Capa da publicação Responsabilidade civil no acidente de trânsito
Capa: Prefeitura de Caxias do Sul
Artigo Destaque dos editores

Aspectos práticos da responsabilidade civil no acidente de trânsito

08/12/2020 às 15:40

Resumo:


  • As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro são conhecidas por terem um dos piores trânsitos do mundo, com impactos significativos na mobilidade urbana e na segurança dos condutores e pedestres.

  • Em casos de acidentes de trânsito, é importante manter os veículos na posição do impacto para facilitar a análise da cena, prestar socorro se necessário, e registrar um Boletim de Ocorrência, que é crucial para processos de seguro e ações legais.

  • A responsabilidade civil em acidentes de trânsito envolve a conduta culposa do condutor, a ocorrência de um dano e o nexo causal entre ambos, podendo resultar em indenizações abrangentes que cobrem desde danos materiais até danos morais e pensões por incapacidade ou morte.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo traz breves explanações sobre quais cuidados tomar ao sofrer ou cometer um acidente de trânsito, bem como quais os direitos envolvidos e que podem ser objeto de ressarcimento/indenização.

1. Introdução

Infelizmente, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro ocupam há muitos anos o ranking das cidades que possuem os piores trânsitos do mundo12.

Os levantamentos consideram diversas variáveis como mobilidade, transporte público, infraestrutura e o tempo que as pessoas permanecem no tráfego.

O maior período no trânsito invariavelmente ocasiona o maior risco de sofrer ou provocar acidentes e colisões, especialmente quando se deve abarcar, na mesma via, veículos de passeio, taxistas, motoristas de aplicativos, ônibus, caminhões, motociclista, ciclista, perueiros e até mesmo patinetes.

Um estudo realizado em 2010 pela Organização Mundial de Saúde – OMS3 elencou o Brasil como o quarto país do mundo com o maior número de mortes no trânsito e o segundo com a maior taxa de mortes por habitante em acidentes de moto.

Desde então os índices têm reduzido, mas ainda em patamar elevado4, vez que a maioria dos acidentes são ocasionados por desatenção, uso do celular, excesso de velocidade e ultrapassagens indevidas.

Diante deste cenário, é de fundamental importância saber como proceder na ocorrência de algum acidente, como avaliar a responsabilidade do condutor, bem como quais atos tomar para se precaver e posteriormente buscar a correta reparação dos danos pelo responsável.


2. Momento do acidente

Ocorrendo um acidente de trânsito, sugere-se que os envolvidos, na medida do possível, mantenham os veículos na mesma posição em que houve a colisão, como forma de permitir a correta comprovação do local, ângulo dos veículos e demais informações que possam comprovar a culpa de quem ocasionou a colisão.

Neste sentido, importante ressaltar que a fuga do local da colisão, ainda que sem vítimas, é considerado crime pelo artigo 305 do Código Brasileiro de Trânsito.

Caso uma das partes tenha sofrido alguma lesão, o que é mais comum em acidentes com motocicletas ou ciclistas, deve-se prestar socorro e se o caso ligar para as respectivas autoridades para que o socorro seja prestado, sob pena de crime, ainda que a omissão seja suprida por terceiros (artigo 135 do Código Penal e 304 do Código Brasileiro de Trânsito).

Ultrapassado os deveres mais urgentes, deve ser lavrado um Boletim de Ocorrência – B.O., que poderá ser realizado no local do acidente, na delegacia ou ainda pela internet.

Embora o Boletim de Ocorrência não sirva efetivamente como meio de prova, por ser lavrado de forma unilateral, traz um indício dos acontecimentos de forma a complementar as demais provas já mencionadas.

Ademais, o Boletim de Ocorrência costuma ser uma exigência das seguradoras para a cobertura do sinistro e é obrigatório caso seja utilizada a cobertura de danos pessoais junto ao DPVAT – seguro obrigatório de Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres, que protege não apenas os motoristas, mas qualquer pessoa que sofra danos pessoais por acidente, inclusive um pedestre.

Não sendo ocorrendo um consenso entre as partes, o prejudicado (ou ambos) poderá exercer seus direitos tanto pelo Juizado Especial Cível (se o pedido contemplar até quarenta salários mínimos) ou pelo Procedimento Comum da Justiça Civil.

Exige-se, ainda, por um entendimento jurídico não previsto em lei, que o pedido seja respaldado por pelo menos três orçamentos, como forma de trazer uma média de custo justo sobre o valor do dano que deverá ser indenizado pelo ofensor.

No Juizado Especial não cabe produção de prova pericial, portanto a ausência de um valor médio dos danos poderá inviabilizar o pedido de reparação, enquanto que no procedimento comum, o custo da perícia atrelada a natural demora no processo poderá trazer prejuízos ainda maiores até a solução final da causa.

Além da comprovação do custo, poderão ser incluídos outros pedidos de indenização, a depender dos prejuízos ocasionados ao prejudicado em cada caso, tais como despesas médicas, aluguel do veículo durante os reparos, compensação financeira para motorista profissional, dentre outros, conforme será melhor esclarecido abaixo.

Contudo, para que o ressarcimento e indenização ocorram, deverá ser demonstrada a responsabilidade pelo acidente, que poderá ser exclusiva, solidária ou concorrente, a depender de cada caso, o que influencia, diretamente, no pedido de reparo dos danos, senão vejamos:


3. Princípios Básicos da Responsabilidade

De acordo com a teoria geral do direito civil, em breve resumo, 3 (três) são os fundamentos jurídicos para que exista a responsabilidade, quais sejam: (i) conduta culposa, (ii) dano e (iii) nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Para que a conduta seja reprovável pelo direito, portanto, apta a se postular uma reparação, referida conduta deve ser praticada com negligência ou imprudência, também denominada de ato ilícito conforme previsto nos artigos 186 e 927 do Código Civil.

Isso porque, se a conduta não for praticada com negligência ou imprudência (culpa), não há que se falar em um ato passível de responsabilização (a princípio).

Pode-se definir como imprudência a falta de cautela ou cuidado, como, por exemplo, o motorista que dirige em excesso de velocidade ou ultrapassa o sinal vermelho, enquanto que a negligência é a mesma falta de cuidado em uma conduta omissiva, ou seja, haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar por deficiência de freios, pneus, etc.

Assim, realizada a conduta, esta será reprovável (e, portanto, tutelada pelo direito) se, em decorrência desta conduta ocorrer um dano a um terceiro.

Importante destacar, ainda, que o dever de ressarcir e indenizar não é apenas do condutor do veículo, mas igualmente do proprietário do bem, pois ao emprestar seu veículo, o proprietário assume o risco de eventual acidente que o motorista poderá causar (culpa in eligendo).


4. Direitos do Lesado

Uma vez constatada a culpa pelo acidente, o responsável não se obriga a reparar somente o dano direto no veículo de quem colidiu embora este seja o pedido mais comum, mas deverá indenizar todos os prejuízos sofridos em razão da conduta culposa.

Esta é a determinação contida no artigo 927 do Código Civil, que obriga o causador à reparação integral do dano, inclusive o dano moral, se existente.

Para dizer de outra forma, se a colisão atingiu um motorista de taxi ou de aplicativos de transporte, por exemplo, além do custeio dos danos ao carro, o ofensor deverá também custear o prejuízo sobre os dias em que o veículo vai permanecer na oficina para conserto, que será equivalente ao que seria recebido pelo motorista lesado, se estivesse trabalhando (também denominado de lucros cessantes).

Isso porque, em razão do ato praticado por terceiro, o motorista do taxi, por exemplo, não conseguirá transportar nenhum passageiro, sendo impedido de exercer a sua atividade até que seu veículo seja reparado.

O mesmo se observa com relação aos motoqueiros que utilizam suas motocicletas como atividade remunerada, normalmente em serviços de entregas, transportes ou delivery.

Ressalta-se que o acidente também poderá ocasionar danos físicos aos envolvidos, com a ocorrência de fraturas, lesões, luxações ou mesmo a morte, seja do causador do dano ou do lesado.

Neste cenário, além dos danos no veículo, o responsável deverá custear todo o tratamento médico, cirurgias, inclusive remédios, até que o dano ocasionado seja integralmente reparado, incluindo os danos morais e estéticos (se o caso) em razão da dor sofrida pelo lesado, bem como eventuais seqüelas ocasionadas pelo acidente (cicatriz, paralisia, prótese, etc).

Em caso de morte, além da apuração do crime de homicídio culposo (em que não há intenção de matar) e da reparação acima já mencionada, poderá o condutor ser obrigado a indenizar os familiares, inclusive com o pagamento de pensão mensal, caso o falecido fosse o provedor da família, independente do seguro que o falecido já possui junto ao DPVAT.

Em outras palavras, um acidente de trânsito poderá trazer consequências catastróficas e inimagináveis a ambas as partes, uma vez que o direito busca a reparação integral do dano, de modo que o lesado retorne ao estado inicial, antes da sua ocorrência.

Assim, caso seja impossível esse retorno, pela ocorrência de danos físicos ou mesmo morte, a reparação não poderá ser integral, mas deverá conter indenização financeira compatível, denominada de dano moral (em sentido amplo), como forma de minorar/compensar os efeitos daquele prejuízo irreparável.


5. Casos Práticos

Considerando a importância do tema e o seu alto risco de ocorrência, foram trazidos alguns julgados interessantes que auxiliam no entendimento e advertem sobre o perigo destes acidentes, oferecendo premissas e interpretações do judiciário.

Neste primeiro caso, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento dos outros tribunais, reconheceu que em caso de colisão traseira, presume-se a culpa de quem está atrás, uma vez que o motorista deveria ter guardado distância segura do veículo da frente, ainda que este venha a frear de forma repentina e brusca:

(...) De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "culpado, em linha de princípio, é o motorista que colide por trás, invertendo-se, em razão disso, o onus probandi, cabendo a ele a prova de desoneração de sua culpa" (REsp nº 198.196, RJ, relator o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no DJ de 12.04.1999).

O mesmo entendimento ocorre em casos de engavetamento, pois o veículo traseiro deve guardar distância do veículo da frente, sendo a culpa afastada se este veículo atingiu o veículo da frente após ter sido colidido, sendo projetado para frente e ocasionando o engavetamento, conforme abaixo:

(...) Colisão traseira entre veículo e ônibus. Engavetamento. Sentença de procedência. Ré que não nega a culpa pela colisão traseira, mas aduz não ser responsável pelos danos na parte frontal do veículo segurado, que teria ocorrido porque ele não guardou distância do primeiro veículo. (...) Condutor do veículo segurado arrolado como testemunha, que confirmou que o veículo da frente freou, ele conseguiu frear, mas o ônibus que seguia atrás e muito próximo, colidiu na parte traseira e o projetou para frente, colidindo com o primeiro veículo. (...) O veículo segurado obteve êxito na frenagem por guardar distância segura do primeiro veículo, o que não ocorreu com o ônibus da ré, que, por não guardar a devida distância, colidiu na traseira do veículo e o projetou sobre o primeiro.

(TJSP; Apelação Cível 1019878-84.2019.8.26.0564; Relator (a): L. G. Costa Wagner; 34ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 30/04/2020; Data de Registro: 30/04/2020)

Esta mesma presunção ocorre em caso de embriaguez, ou seja, o motorista embriagado deverá comprovar que não foi responsável pelo acidente, a despeito de sua embriaguez:

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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA SOB ESTADO DE EMBRIAGUEZ. ATROPELAMENTO EM LOCAL COM BAIXA LUMINOSIDADE. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA INCONCLUSIVA SE A VÍTIMA ENCONTRAVA-SE NA CALÇADA OU À MARGEM DA CALÇADA, AO BORDO DA PISTA DE ROLAMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (...)

2. A inobservância das normas de trânsito pode repercutir na responsabilização civil do infrator, a caracterizar a culpa presumida do infrator, se tal comportamento representar, objetivamente, o comprometimento da segurança do trânsito na produção do evento danoso em exame; ou seja, se tal conduta, contrária às regras de trânsito, revela-se idônea a causar o acidente, no caso concreto, hipótese em que, diante da inversão do ônus probatório operado, caberá ao transgressor comprovar a ocorrência de alguma excludente do nexo da causalidade, tal como a culpa ou fato exclusivo da vítima, a culpa ou fato exclusivo de terceiro, o caso fortuito ou a força maior.

3. Na hipótese, o ora insurgente, na ocasião do acidente em comento, em local de pouca luminosidade, ao conduzir sua motocicleta em estado de embriaguez (o teste de alcoolemia acusou o resultado de 0,97 mg/l - noventa e sete miligramas de álcool por litro de ar) atropelou a demandante. Não se pôde apurar, com precisão, a partir das provas produzidas nos autos, se a vítima se encontrava na calçada ou à margem, próxima da pista. 3.1 É indiscutível que a condução de veículo em estado de embriaguez, por si, representa o descumprimento do dever de cuidado e de segurança no trânsito, na medida em que o consumo de álcool compromete as faculdades psicomotoras, com significativa diminuição dos reflexos; enseja a perda de autocrítica, o que faz com que o condutor subestime os riscos ou os ignore completamente; promove alterações na percepção da realidade; enseja déficit de atenção; afeta os processos sensoriais; prejudica o julgamento e o tempo das tomadas de decisão; entre outros efeitos que inviabilizam a condução de veículo automotor de forma segura, trazendo riscos, não apenas a si, mas, também aos demais agentes que atuam no trânsito, notadamente aos pedestres, que, por determinação legal (§ 2º do art. 29 do CTB), merece maior proteção e cuidado dos demais. (...) Em tal circunstância, o condutor tem, contra si, a presunção relativa de culpa, a ensejar a inversão do ônus probatório. (...)

(REsp 1749954/RO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 15/03/2019)

Contudo, importante obsevar que a responsabilidade não é apenas exclusiva, mas também poderá ser concorrente ou compartilhada, a depender do acidente, pois se há imprudência/negligência de ambos os envolvidos no acidente, os Tribunais tendem a sopesar os prejuízos, como no caso abaixo em que o TJ/SP determinou que os danos fossem repartidos a ambos os motoristas, vez que os dois estavam errados:

REPARAÇÃO DE DANOS – ACIDENTE DE TRÂNSITO – COLISÃO FRONTAL – CULPA CONCORRENTE – INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE TRÂNSITO – PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. (...) Responsabilidade daquele que ultrapassa ônibus em faixa contínua, entrando na contramão. Culpa concorrente com aquele que entra nesta mesma via sem qualquer visão, em decorrência do mesmo ônibus, parado no ponto localizado próximo da esquina. Configurada concorrência de culpas, os danos devem ser repartidos; (...)

(TJSP; Apelação Cível 0030288-62.2013.8.26.0005; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; 37ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Data do Julgamento: 30/11/2017; Data de Registro: 30/11/2017)

Ademais, a responsabilidade também poderá ultrapassar os danos do veículo colidido, a depender da repercussão do acidente, bem como seus efeitos.

Como já mencionado acima, uma vez que o acidente ultrapassa os danos do veículo e atinge a própria pessoa, passageiros ou pedestres, o causador do dano deve igualmente repará-los.

Em outro julgado trazido como ilustração, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou uma transportadora (dona da caminhonete) a indenizar os pais de um motoqueiro que, ao ser fechado em razão da troca de faixa da caminhonete, caiu de sua motocicleta e veio a falecer.

A decisão reconheceu a ausência de cautela do motorista da caminhonete e condenou a empresa a custear os danos da moto, os danos do funeral, bem como os danos morais aos genitores em razão da perda do filho, conforme abaixo:

(...) Motocicleta guiada pelo filho dos autores teve sua trajetória interceptada por caminhonete conduzida pelo preposto da requerida que realizava manobra de troca de faixa, levando à queda do motociclista e posterior atropelamento por outro veículo – Dinâmica do acidente esclarecida pelos depoimentos nos boletins de ocorrência e inquérito policial – Motorista da ré que afirmou ter iniciado a manobra e só posteriormente verificado a motocicleta do filho dos requeridos, tendo abortado a manobra e tentado retornar para sua pista – Direito de preferência desrespeitado – Dever de cautela do motorista que realiza deslocamento lateral – Arts. 34, 35 e 169 do CTB – Dever dos veículos de maior porte de zelar pela segurança dos menores – Art. 29, §2º, do CTB (...) Verificada a culpa do preposto da ré, elemento fundamental à configuração da responsabilidade extracontratual por acidente de trânsito, de rigor o reconhecimento de seu dever de indenizar os requerentes (...) DESPESAS COM FUNERAL – Condenação da requerida ao pagamento, limitado ao valor comprovado documentalmente – DANOS MORAIS – Configurados – Abalos que fogem à normalidade, atentando contra os direitos personalíssimos dos requerentes, ante ao falecimento do filho em acidente de trânsito – "QUANTUM" INDENIZATÓRIO – A indenização deve observar a proporcionalidade entre o dano sofrido, a reprovabilidade da conduta, a capacidade econômica do causador dos danos e as condições sociais do ofendido (...)

(TJSP; Apelação Cível 1123080-19.2016.8.26.0100; Relator (a): Hugo Crepaldi; 25ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 29/05/2020; Data de Registro: 29/05/2020)

Esta mesma responsabilidade também foi imposta ao pai (dono do veículo) pelo acidente causado por seu filho, ainda que maior de idade, conforme decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o condutor e proprietário são solidariamente responsáveis pelos danos.

Ainda de acordo com a Corte, considerando que o acidente vitimou mãe e filha, o pai do condutor foi condenado a pagar pensão aos familiares de quem faleceu no acidente, além de dano moral em 300 salários mínimos, conforme abaixo:

(...) Embora o pai do condutor alegue que seu filho (maior de idade e legalmente habilitado) pegou o carro sem autorização e que isso afastaria a sua responsabilidade pelo acidente, o tribunal a quo consignou que a culpa dele consiste ou na escolha impertinente da pessoa a conduzir seu carro, ou na negligência em permitir que terceiros, sem sua autorização, tomassem o veículo para utilizá-lo (culpa in eligendo ou in vigilando, respectivamente). (...) a jurisprudência pátria admite a reparação por danos materiais independentemente do exercício de atividade remunerada ou de contribuição efetiva do menor com a renda familiar, utilizando como critério a condição econômica do núcleo familiar. Assim, há o dever do pai do condutor do veículo de reparar os danos materiais sofridos pelos recorrentes em razão da morte da vítima. E, considerando que, na hipótese, além dos seus pais, a vítima, já tinha um filho, ao qual também foi reconhecido o direito à reparação por danos materiais, entende-se razoável reduzir o percentual adotado pela jurisprudência, de 2/3 para 1/3 da remuneração da vítima, para cálculo da indenização devida aos seus ascendentes, desde a data do acidente, até a idade em que ela completaria 25 anos e, desde então, reduzir-se-á tal valor pela metade até a idade em que ela completaria 65 anos de idade. E, ao seu filho, o valor será correspondente a 2/3 da remuneração da vítima desde a data do acidente até que ele complete a idade de 25 anos, devendo ser esse valor acrescido de correção monetária e juros de mora desde o evento danoso. (...)

(REsp 1.044.527-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/9/2011. Terceira turma).

Em outro recente julgado, um motorista foi condenado a indenizar um motociclista, por ter mudado de faixa sem dar seta. Em que pese os danos à moto tenham sido pequenos, o motociclista teve uma perda parcial de sua mão, ocasionando o dever do motorista ao pagamento de pensão diante da limitação da capacidade laborativa:

APELAÇÃO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – COLISÃO ENTRE MOTOCICLETA E AUTOMÓVEL – CONVERSÃO À ESQUERDA – DEVER DE INDENIZAR – DANOS MATERIAIS – ESTÉTICOS – PENSÃO MENSAL – CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL – DANOS MORAIS I – Nos termos do artigo 35 do CTB "Antes de iniciar qualquer manobra que implique um deslocamento lateral, o condutor deverá indicar seu propósito de forma clara e com a devida antecedência, por meio da luz indicadora de direção de seu veículo, ou fazendo gesto convencional de braço."; II - Quem muda de faixa sem as devidas cautelas, interceptando a frente de outro veículo, causando-lhes danos, é considerado responsável pelo acidente; III – Dano material configurado – Comprovado os gastos com a locomoção do autor em R$ 926,00; Conserto da motocicleta igualmente comprovado no valor de R$ 1.648,00. Pensão mensal. (...) concluiu o laudo que há capacidade "laborativa parcial e permanente prejudicada devendo evitar que exija da mobilidade delicada ou total da mão direita. Quantia fixada em 20% do salário mínimo vigente à época do pagamento; (...)

(TJSP; Apelação Cível 0041029-47.2011.8.26.0001; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; 30ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 31/08/2020; Data de Registro: 31/08/2020)

Referidas decisões demonstram que o princípio da reparação integral do dano tem sido acertadamente reconhecido no judiciário, o que poderá levar as partes a prejuízos extremamente onerosos em razão de um acidente de trânsito, sendo necessário o correto esclarecimento das partes sobre os riscos e o que pode ser feito caso esse acidente ocorra para que seja buscado o reparação integral do direito violado.


Conclusão.

Conforme visto acima, em que pese os meios de transporte sejam essenciais e rotineiros, qualquer descuido poderá ocasionar prejuízos irreversíveis a ambas as partes, o que não está sendo conscientemente levado em consideração.

Isso porque, grande parte dos acidentes são causados pelo excesso de velocidade (pressa dos motoristas), pelo avanço do sinal vermelho ou pelo uso indevido do celular no trânsito.

Há ainda, quantidade razoável de acidentes decorrentes de pequenos deslizes, ou seja, a troca de faixa sem o devido cuidado, o avanço em cruzamento sem a correta atenção, dentre outras tantas situações corriqueiras que inconscientemente são praticadas sem a regular preocupação dos seus efeitos.

Observa-se, por oportuno, que no momento do acidente não há como prever quem está sendo lesado, pois o veículo abalroado poderá ser de um idoso, de uma família ou ainda de alguém enfermo, cuja intensidade da colisão, qualquer que seja, poderá acarretar inúmeras complicações físicas não assumidas pelo causador no "pequeno deslize" ou desatenção.

O mesmo poderá ocorrer caso o veículo acerte um pedestre ou ciclista, cujo atropelamentoo poderá arremessá-lo no chão ou em outros veículos, como tem sido noticiado pela imprensa todos os anos.

Portanto, espera-se que o presente artigo seja um informe sobre o dever de cautela no trânsito e um esclarecimento sobre quais cuidados devem ser tomados caso este ocorra.


NotaS

1 https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2019/11/14/pesquisa-mostra-cidades-com-o-pior-transito-do-mundo.ghtml

2 https://inrix.com/scorecard/

3 https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/motos/saude/estudo-da-organizacao-mundial-da-saude-oms-sobre-mortes-por-acidentes-de-transito-em-178-paises-e-base-para-decada-de-acoes-para-seguranca.aspx

4 https://g1.globo.com/especial-publicitario/inovacao-em-movimento/ccr/noticia/2019/05/22/brasil-reduz-mortes-no-transito-mas-nao-deve-bater-meta-da-onu.ghtml

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Sobre o autor
Bruno Molina Meles

Advogado e Contador. Titular do escritório Bruno Molina Sociedade Individual de Advocacia. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Pós Graduado em Direito Digital.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELES, Bruno Molina. Aspectos práticos da responsabilidade civil no acidente de trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6369, 8 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87243. Acesso em: 18 dez. 2024.

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