvolverá a síndrome de abstinência, independente da vontade do indivíduo, potencializando a sua vontade de consumi-la) e psíquica (o consumidor da substância sente um impulso indomável que exige o consumo da droga. Apresenta alterações de personalidade). Leves: causam "apenas" a dependência psíquica.

            Os entorpecentes encontram, ainda, uma outra classificação, qual seja:

            - Depressores ou Psicolépticos: Faziam parte do grupo de substâncias que diminuem a atividade cerebral, deprimindo seu funcionamento, fazendo com que a pessoa perca o interesse pelas coisas. Ex: Álcool, ansiolíticos, inalantes, solventes, opiáceos, barbitúricos.

            - Estimulantes: excitam o consumidor. Aumentam a atividade cerebral, estimulando seu funcionamento, fazendo com que a pessoa fique mais animada e sem sono. Ex. Pervitin, benzedrina, glucoenergan, cafeína, nicotina, anfetamina, cocaína.

            - Perturbadores: grupo de substâncias que modificam qualitativamente a atividade do cérebro. Perturbam, distorcem o seu funcionamento, fazendo com que a pessoa passe a perceber as coisas de maneira deformada. Também chamados de alucinógenos, psicodislépticos, alucinantes. Ex. Daime, LSD-25, cogumelo, maconha.


14.QUANTIDADE ÍNFIMA DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE

            A pequena quantidade de entorpecente não pode ser considerada típica se não estiver presente o perigo comum.

            A quantidade é um indicativo, mas o que realmente importa para a configuração da conduta delitiva é o fim a que se destina a droga.

            Em conformidade com a 3ª C. Criminal do TJRS, 1 (uma) grama de maconha é considerada porção insignificante. Na mesma esteira, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considera o porte de menos de uma grama insignificante, eis que se limitam à esfera da liberdade individuais e encarados como delitos de autolesão (também denominada automutilação. É o lesionamento produzido em si próprio por uma pessoa, intencionalmente ou não).

            A mesma posição é adotada pelo TJSP, a qual passamos a transcrever:

            Em 1 grama de maconha, o THC, que é seu componente responsável pela euforia corresponde a 10 mg. Destes, apenas metade é absorvida, o que é insuficiente para gerar distorções psíquicas no agente, em face do metabolismo (TJSP – AC 24.048-3 – Rel. Paulo Neves – RT 585/290).

            Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, desimporta a quantidade de substância entorpecente, uma vez que a tipicidade penal vincula-se às propriedades da droga, ao risco social e à saúde pública. Assim, a pequena mercancia não deixa de ser crime tipificado no art. 12 da Lei 6.368/76. A violação da saúde pública e a difusão da substância são reais, apenas atingem um alcance menor.

            Não obstante, a apreensão de pequena quantidade não afasta o tipo legal da insignificância.

            Nesse diapasão, a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça Gaúcho:

            Na vigência da Lei 6.368/76, a circunstância da quantidade, só por si, não basta para caracterizar a natureza do delito. O art. 37 da Lei tem o propósito de chamar a atenção do magistrado para qual aprecie todos os aspectos do crime, em vez de se prender ao critério simplista e precário da porção de tóxico encontrada em poder do agente (TJRS – AC – REL. Ladislau Fernando Rohnelt – RJTRS 76/148).

            A pequena quantidade de entorpecentes para venda serve como meio de dissimulação do tráfico. Assim, traficantes que vendem a droga "no varejo" não portam ou possuem depósitos com grandes quantidades.


15.LEI 6.368/76

            O objetivo principal do legislador ao formular referida lei foi a proteção da saúde pública, uma vez que a deterioração causada pela droga põe em risco a integridade social. Deste modo, tem como bem jurídico tutelado a incolumidade pública e, em particular, a saúde pública.

            A legislação antidrogas não pune o agente pelo simples fato de haver feito uso de entorpecente em momento anterior à sua prisão. O que a lei condena é a posse de droga, seja ela para consumo ou mercancia no ato da prisão. Assim, vê-se que a toxicomania não é considerada crime na esfera penal.

            Para que o delito cometido seja considerado fato típico, é imprescindível a confecção de um laudo toxicológico para fins de identificação da substância apreendida, sob pena de configuração de crime impossível pela impropriedade do objeto.

            Em seu artigo 12, a supramencionada norma penal considera o tráfico um crime de perigo onde há presunção juris et de jure à ameaça da saúde pública, não fazendo distinção do que vem a ser maior ou menor quantidade de tóxico, para fins de configuração do delito de tráfico, ficando esta qualificação a critério do juiz que irá decidir a causa.

            O art. 12 da Lei 6.368/76, não distingue, na configuração do delito, o tráfico de quantidade maior ou menor de maconha. A repressão ao uso e tráfico de substâncias entorpecentes capazes de causar dependência física ou psíquica, que a lei tutela, não visa ao dano estritamente. Sua punição leva em conta o perigo que as substâncias entorpecentes representam para a saúde pública, e não a lesividade comprovada em concreto. STF – RE 109.435 – 4 - Rel. Célio Borja – RT 618/407).


16.TRÁFICO

            A Constituição da República Federativa do Brasil (1988) demonstra uma proteção rigorosa à saúde pública, proibindo o comércio de entorpecentes. Em seu artigo 5, inciso XLIII, nos traz que o tráfico ilícito de entorpecentes é crime inafiançável, bem como insuscetível de graça ou anistia.

            Sabe-se que os principais envolvidos com o tráfico são os traficantes, viciados ou toxicômanos e experimentadores. Passamos então a especificar qual o papel de cada um.

            Traficante – é o responsável pela difusão do vício. Hoje ele deixou de ser aquele marginal que morava em favelas para se tornar um criminoso sofisticado. É quem responde pela trajetória da substância entorpecente. Detentor do cargo mais alto da carreira criminosa.

            Microtraficante – não possui fornecedores próprios. Possui estoque pequeno para vender durante um curto período (Ex.: Uma noite). Utiliza-se deste ofício para suprir suas necessidades. Compra diretamente do traficante, conseguindo um preço menor, trabalhando em seu próprio benefício e, até mesmo, de sua família.

            O microtraficante faz todas as misturas possíveis a fim de ganhar no peso, reduzindo, assim, o custo da droga. Quanto menor o traficante, maior a probabilidade de a droga estar batizada.

            Visto pelo legislador como a ponta de lança do grande traficante, pois é encarregado da distribuição da mercadoria e do aliciamento de consumidores.

            Considera-se ‘pequeno traficante’ o indivíduo que exerce o tráfico com as características da habitualidade e do intuito de auferir vantagem econômica. [23]

            Salo de Carvalho nos descreve o microtraficante:

            Ousaríamos, inclusive, classificar este pequeno traficante como traficante famélico, visto que, pelas condições do mercado, só lhe resta esta atividade para sobrevivência, caracterizando, logicamente, excludente de antijuridicidade, que é o estado de necessidade. [24]

            Viciado/Toxicômano – deve ser considerado um doente, um inimputável, pois, em conformidade com a ordem médico-legal, tem o vício como fator excludente da imputabilidade, sendo considerado incapaz de entender o caráter criminoso do fato em cometimento, quando está sob os efeitos da droga. Ao condenarmos um viciado, estaremos apenando um enfermo. Ao fazer uso de substância entorpecente, o viciado está agindo diretamente contra si, não podendo ser condenado, pois está se autolesionando. Não obstante, também pode ser considerado um perigo para a sociedade. Visto sob o aspecto jurídico, é absurda a punição de uma pessoa pela causação de um mal que atinge a si própria. Isto posto, vê-se que o direito não pode punir o autoprejuízo, eis que não tem potencialidade para afetar a terceiros.

            Atualmente, a tendência do Direito Penal é tratar e considerar o toxicômano como um doente, submetendo-o a tratamento compulsório, de natureza sancionatória.

            Na grande maioria das vezes, o viciado/toxicômano mantém íntegro o discernimento de seus atos, porém há uma forte atuação sobre seu caráter volitivo, havendo, assim, uma afetação na inibição à prática dos fatos tipificados como infração penal. Deste modo, diante da perda do autocontrole, inegável é a aplicação da inimputabilidade absoluta ou relativa.

            A toxicomania é vista como a intoxicação periódica ou crônica, nociva ao indivíduo. Determinada pelo consumo repetido de uma droga.

            O viciado, além de difundir o seu vício, estimula e sustenta o tráfico. Assim, pune-se o consumidor visando à prevenção geral.

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            Experimentador – age dolosamente. É considerado imputável, pois tem plena consciência do caráter criminoso do ato praticado. Geralmente, utiliza-se da droga apenas por curiosidade.

            O delito de tráfico é considerado plurisubjetivo, supõem-se haver uma associação de vários indivíduos para a sua perpretação. Não é crime hediondo, mas assemelhado a ele. É ainda classificado como crime de perigo abstrato, eis que põe em risco a integridade social, delito de ação múltipla ou de conteúdo variado, (apresentando diversas maneiras de violar a mesma proibição). Também classificado como crime de efeito permanente, pois gera uma situação que se prolonga com o tempo, consumando-se com a mera guarda ou depósito para fins de comércio.

            Por ser crime de perigo abstrato, no momento em que o sujeito ativo estiver realizando a conduta descrita no tipo, este já estará colocando em risco a incolumidade pública.

            Se houver dúvida entre a condição de traficante ou usuário, deve sempre se resolver a situação em favor do acusado (in dúbio pro reo).

            No crime de tráfico de entorpecentes, o sujeito ativo desencadeia um perigo para toda a coletividade.

            O tráfico origina o cometimento de outros diversos crimes, a maioria originada no sacrifício financeiro gerado para manutenção do vício. Os delitos patrimoniais são mais freqüentes, concorrendo, assim, para o aumento da pequena criminalidade.

            Tem como sujeito passivo qualquer pessoa da coletividade, uma vez que esta se encontra exposta ao perigo.

            O dolo é genérico, não havendo necessidade de dolo específico, bastando, assim, o animus de traficar.

            A conduta do sujeito ativo representa um alto risco à saúde pública, sendo incabível a tentativa.

            Tem como peculiaridade a quantidade da droga apreendida, obtenção de lucro e graves conseqüências à saúde pública.

            O objeto jurídico nos delitos de tráfico é a saúde pública; a incolumidade física e a saúde individual.

            O sujeito passivo imediato vem a ser a coletividade e o eventual é a pessoa humana.

            O objeto material é a substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

            Por ser um crime de perigo, a capacidade de causar a dependência diz respeito às propriedades e não à quantidade.

            Tem como elemento subjetivo as condutas previstas no art. 12 da Lei nº 6.368/76, as quais são todas dolosas, havendo uma necessidade de que o agente saiba que a substância é entorpecente.

            De acordo com a Lei nº. 6.368/76:

            Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

            Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

            § 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

            I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

            II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

            § 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:

            I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

            II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

            III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica".

            Vejamos o significado de cada verbo nuclear do tipo penal acima descrito:

            - Importar – fazer entrar no território nacional coisas provenientes de países estrangeiros. Considera-se tipificado o delito de importação de substância entorpecente no momento em que a droga transpõe as fronteiras ou penetra no mar territorial.

            - Exportar – fazer sair dos limites do território nacional.

            - Remeter – enviar, encaminhar, expedir.

            - Preparar – compor, dispor, predispor, aprontar, dosar, obter por meio de operações químicas.

            - Produzir – gerar, criar, fabricar, originar, fornecer.

            - Fabricar – preparar, produzir, construir, manufaturar, executar.

            - Adquirir – alcançar, conseguir, obter, ganhar, vir a ter, comprar.

            - Vender – alienar mediante contra-prestação, negociar, trocar, ceder por certo preço.

            - Expor a venda – mostrar a eventuais compradores.

            - Oferecer – ofertar, mostrar, exibir, expor, sugerir, propor, dar como oferta, apresentar ou propor uma coisa para que seja aceita.

            - Ter em depósito – guardar, encobrir, armazenar, depositar, ocultar.

            - Transportar – conduzir ou levar de um lugar para outro.

            - Trazer consigo – ter, manusear, ser portador de. É conservar a coisa junto da própria pessoa.

            - Guardar – vigiar para proteger ou defender, conservar, reservar, encobrir, ocultação pura e simples, permanente ou precária da coisa.

            - Prescrever – preceituar, estabelecer, receitar, indicar, determinar, ordenar de antemão;

            - Ministrar – aplicar, servir, inocular, administrar;

            - Entregar – dar, depor nas mãos de alguém, confiar, depositar, dar a alguém a posse definitiva ou temporária de algo.

            É visto por muitos estudiosos de nossa sociedade como sintoma de uma série de outros problemas, dentre os quais, a exclusão social, a marginalização e a pobreza.

            Se o tráfico varejista fosse uma forma de crime organizado, a situação seria bem mais grave (as quadrilhas são formadas por jovens pobres das favelas e periferias).

            Alguns dos motivos que levam a juventude ao comércio de entorpecentes é a busca de dinheiro fácil, prestígio e poder.

            Atualmente, o tráfico de drogas é a atividade comercial mais rentável, afinal de contas, necessita de baixo investimento, gerando altos lucros auferidos, fazendo aumentar o número de pessoas que se disponibilizam a trabalhar em seu comércio ilegal.

            O capital de giro do tráfico incrementou outras atividades, como o tráfico de armas e o próprio contrabando.

            Além do comércio varejista, há a ponta do comércio atacadista, o qual é processado e operado por criminosos do colarinho branco. Não adianta combater o comércio varejista se não houver operações internacionais/interestaduais visando dificultar o comércio atacadista.

            A polícia se atém apenas ao tráfico varejista, pois estes microtraficantes, além de serem menos perigosos, oferecem menor resistência.

            Pode-se dizer que há uma lei da oferta e da procura, ou seja, enquanto houver procura por parte dos consumidores, haverá traficantes para fornecer a droga.

            O maior problema gerado pelas drogas ilícitas não são os efeitos gerados no usuário (o qual pode receber tratamento), mas nas organizações criminosas que se sustentam com o seu comércio.

            Em um país onde a maioria da população vive em miserabilidade, o tráfico vem se tornando um atrativo comum para a obtenção de riqueza.

            Os pequenos traficantes vêem nesse mercado um meio de sobrevivência, em razão da escassa oferta de trabalho. São traficantes esporádicos ou de pequena monta.

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Sobre a autora
Aline Sinhorelli Müller

bacharelanda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), campus Gravataí (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÜLLER, Aline Sinhorelli. A mercancia de pequena quantidade de substância entorpecente em face da objetividade jurídica da Lei nº 6.368/76.: Crime de bagatela ou estado de necessidade exculpante?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1129, 4 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8716. Acesso em: 29 mar. 2024.

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