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Da antecipação de tutela frente às demandas previdenciárias e, também, em direção à Fazenda Pública lato sensu, ressalvada a questão precatorial

01/11/2000 às 00:00
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Duas vertentes se abrem ante à esta questão, quais sejam: a) pela viabilidade: qualquer procedimento do processo de conhecimento, ainda que em desfavor de pessoas jurídicas de Direito Público, torna possível a tutela antecipada, como vem preconizado pelos juristas Ernane Fidélis dos Santos e Nelson Nery Júnior (1). O mesmo raciocínio, por conseguinte, seria válido nas iterativas cassações indevidas de benefícios previdenciários como, por sinal, bem assinala o advogado Hiran Cunha Teles de Carvalho (2); b) pelo não cabimento: vínhamos sustentando, até então, que era impraticável ter-se a concessividade de tutela antecipada diante da Previdência Social, antevendo, apenas, o eventual manejamento do processo cautelar. Porque, em realidade, vedar-se toda forma procedimental de colmatar situações de ameaça à pretensão afirmada em juízo, raiaria pela incontestável pecha da inconstitucionalidade, dado ao desrespeito que se estaria verberando com a letra do art. 5º, inciso XXXV, da Carta Política (3), consagrador do princípio da inafastabilidade das pretensões.

E sobre ser factível à norma positivada limitar os casos de cabimento da tutela antecipada, não se tem dúvida. Aliás, isso fora feito, em outras bastas e pretéritas legislações pátrias (v.g., Leis nºs 4.348/64 e 8.437/92), sem que houvesse qualquer logro em tê-las como afrontosas à Lei Mater. E, mais recentemente, no que atina à Medida Provisória nº 1.570, que redundou convertida na Lei nº 9.494/97 (4), entendeu-se como válida a restrição do espectro de alcance da antecipação de tutela, tendo-a, neste tanto, como perfeitamente constitucional, pelo menos a nível da apreciação liminar levada a cabo, na ADIn nº 1.571-1/DF, pelo egrégio Supremo Tribunal Federal. (5)

Portanto, parece-nos sem razão este excerto doutrinário de Ernane Fidélis dos Santos, onde giza que: "Não há restrição à antecipação de efeitos da tutela por razão alguma (....) sendo inconstitucional qualquer lei que, porventura, venha querer diminuir-lhe a extensão". (6)

Ora, o que não se pode é coarctar o direito da parte ir a Juízo, todavia, impedir que u’a medida contra o Poder Público seja deferida de pronto, isso, jamais, poderá ser tido como vilipendiadora da Constituição Federal, dês que exista razão de interesse social para esse empeço e, aqui, naturalmente abro um parêntesis: se as motivações forem meramente econômicas, financistas, ou seja, vindas da pessoa do governante, aí, a meu sentir, não poderá um procedimento processual ceder passo à tal ordem de idéias e, assim sendo, não seria justificável criar óbice à concessão de medida liminar, seja de cunho satisfativo ou meramente cautelar.

Voltando-se ao tema, batiamo-nos pelo descabimento da tutela antecipada em face do INSS, em vista de:

1º) As relações previdenciárias não se compadeceriam com a provisoriedade.

Aqui, vislumbrávamos que o substrato jurídico-previdenciário não se afinava com ocorrências timbradas pela modificatividade, porque, no fundo, teriam características muito aproximadas das situações cognominadas de direito da personalidade. E, por conta disso, não seria razoável que o sistema processual, que, em última análise, visa realizar e concretizar a aplicação do próprio direito material, desprezasse tal peculiaridade do arcabouço substancial previdenciário.

Pensar-se de modo díspar àquele nosso transato modo de ver, seria dar maior valoração à forma do que ao fundo, ao processo do que ao próprio direito material, o que seria de todo desaconselhável. Em conclusão: seria supervalorizar o processo, perdendo-se, por completo, a ótica de sua dimensão instrumentalista.

Contudo, meditando-se mais demoradamente sobre o assunto, tomando-se, como paradigma, o raciocínio de que o processo, substitutivo que é, intenta implementar a norma primária descumprida voluntariamente; tendo como norte, por outro lado, o fato de que a Previdência está ínsita, no art. 6º, da Carta Política da República Federativa do Brasil, como sendo um direito social, nada poderá emperrar, se existentes os pressupostos formais aptos, que ele – o direito previdenciário [prestação devida] - seja concedido, aprioristicamente, via tutela antecipada.

Não se afigura perdoável, isso sim, que a parte, hipossuficiente no geral das vezes, detendo todos os contornos de sagrar-se, no porvir, vitoriosa na lide que ajuizou, frente a um direito com densidade social (isso por imperativo da própria Constituição Federal), tenha de aguardar um demorado trâmite processual para ver-se agraciada - sabe-se lá quando - com o bem da vida perseguido.

Esse grau de socialização do direito previdenciário, digamos assim, tem raízes em outros valores ainda mais inescondíveis, quais sejam, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, etc.

Não é à toa, inclusive, que nesse rumo já se posicionou o colendo Superior Tribunal de Justiça, na decisão do eminente Ministro Edson Vidigal, nestes exatos termos:

"Aqui, o que se discute é a possibilidade da concessão de tutela antecipada para restabelecer benefício previdenciário cancelado unilateralmente pela Autarquia. No paradigma, aliás, da minha relatoria, o pedido limitava-se ao restabelecimento do pagamento de vantagens pessoais incorporadas aos proventos dos Autores.

Pois bem. A Lei 9.494/97, em seu art. 1º, dispõe: "Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992."

A vedação legal à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, ao contrário do que busca fazer crer o INSS, limita-se às hipóteses de reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou a concessão de aumento ou extensão de vantagens, como o é no Acórdão paradigma; ou como bem afirmou o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, "encontra limite em se tratando de caso de pagamento do débito mediante precatório."

Não me parece possível estender-se tal proibição ao pedido de restabelecimento de benefício regularmente concedido, mas cancelado pela Autarquia sem a observância de procedimento administrativo, sob o simples argumento de suspeita de fraude.

Assim, não admito os Embargos (RISTJ, Art. 266, § 3 º). Publique-se". (7)

Repita-se, em hipóteses como a telada, submeter o segurado à demora do processo, logicamente, seria equivalente a um não-direito, porque, por óbvio, dificilmente ele sobreviveria até o trânsito em julgado da sentença, já que a espiral de recursos eternizaria o desate do litígio. E, assim sendo, um direito à vida, como é curial, teria sido menoscabado por mero ‘tecnicismo processual’, ou seja, um direito fundamental teria menor densidade axiológica do que um instituto procedimental. Isso desaguaria numa indesejável e despropositada inversão de valores, jamais tida na conta de pretendida por um direito de todo social, como sói acontecer com o regramento previdenciário.

Tal exegese, no mínimo, desbordaria da própria finalidade normativa, sendo irrazoável e desproporcional, dado que, nos dias que correm, todo o sistema jurídico envida por uma hermenêutica que, acima de tudo, valorize e sustenha os direitos humanos.

Calha à fiveleta esta ensinança do saudoso André Franco Montoro, ao prelecionar que: "A exigência do respeito à dignidade da pessoa humana – em todas as suas dimensões e em todos os lugares – trazida na luta universal pelos direitos humanos, é um dos movimentos mais importantes da história contemporânea (...) Não basta ensinar direitos humanos. É preciso lutar pela sua efetividade. E acima de tudo trabalhar pela criação de uma cultura prática desses direitos". (8)

2º) Se houver um crédito a ser recebido do erário da Previdência Social, necessário lançar mão do processo de execução. E, sabidamente, o INSS é uma Fazenda Pública (art. 8º, da Lei nº 8.620/93), por isso mesmo, a pretensão executiva somente poderá ser levada a efeito nos estreitos limites do contido no art. 730, do Código de Processo Civil.

Com isso, tem-se que, realmente, não é viável de ser obtida uma tutela antecipatória com condenatividade em pecúnia, quando a parte ré for a Previdência Social.

Entretanto, nada impede que o segurado valha-se de uma tutela antecipada para, por exemplo, destrancar benefícios que deixaram de ser pagos mensalmente, não tendo como, isso sim, almejar, em antecipatória, o solvimento das eventuais parcelas em atraso, podendo, no entanto, pleitear a antecipação da formação do eventual precatório, como, mais adiante, será enfrentado.

Enfim, sobre ser possível tutela antecipada em direção do INSS, na área de benefícios, chega-se também o egrégio Superior Tribunal de Justiça, verbis:

"Comprovados os requisitos essenciais do CPC, art. 273, é de se deferir a antecipação dos efeitos da tutela definitiva para que o segurado tenha restabelecido o tempo de serviço rural já averbado em sua CTPS, mas cancelado arbitrariamente pelo INSS". (9)

Outras modalidades de obrigações, ou seja, aquelas que refogem à de pagar quantia certa, uma vez que essa última está no átrio do art. 730, do Código de Processo Civil, podem ser deferidas em antecipação de tutela, uma vez que não encontram qualquer embaraço legal.

A partir da Emenda Constitucional nº 20/98, com a redação extraída da Emenda nº 30/00, tem-se, nesse particular, novel texto a Carta Federal, como se apreende:

"Artigo 100

(...)

"§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado".

"§ 4º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público".

Logo, mesmo para essa obrigação de quantia certa, de pequeno valor, se utilizará o art. 730, do Código de Processo Civil, como parâmetro procedimental executivo, ou seja, patenteador de que a Fazenda Pública lato sensu poderá opor embargos sem a necessidade de segurar o juízo, isso em vista da indisponibilidade dos bens públicos, que faz decorrer, como corolário lógico, a impenhorabilidade dos mesmos.

Poder-se-ia entender que, se a interlocutória não passa em julgado e, demais disso, não é uma sentença, não se teria como pensar-se em tutela antecipada, nessa quadra, já que à dita decisão faleceria a definitividade que se empresta à sentença e, mais que isso, tal decisório, não estando explicitamente elencado no novel § 3º, do art. 100, da Lei Mater, que trata do desembolso de pequeno valor sem a observância do precatório, impediria a antecipação da tutela.

Ora, a decisão concessiva de tutela antecipada, na verdade, adianta o próprio meritum causae, total ou parcialmente, e, assim sendo, na verdade, não é um mero comando judicial intermediário, como é próprio às demais interlocutórias, mas sim, uma "sentença precipitada e revogável", se assim podemos dizer. E, se tal decisório fere o mérito da demanda, não seria crível, por mero formalismo, dizer que estaria ao desabrigo da alforria do precatório quanto ao solvimento de pequeno valor. Se não for esse o entendimento, como é curial, na senda da Administração Pública o jurisdicionado sempre seria inferiorizado, se, para lograr ver-se agraciado com verba de ínfima monta houvesse de esperar o trânsito em julgado da sentença, que somente dar-se-á após o reexame necessário. E, com certeza, tal iter demandará largo curso temporal, deixando ao largo pessoas, no geral das vezes, hipossuficientes e com necessidade de tal numerário para garantir-lhes a própria alimentação.

Destarte, bem sinaliza sobre a peculiaridade da natureza jurídica da decisão que confere tutela antecipada, o consagrado Hugo de Brito Machado, ao anotar que: "embora não seja formalmente uma sentença, tem o mesmo conteúdo desta, e produz especialmente o efeito de antecipar a oportunidade da execução". (10)

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E, na continuidade, ainda se poderia pensar na seguinte situação: acontece que a decisão, acenadora da antecipação de tutela para perseguir pequeno valor, não se enquadraria nos títulos executivos ínsitos no art. 584 do Código de Processo Civil. Assim sendo, como pensar em sua imediata executividade?

Responde, a seu turno, esse ponto, com maestria, o Professor Hugo de Brito Machado, ao obtemperar que: "O argumento segundo o qual apenas a sentença pode servir como título executivo contra a Fazenda Pública, e que o fato judicial da antecipação de tutela é simplesmente uma decisão interlocutória, é daqueles que só encontram amparo na visão formalista do processo, hoje inteiramente superada, além de negar os elementos sistemático e teleológico, indispensáveis a uma adequada interpretação das normas jurídicas. Aliás, tal argumento, repita-se, levaria mesmo à total inutilidade a norma que autoriza a antecipação da tutela jurisdicional. Em outras palavras, nega a própria instituição da tutela antecipada. Não sendo aquela decisão interlocutória um título judicial, porque não albergado pelo art. 584, não se prestaria para execução nenhuma, mesmo contra particulares". (11)

Corroborando o acerto do gizado acima, é de se salientar, também, que as decisões que concedem os alimentos provisórios, a seu turno, são executáveis, e, sabidamente, os mesmos são fixados, no geral, bem antes da sentença. Se se fosse, então, perquirir uma interpretação formalista, tal executividade não se poderia dar, haja vista que não estaria ínsito, tal título, no rol do art. 584, do Código de Processo Civil, figurando, apenas, no art. 733, caput, do mesmo codex. De igual forma, tem-se o art. 273, § 3º, do mesmo diploma legislativo, que alude claramente quanto à "execução da tutela antecipada".

Sem qualquer consistência, portanto, a tese de que, em sendo a tutela antecipada viabilizada por meio de interlocutória, infactível seria a sua executividade.

Conclui-se, destarte, pela possibilidade de se excutir verba de pequeno valor, deflagrada em tutela antecipatória, a ser desembolsada pela Fazenda Pública como um todo.

Aí, é de se inquirir: nesse caso, como se executaria a tutela antecipada, deferida em face da Fazenda Pública, onde houvesse a imposição de condenatividade de pequeno valor?

A tutela antecipada, como afirmado dantes, em si mesma já precipita, no tempo, a própria execução da decisão interlocutória, de modo que, dispensada restaria, inclusive, a fase executória como feito autônomo, pulando-se, então, esse tipo de processo.

Porque, do contrário, chegar-se-ia às barras de uma execução provisória, que, a seu turno, impediria atos de expropriação.

Não é que sejamos contrários, agora, à execução provisória contra a Fazenda Pública, mas sim, na hipótese de tutela antecipada, tal não se pode dar, se não restaria inviabilizada qualquer medida expropriatória.

Não seria justificável que alguém, logrando-se uma antecipação de tutela, por exemplo, para que lhe fosse saldada uma verba considerada, após a edição da lei, como de pequeno valor e, quando viesse executar essa decisão, esbarrasse numa inexeqüibilidade, qual seja, o impedimento de levantar o dinheiro até que transitasse em julgado a sentença final!

E, sobremais disso, para o Superior Tribunal de Justiça pode se ter execução provisória, no átrio da Fazenda Pública, porque se ela não importa alienação do domínio e nem levantamento de numerário depositado, inexistiria qualquer prejuízo ao erário público, a par de que celerizaria o trâmite da execução. (12)

No que concordamos inteiramente, mas daí a se pensar em tutela antecipada executável provisoriamente, a nosso sentir, vai uma grande distância, porque, indiscutivelmente, se se tratar de uma pretensão condenativa de pequeno valor, cujos efeitos foram antecipados, logicamente, ter-se-ão atos expropriatórios sim, e, assim sendo, como tê-los como implementados no pálio do instituto da execução provisória, que os veda expressamente (art. 588, inciso II, do Código de Processo Civil)?

Exemplifiquemos: um segurado do INSS, em ação de cobrança cumulada com pedido de implantação de benefício previdenciário, alegando que têm direito perceptível icto oculi, almeja ver comandado o prefalado benefício e, também, condenada a Previdência Social aos transatos valores não saldados, obedecidos os prazos prescricionais.

E, mais que isso, informa que sua situação de hipossuficiência levá-lo-ia, se tiver que aguardar o desfecho final da demanda, provavelmente à inanição. Diante de tal quadro, aspira o adiantamento parcial do mérito da causa, na senda de que o INSS solva-lhe, mensalmente, o quantum referente ao benefício intentado, como prestação continuada, até que haja a sentença de mérito, que, a seu turno, imporá a implantação definitiva do mesmo e, também, acertará o quantum debeatur, já que, no momento, é incompossível assenhorear-se a nível das prestações pretéritas e que não foram quitadas a tempo e modo, em sede de antecipação, porque elas superam a marca do "pequeno valor’, que as dispensariam do precatório.

Cabível a antecipação de tutela quanto à incontinenti implantação do benefício previdenciário, em prol do direito à vida, que, em qualquer ordem de conflito de princípios constitucionais, notadamente deverá ter prioridade, haja vista que o Direito há de voltar-se, sempre, à proteção do Ser Humano em sociedade, razão primeira de sua positivação.

Logo, comungo da antecipação, no caso em apreço, para que o INSS desembolse, mês a mês, a partir da decisão concessiva, o valor que corresponderá ao benefício previdenciário a final almejado. E, de lés a lés, que a dita implantação seja feita de imediato, sem que passe pela senda precatorial.

Isto porque, a execução provisória, concedida em desfavor da Fazenda Pública, daria ensejo à celerização do procedimento executivo, mas não poderia, de modo algum, autorizar qualquer ato de implementação do direito que viesse importar, de modo geral, em alienação do domínio ou levantamento de quantia, sem a prestação de caução, que, notadamente, seria dispensada pela condição de pobreza do vindicante; todavia, nada impediria que o INSS embargasse tal executividade, o que lhe transmitiria efeito suspensivo e, com isso, adeus praticidade da tutela antecipada!

Em conclusão: por não se exigir o precatório quanto às dívidas fazendárias de pequeno valor (incluídas, aqui, as previdenciárias), posicionamo-nos pelo caminho de se ter um deferimento liminar, via tutela antecipada, que, por sua vez, dispensaria, igualmente, a própria fase executiva, e, com isso, alijada estaria a executividade provisória, de modo que, desde logo, seria a Previdência, ou qualquer outro ente público, compelido a solver o dito valor oriundo da antecipação, haja vista que a ordem que a permitiu gozaria de mandamentalidade.

Voltemos, neste momento, os nossos olhos para o tópico da tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública como um todo. E, para tanto, temos de lançar os pontos subseqüentes:

1º) No que atina à pretensão condenatória que redunde em obrigação de pagar quantia.

Em regra, não se há como compatibilizar tal intento com a tutela antecipada, porque se esta não puder, de per si, efetivar, como uma precipitação no tempo, o próprio direito material do autor, ela não poderá ser tornada uma realidade no mundo fático, não servindo, pois, ao seu escopo, que é o de adiantar a concretização do próprio direito.

Ora, se execução definitiva contra a Fazenda Pública, ou, para celerizar, se venha de aquiescer no tramitar da executividade provisória, não se prestam a pagar à revelia do precatório, vedada está a concessividade da antecipatória para liberá-lo.

Todavia, nada impede que a parte, se presentes os requisitos que engendrariam o deferimento da tutela antecipada, como sói ocorrer com repetições de indébito de exações tidas por inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou, ainda, no caso de solvimento tardio de remuneração de servidores públicos e, ao fazê-lo, o Estado tenha deixado a descoberto quanto à correção monetária dos mesmos (13), venha pleiteá-la, não para saltar a fase precatorial, mas, sim, para compelir à sua rápida formação.

Explica-se: se a parte gozar de juízo de verossimilhança quanto à sua pretensão e, também, de prova inequívoca da afirmação de seu direito, e, por outro lado, a demora lhe for prejudicial, como dá-se com as lides que tenham natureza alimentar (e vencimentos de funcionários públicos aqui enquadram-se) ou, ainda, a defesa do ente estatal raiar-se pela mera protelatoriedade, nas situações suso mencionadas isso acontece, poderá requerer a tutela antecipada, para que, até o trânsito em julgado da sentença, o dinheiro que advirá da condenatividade já tenha sido posto à disposição do juízo, isso via um pleito de formação expedita e concomitante do precatório.

Nessa pegada, o autor postula a antecipação da tutela, com vistas a que o precatório seja aparelhado e, tal intento, se deferido via tutela antecipada, tomará autuação peculiar e será apensado ao feito principal, sem suspendê-lo, tal como se dá, por exemplo, no incidente de impugnação ao valor da causa (art. 261 do Código de Processo Civil).

Será, no que tange ao valor que fora condenada a pessoa jurídica de direito público a desembolsar, via a tutela antecipada, apurado por cálculo do contador do juízo (se o requerente for hipossuficiente), ou, de revés, lançado pelo próprio postulante, na exordial, ou, após ela, face a juntada de memória de cálculo, que, notadamente, será o ente público intimado a se manifestar em quaisquer das hipóteses.

Após isso, será homologado o predito quantum debeatur, e, em seguida, requisitado o valor ao Presidente do Tribunal respectivo, sem olvidar, todavia, que a administração pública poderá lançar mão de agravo de instrumento com relação à dita decisão homologatória, mas, tal impugnação recursal será despida de efeito suspensivo, salvo se o órgão público lograr liminar em tal sentido, ancorando-se nos arts. 527, inciso II, e 558, ambos do Código de Processo Civil.

Se, contudo, quando da viabilização prática do precatório, que fora comando em vista de pleito positivo de tutela antecipada, ainda não houver a sentença transitada em julgado, o dinheiro ficará à disposição do juízo até que tal situação venha a se materializar. Se, do contrário, houver perda da causa pelo autor que havia se sagrado vitorioso com o deferimento da tutela, tal numerário será convertido em renda do Poder Público, voltando-se ao seu cofre.

Sobremais disso, sucede que, com tal celerização precatorial, a questão numérica, que, hodiernamente, tem levado a eternização de muitos precatórios, com discussão, em bastas vezes, de teses já deitadas no feito de conhecimento e executivo, já terá sido, de há muito, superada, desde a fala da Fazenda Pública que antecedeu a homologação do valor que consta do precatório comandado e, também, através de recursos que porventura, pela mesma, tenham sido agitados. Tal proceder, como é curial, esvaziará o leque de conjunturas que engendrariam os embargos do devedor, máxime a repetida argumentação de excesso de execução.

Esse, aliás, foi o raciocínio levado a cabo por Hugo de Brito Machado, onde, em sua lira clara e candente, enfatiza que:

"Presentes os pressupostos da antecipação, como ocorre, por exemplo, em ações de repetição de indébito nas quais inexistia controvérsia quanto aos fatos e o direito do autor esteja amparado por precedentes reiterados do Supremo Tribunal Federal, em se tratando de matéria constitucional, ou do Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de matéria infraconstitucional, o Juiz da causa pode, atendendo a pedido do autor, conceder a tutela antecipada e determinar a expedição do correspondente precatório, com a particularidade de que o valor respectivo, se o pagamento pelo Presidente do Tribunal ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença final, ficará à disposição do Juízo. Transitada em julgado a sentença, determinará, então, a liberação do depósito para o autor que terá sido, assim, poupado da penosa espera que sistematicamente acontece com os que ganham questões contra a Fazenda Pública". (14)

Com tal proceder, como é apreensível, o precatório que, hoje, é talvez um terceiro gênero de processo, já que a parte logrou êxito no de conhecimento, na execução, mas, novamente, naquele é surpreendida com inúmeras alegações, retardando o seu recebimento, sem contar que, infelizmente, o precatório é uma caixa preta, já que o interessado, no geral das vezes, não sabe onde encontra-se o dito procedimento (em qual escaninho do órgão público), restará bem menos prestativo aos protraimentos. Porque, na atualidade, os que são vitoriosos em face da Fazenda Pública, deixam, para a quinta geração (15), a satisfação integral do direito material violado, que se dá com o efetivo desembolso do numerário através do precatório.

2º) Contudo, situação mais delicada se afigura, por outro tanto, se o Estado tiver uma obrigação de fazer ou de não fazer, de entregar coisa certa ou não, contraída em desfavor do súdito. Poderá, em caso que tal, o administrado ingressar com uma ação de conhecimento frente ao ente estatal e, desde já, pleitear a tutela antecipada?

Aqui, uma coisa é certa, não se poderá falar em precatório.

Daí, mesmo que o pólo passivo do feito de obrigações de tal jaez sejam ocupados pela Administração Pública, há que se entender que nada impede, se ocorrentes os requisitos, que sejam concedidas tutelas antecipadas, nos moldes do texto dos art. 273 e 461, ambos do Código de Processo Civil, com a redação que lhe fora dada pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994.

Ora, precatório não existe em sede de obrigações de fazer ou de não fazer, e de entregar coisa, se, a tanto, restarem obrigadas a Fazenda Pública.

Vale ser registrado, entrementes, que, frente a questões de vencimentos do funcionalismo público, a tutela antecipada não poderá ser concedida, como expressamente ficou proibido pelo art. 1º, da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, que, em sede liminar, requerida em ação declaratória de constitucionalidade, teve seu normativo, provisoriamente, preservado. (16)

Sobre a decisão da liminar, de lavra do Supremo Tribunal Federal, e acima referida, o Juiz Federal e então Diretor de Relações Públicas da AJUFE trouxe à lume interessantes considerações, nesse diapasão:

"Superando algumas interpretações mais contundentes, de que se estaria limitando a outorga de TODA E QUALQUER medida liminar contra a Fazenda Pública, entendo que a questão está restrita ao âmbito da concessão de qualquer acréscimo vencimental a servidores públicos em geral. A única restrição nesse sentido, fora da questão de remuneração de servidores, está no art. 1º, da L. 8.437/1992, que impede concessão de liminar ou antecipação de tutela jurisdicional quando for impossível a concessão dessa medida de urgência em mandado de segurança. Entendo que isso significa termos que observar: 1) se é caso de modificação de servidor; 2) se não transcorreu o prazo decadencial de 120 dias; 3) se há prova pré-constituída suficiente a embasar a decisão; 4) se o sucedâneo do réu no mandado de segurança, a autoridade impetrada, estaria sujeita à jurisdição do juiz examinador do pedido (§ 1º, art. 1º, L. 8.437/1992). Quanto ao extrato de julgamento da medida liminar na ADC 4-6, é uma proposta do Relator, Min. Sidney Sanches, aperfeiçoada pelo Min. Sepúlveda Pertence, e ditada literalmente nos termos publicados pelo Presidente, Min. Celso de Mello. Dos debates que se feriram, alongados em cerca de hora e meia, ficou bem claro que se está a obstar a edição de antecipações de tutela jurisdicional EXCLUSIVAMENTE nas hipóteses expressamente previstas na legislação referida no art. 1º, da L. 9.494/1997 e acima transcritas, e obstar a EXECUÇÃO FUTURA das antecipações de tutela jurisdicional concedidas nas hipóteses expressamente previstas na legislação referida no art. 1º, da L. 9.494/1997 e acima transcritos, paralisando seus efeitos até o julgamento definitivo da ADC. NÃO FORAM CASSADAS as antecipações de tutela anteriormente concedidas, mas seus efeitos não podem continuar incidindo". (17)

Feita esta digressão, muito necessária, voltemos à carga: o que impediria a concessão de tutela antecipada frente à Fazenda Pública, nas obrigações de fazer e de não fazer, de entregar coisa certa ou incerta?

Processual e constitucionalmente, aforante o caso de vencimento dos servidores públicos, nada há que possa obstacular a antecipação da tutela. E isso é inegável.

3º) Do duplo grau de jurisdição para as sentenças (art. 475, inciso II, do CPC):

Se a sentença tem duplo grau, o mesmo tratamento não haveria de ser dado à decisão concessiva da tutela antecipatória? Não seria um contra-senso ter-se uma sentença proferida contra a Fazenda Pública desafiando um recurso com duplicidade de efeitos, ou, na pior das hipóteses, um reexame necessário, e, por outro lado, uma tutela antecipada sendo concedida sem que o recurso de agravo, neste caso, pudesse, de per si, paralisar a decisão deferitória da mesma?

Hodiernamente, é ressabido que o agravo de instrumento (art. 527, inciso II, combinado com o art. 558, ambos do Código de Processo Civil), poderá possuir efeito suspensivo e, com isso, a Fazenda Pública logrará, de per si, paralisar os efeitos de uma tutela antecipada que porventura não esteja configurada dentro dos moldes preconizados pela lei de regência (arts. 273 e 461, todos do Código de Processo Civil).

E, demais disso, o duplo grau refere-se à sentença (art. 475 do Código de Processo Civil) e não às interlocutórias, como sói acontecer com as decisões concessivas de tutelas antecipadas. E assim o é por uma razão singela, a de que a antecipatória é revogável, a qualquer tempo (art. 273, § 4º, do mesmo diploma legal), e, desse modo, não exige qualquer mecanismo outro, qual se dá com a remessa de ofício ou mesmo com a interposição de recurso voluntário, para desaguar em tal possibilidade. Bastando ao magistrado, diante talvez de um contexto probatório mais denso ou, ainda, em casos de mudança radical na interpretação da norma pelos Tribunais Superiores, vir a revistar seu transato posicionamento.

Colhe-se, a propósito, a brilhante decisão de lavra do Juiz Federal da 1ª Vara de Aracaju, Dr. Ricardo César Mandarino Barretto, que concedeu tutela antecipada em desfavor da União, na ação declaratória objetivando o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei 9.783, de 29.01.99, no que tange à instituição de cobrança previdenciária aos inativos. Na interlocutória, afirma o magistrado, na parte dispositiva:

"Presentes, como se vê, todos os requisitos do art. 273, do CPC, especialmente a verossimilhança e o fundado receio de dano irreparável, defiro a tutela antecipada, para determinar que a União abstenha-se de descontar, dos proventos do autor, a contribuição para a Previdência Social, instituída pela Lei 9.783/99, notificando-se, para tanto, a Procuradoria Geral da República. Cite-se a União Federal" (18)

Por tais razões, não consigo, na atualidade, enxergar obstáculo à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, ainda que para os casos que desafiam o precatório, com vistas, unicamente, a celerizar a formação do mesmo.

E, de outro giro, se a dívida for de pequeno valor, nem se há falar em execução de sentença, muito menos no instituto precatorial.

Derradeiramente, para as hipóteses enquadradas na Lei nº 9.494/97, dentro do que foi tido na conta de constitucional, não há como vingar o pleito de antecipação de tutela.


NOTAS

1 Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro, Del Rey, 1996, pág. 35.

2 Revista de Previdência Social, vol. 188, julho/96, Ed. LTr, pág. 579.

3 Direito Processual Civil na Prática e suas Distorções, Ed. LTr, 1999, cap. V, item 8.

4 Confira o art. 3º, da Lei nº 9.494/97, que assim está lavrado: "Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.570-4, de 22 de julho de 1997".

5 O Tribunal deferiu, em parte, a medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a vigência do art. 2 º da Medida Provisória nº 1570, de 26/03/97, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Nelson Jobim, Octávio Gallotti, Sydney Sanches e Moreira Alves, e indeferiu a medida liminar quanto aos arts. 1 º e 3 º, vencidos em ambos, os Ministros Celso de Mello, Neri da Silveira e Presidente (Min. Sepúlveda Pertence), Plenário, 16.04.1997.

6 Novos Perfis cit., pág. 35; sem as reticências e os parêntesis no original.

7 EREsp. 182.111/RS, 3ª Seção, data da decisão: 14/02/2000, in DJ 21/02/2000.

8 Temas de Direito Constitucional em Homenagem ao Advogado André Franco Montoro, IBAP em parceria com a Ed. Adcoas, 2000, matéria intitulada Cultura dos Direitos Humanos, pág. 19; sem as reticências na fonte.

9 REsp. 208401/RS, 5ª Turma, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 18/10/1999, pág. 264.

10 Tutela jurisdicional antecipada na repetição do indébito tributário, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 5, pág. 44.

11 Ob. cit., págs. 46/47.

12 Eis a ementa: "O art. 730 do Código de Processo Civil não impede a execução provisória de sentença contra a Fazenda Pública", in Revista de Processo, vol. 81, pág. 240.

13 Aqui está u’a ementa do Superior Tribunal de Justiça, que, a toda evidência, deixa claro tratar-se de matéria pacificada, como se infere: "Tratando-se de vencimentos de funcionários públicos, em atenção ao caráter alimentar da verba, aplica-se a correção monetária desde quando devida cada parcela. Precedentes" (REsp. 185058/AL, 6ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 09/11/1998, pág. 219).

14 Ob. cit., pág. 46

15 Coligimos, por oportuno, este registro que foi publicado no Informativo da ANPPREV (Associação Nacional dos Procuradores da Previdência Social, do dia 01.09. 2000, onde se lê: "casos há em que o excesso de zelo opera em sentido diametralmente oposto ao que uma instituição pública, mormente uma instituição voltada para o social, deve trilhar. Assim, protelar injustificadamente o pagamento de um precatório legítimo, devidamente incluído em orçamento e dispondo de numerário necessário à sua satisfação, não se insere nas salutares regras da Administração Pública, a par de constituir infração disciplinar e penal e – o que é mais grave – significa privar um ser humano de meios necessários ao seu sustento, mormente em se tratando de nossa clientela, objeto de precatórios, formada majoritariamente de beneficiários ou servidores da própria casa, a maioria hipossuficiente".

16 ADC 4-6, rel. Min. Sidney Sanches, cujo julgamento teve o seguinte extrato: "O Tribunal, por votação majoritária, deferiu em parte o pedido de medida cautelar para suspender com eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até o julgamento desta ação, a prolação de qualquer decisão antecipatória contra a fazenda pública, tendo por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 1º. da Lei n. 9.494/97, sustando, ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros de decisões antecipatórias já proferidas contra a fazenda pública, vencidos, em parte, o Ministro Néri da Silveira que deferia a medida cautelar em menor extensão, e, integralmente, os Ministros Marco Aurélio e Ilmar Galvão, que a indeferiam. Data do julgamento: 11/2/1998. Publicação: Diário da Justiça (DOU) seção I, pág. 1, em data de 13/2/1998)".

17 O citado Juiz Federal, inclusive, apresentou debate virtual sobre o tema, cujo endereço na Internet era http://www.debatevirtual.rs.gov.br.

18 Publicada no site da Internet, no dia 24.02.1999, especificamente na Teia Jurídica.

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Da antecipação de tutela frente às demandas previdenciárias e, também, em direção à Fazenda Pública lato sensu, ressalvada a questão precatorial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/879. Acesso em: 18 abr. 2024.

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