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A aposentadoria especial de professor e a aplicação da Lei nº 11.301/2006

Resumo:


  • A Lei Federal n.º 11.301/06 esclareceu o conceito de "funções de magistério", incluindo atividades de direção, coordenação e assessoramento pedagógico, além da docência, para efeitos previdenciários.

  • Há discussões sobre a constitucionalidade dessa lei, especialmente no que tange à sua abrangência e ao direito de aposentadoria especial de professores que exercem outras funções de magistério.

  • Apesar das controvérsias, a lei não parece inconstitucional, pois não altera diretamente questões previdenciárias, mas sim define funções educacionais, beneficiando professores em estabelecimentos de educação básica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Respeitados os entendimentos divergentes, entendemos não haver aí inconstitucionalidade, na medida em que a lei não dispõe, efetivamente, sobre matéria previdenciária, nem legisla contra o texto constitucional.

A Lei Federal n.º 11.301 de 10 de maio de 2006 introduziu o § 2.º ao artigo 67 da Lei Federal n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, com a seguinte redação:

"Art. 67. ..................................................

§ 2º. Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico."

Alguns questionamentos de ordem jurídica têm surgido sobre a referida norma, em especial quanto à sua constitucionalidade, seja formal –– por vício de iniciativa, visto que o projeto de lei foi apresentado pela Deputada Neyde Aparecida ––, seja material –– por ampliar, em sede de lei ordinária, conteúdo da norma constitucional, ou por disciplinar matéria previdenciária, reservada à lei complementar.

A nosso ver, entretanto, e resguardada a eventual apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, a quem compete, no âmbito jurisdicional, julgar eventuais argüições de inconstitucionalidade, pela via do controle concentrado, a matéria comporta entendimento mais singelo e de prática aplicação pelos Regimes Próprios de Previdência Social, especialmente os municipais (mais afetados pela norma).

É que a Lei n.º 11.301/06 limita-se, em princípio, a definir quais são as "funções de magistério" que podem ser exercidas pelo professor.

A ausência de definição legal da expressão "funções de magistério" constante do texto constitucional, levou o Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões, a interpretá-la restritivamente, admitindo a redução dos requisitos de idade e de tempo de contribuição para fins de aposentadoria apenas quando o exercício do magistério pelo professor estivesse vinculado à docência, ou seja, exclusivamente lecionando em sala de aula.

É certo que o termo "magistério" (do latim magisteriu der. magister = mestre) pode levar à interpretação de que se limita àquele que ministra aulas. Esse conceito, no entanto, coerente com a metodologia educacional antigamente vigente, restrita que era à relação aluno-docente, não pode mais ser sustentado em face dos modernos sistemas educacionais, em que uma enorme gama de atividades extra-classe são aplicadas para ampliação das possibilidades de ensino e aprendizagem.

A lei federal em comento, pois, veio afastar a lacuna legislativa na regulamentação do dispositivo constitucional, estabelecendo de maneira clara a abrangência do exercício das funções de magistério pelo professor, e ampliando (modernizando, a nosso ver) o entendimento que o Supremo Tribunal Federal vinha admitindo.

E vale frisar que essa ampliação da exegese conferida pela Suprema Corte não macula a lei. De fato, a interpretação jurídica somente pode ocorrer nas omissões legais. Suprida a omissão, sucumbe a interpretação jurisprudencial.

Assim, respeitados os entendimentos divergentes, data venia, entendemos não haver aí inconstitucionalidade, na medida em que a lei não dispõe, efetivamente, sobre matéria previdenciária, nem legisla contra o texto constitucional.

A matéria é, exclusivamente, de cunho educacional, pelo que correta sua inclusão no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Poder-se-ia afirmar, então, que todos os profissionais da educação que exerçam as atividades previstas no §2.º em referência têm direito de aposentar-se com redução de tempo e idade.

A questão, entretanto, nesse ponto, não é tão simples.

É que entendemos que a legislação infra-constitucional não pode mudar o alcance jurídico da expressão "professor", contida na Constituição Federal.

O § 5º do art. 40 da Constituição Federal estabelece:

"Art. 40. .....................................................

§ 5º. Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no § 1º, III, a, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio."

É certo que o conceito de "professor" (termo às vezes substituído por "docente"), tem evoluído ao longo do tempo, especialmente em razão das implicações decorrentes da formação profissional e do estabelecimento da carreira do magistério.

Nesse sentido, pode-se tomar o termo "professor" tanto para significar o profissional habilitado para o exercício das funções de magistério, em razão de sua formação, como para representar a própria categoria desses profissionais.

No âmbito do serviço público, ainda, a expressão "professor" pode representar a simples denominação do cargo ou emprego público criado por lei, de provimento efetivo mediante aprovação prévia em concurso (há entes que adotam outras nomenclaturas, como "educador", PEB, etc).

Uma digressão mais aprofundada sobre outros dispositivos da Lei Federal n.º 9.394, de 20/12/1996 é importante para entendermos com mais clareza até onde vai a abrangência do recém introduzido § 2º do seu artigo 67.

No seu título VI, a lei trata sobre os profissionais da educação, traçando, no mesmo capítulo, normas sobre a formação de docentes e sobre a formação dos profissionais da educação, que também são denominados de "especialistas em educação".

O artigo 62 estabelece a formação que se deve exigir dos docentes para atuação na educação básica (na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental exige-se, no mínimo, curso médio na modalidade Normal).

Já o artigo 64 prescreve cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-graduação, para a formação de profissionais de educação que atuarão na administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica.

E o § 1º do artigo 67 reza que:

"Art. 67. ..................................................

§ 1º. A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino."

Cotejando-se este dispositivo com o artigo 64 e o § 2º do artigo 67, conclui-se que "outras funções de magistério" são aquelas referidas nesses dois últimos.

Assim, se a experiência docente é pré-requisito para o exercício de outras funções do magistério, isso significa que a partir da vigência da LDB nenhum profissional ou especialista em educação pode atuar na administração, planejamento, inspeção, supervisão escolar ou orientação educacional (direção de unidade escolar, coordenação ou assessoramento pedagógico) sem a prévia experiência docente.

Em outras palavras, é necessário ser professor, e como tal exercer a docência, para em seguida poder exercer funções de "especialista em educação".

Isso, entretanto, diz respeito à habilitação e experiência profissional, aspecto que, a nosso ver, não é considerado no texto constitucional.

O próprio dispositivo inserido pela Lei n.º 11.301/06 faz referência expressa a "docentes" e "especialistas em educação", deixando-nos entender claramente que há duas categorias profissionais distintas, embora com formação básica necessariamente comum, e que podem exercer as funções de magistério que especifica.

Ora, a Constituição não faz qualquer alusão que nos permita deduzir que a expressão "professor" se refira à formação profissional, assim como também seria absurda a interpretação de que se refere à denominação do cargo público.

É forçoso concluir, assim, que o texto constitucional somente permite a aposentadoria especial à categoria profissional dos professores (ou docentes, como denomina a LDB), não se aplicando à categoria dos especialistas em educação.

Nesse sentido, e por força do dispositivo inserido pela Lei n.º 11.301 de 10 de maio de 2006, entendemos que os professores, regularmente nomeados em cargo público de docente (excluídos, portanto, os servidores nomeados em cargos de especialistas em educação), poderão aposentar-se com redução de 5 (cinco) anos para os limites de idade e de tempo de contribuição, mesmo que venham a exercer, a partir da vigência da referida lei, funções de magistério diversas da docência em sala de aula, dentre aquelas definidas na lei, exclusivamente em estabelecimento de educação básica.

A aplicação do novo dispositivo legal da forma retro, a nosso ver, não colide com o texto constitucional, nem representa atribuir caráter de legislação previdenciária à norma.

É evidente que a aplicação ora sugerida implicará em impacto no cálculo atuarial, em face da possibilidade de aposentação precoce de docentes que, se contado o tempo exclusivamente em sala de aula, ainda não teriam direito a aposentar-se.

Esse impacto, entretanto, deverá ser apurado em cálculo atuarial e suportado com a adequação do custeio, sem que se possa invocá-lo para o descumprimento da lei.

De outro lado, estabelecer-se-á, de certo modo, tratamento antiisonômico em relação aos demais especialistas em educação, regularmente nomeados em cargos públicos de direção de unidade escolar, coordenação e assessoramento, especialmente quando esses profissionais possuírem a formação docente exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Essa situação, entretanto, decorre da própria norma, que poderia sim, a nosso ver, definir as funções de magistério exercidas pelos professores, nos termos do § 5º do artigo 40 da Constituição Federal, mas não estender o benefício aos especialistas em educação, aos quais o texto constitucional não se refere.

De fato, se concluirmos que a lei federal abrange não só os titulares de cargo efetivo de professor, mas também os titulares dos demais cargos efetivos de especialistas em educação, seremos forçados a reconhecer, nesse ponto, a inconstitucionalidade da Lei n.º 11.301/06.

Somente uma emenda constitucional poderia ampliar o redutor de idade e de tempo de contribuição para titulares de cargos efetivos de especialistas em educação.

É recomendável, entretanto, que essa provável afronta ao princípio da isonomia não seja reconhecida no âmbito administrativo, cabendo aos gestores do RPPS indeferir os pedidos de aposentadoria especial formulados por titulares de cargos de Diretor, Coordenador e demais especialistas em educação, aguardando-se eventual decisão judicial se a questão for levada ao Poder Judiciário.

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Quanto aos titulares de cargo de professor que exercerem as funções estabelecidas no § 2.º do artigo 67 da Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996, a partir da vigência da Lei n.º 11.301 de 10 de maio de 2006, a eles deve ser assegurado o direito de aposentadoria com redução da idade e do tempo de contribuição.

Repetimos: a regra aplica-se aos professores que vierem a exercer tais atribuições após a vigência da lei.

É que entendemos, especificamente quanto ao aspecto temporal da norma, que o princípio da irretroatividade das leis, previsto no ordenamento constitucional brasileiro, não permite que a nova regulamentação possa alcançar situações pretéritas, já consolidadas no mundo jurídico.

De fato, para as situações ocorridas antes da vigência da lei há de prevalecer o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal em face da lacuna legislativa então existente.

Entendermos de modo diverso significaria atribuir efeitos retroativos à norma, o que contraria a jurisprudência da Suprema Corte, que assim tem se firmado:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. DIREITO ESTADUAL. NÃO COMPROVAÇÃO DO TEOR E VIGÊNCIA. REQUISITO DO ARTIGO 25 DA LEI ESTADUAL N. 1.195/54. NÃO PREENCHIMENTO. LEI ESTADUAL N. 13.455/00. IRRETROATIVIDADE. 1. A questão referente à invalidez presumida não foi sequer suscitada perante as instâncias precedentes, carecendo, portanto, do devido prequestionamento. Esta Corte pacificou o entendimento no sentido de que o debate do tema constitucional deve ser explícito. 2. O agravante não comprovou a vigência e o teor do direito estadual invocado, como exige o artigo 337 do CPC. 3. Quando do falecimento de sua esposa-segurada o agravante não contava com 70 anos completos, não podendo, portanto, pleitear a invalidez presumida com base na Lei Estadual n. 1.195/54. 4. Falecimento do cônjuge virago antes da edição da Lei estadual 13.455/00 que permitiu a inclusão do marido inválido como dependente. Retroatividade da lei para alcançar fatos jurídicos anteriores. Impossibilidade. Agravo regimental não provido." (RE-AgR 428194/MG, Relator: Min. EROS GRAU, j. 04/10/2005, Primeira Turma, DJ 28-10-2005 – grifos nossos).

No mesmo sentido:

"EMENTA: - Recurso extraordinário. Mensalidade escolar. Atualização com base em contrato. - Em nosso sistema jurídico, a regra de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5º, XXXVI), tem caráter constitucional, impedindo, portanto, que a legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para alcançar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o Juiz a aplique retroativamente. E a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade - a retroatividade mínima -, uma vez que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito, modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a tal alteração. Essa orientação, que é firme nesta Corte, não foi observada pelo acórdão recorrido que determinou a aplicação das Leis 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos posteriores a elas decorrentes de contrato celebrado em outubro de 1.989, prejudicando, assim, ato jurídico perfeito. Recurso extraordinário conhecido e provido." (RE 188366/SP, Relator: Min. MOREIRA ALVES, j. 19/10/1999, Primeira Turma, DJ 19-11-1999 – grifos nossos).

Para concluirmos, cabe fazer menção ao entendimento adotado pela Coordenadoria de Normatização e Acompanhamento Legal do Ministério da Previdência Social na Nota Técnica SPS n.º 071/2006, de 01 de agosto de 2006, que aponta a possibilidade de que o Município, mediante decreto regulamentar do Chefe do Poder Executivo, declare a suspensão da eficácia de eventual norma municipal que restrinja a redução de tempo e idade para aposentadoria de professor apenas às hipóteses de exercício em sala de aula.

No mesmo passo, o decreto municipal deverá disciplinar, observadas as peculiaridades do respectivo quadro do magistério, quais as funções atualmente exercidas pelos titulares dos cargos efetivos de professor que devem ser consideradas para fins de aplicação do § 2.º do artigo 67 da Lei n.º 9.394/96.

Reiteramos, não obstante –– embora a análise de mérito da Nota Técnica SPS n.º 071/2006 não faça referência expressa a essa questão, e sem embargo do entendimento ali adotado quanto à suposta inconstitucionalidade da norma ––, que a nova norma não se aplica aos titulares exclusivamente de cargos de especialista em educação, nos termos aqui abordados.

Por fim, importa frisar que o entendimento aqui esposado reflete o atual estágio do debate sobre a matéria, ressalvada a evolução jurisprudencial e eventual decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

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Sobre os autores
Fernando Stein

advogado, procurador aposentado do Município de Indaiatuba, consultor associado da Sanches e Associados Consultoria Ltda., presidente do Conselho Administrativo do Instituto de Previdência e Assistência Social dos Funcionários Públicos Municipais de Indaiatuba (SEPREV), consultor na área de Previdência Municipal

Cleuton de Oliveira Sanches

advogado, especialista em Direito Tributário pela PUC/Campinas e em Direito Constitucional pela Universidade São Francisco, procurador do Município de Indaiatuba, sócio da Sanches e Associados Consultoria Ltda., consultor na área de Previdência Municipal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STEIN, Fernando ; SANCHES, Cleuton Oliveira. A aposentadoria especial de professor e a aplicação da Lei nº 11.301/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1150, 25 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8848. Acesso em: 22 dez. 2024.

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