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Como os princípios tributários protegem o seu patrimônio do Estado

02/03/2021 às 11:30
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Existem duas formas estipuladas na Constituição Federal para limitar o poder de o Estado tributar o patrimônio particular: os princípios e as imunidades tributárias.

O poder de tributar é uma consequência inevitável da soberania estatal. Como o Estado surgiu com a função de prover as necessidades coletivas, a ele foi dado o poder para angariar os recursos necessários por meio da tributação (receitas públicas derivadas) e gastar os mesmos aonde achar conveniente e oportuno. Porém, para que o Estado tenha limitações à uma invasão indiscriminada do patrimônio dos particulares, a Constituição Federal (CF) estabeleceu princípios e imunidades tributárias. Os princípios e as imunidades tributárias são considerados direitos fundamentais e, por isso, são cláusulas pétreas da CF, não podendo ser retirado ou diminuído pelo legislador (art. 60, § 4º, IV, CF). Neste artigo, estudaremos os principais princípios tributários constitucionais e algumas vedações que também servem como princípios limitadores para a União, com extensão de aplicação aos demais entes federativos pelo princípio da simetria constitucional (arts. 150 e 151, CF).


1. Princípio da Legalidade Tributária

Desde a Carta Magna Inglesa de 1215, implementou-se a ideia de que a invasão patrimonial pelo Estado necessita do consentimento popular, por meio de seus representantes legislativos. Assim, para se criar ou aumentar tributos deve-se fazer somente por meio de lei (arts. 5º, II, e 150, I, CF). É exigida lei tanto para a criação-majoração, quanto para a extinção-redução dos tributos, como quando ocorrem isenções e reduções na base de cálculo. A regra é a criação do tributo por meio de lei ordinária, a lei comum no cotidiano das casas legislativas, com votação de maioria simples (maioria dos votos dos presentes).

Para os tributos federais, será necessária a lei ordinária, elaborada no Congresso Nacional; para os tributos estaduais, lei ordinária da Assembleia Legislativa; e, para os tributos municipais, lei ordinária da Câmara de Vereadores. Contudo, existem tributos federais que a CF exige lei complementar, com votação de maioria absoluta (maioria dos votos dos eleitos). A lei complementar é de uso excepcional, para matérias especificadas pela CF, pois demanda mais esforço na sua aprovação. Desta forma, as matérias reservadas a lei complementar não podem ser objeto de lei ordinária ou de medida provisória (MP), sob o risco de inconstitucionalidade formal (art. 62, § 1º, III, CF). São apenas quatro hipóteses em que se exige lei complementar federal para a criação de tributos: o imposto sobre grandes fortunas (IGF) (art. 153, III, CF), os empréstimos compulsórios (art. 148, CF), os impostos residuais (art. 154, I, CF) e as contribuições sociais residuais (arts. 149 e 195, § 4º, CF).

A lei que criar o tributo deve trazer alguns elementos obrigatórios, também chamados de legalidade estrita, tipicidade fechada ou reserva legal: quanto se deve pagar (base de cálculo x alíquota), quem deve pagar (sujeito passivo), porque se deve pagar (fato gerador) e a penalidade para quem não pagar (multa) (art. 97, CTN). A lei não pode instituir o tributo e deixar para que outro ato infralegal (portarias, circulares, instruções normativas etc.) fixar estes cinco elementos obrigatórios. Nem o gestor público ou o juiz podem preencherem as lacunas por analogia se a lei estiver obscura ou omissa. Contudo, existem outros três elementos facultativos do tributo na lei que o criou, e que podem ser fixados por atos infralegais, como: prazo para o pagamento, obrigações acessórias (art. 113, § 2º, CTN) e escolha de índices oficiais públicos para a atualização monetária (art. 97, §§ 1º-2º, CTN).

A exceção ao princípio da legalidade (também chamada de mitigação ou atenuação) refere-se as alíquotas de alguns tributos, que não precisam passar pelo processo de alteração de leis no Poder Legislativo. Existem quatro impostos federais que podem ter as alíquotas reduzidas ou majoradas por decreto presidencial ou portaria do Ministro da Fazenda: o Imposto sobre a Importação (II), o Imposto sobre a Exportação (IE), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) (art. 153, § 1º, CF). Todos são impostos extrafiscais, que regulam o mercado e a economia. Além destes, mais tarde foram acrescentadas outras duas exceções, uma contribuição e um imposto estadual, ao princípio da legalidade: a CIDE-Combustível e o ICMS-Combustível (EC 41/2001).


2. Princípio da Anterioridade Tributária

Este princípio que protege o sujeito passivo de uma tributação de surpresa, sem dar-lhe tempo para se preparar para o pagamento do novo tributo. Enquanto o princípio da legalidade responde “como” o tributo será cobrado (causa), o princípio da anterioridade responde “quando” o tributo será cobrado (efeito). A anterioridade se divide em dois tipos, de aplicação, regra geral, cumulativa: a anterioridade anual (também chamada de comum ou de exercício) e a anterioridade nonagesimal (também chamada de privilegiada ou qualificada). Assim, a partir da publicação da lei que cria ou aumenta o tributo deve-se começar a cobrá-lo somente no exercício financeiro seguinte e/ou após 90 dias.

O STF considerou que a redução de benefício fiscal vigente é um aumento indireto do tributo e, portanto, também deve respeitar o princípio da anterioridade. Como o princípio beneficia o contribuinte e não o Estado, a extinção ou redução de tributo deve ter aplicação imediata. Porém, não se aplica a anterioridade na extinção ou diminuição da isenção, no desconto ou na alteração na forma de pagamento (Súmulas 615 e 669, STF). As exceções ao princípio da anterioridade são:

  • Não se aplica a anterioridade nonagesimal: IR e alterações na base de cálculo do IPTU e IPVA;
  • Não se aplica a anterioridade anual: IPI, ICMS-Combustíveis, CIDE-Combustíveis e Contribuições; e
  • Não se aplicam a anterioridade anual e a nonagesimal: II, IE, IOF, IEG e Empréstimos compulsórios.

3. Princípio da Irretroatividade Tributária

Este princípio protege o contribuinte da cobrança de um novo tributo sobre fatos geradores ocorridos no passado. Assim, a lei tributária deve atingir somente fatos geradores posteriores a ela (art. 150, III, a, CF). Desta forma, se proíbe que a lei tributária retroaja no tempo. Existem três exceções: quando uma nova lei for expressamente interpretativa ou quando a lei for benigna para penalidades.

A lei tributária é interpretativa se não alterar a tributação, não inovar juridicamente, mas, somente interpretar expressamente o conteúdo de lei anterior (art. 106, I, CTN; ADI-MC 605/DF). A penalidade mais benéfica ocorre quando se extingue condutas tipificadas como infração tributária ou extinguir ou diminuir penalidades tributárias de atos não definitivamente julgados (art. 106, II, CTN). Se aplica somente a multas e não a tributos. Neste quesito, a lei com multas mais benignas é similar a uma anistia, mas diferente de uma isenção. E retroage no tempo a lei que trouxer novos critérios de apuração ou processos de fiscalização (art. 144, § 1º, CTN).


4. Princípio da Igualdade Tributária

O princípio da isonomia ou da igualdade tributária busca evitar que existam exceções entre os contribuintes, fazendo com que todos paguem os tributos. A isonomia estende a cobrança dos tributos sobre as atividades lícitas ou ilícitas/imorais (pecúnia non olet), bastando que a atividade se enquadre no fato gerador para ser tributada.

Desta forma, a cobrança de tributos pelo Estado sobre as atividades ilícitas não incentiva o enriquecimento ilícito, pelo contrário: tenta desestimular a prática atacando o núcleo da atividade ilícita, o lucro. Não cobrar tributos de contraventores e criminosos seria premiá-los diante dos cidadãos de bem. São exemplos de tributação de atividade ilícita:

  1. O Imposto de Renda (IR), de competência da União, aparece explícito na Lei do Imposto de Renda (art. 26, Lei 4.506/1964), que diz: “os rendimentos derivados de atividades ou transações ilícitas, ou percebidas com infração à lei, são sujeitos à tributação sem prejuízo das sanções que couberem”. Serve para jogos de azar proibidos, prostituição, cafetinagem, corrupção, agiotagem e curandeirismo;
  2. O Imposto sobre a Propriedade de Terreno Urbano (IPTU), de competência dos Municípios e do DF, pode ser cobrado de imóveis construídos em áreas irregulares e nem por isso torna válida a construção. Pode ser cobrado de imóveis utilizados para a prostituição ou tráfico de drogas; e
  3. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), também de competência dos Municípios e do DF, que pode ser cobrado do adquirente de imóvel em venda celebrada com pessoa absolutamente incapaz, e apesar de não validar o negócio jurídico que é nulo, a cobrança do imposto será legítima.

A exceção ao princípio da igualdade tributária é outro princípio, da capacidade contributiva, que busca respeitar a dignidade da pessoa humana isentando de tributação valores considerados o mínimo existencial – recursos para satisfazer as necessidades individuais e familiares primárias, como alimentação, habitação, saúde, vestuário etc. (art. 145, § 1º, CF). Este princípio se aplica a todos os tributos, como as taxas (registro civil e na assistência judicial) e as contribuições (alíquotas para a seguridade social). A exceção ao princípio da capacidade contributiva está nas tributações extrafiscais, que visam apenas regular a economia.


5. Princípio da Não Limitação ao Tráfego de Bens e de Pessoas

Este princípio se relaciona com o princípio da liberdade de locomoção (art. 5º, XV, CF), e defende que a intermunicipalidade ou a interestadualidade não podem ser fatos geradores de tributos federais, estaduais ou municipais, de modo a limitar a liberdade de trânsito de bens e pessoas (art. 150, IV, CF). Perceba que não é proibido tributar a circulação de bens e pessoas, mas sim que o fato gerador seja o trânsito entre municípios e estados.

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Existem duas “exceções” a este princípio. A primeira, é o ICMS cobrado nos postos de fiscalização nas estradas, geralmente nas divisas de Estados, e que não deixam os veículos prosseguirem viagem. Mas o fato gerador do ICMS é a circulação de mercadorias, independentemente de onde aconteça a fiscalização. A segunda, é o pedágio, mas este não impede o trânsito entre municípios/estados, apenas tributa o uso das rodovias conservadas pela concessionária pública. Existe uma discussão doutrinária atual sobre se o pedágio é taxa ou tarifa (preço público), com bons argumentos de ambos os lados. Para os que o consideram uma taxa (um tributo, portanto) o fato gerador será o uso da via conservada pelo Poder Público e a base de cálculo varia sobre o tipo de veículo (passeio, caminhão etc.), a distância, o número de ocupantes etc.


6. Princípio da Vedação ao Confisco

Este princípio determina que o tributo, além de não poder exceder a capacidade contributiva do particular, não pode aniquilar totalmente o seu patrimônio. Confisco é o ato administrativo ou judicial, baseado em lei, em que o Estado apreende o patrimônio particular sem fornecer a devida compensação ou indenização (art. 150, IV, CF). É diferente da desapropriação, aonde o ente público paga pelo imóvel ao ex-proprietário. A CF não proíbe o confisco, mas sim que o Estado utilize o tributo para confiscar. Existem situações em que o Estado se utiliza do confisco, como no caso das propriedades em que se plantam plantas psicotrópicas (drogas).

É preciso avaliar a capacidade contributiva do sujeito passivo: enquanto o mínimo existencial é o piso do que se deve tributar a vedação ao confisco limita o teto. O tributo recaindo tanto sobre o mínimo existencial, quanto mutilando totalmente a propriedade privada será confisco tributário, porque destrói a capacidade contributiva. A vedação ao confisco obriga os Poderes Legislativo e Judiciário. Se aplica às taxas quando o valor cobrado é superior ao valor do serviço prestado. Se aplica às contribuições de melhoria quando o valor cobrado excede o valor total da obra ou o da valorização individual do imóvel. Mas não se aplica aos empréstimos compulsórios, pois estes serão devolvidos. Aplica-se também a todos os impostos, exceto:

  • Impostos extrafiscais: as alíquotas excessivas servem para regular a economia, desestimular o consumo em determinadas áreas. Ex. II, IE, IOF, IPI;
  • Impostos progressivos: para estimular o cumprimento da função social da propriedade, seja urbana (IPTU) ou rural (ITR);
  • Impostos seletivos: Cobrando alíquotas maiores sobre bens supérfluos ou desnecessários. Ex. ICMS e IPI;
  • Impostos sobre a energia elétrica e combustíveis: para desestimular ou diminuir o consumo;
  • IEG: para situações de guerra ou de calamidade pública;
  • IGF: para consumidores com alta capacidade contributiva.

7. Outros Princípios que Trazem Vedações

Existem vedações ou proibições tributárias que, por estarem dentro da CF, também são chamadas de princípios. A maioria é aplicável apenas a União, mas em uma interpretação extensiva, podem ser estendidos aos Estados, DF e Municípios:

Princípio da universalidade: os tributos federais devem ser uniformes, aplicados igualmente em todo o território nacional (art. 151, I, CF). A exceção são os incentivos fiscais (isenções) para promover o equilíbrio socioeconômico entre as regiões mais pobres do país. Somente o Poder Executivo pode implementar políticas fiscais concedendo isenções, nunca o Poder Judiciário, nem mesmo para estender a isenção a outros que a pleitearem na Justiça. Usando o princípio da simetria constitucional, os Estados e o DF também devem trazer leis uniformes para todo o seu território.

Princípio da não discriminação baseada na procedência ou destino: destinado a todos os entes federativos, estipula que não se deve tributar diferentemente só pelo motivo ser a origem ou o destino. Serve para evitar a guerra tributária e barreiras fiscais, prestigiando a unidade geográfica do território nacional e mercado comum brasileiro (art. 152, CF).

Princípio da tributação isonômica de IR dos outros entes (art. 151, II, CF): a União não deve tributar a renda da dívida pública dos Estados e Municípios com uma alíquota superior à tributação sobre a renda da sua própria dívida pública. A União também não deve tributar a remuneração dos servidores públicos estaduais, municipais e distritais com uma alíquota superior a fixada para seus próprios servidores (federais).

Princípio da proibição das isenções heterônomas: a isenção heterônoma é aquela concedida por ente público diferente do que detém a competência tributária privativa. Assim, a União é proibida de isentar os tributos dos Estados e dos Municípios, invadindo a competência alheia (art. 151, III, CF). A regra geral é que a União pode isentar tributos federais, os Estados e o DF podem isentar tributos estaduais e os Municípios, e o DF pode isentar tributos municipais. As duas exceções autorizadas pela CF ocorrem quando a União exerce a competência cumulativa no caso dos Territórios Federais; e para a isenção do ISS sobre exportações de serviços ao exterior (art. 156, § 3º, II, CF). Usando o princípio da simetria constitucional, os Estados também não podem isentar os tributos municipais.


Bibliografia

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Forense, 2016.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 9. ed. - São Paulo: Saraiva, 2017.

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Sobre o autor
Jefferson Luiz Maleski

Advogado previdenciarista, palestrante pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Seccional Goiás e professor universitário. Pós-graduado em Direito e Prática Previdenciária e mestrando em Educação Profissional e Tecnológica. Juiz do Tribunal de Ética da OAB Goiás no triênio 2022-2024. Perito judicial. Membro da banca Celso Cândido de Souza Advogados, em Anápolis/GO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALESKI, Jefferson Luiz. Como os princípios tributários protegem o seu patrimônio do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6453, 2 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88815. Acesso em: 21 nov. 2024.

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