Segundo o site Terra, em 20 de março de 2021, o advogado Frederick Wassef, que representa o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), afirmou em nota que Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) "não tem legitimidade para propor recurso contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)" e que "a decisão da corte cumpriu a lei e a jurisprudência".
Não tem razão a defesa do senador Flávio Bolsonaro quanto a essa questão processual exposta.
A Lei Complementar nº 75/93, que disciplina o Ministério Público da União (Federal, do Trabalho, Militar, do Distrito Federal) determina que apenas o Procurador-Geral da República atuará no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de lei orgânica que disciplina a organização do Ministério Público da União.
Discute-se se o Ministério Público Estadual e do Distrito Federal podem atuar perante o Supremo Tribunal Federal.
A matéria foi objeto de discussão no 593.727/MG, Relator Ministro Cezar Peluso, 21 de junho de 2012, onde, por votação majoritária, foi decido que a Lei Complementar nº 75/93 somente incide no âmbito do Ministério Público da União.
Incumbe aos Ministérios Públicos dos Estados e ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios atuar em causas em trâmite nas justiças estaduais e distrital (art. 128, I, d, e II). Ocorre que as causas em trâmite nas justiças estaduais e distrital convergem, em grau especial e extraordinário, ou nos diversos incidentes ou meios de impugnação previstos, a tribunais nacionais: o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. De acordo com a Lei Orgânica do Ministério Público da União, o Ministério Público Federal atua perante o STFe o STJ Lei Complementar 75/93, art. 37. Essa atribuição é exercida pelo Procurador-Geral da República, que representa o Ministério Público no STF, na forma do art. 103, § 1º, ou por Subprocuradores-Gerais da República, na forma do art. 66 da Lei Orgânica do MPU.
Não há razão para dar tratamento diverso da legitimidade perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Ambos são tribunais nacionais, que julgam causas com origem em feitos de interesse dos Ministérios Públicos estaduais. Se há espaço para um tratamento diferente houvesse, mais razão jurídica haveria para excluir a legitimidade dos Ministérios Públicos locais para postular perante o STF, do que perante o STJ. Isso porque existe uma regra constitucional expressa, descrita no art. 103, § 1º,afirmando que o Procurador-Geral da República será ouvido nos processos da competência do STF. Ainda assim, a Corte Suprema afirma a legitimidade dos Ministérios Públicos Estaduais. Nessa linha, interpretando a Lei Complementar 75/93, a qual afirma que os Subprocuradores-Gerais da República exercerão as funções do Ministério Público Federal junto aos Tribunais Superiores da União, o STJ seguiu a orientação do STF EREsp 1327573/RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, Redator para acórdão Min. Nancy Andrighi,Corte Especial, julgado em 17.12.2014.
Ficou entendido que o Ministério Público Estadual disporia de legitimação para atuar diretamente no Supremo Tribunal Federal nas causas por ele promovidas originalmente. Advertiu-se que, nos casos em que o Ministério Público da União, em qualquer de seus ramos, figurasse no feito, apenas ao Procurador-Geral da República seria dado oficiar perante o STF; porque ele encanaria os interesses confiados pela lei ou pela Constituição àquele órgão. Todavia, nos demais casos, o Ministério Público da União exerceria o papel de fiscal da lei. E, nessa última condição, a sua manifestação não poderia preexcluir a das partes, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório.
Ademais, leve-se em conta que o Procurador-Geral da Republica não é o chefe dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, lembrando-se a plena autonomia, no Estado Federal, que possuem aqueles Ministérios Públicos e cada uma das suas unidades federativas. O PGR é chefe do Ministério Público da União e pode, nos processos que envolvem os demais Ministérios Públicos, intervir de forma contrária ao que foi postulado por eles como parte, como fiscal da lei.
Sendo assim, há o reconhecimento de que o Ministério Público dos Estados possui legitimidade para atuar perante os Tribunais Superiores (STJ e STF), nas ações por ele ajuizadas.
Se não bastassem os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, na matéria, em que destaco o EDcl no AgRg no Agravo de Recurso Especial nº 194.892 – RJ, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, basta lembrar a conclusão de que o Ministério Público dos Estados-membros não está vinculado nem subordinado, no plano processual, de forma administrativa e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, de forma que tem ampla legitimidade de postular, autonomamente, em sede de reclamação (writ constitucional), habeas corpus, mandado de segurança, e ainda outras medidas como sustentação oral, embargos de declaração, agravos etc, perante os tribunais superiores, nas ações em que for parte.
Nessa linha de raciocínio, é inadmissível que exija-se que a atuação processual do Ministério Público do Estado se faça por intermédio do Procurador-Geral da República que não tem poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual (artigo 128, § 1º, da Constituição Federal).
Trago precedentes com relação a essa afirmativa no STF: Rcl 7.358, Rel. Min. Ellen Gracie,Tribunal Pleno, j. 24.2.2011; MS 28.827, Rel. Min.Cármen Lúcia, 1ª Turma, j. 28.8.2012; RE-QO 593.727 el. Min. Cezar Peluso, Redator para acórdão Min.Gilmar Mendes, Tribunal Pleno j. 21.6.2012; ARE-ED-segundos 859.251, de minha relatoria, Tribunal Pleno,j. 22.10.2015.
Sendo assim, o Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal tem a legitimidade para levar casos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, independentemente do Ministério Público Federal. A única condição para isso é que o fato em discussão, na origem, esteja na esfera de competência do MP estadual.
Assim, entendeu o Supremo, por maioria, em votação no Plenário Virtual, ao julgar o Recurso Extraordinário 985.392. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio. O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, propôs a reafirmação da jurisprudência do Supremo sobre o tema com a seguinte tese: “Os ministérios públicos dos estados e do Distrito Federal têm legitimidade para propor e atuar em recursos e meios de impugnação de decisões judiciais em trâmite no STF e no STJ, oriundos de processos de sua atribuição, sem prejuízo da atuação do Ministério Público Federal.”
O RE, que teve repercussão geral reconhecida, foi apresentado depois que o STJ negou a legitimidade do Ministério Público do Rio Grande do Sul para oferecer razões em Habeas Corpus contra ato do Tribunal de Justiça estadual. Também foi negada a legitimidade do MP-RS para interpor embargos de declaração.
O ministro Gilmar Mendes explicou que o Ministério Público é único e indivisível (artigo 127, parágrafo 1º), mas, por estruturação, é ramificado (artigo 128). “Tenho que, para o exercício de suas funções institucionais, mostra-se imprescindível o reconhecimento da autonomia do Ministério Público local perante as Cortes Superiores, porquanto, na maioria das vezes, as pretensões se consubstanciam de maneira independente e estão intimamente ligadas às situações e razões trazidas das instâncias precedentes”, destacou.
Tirar a legitimidade processual do MP estadual nas instâncias superiores e exigir a atuação do procurador-geral da República é criar uma obrigação vinculada, uma vez que a demanda jurídica nos Estados pode ser contrária ao entendimento do PGR, disse o ministro Gilmar Mendes.
Assim, o ministro Gilmar Mendes deu provimento ao RE para cassar a decisão questionada, determinando o retorno dos autos ao STJ para que prossiga no julgamento do Habeas Corpus, considerando as razões do MP-RS.