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O sistema acusatório e a (im)possibilidade de atuação ex officio do juiz na fase do inquérito policial

27/01/2021 às 13:30
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O Pacote Anticrime expressou a opção do legislador pelo sistema acusatório, que veda a atuação ex officio do juiz na etapa investigatória, porém, o art. 3º-A do CPP teve a sua eficácia suspensa temporariamente pelo STF, fato que não desnatura o sistema já constitucionalmente consagrado.

Na etapa investigatória e utilizando-se do fundamento da busca pela “verdade real”, os magistrados acabam determinando diligências ex officio durante o inquérito policial, fase destinada à apuração da prática de determinada conduta delituosa antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

O argumento na maioria das vezes está embasado no disposto no art. 156, I, do Código de Processo Penal, que prescreve o seguinte:

“Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:    

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;”

Pensamos, no entanto, que a atuação de ofício pelo juiz na etapa extrajudicial, além de causar ofensa ao sistema acusatório previsto na Constituição Federal de 1988, acarreta a quebra da imparcialidade.

A CF/1988, em seu art. 129, prevê o seguinte:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[...]

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;”

Trata-se de um modelo criado para excluir a figura do “juiz inquisidor”, pois existe (ou deveria existir) uma clara distinção entre as tarefas de investigar e acusar, defender e julgar (Ministério Público, defensor e juiz, respectivamente).

Para o estudo em tela, importante trazer os ensinamentos da doutrina acerca do modelo acusatório adotado pela legislação brasileira, cuja violação pode acarretar a quebra da imparcialidade do juiz, base de qualquer processo judicial:

“Para o modelo acusatório, não basta a existência de órgãos distintos de acusação, defesa e julgamento; é necessária uma total imparcialidade do juiz, que não pode ter preconceitos nem pré-julgamentos sobre a matéria em debate. O cerne do modelo acusatório depende da real imparcialidade do juiz, que é fruto de uma meditada e consciente opção entre as hipóteses propostas – acusação e defesa – em relação às quais se mantém equidistante” (Thums, Gilberto. Sistemas processuais penais. Lumen Juris, 2006. p. 259).

“[...] em definitivo, o sistema inquisitório foi desacreditado – principalmente – por incidir em um erro psicológico: crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar” (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. Saraiva, 2012. p. 127).

“A imparcialidade constitui um valor que se manifesta sobretudo no âmbito interno do processo, traduzindo a exigência de que na direção de toda a atividade processual – e especialmente nos momentos de decisão – o juiz se coloque sempre super partes, conduzindo-se como um terceiro desinteressado, acima, portanto, dos interesses em conflito” (Gomes Filho, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. RT, 2013. p. 32).

Em outras palavras, “não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual. É inegável que o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor”, sob pena de ofensa aos direitos e garantias individuais do investigado e a credibilidade da Justiça (Lopes Jr, Aury. Investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 74).

Trazendo um exemplo da jurisprudência, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, deu provimento parcial à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1570), ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para o fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei n. 9.034/1995 (já revogada), na parte que se referia à quebra dos sigilos fiscal e eleitoral por meio de diligência realizada pessoalmente pelo juiz, afastando a possibilidade da figura do “juiz inquisidor”. Veja-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2º; e 144, § 1]o, I e IV, e § 4º). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte” (STF. ADI n. 1570, julgada em 12/2/2004. Relator: Min. Maurício Corrêa).

Nesse pensar, o Min. Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, já decidiu:

“[...] o sistema processual penal acusatório, mormente na fase pré-processual, reclama deva ser o juiz apenas um “magistrado de garantias”, mercê da inércia que se exige do Judiciário enquanto ainda não formada a opinio delicti do Ministério Público. 2. A doutrina do tema é uníssona no sentido de que, verbis: “Um processo penal justo (ou seja, um due process of law processual penal), instrumento garantístico que é, deve promover a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, como forma de respeito à condição humana do sujeito passivo, e este mandado de otimização é não só o fator que dá unidade aos princípios hierarquicamente inferiores do microssistema (contraditório, isonomia, imparcialidade, inércia), como também informa e vincula a interpretação das regras infraconstitucionais.” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Inquérito Policial, Democracia e Constituição: Modificando Paradigmas. Revista eletrônica de direito processual, v. 3, p. 125-136, 2009)”, devendo o Poder Judiciário atuar “apenas quando provocado e limitando-se a coibir ilegalidades manifestas”” (STF. Inq 2913 AgR, julgado em 1/3/2012. Relator: Min. Dias Toffoli).

Com efeito, “o princípio fundante do sistema ora analisado, a toda evidência, é o princípio acusatório, norma decorrente do due process of law (art. 5º, LIV, CRFB) e prevista de forma marcante no art. 129, I, da CRFB, o qual exige que o processo penal seja marcado pela clara divisão entre as funções de acusar, defender e julgar, considerando-se o réu como sujeito, e não como objeto da persecução penal” (STF. ADI 4.414, julgado em 31/5/2012. Plenário. Relator: Min. Luiz Fux).

É que, como dito, “a Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema penal acusatório. Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a função propriamente jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separação promove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com os princípios da isonomia e do devido processo legal” (STF. ADI 5104 MC, julgada em 21/5/2014. Relator: Min. Roberto Barroso).

Aliás, colhe-se do corpo do acórdão mencionado:

“8. Como se sabe, a Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema acusatório – e não pelo sistema inquisitorial – criando as bases para uma mudança profunda na condução das investigações criminais e no processamento das ações penais no Brasil. De forma específica, essa opção encontra-se positivada no art. 129, inciso I – que confere ao Ministério Público a titularidade da ação penal de iniciativa pública [3] [3][3] [3][3] –, e também no inciso VIII, que prevê a competência do Parquet para requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais [4] [4]. De forma indireta, mas igualmente relevante, a mesma lógica básica poderia ser extraída dos direitos fundamentais ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. O ponto justifica um comentário adicional.

9. O traço mais marcante do sistema acusatório consiste no estabelecimento de uma separação rígida entre os momentos da acusação e do julgamento. Disso decorrem algumas consequências, sendo duas delas de especial significado constitucional. Em primeiro lugar, ao contrário do que se verifica no sistema inquisitorial, o juiz deixa de exercer um papel ativo na fase de investigação e de acusação. Isso preserva a neutralidade do Estado julgador para o eventual julgamento das imputações, evitando ou atenuando o risco de que se formem pré-compreensões em qualquer sentido. Uma das projeções mais intuitivas dessa exigência é o princípio da inércia jurisdicional, pelo qual se condiciona a atuação dos magistrados à provocação por um agente externo devidamente legitimado para atuar.

10. Em segundo lugar, o sistema acusatório busca promover a paridade de armas entre acusação e defesa, uma vez que ambos os lados se encontram dissociados e, ao menos idealmente, equidistantes do Estado-juiz. Nesse contexto, cabe às partes o ônus de desenvolverem seus argumentos à luz do material probatório disponível, de modo a convencer o julgador da consistência de suas alegações. Afasta-se, assim, a dinâmica inquisitorial em que a figura do juiz se confunde com a de um acusador, apto a se valer do poder estatal para direcionar o julgamento – quase sempre no sentido de um juízo condenatório.

11. Esse conjunto de ideias encontra forte amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, destacando-se numerosos precedentes em que a Corte assentou a titularidade do Ministério Público sobre a ação penal e o caráter limitado de que deve se revestir a interferência judicial sobre a condução das investigações. Nessa linha, a título de exemplo, a jurisprudência consolidou o entendimento de que é vinculante o pedido de arquivamento do inquérito efetuado pelo Procurador-Geral [5] [5], que o juiz não pode determinar o oferecimento de denúncia ou o seu aditamento, nem tampouco realizar diligências investigatórias por conta própria [6] [6]. Esse quadro não se altera nem mesmo nos casos em que o inquérito se desenvolve desde logo perante o Judiciário, por força da existência de foro por prerrogativa de função. Mesmo nessa situação peculiar, o relator não assume a direção do inquérito, limitando-se a acompanhar os procedimentos e a decidir sobre a admissibilidade das medidas sujeitas à reserva de jurisdição [7] [7] [...].

12. Em suma, o sistema acusatório estabelece determinadas balizas para os procedimentos de investigação criminal, que devem ser desenvolvidos ordinariamente pela autoridade policial sob a supervisão do Ministério Público. Ainda que o legislador disponha de alguma liberdade de conformação na matéria, inclusive para tratar de contextos específicos como o da Justiça Eleitoral, não é válido que esvazie a opção do constituinte e crie para o juiz um poder genérico de direção dessa fase pré-processual” (STF. ADI 5104 MC, julgada em 21/5/2014. Relator: Min. Roberto Barroso).

Em julgamento posterior, o Supremo Tribunal Federal voltou a afirmar a vigência do sistema acusatório na legislação pátria, o que faz com que o juiz não possa suprir a deficiência probatória da acusação prevista no art. 156, caput, do CPP, nem mesmo ex officio e na fase judicial, sob pena de ofensa ao princípio da imparcialidade. Veja-se:

“Penal e Processual Penal. Imparcialidade judicial e sistema acusatório. Postura ativa e abusiva do julgador no momento de interrogatório de réus colaboradores. Atuação em reforço da tese acusatória, e não limitada ao controle de homologação do acordo. As circunstâncias particulares do presente caso demonstram que o juiz se investiu na função persecutória ainda na fase pré-processual, violando o sistema acusatório. Imparcialidade judicial como base fundamental do processo. Sistema acusatório e separação das funções de investigar, acusar e julgar. Pressuposto para imparcialidade e contraditório efetivos. Precedente: ADI 4.414, Plenário, Rel. Min. Luiz Fux, j. 31.5.2012. Agravo regimental parcialmente provido para declarar a nulidade da sentença condenatória proferida por violação à imparcialidade do julgador” (STF. RHC n. 144615 AgR, julgado em 25/8/2020. Relator: Min. Edson Fachin. Redator do acórdão: Min. Gilmar Mendes).

Para esclarecer ainda mais a questão, colaciona-se trecho do acórdão do Supremo Tribunal Federal, cuja divergência foi aberta pelo Min. Gilmar Mendes:

“A imparcialidade é essencial para que a tese defensiva seja considerada, pois em uma situação de aderência anterior do julgador à acusação, não há qualquer possibilidade de defesa efetiva.

[...]

Como já aduzi anteriormente, a consagração do monopólio estatal para exercício do poder punitivo foi uma opção da sociedade democrática pela racionalidade e pela justiça na resposta a um fato tido como criminoso. Decidimos que o Estado iria investigar, processar e punir aqueles que praticassem crimes.

Contudo, tal monopólio estatal sobre as funções de acusar e julgar também teve como consequência o estabelecimento de uma separação artificial do próprio Estado em dois entes: o julgador e o acusador público.

A partir dos tristes exemplos de abusos cometidos em épocas de Tribunais de Inquisição, em que havia uma concentração das funções de investigar, acusar e julgar em somente uma pessoa, percebeu-se que o processo penal assim não poderia ser caracterizado. Nicolau Eymerich em seu “Manual dos Inquisidores”, relata o processo canônico de combate à heresia, ressaltando o poder do juiz inquisidor ao atuar como parte, investigador, diretor, acusador e julgador (EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. Fundação Universidade de Brasília, 1993. p. 113-209).

Ou seja, o processo penal pressupõe a separação, para pessoas distintas, das funções de investigar, acusar e julgar” (STF. RHC n. 144615 AgR, julgado em 25/8/2020. Relator: Min. Edson Fachin. Redator do acórdão: Min. Gilmar Mendes).

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O Excelentíssimo Ministro destaca, também, o seguinte:

“[...] as partes autorizam que a sua vontade seja substituída pelo que for definido por um terceiro, o julgador, representado pelo Estado na prestação da tutela jurisdicional. O juiz deve ser, portanto, um terceiro, alheio aos interesses das partes, afastado da vontade delas, e só assim poderá decidir de modo justo, porque imparcial. Na doutrina, destaca-se que “a imparcialidade é um princípio nuclear da prestação jurisdicional, um elemento essencial da Justiça, de modo que sem ela não há como se falar propriamente de um processo judicial”. (BACHMAIER WINTER, Lorena. Imparcialidad Judicial y Libertad de Expresión de Jueces y Magistrados. Thomson, 2008. p. 19, tradução livre). Ou seja, imparcial é aquele que não é parte, que não adere aos interesses de qualquer dos envolvidos no processo, e só assim se pode falar em processo, seja penal, civil, fiscal, etc” (STF. RHC n. 144615 AgR, julgado em 25/8/2020. Relator: Min. Edson Fachin. Redator do acórdão: Min. Gilmar Mendes).

Convém lembrar, mais uma vez, que o juiz não pode diligenciar por conta própria, pois aquele que julga não pode “caminhar lado a lado” com aquele que acusa.

Ação diversa fulmina a imparcialidade do julgador, princípio que deve nortear qualquer ação judicial, uma vez que o juiz não pode estar “interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes” (art. 145, IV, do CPC/2015, c/c o art. 3º do CPP; RHC n. 144615 AgR/STF, julgado em 25/8/2020. Relator: Min. Edson Fachin. Redator do acórdão: Min. Gilmar Mendes).

O respeitado doutrinador Renato Brasileiro de Lima ensina que, durante a fase da investigação, o juiz não pode atuar ex officio, sob pena de causar ofensa ao sistema penal acusatório e violação ao princípio da imparcialidade (o juiz deve aplicar a lei ao caso concreto e não pode estar envolvido psicologicamente com a causa).

“Com a adoção do sistema acusatório pela Constituição federal (art. 129, I), restou consolidada a obrigatoriedade de separação das funções de acusar, defender e julgar, fazendo com que o processo se caracteriza como um verdadeiro actum trium personarum, sendo informado pelo contraditório. [...]. Com essa separação de funções, aliada à oralidade e publicidade, características históricas do sistema acusatório, e com partes em igualdade de condições, objetiva-se a preservação da imparcialidade do magistrado, afastando-o da fase investigatória, a qual deve ter como protagonista tão somente a autoridade policial e o Ministério Público. É óbvio que o magistrado não está impedido de agir na fase investigatória. Mas essa atuação só pode ocorrer mediante prévia provocação das partes. [...]. Na fase investigatória, portanto, deve o magistrado agir somente quando provocado, atuando como garante das regras do jogo. O que não se dele lhe permitir, nessa fase preliminar, é uma atuação ex officio. E isso porque, pelo simples fato de ser humano, não há como negar que, após realizar diligências de ofício na fase investigatória, fique o magistrado envolvido psicologicamente com a causa, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente a ela, com grave prejuízo a sua imparcialidade. A partir do momento em que uma pessoa concentra as funções de investigar e colher provas, além do poder de julgar o acusado, estará comprometido a priori com a tese da culpabilidade do acusado. [...]. Em um sistema acusatório, cuja característica básica é a separação das funções de acusar, defender e julgar, não se pode permitir que o magistrado atue de ofício na fase de investigação. Essa concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa, o juiz inquisidor, além de violar a imparcialidade e o devido processo legal, é absolutamente incompatível com o próprio Estado Democrático de Direito [...]. A tarefa de recolher elementos para a propositura da ação deve recair sobre a Polícia Judiciária e sobre o Ministério Público, preservando-se, assim, a imparcialidade do magistrado. [...]. Se o escopo do juiz for o de buscar provas apenas para condenar o acusado, além da violação ao sistema acusatório, haverá evidente comprometimento psicológico com a causa, subtraindo do magistrado a necessária imparcialidade, uma das mais expressivas garantias inerente aos devido processo legal [...]” (Código de processo penal comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 514-516).

Essa preocupação, qual seja, a garantia da imparcialidade, é antiga, já que o art. 14 do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos da Organização das Nações Unidas, do ano de 1966 e promulgado pelo Decreto n. 592/1992, assim descreve:

“Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil”.

Da mesma forma, o art. 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22/11/1969 (Pacto de São José, Costa Rica), promulgada pelo Decreto n. 678/1992, dispõe que a pessoa “tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial”.

No mais, a Lei n. 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, expressou a opção do legislador pelo sistema acusatório, que veda a atuação ex officio do magistrado na etapa investigatória, porém, o art. 3º-A do CPP teve a sua eficácia suspensa temporariamente pelo Supremo Tribunal Federal (ADI n. 6298, 6299, 6300 e 6305, Min. Luiz Fux), fato que não desnatura o sistema já consagrado pela Carta Magna.

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Sobre o autor
Fabiano Leniesky

OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduado em Ciências Criminais. Pós-graduado em Direito Probatório do Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LENIESKY, Fabiano. O sistema acusatório e a (im)possibilidade de atuação ex officio do juiz na fase do inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6419, 27 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88123. Acesso em: 18 dez. 2024.

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