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O improviso do processo disciplinar

31/08/2006 às 00:00
Leia nesta página:

O Cebrad desenvolveu estudo que comprova que um processo disciplinar,
conduzido ao improviso, pode custar aos cofres públicos meio milhão de reais.


A sistema de responsabilização de funcionários tem sido tratado com extremo amadorismo. Ao calor do improviso, são constituídas comissões de processo disciplinar, em grande parte das vezes com o único escopo de resguardar a própria responsabilidade do gestor. Este, determinando a instauração, lava as mãos, pensa ver-se livre do pesado fardo do controle e entrega a outros o ônus de processar.

Nesse contexto, a tarefa é passada a pessoas que, em 45% das vezes, não têm formação jurídica; em mais de 60% dos casos não dispõem de um espaço físico adequado para produzir os atos processuais. O processo começa, então, sem lógica jurídica, sem consistência técnica, sem compromisso com um resultado eficaz.

O simples andar do processo, envolvendo servidores, pagos pelos cofres públicos durante meses, mais material de expediente, diárias e outros custos de viagens e diligências, faz com o erário desembolse, em média, o equivalente a 140 salários mínimos. Este, destaque-se, é o menor dos custos. Precisa-se compreender que, em 86% das vezes em que o funcionário apenado bate às portas do Judiciário, obtém a nulidade do processo. Essa nulidade, por sua vez, não acontece no outro dia, na outra semana, no mês seguinte. Também em média, as decisões transitam em julgado nove anos depois. Isso porque a Administração, perdendo em primeira instância, mantém o hábito de recorrer até onde é possível. Quando nada mais pode ser feito, vem a ordem para reintegrar o servidor e pagar a ele tudo o que deixou de receber ao longo desses anos. Isso pode representar, em alguns casos, meio milhão de reais.

Está na hora, portanto, de o Poder Público profissionalizar os seus quadros. Criar estruturas, ainda que mínimas, mas suficientes para o desenvolvimento de um processo com segurança, com qualidade. Isso passa pela qualificação dos profissionais aos quais se entrega a tarefa de conduzir processos. Não podem ser amadores. Não podem ser pessoas que não têm familiaridade com as formalidades processuais. Veja-se que, nos processos disciplinares, os advogados hábeis concentram 90% dos seus ataques às questões formais. Guardam apenas 10% do arsenal para enfrentar o mérito. Isso porque o expediente disciplinar é efetivamente complexo. Exige verdadeiros exercícios de engenharia jurídica. Logo, o defensor atento ocupa-se em encontrar falhas procedimentais, o que não é difícil. Nos processos penais, ao contrário, a defesa centraliza o enfrentamento no mérito. Isto porque, sendo o juiz um profissional das formas, tem menor possibilidade de errar na condução do processo.

Veja-se que os funcionários que trabalham com processos disciplinares são instigados a seguir o estatuto ao qual estão vinculados. E ficam nisso. A defesa, por sua vez, trabalha com uma visão mais ampla, partindo da Constituição Federal, passando pelo Código de Processo Penal e indo aos princípios gerais do direito. O Judiciário ficará, por certo, sempre, com essa visão mais ampla, alinhada aos institutos jurídicos.

Entenda-se, ainda, que o defensor tem um papel mais cômodo do que os membros da comissão processante. Estes, precisam trabalhar com a certeza; àquele, basta semear a dúvida.

Desta forma, a Administração Pública moderna, comprometida com a eficiência, deve considerar essa realidade. Em muitas ocasiões, deixa-se de fazer uma diligência porque representa custo. Ou dispensa-se uma perícia, quando o esclarecimento do fato efetivamente carece de conhecimento especializado. Em nome da economia, atropela-se esses procedimentos. O barato sai caro, já diz a sabedoria popular (que, antes de ser popular, é sabedoria). Nove anos depois, o processo é anulado e o custo passado aos contribuintes é incompatível com o que se espera de uma gestão responsável.

O espírito da legislação pátria é o seguinte: A autoridade que tiver conhecimento de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a imediata apuração, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado a ampla defesa. Essa ordem está no art. 143 do estatuto federal – Lei nº 8.112/90 – e repetida nos demais estatutos, nos Estados e municípios. Mas não basta assinar uma Portaria. Este ato tem que trazer implícita a efetiva vontade de apurar, com os meios que a lei contempla, a começar pelos meios materiais e humanos necessários à correta instrução processual. Equivoca-se a autoridade que imagina que, determinando a apuração, esgota a sua parcela de responsabilidade no episódio. Pelo contrário, apenas começa.

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Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados. O autor presta consultoria às mais importantes estruturas da Administração Pública do país desde os anos 1990. Conhece os riscos da gestão e as formas de prevenir responsabilidades, o que o tornou conferencista internacional sobre matérias relacionadas ao serviço público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Léo Silva. O improviso do processo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1156, 31 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8794. Acesso em: 19 dez. 2024.

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