O deputado estadual, pelo Estado de São Paulo, Fernando Cury, em plena sessão na Assembleia Legislativa, abraçou sua colega por trás e apalpou seus seios, tendo sido repudiado duas vezes, sem que se veja no vídeo nenhum tipo de atitude tomada pelo deputado que presidia a sessão naquele momento, à frente de quem a cena ultrajante ocorreu. A deputada Isa Penna diz que ele estava bêbado quando se aproximou, e é possível que estivesse, porque somente fora de si poderia ter protagonizado, no plenário da Assembleia, uma cena tão vil.
O fato é mais uma terrível cena dentro do que chamamos de “machismo”, algo arraigado na sociedade brasileira, com suas linhas patriarcais.
Hoje chamamos esse fato de exemplo de masculinidade tóxica.
O certo é que a cena gravada, como prova documental contendente, demonstra que houve crime de importunação sexual.
Aplica-se a Lei 13.718/18.
Pela lei sancionada, caracteriza importunação sexual o ato libidinoso praticado contra alguém, e sem autorização, a fim de satisfazer desejo próprio ou de terceiro. A pena prevista é de 1 a 5 anos de prisão. É o que reza o artigo 215 – A, com a seguinte redação:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
A mudança estava prevista em substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD 2/2018) a projeto de lei (PLS 618/2015) da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
O projeto acabou com as contravenções, que puniam apenas com multas, em casos como esse.
Além de tipificar esses crimes, a nova lei também considera crime divulgar vídeos com cenas de estupro ou que façam apologia a ele – exceto se forem publicadas em veículos jornalísticos, acadêmicos, científicos ou culturais, com a preservação da identidade da vítima. A pena também é de um a cinco anos de prisão. Se o crime for cometido por um ex-namorado, ou alguém próximo da vítima, só para humilhá-la ou por vingança (porn revenge), a pena pode aumentar até dois terços.
Com a entrada da lei em vigor, podem ser enquadrados, por exemplo, homens que se masturbarem ou ejacularem em mulheres em locais públicos. Um caso que tomou proporção nacional recentemente se deu no transporte público em São Paulo.
Um exemplo de conduta reprovável, até pouco tempo amplamente denunciada pela mídia, que se enquadra adequadamente no crime de importunação sexual, é a chamada “encoxada”, recorrente em transporte públicos, onde aproveitadores se valem do grande número de passageiros e do pouco espaço para encostar propositalmente a genitália no corpo de suas vítimas.
Toques ou apalpações menos graves, por cima das vestes da pessoa agredida, ainda que revestidos de intenção libidinosa e executados mediante violência ou grave ameaça, configurariam um tipo penal mais severo que a contravenção penal de importunação, porém menos rigoroso que o crime de estupro.
Da mesma forma a conduta dolosa envolvendo: “passar as mãos nos seios, costas e nádegas da vítima”.
Trata-se de crime instantâneo e comissivo que pode ser cometido por concurso de agentes (artigo 29 do Código Penal).
Mas há um inconveniente: com a pena mínima de um ano de reclusão, poderá ser aplicado o sursis processual diante da redação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95.
Assim se lê:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de frequentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.
Passa a ser crime tal conduta que antes era vista como contravenção:
Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Esse dispositivo está revogado pela nova Lei.
A importunação sexual é a prática de ato libidinoso na presença de alguém, sem que essa pessoa dê consentimento. Com a sanção, esses atos se tornam crimes sujeitos a punição de 1 a 5 anos de prisão.
Tal crime de importunação sexual não implica e exige uma violência física como a do estupro. Basta o constrangimento ilegal, crime subsidiário.
Trata-se, nitidamente, de um crime subsidiário, um meio repressivo conhecido como suplementar, uma vez que somente subsiste quando o constrangimento ilegal não é meio ou elemento de outro crime. A sanção penal nele prevista é um meio repressivo suplementar, predisposto para o caso em que determinado fato, compreendido no conceito de constrangimento ilegal, não seja especialmente previsto como elemento integrante de outro crime, como roubo e extorsão, o estupro, o exercício arbitrário das próprias razões (RT 393/321, 546, 344, dentre outros).
Constranger significa coagir alguém a fazer algo contra a sua vontade, obrigar, ou seja, não há consentimento. É pressuposto deste crime que a vítima não tenha aderido por vontade própria à conduta do agente, contudo, não se exige que esta lute até suas últimas forças, pois correria risco de morte ou outras consequências graves, como lesões corporais graves. Diante disto, o grau de resistência da vítima deve ser analisado sob critérios sensatos, sem a exigência de atitude heroica.
Trata-se de um crime de ação livre, ou seja, todos os meios devem ser admitidos, por exemplo, gestos, palavras, escritos, entre outros.
Quando se fala em atos libidinosos, a consumação se dará com a prática do ato libidinoso em si.
O fato merece, pois, pronta apuração podendo ser oferecido ao deputado estadual sujeito ativo do delito historiado proposta de acordo de não persecução penal, nos termos do artigo 28 – A do CPP.
Tudo isso sem prejuízo de perda do mandato do deputado estadual por falta de decoro parlamentar.