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O controle jurisdicional do ato administrativo discricionário à luz do princípio da juridicidade

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23/09/2006 às 00:00
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CAPÍTULO III

DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

Depois de digressionar acerca do ato administrativo, analisando seu conceito, atributos, elementos e formas de extinção, passar-se-á a tratar dos atos administrativos discricionários, objeto de estudo da presente monografia, de forma a caracterizá-lo, distinguindo-o dos atos administrativos vinculados, bem como analisando sua evolução no Estado Moderno e fixando a amplitude de seu conteúdo.

3.1 Discricionariedade e Vinculação

Analisando o sentido denotativo das expressões discricionariedade e vinculação, percebemos que esta alude a uma subordinação, a uma ligação através de um vínculo, um liame, enquanto que aquela traduz a idéia de ausência de limitação, de arbitrariedade.

No âmbito do direito administrativo, entretanto, é preciso fazer certas ponderações acerca dos conceitos acima expostos. Dessa forma, a idéia de vinculação deve estar adstrita à lei, assim como a idéia de discricionariedade só pode ser pensada nos limites autorizados pela lei. Discricionariedade, portanto, não implica em arbitrariedade.

Seabra Fagundes, ao tratar do assunto em sua obra "O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário", explica a distinção entre ato vinculado e ato discricionário:

Para a prática de alguns atos, a competência da Administração é estritamente determinada na lei, quanto aos motivos e modo de agir. A lei lhe determina que, existentes determinadas circunstâncias, proceda dentro de certo prazo e de certo modo. É essa a competência vincolata dos italianos ou liée dos franceses. A Administração Pública não é livre em resolver sobre a conveniência do ato, nem sobre o seu conteúdo. Só lhe cabe constatar a ocorrência dos motivos, e, com base neles, praticar o ato. [...]

Noutros casos, a lei deixa a autoridade administrativa livre na apreciação do motivo ou do objeto do ato, ou de ambos ao mesmo tempo. No que respeita ao motivo, essa discrição se refere à ocasião de praticá-lo (oportunidade) e à sua utilidade (conveniência). No que respeita ao conteúdo, a discrição está em poder praticar o ato com o objetivo variável ao seu entender. Nesses casos, a competência é livre ou discricionária. [77]

Assim, pode-se dizer que ato vinculado é aquele que se encontra totalmente disciplinado em lei, ou seja, seus pressupostos, seus elementos, seus efeitos, encontram-se totalmente descritos em lei, não restando ao gestor público nenhuma esfera de liberdade para valoração do ato. Verificado que ocorreram os pressupostos contidos em lei que autorizam a prática do ato, deve este adotar a medida prevista na norma. Fundamenta-se, tal exigência, no princípio da legalidade ao qual está sujeita toda atividade administrativa.

Já o ato discricionário constitui ato praticado no exercício do poder-dever discricionário. Como a lei não consegue prever todas as situações que possam ocorrer no mundo dos fatos, ela confere ao administrador público certa margem de liberdade para decidir sobre a conveniência e a oportunidade da prática de determinado ato. Conforme já dito quando do exame dos elementos do ato administrativo, a discricionariedade pode residir tanto nos motivos (oportunidade e conveniência) quanto no objeto do ato (seu conteúdo).

Para melhor compreensão pode-se citar como exemplo de ato discricionário quanto aos motivos, a possibilidade conferida ao administrador de conceder autorização para uso de bem público. Já no que tange à discricionariedade quanto ao conteúdo, cita-se a possibilidade conferida pela lei ao administrador público para dosar a aplicação de determinada sanção, por exemplo, ao estabelecer o limite máximo de dias que o servidor público poderá ser suspenso pela prática de determinada infração disciplinar, a lei confere ao superior hierárquico a prerrogativa de decidir, dentro desses limites, a quantidade de dias que será efetivada a suspensão.

Essa liberdade conferida pela lei ao administrador público para a prática de atos discricionários não é ampla. Alguns aspectos do ato, posto que previstos em lei, devem se coadunar com a mesma. Além disso, o administrador público, no exercício de seu mister, deverá sempre buscar a realização do interesse público, não podendo editar atos, ainda que discricionários, com intuito meramente de atender a interesses privados. Esta limitação ao poder discricionário será analisada mais adiante.

3.2 Discricionariedade: poder ou dever?

A doutrina apresenta certa divergência sobre a natureza da discricionariedade. A grande maioria dos doutrinadores entende que se trata de um poder. Não obstante, há opinião contrária no sentido de que a discricionariedade consiste num dever.

José dos Santos Carvalho Filho define poder administrativo como "o conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins". [78] E mais adiante salienta que o exercício deste poder encontra-se limitado pela lei, de forma que, se exercido em desconformidade com esta irá configurar abuso de poder.

Este mesmo autor salienta que a discricionariedade administrativa constitui um poder, uma prerrogativa dada ao administrador a quem compete escolher, dentre as alternativas possíveis e previstas em lei, aquela que mais se adéqua ao fim contido na norma. Justifica sua opinião no sentido de que, por a discricionariedade importar numa certa margem livre de atuação do administrador, embora essa margem livre esteja adstrita a condutas lícitas, trata-se de um exercício de um poder, uma prerrogativa.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro [79] acompanha este mesmo posicionamento admitindo a existência de um poder discricionário, embora este poder seja regrado. Da mesma forma, Hely Lopes Meirelles, ao tratar dos poderes da Administração Pública, conceitua o Poder Discricionário: "é o que o Direito concede à Administração de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo". [80] Também reconhece o citado doutrinador que tal poder não é arbitrário, posto que encontra limites na lei.

Na verdade, a idéia de poder discricionário surgiu no direito francês em oposição à noção de ato discricionário. A utilização da expressão "ato discricionário" servia para impedir o controle destes pelo Judiciário, significando que o ato era totalmente discricionário, não havendo qualquer elemento deste limitado por lei. Com a introdução da noção de poder discricionário, passou-se a admitir o controle de legalidade pelo Judiciário do ato discricionário. Hoje, conforme salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como se reconhece a inexistência de ato inteiramente discricionário, não há razão para se negar a existência de ato discricionário ou poder discricionário. [81]

Retomando a discussão acerca da existência de um poder ou um dever discricionário, Celso Antônio Bandeira de Mello expõe sua opinião contrária. O mesmo explica que os institutos de direito administrativo são erroneamente designados poderes, quando o correto seria denominá-los deveres, finalidades a serem alcançadas. Acrescenta ainda que, devido ao caráter funcional da atividade administrativa, o que se chama de poder é, na verdade, um instrumento para realização de certos deveres impostos pela lei: "surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se cumpra o dever. Mas é o dever que comanda toda a lógica do Direito Público". [82]

Seguindo esta mesma linha de pensamento, João Roberto Santos Régnier aduz que não há poder discricionário, mas tão-somente um dever: "A possibilidade jurídica para a conduta do agente público não constitui, em abstrato, poder algum, mas autorização, capacidade, competência enfim". [83]

Divergências a parte, parece que o correto seria considerar a discricionariedade como um poder-dever, já que, embora seja indiscutível que se trata de uma prerrogativa conferida ao administrador público, é também indiscutível que essa prerrogativa é outorgada por lei para que este, diante de certas circunstâncias, adote a medida mais adequada ao atendimento do interesse público. Conclui-se, pois, que a lei ao conferir ao administrador um poder, autorizando a prática de um ato discricionário, assim o faz, exigindo deste, de outra parte, o dever de agir buscando a solução mais adequada para o caso concreto.

3.3 Fundamentos da Discricionariedade

Embora a Administração Pública esteja adstrita à observância à lei quando da realização de suas atividades, muitas vezes se faz necessário que se atribua certa margem de liberdade de escolha ao administrador, do contrário, sua atuação se reduziria meramente a algo mecânico: ao simples cumprimento de ordens do legislador. Dessa forma, a discricionariedade é conferida ao gestor público, não para que este a utilize como um poder, uma prerrogativa pessoal, mas para que este exerça seu mister na busca pela realização do interesse público da melhor maneira possível.

Kelsen, na sua obra Teoria Pura do Direito, discorre acerca da necessária distinção entre a elaboração de normas e a sua aplicação:

A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. [...] Mesmo que uma ordem o mais pormenorizada possível tem de ter àquela que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer. Se o órgão A emite um comando para que o órgão B prenda o súdito C, o órgão B tem de decidir, segundo o seu próprio critério, quando, onde e como realizará a ordem de prisão, decisões essas que dependem de circunstâncias externas que o órgão emissor do comando não previu, e, em grande parte, nem sequer podia prever. [84]

Infere-se, portanto, do entendimento colacionado acima, que muitas vezes a execução ou a aplicação de uma norma envolve a avaliação de certos elementos, de acordo com o caso concreto, os quais não podem ser previstos pela norma geral e abstrata editada pelo legislador.

Para justificar ou fundamentar a existência da discricionariedade administrativa Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Rita Tourinho apontam três critérios: material, lógico e jurídico.

O critério material leva em consideração a grande variedade de situações do mundo empírico não passíveis de serem todas previstas pelo legislador. Acrescenta-se a isso a contínua variação no conteúdo do interesse público. A lei, por ser elaborada mediante um procedimento que tem como característica a morosidade, não consegue acompanhar essas constantes mudanças, motivo pelo qual é preferível conferir ao gestor público certa margem de liberdade para adaptar a norma às diversas situações que ocorrem no cotidiano.

É oportuno registrar, a esse respeito, as observações tecidas por Seabra Fagundes:

A variedade e multiplicidade dos casos, que lhe são presentes, [isto, é, que são postos ao administrador público] excluem, por vezes, disciplinação uniforme e precisa. O seu exercício é condicionado por uma série de circunstâncias ocasionais e com respeito a elas não é possível tudo prever. Nem seria útil descer a rigorosa minuciosidade, o que resultaria em nocivo entrave à realização das suas finalidades. Para atender a isso, se lhe permite, muitas vezes, que seja discricionário em relação à conveniência, oportunidade e modo de agir. [85]

Dessa forma, na medida que a lei confere certa liberdade ao administrador para a tomada de decisões, ela assim o faz tendo em vista que este está mais apto a escolher a solução adequada diante do caso concreto, que mais se adéqua ao interesse público.

Sob o ponto de vista lógico, argumenta-se que é impossível ao legislador utilizar-se sempre de conceitos precisos que não comportem dúvidas quanto à sua interpretação. O legislador, muitas vezes, utiliza-se de conceitos jurídicos indeterminados tais como boa-fé, interesse público, urgência, etc., para tratar de determinada situação, tendo em vista que sua atividade deve se restringir à edição de normas gerais e abstratas. Caso se utilizasse de expressões específicas, correria o risco de não abranger todas as situações, deixando algumas fora do alcance normativo e ainda substituiria o lugar do administrador. Assim, abre-se para este último a possibilidade de escolher uma interpretação que mais seja plausível diante daquela situação que se põe ao seu alcance, sempre observando os limites contidos no ordenamento jurídico e o fim maior da atividade administrativa que é o interesse público.

Por fim, aponta-se ainda um fundamento de ordem jurídica. Maria Sylvia Zanella Di Pietro [86] explica que, sob o ponto de vista jurídico, a discricionariedade encontra fundamento no ordenamento jurídico. Remete esta autora ao ensinamento de Kelsen, segundo o qual embora exista uma hierarquia entre as normas, a norma superior não pode dispor totalmente acerca de sua execução através de um ato inferior. A análise de certas circunstâncias concernentes ao caso concreto caberá ao órgão executor.

Rita Tourinho [87], por sua vez, afirma que o fundamento de ordem jurídica reside no fato de que, caso não houvesse certa margem de liberdade conferida ao gestor para executar a norma, sua atividade se resumiria à aplicação da lei de ofício, que corresponderia à execução de ordens emanadas do legislador. Este último invadiria seu campo de atuação, substituindo a figura do administrador público, em inobservância ao princípio da separação das funções do Estado.

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3.4 Evolução do Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade é estreitamente ligado à noção de discricionariedade, de forma que, a partir da sua análise história, poder-se-á compreender as mudanças no conteúdo da discricionariedade ao longo do surgimento e desenvolvimento do Estado Moderno.

3.4.1 Estado de Polícia

O Estado de Polícia remonta ao surgimento do Estado Moderno. Como no Feudalismo o poder encontrava-se descentralizado, e diante da necessidade de se constituir um Estado forte que pudesse garantir segurança aos seus súditos, surge o Estado Absolutista no qual todo poder encontrava-se concentrado nas mãos do Monarca.

Nesse período, não existia nenhum tipo de limitação ao governante, cuja vontade era suprema. Seu poder não emanava do povo, mas possuía origem divina. Não havia, portanto, que se falar em controle dos atos do governante, que não prestava contas de suas ações, pois era irresponsável. Também, segundo Rita Tourinho, "Nesta fase, não se pode falar em ato administrativo. O que efetivamente existia era ato de autoridade, que se impunha obrigatoriamente aos indivíduos, sem possibilidade de contraste". [88]

A discricionariedade era ampla e não sofria restrições. Da mesma forma, inexistia a noção de legalidade, já que o Direito não emanava da lei, mas da vontade do Rei. A discricionariedade correspondia à arbitrariedade, já que não havia imposição de qualquer limitação legal à sua atividade. Muitos doutrinadores entendem, inclusive, que não se pode falar em discricionariedade, pois o que existia durante o Estado de Polícia era puro arbítrio.

A tendência, com o passar do tempo, era limitar cada vez mais o poder do Monarca. Dessa forma, surge a Teoria do Fisco, já explicitada no Capítulo I da presente monografia, que permite a separação entre a figura do governante e os bens pertencentes ao Estado. Estes últimos pertenceriam ao fisco, que era dotado de personalidade jurídica, e diferentemente do Monarca, respondia perante os súditos com fundamento no direito privado.

Tais mudanças no paradigma do Estado Moderno vão culminar no Estado de Direito, que surge a partir das idéias defendidas pelo movimento Renascentista e Iluminista.

3.4.2 Estado de Direito

O Estado Absolutista sufocava o indivíduo e prejudicava o seu desenvolvimento. Conseqüentemente, assiste-se ao apogeu das idéias iluministas, que pregavam a necessidade de se garantir maior liberdade e tratamento igualitário aos cidadãos. Para isto o Estado deveria intervir ao mínimo na vida dos cidadãos, por isto chama-se também tal Estado de Estado Liberal.

A Revolução Francesa constituiu um marco importante na luta contra os governos despóticos. Com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, buscou-se garantir o desenvolvimento da burguesia com a limitação do poder do Monarca. Este deveria ser submetido ao Império da Lei, uma vez que esta última refletia a legítima vontade do povo.

Uma característica do Estado de Direito é que suas bases fundamentam-se nas idéias proclamadas por Montesquieu e Rousseau. [89] Este último introduziu a concepção de igualdade, ou seja, que todos os cidadãos merecem tratamento igualitário, e de que todo poder emana do povo. Já Montesquieu, com sua clássica teoria da separação das funções do Estado, pregava que todo aquele detentor de poder tende a abusar do mesmo, motivo pelo qual aquele que legisla não pode executar a lei, nem julgar, e conseqüentemente, aquele que executa, não pode elaborar a norma.

É também neste momento que surge o princípio da legalidade e o direito administrativo. Com a necessidade de regulação pela lei das atividades estatais, são editadas algumas normas de direito público que conferiam algumas prerrogativas e deveres à Administração Pública.

Havia também uma preocupação pelo respeito aos direitos individuais do cidadão: "Desde o princípio, o direito administrativo caracterizou-se pelo duplo aspecto, de um lado voltado para a manutenção da autoridade do poder público, e, de outro, para o respeito pelas liberdades do cidadão". [90]

O Direito deveria promover a garantia das liberdades individuais. Destaca-se aqui a importância de um direito natural, como direito inerente ao indivíduo, que surge da própria natureza humana, é imutável e que serve de limitação à atuação do Estado.

Quanto ao conteúdo do direito administrativo, este era bastante limitado, pois o Estado deveria intervir ao mínimo na vida dos cidadãos, já que a preocupação maior era tão-somente garantir a liberdade dos administrados. O individualismo preponderava. Toda forma de intervenção na esfera privada do indivíduo, que só poderia ocorrer para garantir a ordem pública, deveria ter caráter excepcional.

No que tange ao princípio da legalidade, este não tinha o mesmo conteúdo que possui hoje. Com efeito, era permitido ao Estado fazer não só aquilo que a lei prescrevia, como também tudo aquilo que não fosse proibido por lei. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ainda restava um resquício da discricionariedade que caracterizava o Estado de Polícia: "continuou-se a reconhecer à Administração Pública uma esfera de atuação livre de vinculação à lei e livre de qualquer controle judicial". [91]

A discricionariedade, no Estado de Direito, era livre de qualquer vinculação à lei e de qualquer tipo de controle judicial. Dessa forma, a Administração Pública somente se sujeitava a controle judicial quando da prática de atos os quais estivessem previstos em lei. Por outro lado, ao praticar ações não proibidas pelo ordenamento jurídico, com base numa discricionariedade que tinha feições de arbitrariedade, a Administração estava isenta de qualquer controle judicial.

Tal concepção ficou conhecida como doutrina da vinculação negativa da Administração: "a lei apenas impõe barreiras externas à liberdade de autodeterminação da Administração Pública". [92]

As conseqüências desse modelo de Estado, baseado no individualismo, repercutiu não só na economia mundial, como também na política. A extrema pobreza associada às grandes desigualdades sociais refletiu um estado de dominação de uma maioria oprimida por uma minoria rica. E no âmbito da economia, as idéias do "laissez faire, laissez passer", que preconizava a não intervenção do Estado e a auto-regulação dos mercados, resultou numa das crises sem precedentes na história mundial: a quebra da Bolsa de Nova Yorque em 1929.

A partir daí, vislumbra-se a decadência do modelo de Estado Liberal e o surgimento de um novo tipo de Estado: o Estado do Bem-Estar Social.

3.4.3 Estado social de Direito

Ao perceber que o Estado Liberal trouxe muitas conseqüências graves como as já citadas no tópico anterior, buscou-se a idealização de um Estado capaz de corrigir os desequilíbrios econômicos e sociais provocados pelo modelo não-intervencionista.

Nesse sentido, o Estado Social surge após a Segunda Guerra Mundial com a atribuição de intervir na ordem econômica e social, desenvolvendo ações positivas de forma a promover a tão almejada igualdade entre os indivíduos. A liberdade já não é a maior preocupação que assola a sociedade, mas a necessidade de se garantir uma igualdade, que antes existia tão-somente no plano formal.

O direito natural que servia de supedâneo ao Estado de Direito, passa a ser substituído pela escola do voluntarismo jurídico que concebe um direito fundado na razão, destituído de qualquer valoração: "O Direito nada mais é do que norma coativa estabelecida pela autoridade". [93]

No âmbito da Administração Pública observa-se um alargamento de suas funções. O Estado, preocupado em garantir melhores condições de vida aos seus cidadãos, de forma a reduzir as grandes desigualdades sociais, passa a assumir uma série de atribuições, avocando para si a prestação de diversos serviços, bem como a tarefa de intervir na economia, apresentando-se como um verdadeiro empresário.

Em conseqüência disto, verifica-se um fortalecimento do Executivo, ao qual é atribuído a prerrogativa de editar certos atos normativos. Esta medida se faz imprescindível diante das constantes mudanças ocorridas no mundo dos fatos, impossíveis de serem acompanhadas por leis editadas de acordo com o processo legislativo caracterizado por uma morosidade incompatível com esse novo panorama.

Além disso, verifica-se também a limitação dos direitos individuais em benefício do interesse público. Se no Estado de Direito esta limitação tinha caráter excepcional, no Estado social de Direito a regra é de que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse privado.

O princípio da legalidade sofre uma nova mudança de paradigma: a Administração Pública só pode praticar atos os quais estejam previstos em lei. Da mesma forma, a discricionariedade também só deve ser exercida nos limites prefixados em lei. Fala-se agora em uma doutrina da vinculação positiva da Administração à lei.

Embora o Estado social de Direito tenha trazido consigo este importante avanço, ou seja, a mudança no conteúdo da legalidade, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assinala um retrocesso:

[...] vista a questão sob o aspecto da evolução sofrida pela própria idéia de lei, houve um retrocesso, pois ela deixou de ser a manifestação da vontade geral do povo e instrumento de garantia dos direitos fundamentais, na medida em que o Poder Legislativo deixou de ser o único a editar normas legais, assumindo uma posição de dependência em relação ao Executivo, além de que passou a promulgar leis em sentido apenas formal, desvinculadas da idéia de justiça. [94]

Não obstante, há opiniões em contrário no sentido de que tal prerrogativa concedida ao Executivo para editar leis não representa uma involução:

Não parece, contudo, que a atuação legiferante do Executivo deva ser encarada como sinal de retrocesso. Como o Estado social, sobretudo na função administrativa, chamou para si encargos que anteriormente não desempenhava, consolidando sua máxima intervenção social, surgiu a necessidade premente e diuturna de leis que regulassem o atuar executivo, desentravando a máquina administrativa. [95]

Ademais, o Executivo não é livre para editar normas. Sua competência está devidamente prevista na Constituição Federal, de forma que, uma vez extrapolada essa competência ou editadas normas contrárias aos mandamentos constitucionais, caberá a atuação do Judiciário através do controle constitucional de atos normativos.

Por outro lado, assiste razão à autora quando esta afirma que, no Brasil, existem sérias dificuldades para se determinar onde termina a legalidade e começa a discricionariedade. Existindo muitas vezes uma espécie de "comodismo" por parte do Judiciário, que se exime de analisar determinada questão por entender que se trata de decisão de mérito do administrador público.

3.4.4 Estado Democrático de Direito

Com o fracasso do chamado Estado social, ante sua incapacidade de gerir todos os setores nos quais passou a atuar com seu agigantamento, verifica-se uma inclinação à retomada do Estado de Direito. O novo modelo de Estado que surge, no entanto, tem como característica um novo elemento que é a participação popular consubstanciada no ideal de democracia. Aliado a isto se encontra outro elemento típico do Estado de Direito que é a busca pela justiça material. Fala-se, portanto, num Estado Democrático de Direito.

Nesse novo modelo de Estado, apregoa-se a submissão do Estado não somente à lei em sentido formal, mas ao Direito. No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 contém, em seu artigo 1º, caput, disposição no sentido de que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.

Essa mudança no paradigma do Estado traz reflexos no conteúdo da legalidade. O princípio da legalidade, consagrado no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 determina que a Administração Pública deve observar não só a lei em sentido formal, mas também todos os princípios expressos ou implícitos na Carta Magna. Toda atuação da Administração Pública deve estar em conformidade com o ordenamento jurídico. Outro não é o entendimento de Juarez Freitas:

Assim, a subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações que a qualifiquem como razoável. Não significa dizer que se possa alternativamente obedecer à lei ou ao Direito. Não. A legalidade devidamente adjetivada razoável requer a observância cumulativa dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional. A submissão razoável apresenta-se menos como submissão do que como respeito. Não é servidão, mas acatamento pleno e concomitante à lei e, sobretudo, ao Direito. Assim, desfruta o princípio da legalidade de autonomia relativa, assertiva que vale para os princípios em geral. [96]

Da mesma forma, a discricionariedade administrativa não é somente limitada pela lei, mas também por todos os princípios ínsitos no ordenamento jurídico. De forma que, todo ato discricionário praticado em desrespeito a tais princípios é passível de anulação pelo Judiciário.

Por fim, cabe fazer menção à nova fisionomia da Administração Pública. Esta se apresenta, no Estado Democrático de Direito, com o desafio de harmonizar a garantia das liberdades individuais com a promoção dos direitos sociais, e ainda garantir uma efetiva participação popular nas suas decisões e no seu controle. Para tanto, a Constituição Federal contém em seu bojo diversos instrumentos de participação popular e que também visam à garantia dos direitos individuais, os quais pode-se citar, a título de exemplificação: habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção.

3.5 Princípio da Juridicidade

Conforme já salientado no item anterior, observa-se atualmente uma tendência à mudança no conteúdo do princípio da legalidade do Estado Democrático de Direito. Com efeito, a visão "pós-positivista" dos princípios, que os considera verdadeiras normas, provocou uma redefinição do conceito de legalidade. Esta, não mais se refere tão somente à observância da lei, mas também de todo o ordenamento jurídico, com destaque especial para os princípios que ganham força normativa.

Estes, na visão jusnaturalista, não eram dotados de normatividade. Possuíam tão somente uma função informativa, auxiliando na interpretação das normas. Já a corrente juspositivista passou a dotar-lhes de uma função subsidiária: preencher as lacunas da lei, de forma a garantir a completude do ordenamento jurídico. Foi somente com o "pós-positivismo", surgido após a Segunda Guerra Mundial, que se concebeu a idéia de normatividade dos princípios:

[...] Ora, se os princípios conformam a unidade do sistema jurídico, dando-lhe um vetor finalístico (as conhecidas características unidade e ordem), como não se reconhecer a normatividade dos mesmos? Ou em outros termos, não seria uma teratologia conferir aos princípios o papel de liame lógico entre regras sem que sejam, no mesmo passo, normas?

A resposta somente poderia ser positiva. Da mesma forma que um vegetal não pode gerar um animal, o que não é norma não pode gerar, muito menos fundamentar, uma outra norma. [97]

O princípio da juridicidade consiste, pois, na conformidade do ato não só com as leis, decretos, atos normativos inferiores (e.g. regulamentos, portarias), como também com os princípios que estão contidos no ordenamento jurídico. Engloba o princípio da legalidade e acrescenta a este a necessidade de observância ao ordenamento jurídico como um todo.

No Brasil, verificamos a introdução do princípio da juridicidade com a positivação dos princípios regedores da Administração Pública no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]".

Desta forma, a própria Constituição Federal, Lei Maior do Estado, impõe à Administração Pública o dever de atuar com observância àqueles princípios. Outrossim, reconhece-se também a existência de outros princípios gerais de direito que vinculam o atuar do administrador, com especial destaque para o princípio da razoabilidade, mediante o qual é permitido avaliar se os atos do Poder Público refletem um valor de justiça [98].

Nessa esteira de pensamento, Germana de Oliveira Moraes propõe a substituição do princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade:

A noção de juridicidade, além de abranger a conformidade dos atos com as regras jurídicas, exige que sua produção (a desses atos) observe – não contrarie – os princípios gerais de Direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição.

A moderna compreensão filosófica do direito, marcada pela normatividade e constitucionalização dos princípios gerais do Direito e pela hegemonia normativa e axiológica dos princípios, com a conseqüente substituição, no Direito Administrativo, do princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade, demanda, por um lado, uma redefinição da discricionariedade, e por outro lado, conduz a uma redelimitação dos confins de controle jurisdicional da Administração Pública. [99]

Da mesma forma, Carmem Lúcia Antunes Rocha trata do princípio da juridicidade, ressaltando sua importância para se atingir a justiça material:

O Estado Democrático de Direito material, com o conteúdo do princípio inicialmente apelidado de "legalidade administrativa" e, agora, mais propriamente rotulado de "juridicidade administrativa", adquiriu elementos novos, democratizou-se. A juridicidade é, no Estado Democrático, proclamada, exigida e controlada em sua observância para o atingimento do ideal de Justiça social. [100]

Verifica-se, pois, que os doutrinadores pátrios já reconhecem a necessidade de que a atividade administrativa não seja norteada tão-somente pela idéia de legalidade formal, mas por um valor mais amplo que é a justiça, consubstanciada em todo ordenamento jurídico.

A própria jurisprudência, embora de forma tímida, já se encaminha para reconhecer a força normativa dos princípios:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei. 2. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 3. O Ministério Público não logrou demonstrar os meios para a realização da obrigação de fazer pleiteada. 4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 510259 / SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ 19 set. 2005 p. 252)

A redefinição no conteúdo da legalidade com o aparecimento do princípio da juridicidade acarreta alguns reflexos no âmbito da discricionariedade administrativa. Observa-se uma redução do conteúdo do mérito administrativo, elemento livre de apreciação através de controle jurisdicional. É que, com a positivação dos princípios administrativos, aspectos que antes eram pertinentes ao mérito, agora dizem respeito à juridicidade do ato. Permite-se ao julgador examinar o ato à luz dos princípios não só da legalidade, mas também da impessoalidade, da igualdade, da eficiência, da publicidade, da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade. Amplia-se, portanto, a possibilidade de controle judicial da administração, na medida em que se permite ao julgador examinar aspectos antes impenetráveis do ato administrativo.

Para melhor entendimento da questão, tratar-se-á no próximo item da diferença existente entre discricionariedade e mérito administrativo.

3.6 Discricionariedade e Mérito Administrativo

O mérito consiste na valoração ponderativa de certos fatos, levando em consideração as regras de boa administração, e, sobretudo, aspectos de oportunidade e conveniência. Sua existência pressupõe o exercício de um poder discricionário, mas com este não se confunde. Trata-se de um terreno livre de apreciação pelo Judiciário. O julgador não pode, desta forma, analisar o mérito do ato administrativo. Nesse sentido posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCESSÃO DE HORÁRIO ESPECIAL. ATO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE OU ABUSO. INEXISTÊNCIA. Foge ao limite do controle jurisdicional o juízo de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque ao Judiciário cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe vedado substituir o Administrador Público. (STJ, Relator Min. Vicente Leal, RMS 14967/SP, DJ 22 abr. 2003, p. 272)

Seabra Fagundes, o primeiro a desenvolver o tema de forma aprofundada, esclarece que o mérito envolve aspectos políticos, trata de interesses, não de direitos: "Compreende os aspectos, nem sempre de fácil percepção, atinentes ao acerto, à justiça, utilidade, eqüidade, razoabilidade moralidade, etc. de cada procedimento administrativo". [101]

Tal afirmação hoje não mais encontra subsídio haja vista que muitos destes critérios, tidos como extrajurídicos, tais como razoabilidade, justiça e moralidade ganharam conteúdo jurídico a partir da mudança na noção do "direito por regras" para a concepção do "direito por princípios". Verifica-se, pois, uma redução do mérito administrativo, definido por João Caupers através de um critério residual como "aquilo que resta depois de se ter submetido a actuação administrativa a todos os juízos de legalidade possíveis". [102]

Conseqüentemente, permite-se uma ampliação da esfera de controle judicial dos atos administrativos. Segundo Germana de Oliveira Moraes: "Há de falar-se, atualmente, em oposição ao controle de mérito, em controle de juridicidade dos atos administrativos, o qual se divide em controle de legalidade e controle de juridicidade strictu sensu". [103] Dessa forma, prossegue a referida autora explicando que, inicialmente deve-se analisar a legalidade dos elementos vinculados do ato, e posteriormente proceder à análise de seus demais aspectos à luz dos princípios contidos no ordenamento jurídico.

Isto não quer dizer, entretanto, que o mérito do ato administrativo discricionário tenha desaparecido totalmente, pois no que tange a aspectos não valorados juridicamente, não é possível ao Judiciário exercer seu controle. Este último só pode se realizar com base em critérios positivados, ou seja, inerentes ao ordenamento jurídico.

Disto resulta a definição de mérito administrativo dada pela citada doutrinadora: "O mérito consiste, pois, nos processos de valoração e de complementação dos motivos e de definição do conteúdo do ato administrativo não parametrizados por regras nem princípios, mas por critérios não positivados". [104]

Celso Antônio Bandeira de Mello propõe uma distinção entre a discricionariedade em abstrato, ou seja, a sua previsão no comando da norma, e a discricionariedade em concreto, diante de um fato no mundo empírico.

Parte-se da idéia de que a lei, ao conferir discricionariedade ao Administrador Público, assim o faz para que este adote a medida mais eficiente, mais adequada à cada situação, sempre tendo em vista a persecução do interesse público. O gestor público tem o dever de procurar adotar a conduta que melhor atende à finalidade legal:

É exatamente porque a norma legal só quer a solução ótima, perfeita, adequada às circunstâncias concretas, que, ante o caráter polifacético, multifário, dos atos da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador – que é quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio – certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstâncias, possa dar verdadeira satisfação à finalidade legal. [105]

Diante disso, muitas vezes pode acontecer que, não obstante a lei contenha previsão no sentido de possibilidade de realização de diversas condutas, diante do caso concreto somente uma delas esteja adequada a atender as necessidades, ou seja, aos fins daquela lei, chegando ao ponto até de suprimir a discricionariedade. Dessume-se, desta forma, que a liberdade contida na norma através da previsão de discricionariedade é maior que a liberdade resultante de sua aplicação ao caso concreto.

A previsão de discricionariedade pela norma, apesar de ser condição necessária para sua existência, não é suficiente, sendo imprescindível que esta esteja também presente quando da análise do caso concreto, pois "sua previsão na ‘estática’ do direito, não lhe assegura presença na ‘dinâmica’ do direito". [106] Ainda, não se poderá invocar a previsão da discricionariedade contida na lei para afastar o controle pelo Judiciário, pois o exame no caso concreto acerca da ocorrência da discricionariedade não constituirá invasão de mérito administrativo.

Assim, a definição de mérito administrativo por Celso Antônio Bandeira de Mello é feita com base nestes argumentos, senão vejamos:

Mérito é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada. [107]

Merece destaque também a observação feita por Maria Sylvia Zanella Di Pietro no sentido de que se deve tomar o devido cuidado para não se denominar mérito, impedindo o controle jurisdicional, o que na verdade se trata de questões que envolvem aspectos de legalidade e moralidade. [108]

Dessa forma, verifica-se uma tendência da doutrina administrativista brasileira em ampliar o domínio do controle da discricionariedade administrativa pelo Judiciário.

3.7 Causas Geradoras e Limites da Discricionariedade

Para uma melhor compreensão da discricionariedade administrativa, cumpre ainda tecer alguns comentários acerca das suas causas geradoras e seus limites.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta que a discricionariedade administrativa pode resultar: 1) de disposição expressa em lei conferindo à Administração a possibilidade do seu exercício; 2) da insuficiência da lei em prever todas as situações possíveis; 3) da previsão de determinada competência pela lei, sendo ausente a previsão da conduta a ser adotada, que é o que ocorre muitas vezes no exercício do Poder de Polícia; e 4) do uso pela lei dos chamados conceitos indeterminados (e.g. bem comum, urgência, moralidade pública). [109]

Nesse mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello diz que a discricionariedade pode decorrer: 1) da hipótese da norma, quando esta define os motivos para a prática do ato de forma insuficiente ou se omite; 2) do comando da norma, quando esta possibilite ao administrador público a adoção de condutas variadas; e ainda 3) da finalidade da norma, pois muitas vezes esta é definida através de expressões que contêm conceitos indeterminados, plurissignificativos. [110]

Verifica-se, pois, que a lei sempre irá fundamentar a existência da discricionariedade, de forma que seu exercício, quando não autorizado pela lei, constituirá puro arbítrio.

Conforme já salientado diversas vezes no decorrer da presente monografia, a discricionariedade deverá ser exercida nos limites contidos na lei (e, levando se em conta o princípio da juridicidade, no ordenamento jurídico), de forma que esta não constitui um cheque em branco dado ao gestor público.

Ao tratar do assunto, José dos Santos Carvalho Filho assevera que se deve investigar os limites do ato administrativo contidos expressamente ou implicitamente na lei da seguinte forma: "[...] deve o intérprete identificar dois pontos fundamentais para definição dos limites: um, os pressupostos da emanação volitiva; outro, os fins alvitrados na norma". [111] Mesmo que a norma não os expressamente indique, vale ressaltar que o ato deve ser praticado levando-se em consideração os fins da lei que o autoriza, de forma que este será o seu limite.

A importância na determinação dos limites da discricionariedade administrativa se dá na medida em que possibilita definir até onde deve ir o controle a ser realizado pelo Judiciário. Dessa forma, os atos discricionários que não observem seus respectivos limites devem ser fulminados do mundo jurídico, posto que estarão eivados de vícios.

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Sobre a autora
Olivia Braz Vieira de Melo

bacharela em Direito em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Olivia Braz Vieira. O controle jurisdicional do ato administrativo discricionário à luz do princípio da juridicidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1179, 23 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8955. Acesso em: 22 nov. 2024.

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