Artigo Destaque dos editores

Sindicância investigatória.

O confuso modelo das investigações dentro da Administração Pública

25/08/2006 às 00:00

Resumo:


  • A disciplina e hierarquia são fundamentais na Administração Pública, sendo essenciais para o exercício do poder hierárquico, que confere à autoridade a capacidade de ordenar, controlar e corrigir as ações dos subordinados.

  • O poder hierárquico não é uma mera faculdade, mas sim um poder-dever que a autoridade é obrigada a exercer, sendo vinculada à supremacia do interesse público e incapaz de abdicar da força conferida.

  • A Lei nº 8.112/90 estabelece que a autoridade que tome conhecimento de irregularidades no serviço público é obrigada a promover sua apuração imediata, sob pena de incorrer em improbidade administrativa, responsabilidade criminal e crime de responsabilidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O DEVER DE APURAR

            A disciplina é um dos pilares da Administração Pública. Disciplina e hierarquia não se encontram assentadas exclusivamente nas Forças Armadas, mas, também, na organização civil do Poder Público.

            Na verdade, da essência do Direito Administrativo retiramos o chamado poder hierárquico, que confere à autoridade a força para:

            - ordenar

            - controlar

            - corrigir

            Vê-se, portanto, que a capacidade que um agente da Administração tem de dar ordens a um subordinado decorre, exatamente, desse poder, de conteúdo hierárquico. Essa mesma autoridade tem o poder de controlar os atos praticados ao seu redor, bem como o de corrigir as irregularidades verificadas.

            Esse poder não pode ser entendido como mera faculdade. Trata-se de um poder-dever, que a autoridade é obrigada a exercitar.

            Na iniciativa privada o administrador, frente a uma conduta irregular de um empregado, pode esquecer, pode perdoar, pode transigir. Na Administração Pública não existe essa liberalidade. A autoridade está vinculada à chamada supremacia do interesse público, o que impõe o exercício do poder que lhe é conferido. O agente da Administração não pode abdicar da força que lhe é outorgada, pois ela indisponível.

            A Lei nº 8.112/90, no art. 143, a propósito preceitua:

            "A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata..."

            Essa regra vem repetida nos estatutos estaduais e municipais em todo o país. O não cumprimento da obrigação faz com que a autoridade incorra em improbidade administrativa, uma vez que a Lei nº 8.429/92, no seu art. 11, II, assim considera a conduta daquele que retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.

            A Lei nº 1.079/50, por seu turno, no art. 9º, 3, considera crime de responsabilidade (para o presidente da República, Ministros de Estado, Governadores, etc):

            "não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais, ou na prática de atos contrários à Constituição; "

            Na hipótese, ainda, de o administrador público omitir-se diante da obrigação, tomado por um sentimento de indulgência, estará atraindo para si a responsabilidade criminal prevista no artigo 320 do Código Penal, sob a denominação de condescendência criminosa:

            "Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente..."

            Constatamos, desta sorte, que a autoridade administrativa, sob a égide do poder hierárquico e da disciplina, tem a obrigação de apurar irregularidades no serviço público. Isto porque:

            - a lei expressamente o obriga;

            - deixar de fazê-lo é improbidade administrativa;

            - a omissão, se motivada por indulgência, atrai a responsabilidade criminal.

            SINDICÂNCIA - Neste contexto apuratório, entra a figura da SINDICÂNCIA. Observe-se, entretanto, que, apesar de ser um instrumento usado para apurar eventuais irregularidades praticadas por funcionários, o seu objeto não se limita a isso. Na verdade, estende-se, como veremos, à apuração de qualquer irregularidade com reflexo no serviço público.

            "A sindicância não se limita a esclarecer irregularidades praticadas por agentes públicos. Na verdade, estende-se à apuração de qualquer irregularidade com reflexo no serviço público."


ESBOÇO DO ESTUDO DAS SINDICÂNCIAS

            Sindicâncias conforme a natureza

          SINDICÂNCIA PRÓPRIA - Natureza de investigação, na linha de um inquérito policial. Deve esclarecer:

            -o fato

            -a sua natureza

            -a autoria

            -as circunstâncias

align="center">          SINDICÂNCIA IMPRÓPRIA - Apesar da denominação de sindicância, tem natureza de processo. O objeto é confrontar acusação e defesa e deliberar sobre a responsabilidade.

            SINDICÂNCIA HÍBRIDA - Nasce como investigação e, com a identificação do fato e da autoria, transforma-se em expediente processual.


A INVESTIGAÇÃO PODE ABRANGER:

            - Falta funcional

            -Desaparecimento de objetos

            -Qualidade dos serviços

            -Irregularidades praticadas por empresas contratadas

            -Comportamento de empregados de empresas que prestam serviço terceirizado

            -Funcionários cedidos e estagiários

            -Acidentes

            -Fragilidade dos sistemas de controle

            Relatório final de sindicância instaurada na Procuradoria-Geral do Estado (SC) para apurar o sumiço de um processo concluiu que houve falha na segurança do sistema de arquivamento de documentos na Instituição.

            A investigação não conseguiu apurar responsabilidade pelo ocorrido devido à falta de provas, mas o parecer final sugere a adoção de medidas de aperfeiçoamento dos sistemas de tramitação, controle e guarda de processos.

            -inobservância ou inadequação de normas

            -Terceiros em atividades suspeitas na repartição

            Outras sindicâncias:

            -Sindicância da vida pregressa

            "A sindicância da vida pregressa e investigação social terá caráter unicamente eliminatório, e os candidatos serão considerados recomendados ou não-recomendados." (Polícia Civil do Distrito Federal)

            "O candidato que for considerado não-recomendado na sindicância da vida pregressa e investigação social poderá ter vista de seu formulário, bem como interpor recurso contra o resultado provisório..."

            -Sindicância como meio de aferir a inaptidão durante estágio probatório

            ROMS 8249/PE; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA (1997/0008337-3) - Relator: Min. EDSON VIDIGAL (1074) Data da Decisão: 26/05/1998

            A SINDICÂNCIA É MEIO IDÔNEO PARA A VERIFICAÇÃO DA INAPTIDÃO OU INCAPACIDADE DE JUIZ SUBSTITUTO, DURANTE O PERÍODO DO ESTÁGIO PROBATÓRIO, DESDE QUE LHE SEJA ASSEGURADO O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA.

            MANDADO DE SEGURANÇA   19980020017652MSG DF  - Registro do Acórdão Número : 111548  - Data de Julgamento : 01/12/1998 - Relator : ROMÃO C OLIVEIRA
Publicação no Diário da Justiça do DF : 09/04/1999 Pág. : 168

            ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. SE O SERVIDOR, DENTRO DO PRAZO DO ESTÁGIO PROBATÓRIO, MOSTROU-SE INABILIDOSO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO, INABILIDADE ESSA APURADA EM SINDICÂNCIA REGULAR, VÁLIDO É O ATO QUE O EXONEROU, NÃO HAVENDO COMO SER ACOLHIDO O ALEGADO CERCEIO DE DEFESA. SEGURANÇA DENEGADA. 

            -Sindicância patrimonial

            Trata-se de uma das metas da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla), definida durante encontro realizado em Pirenópolis, por iniciativa do Ministério da Justiça. Alguns setores da mídia informaram equivocadamente que a medida implica em monitoramento diário de contas bancárias. Não se trata disso. O governo não vai quebrar o sigilo bancário de ninguém, segundo o ministro Waldir Pires. .

            A sindicância patrimonial, que ainda está em fase de estudos, é um procedimento administrativo, de caráter investigativo e sigiloso, que pode redundar na instauração de processo administrativo disciplinar. Um dos métodos de investigação da sindicância patrimonial poderá ser o pedido, ao Judiciário, de quebra do sigilo bancário do investigado. A sindicância pode ser iniciada a partir de sinais exteriores de riqueza, incompatíveis com a renda do servidor.

            -Sindicância que exige manifestação do funcionário antes de abertura de processo

            A Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais concluiu sindicância que aponta fortes indícios de corrupção passiva e tráfico de influência na atuação do desembargador (...), quando ele era juiz do Tribunal de Alçada do Estado, em 2000. O documento foi encaminhado à Corte Superior do Tribunal de Justiça, que julgará o caso.

            O presidente do Tribunal de Justiça publicou despacho no jornal Minas Gerais que dá prazo até 5 de outubro para o desembargador apresentar sua defesa. Se considerar procedente o resultado da sindicância, a corte poderá abrir processo administrativo.

            "Não se pode confundir sindicância com as apurações feitas por auditoria. A auditoria é um trabalho de verificação técnica, sem caráter processual. A sindicância, por sua vez, é um expediente, em regra, preparatório de processo, como são os inquéritos."


SINDICÂNCIA E AUDITORIA

            Não se pode confundir sindicância com as apurações feitas por auditoria. A auditoria é um trabalho de verificação técnica, sem caráter processual. A sindicância, por sua vez, é um expediente, em regra, preparatório de processo, como são os inquéritos. Todos os inquéritos – CPI, inquérito civil público e inquérito policial – buscam coletar elementos que, na maior parte das vezes, servem para dar sustentação a medidas judiciais.

            A sindicância exige o mesmo raciocínio. Tal qual o inquérito policial, por exemplo, a sindicância obedece as regras do Código de Processo Penal. Os procedimentos de investigação seguem o formato do CPP. Já uma auditoria não tem esse compromisso formal. As suas regras são próprias, traçadas nos modelos de contabilidade pública ou nos manuais de controle interno.

            A auditoria pode anteceder ou subsidiar uma sindicância, mas não a substitui.


DANO AO ERÁRIO

            Nos casos em que de pronto se tem conhecimento de dano ao erário, com identificação de responsável, a medida a ser adotada é o processo de tomada de contas especial, previsto, para a área federal, na Lei nº 8.443/92, art. 8º. As Leis Orgânicas dos Tribunais de Contas nos Estados normalmente tratam da mesma forma a matéria. O mesmo expediente é adotado quando, mesmo sem conhecer o responsável, o mérito limita-se à questão dano.

            Portanto, não se instaura sindicância para apurar fatos ou responsabilidades relativas a danos causados aos cofres públicos ou ao seu patrimônio, bem como para quantificar o valor. Essas são questões tratadas em expediente específico. Sugerimos, neste particular, atenta leitura à obra TOMADA DE CONTAS ESPECIAL, do eminente professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (Ed. Brasília Jurídica). Uma sindicância somente será instaurada quando, em paralelo, estiver presente indicativo de falta disciplinar, de responsabilidade criminal, de ato de improbidade, ou a necessidade de se aferir falhas, por exemplo, no sistema de controle. De qualquer forma, a sindicância irá concluir pela instauração de tomada de contas especial, que é o devido processo legal para alcançar a reparação de dano causado por agente público, por quem tenha guarda de valores ou bens públicos ou por particular que tenha agido em conluio com funcionário.

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SÚMULAS DE DIREITO DISCIPLINAR:

            São resumos, produzidos pelo Cebrad, a partir de 13 anos de estudos do controle da Administração Pública. Nesse material, procurou-se sistematizar as soluções que estavam espalhadas na melhor doutrina, na jurisprudência e nos princípios de Direito.

            -MEIOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES DISCIPLINARES

            SÚMULA 01 – Meios de apuração. - A autoridade administrativa, no exercício do poder-dever de apurar as irregularidades no serviço público, dispõe de um instrumento informal, a averiguação, e de dois instrumentos formais: a sindicância e o processo disciplinar. A averiguação nasce de uma ordem verbal, que é respondida por escrito pelo funcionário encarregado da tarefa, apresentando o resultado da diligência, com indicação da materialidade e da autoria ou, recomendando, presente a razoabilidade, a instauração de uma sindicância de natureza investigatória. A sindicância, por sua vez, é o meio legítimo de aprofundar as investigações e obter o esclarecimento que permita a tomada de providências. E o processo disciplinar é o devido processo legal para examinar a responsabilidade e eventualmente punir servidor ou empregado público, previamente identificado, sobre o qual pesa uma acusação objetiva.

            COMENTÁRIO:

            Há irregularidades que chegam ao administrador público já formatadas. Pode ser um Relatório de Auditoria, do Tribunal de Contas, ou uma Representação de um contribuinte, com o detalhamento da ocorrência e a indicação das provas. Nestes casos, a autoridade poderá, imediatamente, tomar as providências contra o servidor apontado. Vale dizer, instaurando uma sindicância ou processo administrativo disciplinar, dando conhecimento à autoridade policial ou ao Ministério Público e determinando providências no sentido de obter a reparação do dano, conforme a natureza do fato imputado ao funcionário.

            Em outras vezes, a autoridade terá ciência de irregularidade sem que disponha de elementos detalhados ou mesmo da certeza quanto ao fato e a autoria. A ocorrência poderá chegar ao seu conhecimento pela imprensa, por denúncia anônima, por boatos ou, informalmente, por usuário ou contribuinte. Será oportuno, então, promover uma prévia averiguação, que poderá ganhar cunho de inspeção ou de sindicância investigatória. Com as conclusões advindas de um desses expedientes, o administrador público estará apto a estabelecer as medidas de acordo com os níveis de responsabilidade identificados.

            Note-se, portanto, como mostra a Súmula, que a Administração tem um meio informal e dois meios formais de apurar irregularidades:

            -INFORMAL – a averiguação

            -FORMAIS – a sindicância e o processo disciplinar

            Cada um, para uma situação específica.

            A averiguação será usada quando a questão se apresenta com contornos frágeis, sem elementos mínimos para sustentar uma acusação ou mesmo para justificar a instauração de uma investigação formal.

            A sindicância será o instrumento usado para aprofundar investigações e dar à autoridade os dois elementos fundamentais para instauração de processo, se for o caso: o fato e a autoria.

            O processo disciplinar, por sua vez, é o devido processo legal para examinar a responsabilidade do agente, a partir do cotejo entre acusação e a defesa.

            DIFERENTES TIPOS DE SINDICÂNCIA.

            SÚMULA 02 – A sindicância como expediente de investigação e esclarecimento. - A sindicância de natureza investigatória está para o processo disciplinar como o inquérito policial está para o processo penal. Deve, por conseqüência, ser desenvolvida com meios eficientes e legítimos de apuração, a fim de oferecer à autoridade administrativa, se for o caso, os elementos que representem materialidade e autoria, indispensáveis à instauração de processo disciplinar. A sindicância também é o meio adequado para esclarecer quaisquer outras circunstâncias que comprometam a regularidade do serviço público, incluindo-se, aqui, questões relacionadas a empregados de empresas que prestam serviço terceirizado, contratos administrativos, vulnerabilidade de normas e procedimentos e interferência de terceiros nas ações administrativas. Do relatório, serão articuladas as providências, que podem incluir, por exemplo, rescisão de contrato administrativo, adoção de medidas gerenciais de prevenção ou correção, modificação de normas, tomada de contas especial e ciência ao Ministério Público.

            COMENTÁRIO:

            Os estatutos, normalmente, se referem à sindicância, simplesmente, o que deveria ser compreendido como o expediente legítimo que a Administração tem para realizar investigações. Mas, em determinado momento, esses diplomas asseguram o exercício do contraditório e da ampla defesa, descaracterizando, por conseguinte, o seu caráter meramente informativo, como é o inquérito policial em relação à ação penal.

            Precisamos, então conviver, com diferentes tipos de sindicância. A Súmula trata, aqui, do primeiro tipo, que é o original, o puro, o próprio: a sindicância usada para investigar qualquer fato que tenha relação com o serviço público, não necessariamente envolvendo funcionário.

            Perceba-se, ainda que a Súmula observa que não se trata de mera formalidade:

            "... deve ser desenvolvida com meios eficientes e legítimos de apuração..."

            Exige-se, então, como meios eficientes, o conhecimento mínimo de técnicas de investigação, o que envolve desde psicologia jurídica até a lógica da produção das provas; e como meios legítimos a utilização de provas juridicamente válidas, não se admitindo aquelas obtidas de maneira ilícita.

            SÚMULA 03 – Autoridade sindicante – A sindicância própria, de caráter investigatório, pode ser conduzida por um único sindicante ou por comissão, constituída por funcionários, estáveis ou não, que devem observar os critérios gerais de impedimento e suspeição. Resultando o apuratório em processo administrativo, de qualquer formato, não poderá nele atuar quem praticou atos ou diligências na fase investigatória.

            COMENTÁRIO:

            A sindicância, com o papel de esclarecer fatos, não levará diretamente a uma punição. Não pode, portanto, ser confundida com processo. Por isso, não se exige, para ela, algumas condições formais que são obrigatórias em sede processual. Por exemplo, como observa a Súmula, não há necessidade de se compor comissão, sendo viável o cumprimento da tarefa sindicante por um único agente.

            Por outro lado, quem atuar na sindicância, está sujeito aos mesmos impedimentos e suspeições dos membros da comissão processante; e também não poderá atuar em eventual processo disciplinar que decorrer do seu relatório. Não fosse assim, estaríamos diante da hipótese de um delegado de polícia poder, depois, como juiz, atuar na ação penal que decorreu de um inquérito que ele presidiu. [01]

            SÚMULA 04 – O contraditório e a defesa na sindicância – Por ter caráter informativo, a sindicância pura não comporta o exercício do contraditório e da ampla defesa, inerentes à esfera processual. Todavia, é legítima a atuação de advogado no pronto enfrentamento de meios ilícitos de investigação e na afronta de garantias constitucionais de qualquer pessoa. E, encaminhando-se a prova na direção de funcionário específico, a ele deve ser dada a oportunidade de oferecer esclarecimentos, ainda que verbais, sob pena de, dessa sindicância, não se tornar legítima a instauração de processo contra quem não foi previamente ouvido.

            COMENTÁRIO:

            Os estatutos, produzidos após o modelo federal, de 1990, trazem o exercício da defesa atrelado à sindicância. Diz a Lei nº 8.112/90, por exemplo:

            "Art. 143 – A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa." (grifamos)

            Precisamos interpretar: trata-se aqui, de um tipo de sindicância, esdrúxulo, que é, na verdade, um tipo de processo. Afinal, presente um acusado, estamos diante a um expediente de natureza processual. Logo, a defesa de que trata o artigo em tela está relacionado àquela sindicância que o legislador, em delírio, concebeu como o meio legítimo de apenar as faltas leves. Não pode ser confundida, portanto, com a sindicância pura, que tem o escopo de investigar e de cujo bojo não sairá nenhuma punição.

            Os tribunais nos colocam frente à mesma armadilha. O STJ, por exemplo, tem delineado a defesa como obrigatória nas sindicâncias. Mas, perceba-se: está tratando da sindicância de caráter processual.

            Absolutamente claro é o estatuto do Estado do Piauí, que enuncia:

            Art. 164 –

            (...)

            § 3o – A sindicância poderá ser investigatória ou punitiva, sendo assegurado nesta última o contraditório e ampla defesa.

            Por outro lado, ainda que dispensada a defesa nessa sindicância, é legítima a participação de advogado, que atuará no estrito limite de patrulhar a legalidade dos procedimentos e as garantias do seu cliente.

            Por fim, observa-se que, se a as investigações se encaminharem na direção de uma pessoa, ela necessariamente deverá ser ouvida. E, se indicar provas a seu favor, deve a comissão apreciá-la. Não poderá essa comissão recomendar a instalação de um processo contra um funcionário se, na sindicância, não permitiu que ele trouxesse explicações. Não se trata, aqui, do exercício da defesa, mas da obrigação de esclarecer.

            SÚMULA 05 – A sindicância da qual pode decorrer punição – O legislador pátrio adotou confuso modelo, prevendo a possibilidade de, de uma sindicância, brotar punição de advertência ou suspensão até 30 dias, como formatado nos estatutos federal, estaduais e municipais; ou mesmo a pena máxima de rescisão de contrato de trabalho por justa causa, em se tratando de empregados públicos, regidos pelo sistema celetista. Essa sindicância, em que pese essa nomenclatura, é, na verdade, um expediente de natureza processual e, por conseqüência, deve seguir a lógica de um processo, nascendo com os seus pressupostos (acusado e acusação definidos) e desenvolvendo-se com as garantias do contraditório e da ampla defesa. A aplicação da pena, por sua vez, obedecerá os mesmos princípios, normas e critérios do processo disciplinar.

            COMENTÁRIO:

            Precisamos conviver com uma sindicância atípica, imprópria, que é aquela que pode levar à aplicação de uma penalidade. Apesar de nome – sindicância –, chamamos a atenção para o fato de ela ser, na verdade, um processo.

            Se pegarmos uma garrafa de vinho e colocarmos um rótulo indicando que ali contém whisky, a garrafa não mudará, com isso, o seu conteúdo; a bebida não será substituída; o vinho não trocará o sabor. Então, mesmo que o legislador – e os tribunais – chame isso de sindicância, nós estamos, na verdade, bebendo um processo. Logo, a lógica do trabalho é a mesma que se usa em sede processual.

            A sindicância nesse formato está presente, também, em empresas públicas e sociedades de economia mista, cujas normas internas, muitas vezes, não contemplam a figura do processo disciplinar. Tratam apenas da sindicância, que é um remédio para tudo: investiga, examina responsabilidades, julga... Também aqui, esqueçamos do rótulo e trabalhemos com a essência. Se o objeto é aferir a responsabilidade de alguém já identificado, com possível aplicação imediata de pena, estamos diante a um processo, não importa o nome que lhe tenha sido dado pelo legislador ou burocrata.

            SÚMULA 06 – Sindicância investigatória – quando pode gerar aplicação de pena – Sob a égide do princípio da economicidade, e partindo de uma construção lógico-jurídica, tem-se a possibilidade de uma sindicância, que foi instaurada com formato de investigação, ser convertida em expediente processual a partir do instante em que são recolhidas provas acerca da materialidade e da autoria. Neste caso – e em tratando-se de infração leve -, a comissão sindicante, após o interrogatório, fará despacho fundamentado de indiciação, apontando, com objetividade, o raio acusatório. A partir deste ato, o funcionário será citado e a sindicância adotará os procedimentos estruturais de um processo disciplinar. É recomendável, para segurança jurídica, que a portaria instauradora do expediente investigatório contemple a possibilidade dessa conversão.

            COMENTÁRIO:

            O que se trata, nessa Súmula, é de uma solução lógica para uma sindicância que foi instaurada para esclarecer um fato e que, em determinado momento, alcançou elementos de prova acerca da materialidade e da autoria. Tratando-se, no entanto, de uma falta leve, suscetível de pena aplicável em sede de sindicância, o expediente, que nasceu com caráter investigatório, será convertido em processo. Na verdade, ele ganha formato de processo, na medida em que a comissão, em despacho de indiciação, faz o apontamento de uma acusação objetiva.

            A esse modelo, damos o nome, para efeito didático, de sindicância híbrida, porque ela apresenta os dois formatos. A forma de processo – ainda que mantenha os mesmos autos e a mesma nomenclatura – dar-se-á com a citação, a partir da qual o funcionário poderá exercitar plenamente a sua defesa.

            Esclareça-se que não é o modelo ideal. É uma solução para atender o confuso sistema que o legislador pátrio inventou, para levar a efeito a aplicação de penas brandas a servidores ou empregados públicos.


Notas

            01

Vale lembrar que, pela Constituição de 1988, o processo disciplinar está equiparado ao processo judicial. Logo, aquilo que se impõe na esfera forense, em termos de segurança jurídica, impõe-se na esfera administrativa.
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Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados. O autor presta consultoria às mais importantes estruturas da Administração Pública do país desde os anos 1990. Conhece os riscos da gestão e as formas de prevenir responsabilidades, o que o tornou conferencista internacional sobre matérias relacionadas ao serviço público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Léo Silva. Sindicância investigatória.: O confuso modelo das investigações dentro da Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1150, 25 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8795. Acesso em: 22 dez. 2024.

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