4.O PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO COMO CONDIÇÃO DE PROPONIBILIDADE DA AÇÃO
Em regra, prescinde-se o requerimento administrativo para o ajuizamento de demandas perante o Poder Judiciário. Por outro lado, tratando-se de ação previdenciária, exige-se o prévio requerimento administrativo, conforme será exposto a seguir.
É sabido que o INSS é competente para avaliar os requerimentos administrativos de concessão ou de revisão de prestações no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, mas o rotineiro é que o segurado acione diretamente o Judiciário, sem oportunizar que a autarquia previdenciária processe e conclua o requerimento do benefício administrativamente, nesse sentido:
As consequências são graves, tanto para o INSS quanto para o segurado ou beneficiário. Para o INSS, os prejuízos serão sentidos ao final, com o cálculo das verbas devidas, acrescidas de correção monetária, juros moratórios e honorários de sucumbência que, se bem empregados, poderiam compor por anos a fio o que é de seu direito.[31]
Por esta razão, o ajuizamento da ação previdenciária, sem o prévio requerimento administrativo, acaba por congestionar ainda mais o Judiciário. Ademais, verifica-se que, em virtude do art. 5º, inc. XXXV da CRFB/88, o qual determina que o Poder Judiciário é o único legítimo para exercer a jurisdição, ao litigar judicialmente contra o INSS sem prévia tentativa na via administrativa, não há que se falar em lesão ou ameaça de lesão a direito subjetivo:[32]
Inclusive, verifica-se, nessa situação, que “não há uma pretensão resistida a ser submetida ao crivo do Estado-juiz, pois o Estado-administrador não exerceu a função administrativa que ordinariamente lhe incumbe”[33], motivo pelo qual é imprescindível que o INSS tenha a oportunidade de se manifestar sobre a concessão de benefício em momento prévio à propositura de ação judicial.
Dessa maneira, surge o interesse de agir, de modo que é indispensável que exista uma pretensão resistida para que o procedimento seja válido. Assim, o referido interesse processual tem relação com a utilidade que determinado provimento judicial pode oferecer ao litigante, isso é, ao segurado. Sendo assim, é necessário que se demonstre que, sem o exercício da jurisdição, a pretensão não poderia ser satisfeita.[34]
Por isso, o interesse de agir só é constatado diante do indeferimento de requerimento administrativo ou, ainda, quando a autarquia previdenciária se omite, deixando de proferir decisão que defira ou indefira determinado benefício. Em consequência, em processos judiciais em que não há prévio requerimento administrativo, é atípico oferecimento de proposta conciliatória por parte do INSS:
(...) dificilmente o Procurador Federal terá segurança para apresentar uma proposta de conciliação sem a prévia manifestação administrativa do INSS, pois é certo que existem mazelas judiciais menos comuns no processo administrativo, a exemplo da instrução de testemunhas para faltar com a verdade em juízo.[35]
Inclusive, de forma intrigante, nota-se que, se promovida ação previdenciária sem prévio requerimento administrativo, o segurado deixa de ter duas chances, para obter apenas uma oportunidade de ter a sua pretensão, quanto ao benefício, satisfeita. Assim, verifica-se mais um fundamento favorável quanto ao prévio requerimento administrativo.
Advém que, após o julgamento do RE 631240/MG pelo Supremo Tribunal Federal, para configuração do interesse de agir, em regra, tornou-se indispensável a promoção de prévio requerimento administrativo perante o INSS, de modo que não se exige o esgotamento da via administrativa, mas tão e somente a comprovação de resistência ou negativa. Ressalta-se que, a resistência pode decorrer tanto da mora da autarquia em apreciar o pedido, quanto à negativa em recebê-lo.[36]
Por sua vez, o esgotamento ou exaurimento da via administrativa, conforme explicitado, é dispensável, dado que não é necessário interpor todos os recursos cabíveis no processo administrativo para fins de caracterização de resistência à pretensão. Nesse sentido, a simples postulação administrativa do benefício, na primeira instância, corresponde ao requisito do prévio requerimento à autarquia federal.
Assim, constatada a inexistência de prévio requerimento administrativo, no âmbito de ação previdenciária, ter-se-á seu sobrestamento e, ainda, o autor será intimado para intentar o requerimento, na via administrativa, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de extinção do processo. Dessa forma, atestada a postulação administrativa, a autarquia previdenciária será intimada para se manifestar dentro do prazo de 90 (noventa) dias, oportunidade em que deverá apresentar provas que atestem ou contestem o pedido do autor e, assim, proferir decisão.[37]
Consequentemente, com o acolhimento do pedido na via administrativa, ou não sendo possível análise do mérito por razões imputáveis ao autor, tem-se a extinção da ação. De outro modo, com a negativa, em virtude da caracterização do interesse de agir, verifica-se o prosseguimento do feito.[38]
Ainda, no âmbito do julgamento do recurso extraordinário em questão, evidenciou-se, na maioria dos votos, que as condições da ação objetiva evitar que o postulado da tutela jurisdicional subsidiária seja violado.
Isso porque a subsidiariedade quanto às lides previdenciárias é justificável em virtude da existência do INSS, o qual se trata de autarquia federal especializada na matéria, motivo pelo qual “ignorar a existência e a atuação do INSS na efetivação dos direitos fundamentais sociais, é ignorar seu papel basilar em prol do acesso à justiça que, diga-se de passagem, pode ser assegurado por meio de outras vias que não seja tão somente o Judiciário”.[39]
Dessa forma, o prévio requerimento administrativo como condição de proponibilidade da ação previdenciária não configura entrave ou obstáculo ao acesso à justiça, mas, em verdade, garantia de que via menos onerosa e apropriada seja priorizada, uma vez que o Poder Judiciário não é o único legitimado a substancializar direitos e garantias fundamentais, conforme a seguinte tese de repercussão geral do supracitado recurso extraordinário:
RE 631240 - I - A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas; II - A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado; III - Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão; IV - Nas ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240/MG (03/09/2014) que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (a) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (b) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; e (c) as demais ações que não se enquadrem nos itens (a) e (b) serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir; V - Em todos os casos acima - itens (a), (b) e (c) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.[40]
Pontua-se, ainda, que a negativa do INSS, quanto ao requerimento do benefício, pode ser tanto expressa quanto tácita. Todavia, não se exige que o requerimento seja expresso. Assim, a negativa tácita, nos termos do art. 49 da Lei nº 9.874/99 é configurada quando há omissão de resposta no prazo legal, que é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, desde que expressamente motivado.[41]
Ademais, tratando-se de revisão, restabelecimento ou manutenção do benefício, prescinde-se de prévio requerimento administrativo, visto que a autarquia federal possui a obrigação de conceder sempre o melhor benefício, em decorrência do art. 687 da IN 77/2015 e, do art. 176-E do Decreto nº 3.048/99, incluído pelo Decreto nº 10.410/2020, segundo o qual “caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou benefício diverso do requerido, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito”.[42]
Por tais razões, diz-se que ações previdenciárias que são destinadas a melhorar ou proteger benefício anteriormente concedido ao segurado, tais como manutenção, pedidos de revisão e conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, geralmente, dispensam o prévio requerimento administrativo.
A título de exemplo, tem-se a situação em que o segurado percebe auxílio-doença, o qual, posteriormente, é cessado. Sucede-se que, apesar de não mais estar totalmente incapaz, certa doença o acarretou sequela que o deixou incapaz parcialmente para desempenhar sua atividade laborativa habitual. Nessa hipótese, o INSS deveria ter-lhe concedido auxílio-acidente, alternativamente à cessação do auxílio-doença, uma vez que o segurado já possuía sequela na data em que o auxílio-doença foi cessado. Por isso, prescinde-se novo requerimento administrativo.
Sendo assim, em razão do RE 631240/MG, a regra geral dispõe que, para casos de obtenção original de benefício ou serviço previdenciário; para concessões, averbação de tempo de contribuições, pedidos de certidões e; havendo nova matéria fática, para revisões, restabelecimentos ou conversões, é necessário prévio requerimento administrativo ao INSS.
Já no que concerne às regras de transição, o mencionado julgado, com repercussão geral reconhecida, estabeleceu-as para aplicação aos processos judiciais sobrestados, os quais envolviam pedidos de concessão de benefício à autarquia previdenciária, mas sem prévio requerimento administrativo prévio. À época, foram definidas três regras.
A primeira estabeleceu que, em ações ajuizadas em juizados itinerantes, a ausência do requerimento administrativo não acarretaria a extinção do feito, posto que, os juizados itinerantes costumam se dirigir a locais em que inexiste agência do INSS, motivo pelo qual não seria razoável exigir prévio requerimento.
Já a segunda dispôs que, manter-se-ia o trâmite de ações cuja contestação de mérito houvesse sido apresentada pelo INSS, de modo que a contestação caracteriza o interesse em agir do INSS, em decorrência da resistência ao pedido.
Por seu turno, a terceira regra definiu que as outras as ações judiciais deveriam ficar sobrestadas:
Nesses casos, o requerente do benefício deve ser intimado pelo juízo para dar entrada no pedido junto ao INSS, no prazo de 30 dias, sob pena de extinção do processo. Uma vez comprovada a postulação administrativa, a autarquia também será intimada a se manifestar, no prazo de 90 dias. Uma vez acolhido administrativamente o pedido, ou nos casos em que ele não puder ser analisado por motivo atribuível ao próprio requerente, a ação é extinta. Do contrário, fica caracterizado o interesse em agir, devendo ter seguimento o pedido judicial da parte.[43]
Dessa maneira, com o julgamento do supracitado recurso extraordinário, o Superior Tribunal de Justiça acatou o entendimento do Supremo e, assim, determinou o retorno dos autos à instância de origem, para que fossem adotadas as medidas estipuladas no RE, em cada caso concreto, consoante se verifica a partir da ementa do recurso especial representativo da controvérsia:[44]
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR AO QUE DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RE 631.240/MG, JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, sob rito do artigo 543-B do CPC, decidiu que a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento administrativo, evidenciando situações de ressalva e fórmula de transição a ser aplicada nas ações já ajuizadas até a conclusão do aludido julgamento (03/9/2014).
2. Recurso especial do INSS parcialmente provido a fim de que o Juízo de origem aplique as regras de modulação estipuladas no RE 631.240/MG. Julgamento submetido ao rito do artigo 543-C do CPC.[45]
Sendo assim, a Corte Cidadã passou a julgar no sentido de determinar o retorno dos autos ao juiz de primeiro grau, para fins de aplicação das regras de modulação ora estipuladas pela Corte Suprema. Por tal razão, foi possível garantir segurança jurídica àqueles que ajuizaram demandas em desfavor da autarquia previdenciária antes do julgamento do recurso extraordinário.