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O princípio da dignidade humana e a interpretação dos direitos humanos

03/01/2021 às 21:50

Resumo:


  • Interpretação dos direitos humanos busca equilibrar direito natural e positivo, com foco na dignidade humana, e deve prevalecer sobre normas internas em caso de conflito.

  • A dignidade humana é um valor supremo e intangível, orientando a interpretação e aplicação das normas jurídicas, inclusive na Constituição de 1988 do Brasil.

  • O intérprete dos direitos humanos deve priorizar a proteção da dignidade humana, afastando normas que colidam com os princípios fundamentais de respeito à dignidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O princípio da dignidade humana é um super princípio, insculpido na Constituição como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, do qual o intérprete não pode se afastar no ato de interpretação do ordenamento jurídico.

1. Notas Introdutórias

Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que a mesma se contém.[1]

Neste diapasão, interpretar direitos humanos significa buscar um equilíbrio entre o direito natural e o direito positivo, tendo como base fundamental a dignidade humana e, daí, extrair a norma mais favorável à proteção da dignidade humana ao caso concreto.

Além disso, conforme deixou assentado a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, “todos os direito humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”, de tal sorte a afirmar que na colidência entre uma norma interna e os postulados internacionais, devem prevalecer estes últimos, tendo em vista o princípio de que a essência do ser humano é uma só, não obstante a multiplicidade de diferenças, individuais e sociais, biológicas e culturais, que existem na humanidade e, exatamente por isso, todos os seres humanos merecem igual respeito e proteção, a todo tempo e em todas as partes do mundo em que se encontrem.[2]

Ademais, é preciso rememorar que, com o fim da Segunda Guerra Mundial e, em face das atrocidades cometidas pelos dirigentes nazistas, houve uma tomada de consciência universal, espelhada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo como base uma razão jurídica de conteúdo ético, “fundada na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, na aquisição da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na realização da justiça, e na construção de uma consciência que preserve integralmente esses princípios”.[3]

Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da ética e da justiça, a Declaração Universal acabou por fazer uma afirmação solene do valor que é o fundamento da vida social: "a dignidade inerente a todos os membros da família humana". Afirmou-se, assim, que as pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas. Daí porque a Declaração fez um duplo reconhecimento: primeiro, que, acima das leis emanadas do poder dominante, há uma lei maior de natureza ética e validade universal; segundo, que o fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica, sendo, portanto, a fonte das fontes do direito.[4]

Tratando-se, pois, de direitos humanos, o intérprete deve ter em mente que o direito positivo não pode contrariar ou negar vigência aos direitos fundamentais dos seres humanos, assim como o direito interno não pode contrariar direitos humanos consagrados universalmente por serem indisponíveis e insuprimíveis, dado ao seu caráter de norma de valor supra-constitucional ou de natureza supra-estatal.

2. Do princípio da dignidade humana

Para exata compreensão do princípio da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, é preciso rememorar que os avanços têm sido fruto da dor física e do sofrimento moral como resultados de surtos de violências, mutilações, torturas, massacres coletivos, enfim, situações aviltantes que fizeram nascer consciências e exigências de novas regras de respeito a uma vida digna para todos os seres humanos.[5]

Foi, claramente, a experiência nazista que gerou a consciência universal de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana, como uma conquista de valor ético-jurídico intangível.[6]

Assim, a dignidade humana é um valor máximo, supremo, de valor moral, ético e espiritual intangível, de tal sorte a se afirmar, como o mestre Paulo Otero, que o mesmo é “dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: o homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito”.[7]

Por isso mesmo, Flávia Piovesan leciona, com percuciência, que o valor da dignidade da pessoa humana, impõe-se como núcleo básico e informador de todo e qualquer ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão de qualquer sistema normativo, mormente o sistema constitucional interno de cada país.[8]

No âmbito interno, importa destacar que o mais precioso valor da ordem jurídica brasileira, erigido como fundamental pela Constituição de 1988, foi a dignidade da pessoa humana, que, como consectário, impõs a elevação do ser humano ao ápice de todo o sistema jurídico, sendo-lhe atribuído o valor supremo de alicerce da ordem jurídica. A dignidade da pessoa humana, pois, serve como mola de propulsão da intangibilidade da vida do homem, dela defluindo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a admissão da existência de pressupostos materiais (patrimoniais, inclusive) mínimos para que se possa viver, e o respeito pelas condições fundamentais de liberdade e igualdade.[9]

3. Conclusões

Quando se trata de interpretar os direitos humanos, é preciso considerar que a pessoa humana é o valor primordial que cabe ao direito proteger, tanto no campo normativo internos das nações, quanto no plano internacional, lastreado no respeito às convenções e aos tratados internacionais reguladores da matéria.

Neste quadro, destaca-se a dignidade humana que funciona como uma fonte jurídico-positiva para os direitos fundamentais, o que lhes possibilita coerência e unidade. Dá-lhes uma noção de sistema. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, assim entendida como valor axiológico, serve como uma espécie de “lei geral” para os direitos fundamentais, que são especificações da dignidade da pessoa humana.[10]

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Assim, cabe ao interprete considerar que “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com elas se conectam”.[11]

Logo, conclusão que exsurge é que, na interpretação dos direitos humanos, o intérprete deve ter em mente, como bem maior a ser protegido, a dignidade do ser humano, de tal sorte que qualquer norma que viole ou colida com os preceitos fundamentais de respeito à dignidade humana, deve ser afastada por incompatibilidade ético-jurídica com os elevados princípios insculpidos na Declaração dos Direitos Humanos, princípios estes recepcionados pela nossa Constituição Cidadã de 1988.


4. Bibliografia

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4a. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FARIAS, Cristiano Chaves de. A proclamação da liberdade de não permanecer casado. Revista do Curso de Direito da Universidade Salvador - UNIFACS Vol. 4 – 2004.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 16a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007.

MONTORO, André Franco. Cultura dos direitos humanos in Direitos Humanos: legislação e jurisprudência (Série Estudos, n.º 12), Volume I. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1999.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública. O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Lisboa: Almedina, 2003.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 3 ed. São Paulo: Max Limonard, 1997.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 16a. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.


[1] Carlos Maximiliano. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 9.

[2] Fabio Konder Comparato. A afirmação histórica dos direitos humanos, p.67.

[3] Rizzatto Nunes. Manuel de filosofia do direito, p. 361.

[4] André Franco Montoro. Cultura dos direitos humanos, p. 28.

[5] Fabio Konder Comparato, op. cit. p. 37.

[6] Rizzatto Nunes,  op. cit. p. 368.

[7] Legalidade e administração pública - O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade, p. 254.

[8] Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 129.

[9] Cf. Cristiano Chaves de Farias in A proclamação da liberdade..., UNIFACS Vol. 4, p. 9.

[10] Nesse sentido SARLET, Ingo Walfgang. op. cit. p. 115.

[11] Rizzatto Nunes, op. cit. p. 363.

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Sobre o autor
Nehemias Domingos de Melo

Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP). Professor convidado nos cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Metropolitanas Unidas (FMU), Escola Superior da Advocacia (ESA), Escola Paulista de Direito (EPD), Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de SBCampo, Instituo Jamil Sales (Belém) e de diversos outros cursos de Pós-Graduação. Cursou Doutorado em Direito Civil e Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos, É Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Tem atuação destacada na Ordem dos Advogados Seccional de São Paulo (OAB/SP) onde, além de palestrante, já ocupou os cargos membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Comissão da Criança e do Adolescente; e, Examinador da Comissão de Exame da Ordem. É membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Ed.IOB – São Paulo) e também foi do Conselho Editorial da extinta Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor (ed. Magister – Porto Alegre). Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas, Juarez de Oliveira e Rumo Legal e, dentre os quais, cabe destacar que o seu livro “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum”, foi adotada pela The University of Texas School of Law (Austin,Texas/USA) e encontra-se disponível na Tarlton Law Library, como referência bibliográfica indicada para o estudo do “dano moral” no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Nehemias Domingos. O princípio da dignidade humana e a interpretação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6395, 3 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87693. Acesso em: 25 dez. 2024.

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