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Aspectos da tutela antecipada contra a Fazenda Pública

01/08/2000 às 00:00
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Ao abordar o assunto da antecipação da tutela, surge grande controvérsia acerca de ser possível, ou não, sua aplicação, em face da Fazenda Pública.

A doutrina é por demais controvertida a respeito, havendo fortes argumentos tanto para a possibilidade, quanto para a negatividade da aplicação da antecipação.

Sustenta Humberto Theodoro Júnior que, dada a diferença existente entre tutela antecipada e a medida cautelar, tem-se entendido que o particular, observados os requisitos do artigo 273, do CPC, tem direito de obter, provisoriamente, os efeitos que somente adviriam da sentença final de mérito, mesmo em face da Fazenda Pública(1), havendo a ressalva de Nelson Nery(2) de que não pode haver violação à redação do artigo 100, da Constituição Federal.

Sustentando a impossibilidade de aplicação do instituto, encontra-se a posição de Raphael Silva Salvador que, anteriormente à Lei 9.494/97, disse ser "...impossível a tutela antecipada concedida a favor de autor contra a União, o Estado e o Município, pois aí, haveria, obrigatoriamente, pedido de reexame necessário se a concessão fosse em sentença final, o que mostra que não é possível, então, a tutela antecipada, que burlaria a proteção legal prevista no art. 475, II, do Código de Processo Civil." (3), tendo tal pensamento sido comungado por Francesco Conte, que se manifestou da seguinte forma: "Descabe, reitere-se, em perspectiva de interpretação sistemática, a antecipação da tutela quando, no pólo passivo, figurar a União, os Estados membros, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, posto que, se a própria sentença proferida contra estas entidades de direito público está sujeita ao reexame necessário, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal (art. 475, II, do CPC), a medida antecipatória, concedendo o próprio direito afirmado pelo autor, consubstanciando mera decisão interlocutória, a fartiori, não tem, na espécie, aptidão para produzir qualquer efeito. A eficácia do apêndice (decisão interlocutória) não pode ser maior do que a do próprio corpo (sentença)." (4).

Admitindo, ainda que de forma moderada, a possibilidade de antecipação da tutela contra a fazenda pública, manifestou-se João Batista Lopes, lecionando que "Conquanto admissível, a antecipação da tutela não poderá fugir às peculiaridades da execução contra a Fazenda Pública, o que, em termos práticos, obsta à plena eficácia da antecipação." (5).

Favoravelmente à antecipação da tutela, contra a fazenda pública, Luiz Rodrigues Wambier, sustenta que a decisão que concede a tutela antecipada não é sentença, não estando sujeita, portanto, ao que determina o artigo 475, do Código de Processo Civil(6).

Defendendo o cabimento da antecipação, nos feitos que versem sobre repetição de indébito tributário, temos a ponderada posição de Hugo de Brito Machado, que interpreta o artigo 475, do CPC, no sentido de estar dispensada a atividade positiva da Fazenda na fase recursal e, ainda de que o artigo 100, da Constituição Federal, não obriga que a execução dirigida contra a Fazenda seja baseada em sentença transitada em julgado, entendendo que "Presentes os pressupostos da antecipação, como ocorre, por exemplo, em ações de repetição de indébito nas quais inexistia controvérsia quanto aos fatos e o direito do autor seja amparado por precedentes reiterados do Supremo Tribunal Federal, em se tratando de matéria constitucional, ou do Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de matéria infraconstitucional, o juiz da causa pode, atendendo a pedido do autor, conceder a tutela antecipada e determinar a expedição do correspondente precatório, com a particularidade de que o valor respectivo, se o pagamento pelo Presidente do Tribunal ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença final, ficará à disposição do Juízo. Transitada em julgado a sentença determinará, então, a liberação do depósito para o autor, que terá sido, assim, poupado da penosa espera que sistematicamente acontece com os que ganham questões frente a Fazenda Pública." (7).

Ainda sob a alegação de que o artigo 475, inciso II, do CPC, subtrai efeitos à sentença, antes da sua confirmação pelo tribunal, apresentamos outra manifestação de Brito Machado, onde este assevera que "...tal privilégio não consiste no direito ao duplo grau de jurisdição mas apenas na dispensa de iniciativa recursal da Fazenda Pública." (8) dizendo, mais à frente, que "A obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, em se tratando de sentença contra a Fazenda Pública, apenas significa que, vencida esta, considera a apelação sempre interposta, para proteger o ente público contra a eventual inércia de seus representantes judiciais. Os efeitos da sentença proferida contra a Fazenda Pública são exatamente os mesmos produzidos por uma sentença contra a qual foi interposta a apelação." (9) e concluindo, em seguida, seu raciocínio, da seguinte forma: "Vê-se, portanto, que a prevalecer o argumento segundo o qual não é admissível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública em face do duplo grau de jurisdição, tem-se de entender também incabível a antecipação da tutela em qualquer caso, posto que sempre poderá ocorrer a interposição de apelação. Interposta esta, a sentença somente poderá ser executada depois de confirmada pelo Tribunal." (10).

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Nos parece que, de fato, razão lhe assiste, em função de que a diferença existente entre uma sentença proferida contra a fazenda pública e uma outra qualquer, é o fato de que, a primeira independe de apelação para estar sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Não se pode argumentar, também, que os efeitos de uma sentença proferida contra a fazenda sejam distintos daqueles que emanam de outras sentenças, pois a distinção está apenas no fato de que enquanto as sentenças, em geral, podem ou não ser submetidas ao duplo grau, dependendo da vontade da parte vencida, a proferida contra a fazenda pública sempre será reapreciada, por força da vontade da lei, com o que se evitam prejuízos ao Estado em decorrência do descaso ou do descuido dos seus representantes judiciais(11). O duplo grau apenas representa para as partes, quer seja o Estado, quer seja o particular, a certeza de reapreciação de um ato decisório, mas nunca, a imunidade contra a antecipação de efeitos, uma vez que esta visa justamente impedir que a tardia reapreciação da causa signifique injustiça para o autor, como observa Antônio Cláudio da Costa Machado(12).

O cearense Hugo Brito Machado vai além, tratando da questão dos precatórios e da reversibilidade tratada no § 2º, do artigo 273, do CPC, dizendo que "A sentença, mesmo sem trânsito em julgado, quando nesta houver sido concedida antecipação, ou a decisão interlocutória, presta-se como título adequado a instruir o precatório. Quando o juiz determinar a sua expedição, deixará claro que se trata de execução provisória, em face da nova figura processual, e dirá que o valor correspondente deve ser colocado à disposição do juízo. É certo que a Fazenda pública não pode ficar desprotegida. O valor a ser pago ao contribuinte, autor da ação de repetição de indébito tributário, em cumprimento do precatório, deve permanecer depositado até que transite em julgado a sentença final. Esse depósito será a garantia de que não se criou uma situação irreversível. É possível, outrossim, o próprio pagamento ao contribuinte, se este ofertar caução idônea... Na eventual ocorrência de trânsito em julgado de sentença julgando a ação improcedente, o valor à disposição do juízo será convertido em renda da Fazenda Pública." (13).


NOTAS

  1. Humberto Theodoro Júnior - Tutela antecipada "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, pág. 199
  2. "O sistema jurídico brasileiro admite o adiantamento da tutela, mesmo quando requerido contra a Fazenda Pública. Desde que a antecipação possa ocorrer sem violar a art. 100 do CPC (precatórios), pode ser deferida, em tese, contra a Fazenda Pública." (sic) – (Nelson Nery Júnior – Procedimentos e tutela antecipatória "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, pág. 390
  3. Raphael Silva Salvador – Da Ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada, São Paulo, Malheiros Editores, 1996, pág. 56
  4. Francesco Conte – A fazenda pública e a antecipação jurisdicional da tutela, RT 718, pág. 20
  5. João Batista Lopes – Tutela antecipada e o art. 273 do cpc "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, págs. 214
  6. "...nenhum óbice remanesce à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, pois a decisão que concede a medida antecipatória da tutela jurisdicional condenatória não se consubstancia em sentença, essa sim sujeita aos efeitos do art. 475 e à ordem dos precatórios." (Luiz Rodrigues Wambier – Antecipação da tutela e desapropriação indireta "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, pág. 295)
  7. Citação de Cássio Scarpinella Bueno, em sua obra Tutela antecipada e ações contra o poder público (reflexão quanto a seu cabimento como consequência da necessidade de efetividade do processo "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, págs. 56/57
  8. Hugo Brito Machado – Tutela jurisdicional antecipada na repetição de indébito tributário "in" Revista dialética de direito tributário, nº 5, São Paulo, Oliveira Rocha, 1996, pág. 45, 1ª coluna
  9. Hugo Brito Machado – Tutela jurisdicional antecipada na repetição de indébito tributário "in" Revista dialética de direito tributário, nº5, São Paulo, Oliveira Rocha, 1996, pág. 45, 1ª coluna
  10. Hugo Brito Machado – Tutela jurisdicional antecipada na repetição de indébito tributário "in" Revista dialética de direito tributário, nº5, São Paulo, Oliveira Rocha, 1996, pág. 45, 1ª e 2ª colunas
  11. Antônio Cláudio da Costa Machado – Tutela antecipada, São Paulo, Juarez de Oliveira, 3ª edição, 1999, pág. 616
  12. Antônio Cláudio da Costa Machado – Tutela antecipada, São Paulo, Juarez de Oliveira, 3ª edição, 1999, pág. 616
  13. Hugo Brito Machado – Tutela jurisdicional antecipada na repetição de indébito tributário "in" Revista dialética de direito tributário, nº 5, pág. 48, 2ª coluna

BIBLIOGRAFIA

BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela antecipada e ações contra o poder público (reflexão quanto a seu cabimento como consequência da necessidade de efetividade do processo "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997

CONTE, Francesco. A fazenda pública e a antecipação jurisdicional da tutela, RT 718

LOPES, João Batista. Tutela antecipada e o art. 273 do cpc "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Tutela antecipada, São Paulo, Juarez de Oliveira, 3ª edição, 1999

MACHADO, Hugo Brito. Tutela jurisdicional antecipada na repetição de indébito tributário "in" Revista dialética de direito tributário, nº 5, São Paulo, Oliveira Rocha, 1996

NERY JÚNIOR, Nelson. Procedimentos e tutela antecipatória "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997

SALVADOR, Raphael Silva. Da Ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada, São Paulo, Malheiros Editores, 1996

THEODORO JÚNIOR., Humberto. Tutela antecipada "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Antecipação da tutela e desapropriação indireta "in" Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997

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Sobre o autor
Célio da Silva Aragon

advogado em Osasco (SP), sócio do escritório Carnelosso, Aragon e Watanabe Advogados Associados, mestrando em Direito Processual Civil pela UNIFIEO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAGON, Célio Silva. Aspectos da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/881. Acesso em: 22 dez. 2024.

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