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Estratégias processuais dos devedores

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01/12/1999 às 01:00
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V - ALGUMAS QUESTÕES DE FUNDO, COMO MATÉRIA DE MÉRITO DOS EMBARGOS, TENDENTES A DEMONSTRAR EXCESSO DE EXECUÇÃO

V.1 - ANATOCISMO: A CAPITALIZAÇÃO INDEVIDA DOS JUROS

Continua sendo prática generalizada entre as instituições financeiras (e também entre as chamadas empresas de factoring), a cobrança capitalizada dos juros, inclusive sob expressa previsão contratual, mediante cláusulas que, via de regra, têm a seguinte redação :

"Os encargos financeiros devidos em razão deste contrato, incidirão sobre a média dos saldos devedores diários, calculados pelo método hamburguês, e serão considerados para todos os fins e efeitos legais, como parte integrante do principal da dívida."

Mesmo que se adote outra redação, e ainda que se constate que os juros não são cobrados sobre a média dos saldos devedores diários ou mensais, mas com base em outro critério, o fato é que, desde que possibilitem a incidência de uns sobre os outros, em relação a determinado período de apuração, adicionando-se e incorporando-se novos valores ao saldo devedor anterior, estarão os juros sendo cobrados de forma capitalizada.

Geralmente os próprios instrumentos contratuais e os demonstrativos de débito, anexados à Execução, não deixam dúvida sobre a ocorrência de capitalização dos juros. Em casos como tais, quando respondem aos Embargos com suas Impugnações, os Credores adotam a estratégia de tentar fundamentar tal cobrança sob as mais diversas justificativas, dentre as quais se sobressai (até por sua ingenuidade) o ultrapassado argumento de que , ante o quadro "inovador" legislativo, face as leis nrs. 4595/64 e 4728/65, a "Lei da Usura" havia se tornado obsoleta, e que a Súmula nr. 596 do E. STF permitira a capitalização.

A capitalização de juros continua disciplinada pelo art. 4º do Decreto no. 22.626/33 (Lei da Usura) que dispõe:

"É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente ano a ano."

Esse dispositivo, consagrando a proibição da prática do anatocismo, deu origem à Súmula no. 121 do Supremo Tribunal Federal, que estipula:

"É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA."

Diga-se, também, que o citado art. 4º da "Lei da Usura" continua em vigor, aplicando-se inclusive às instituições financeiras, não tendo sido revogado pela Lei nº 4.595/64, conforme assentado na jurisprudência unânime do E. Supremo Tribunal Federal e mais recentemente na do Superior Tribunal de Justiça.

A capitalização de juros somente é possível em caso de expressa previsão legal. E o caso, por exemplo, dos títulos de crédito à exportação (Lei nº 6.313, de 16.12.75), e de cédulas comercial (Lei nº 6.840, de 03.11.80), industrial (Dec.-Lei nº 413, de 09.01.69) e rural (Dec.-Lei nº 167, de 14.02.67).

Mesmo nesses casos, sua cobrança somente deve ser acatada quando tiver sido expressamente pactuada no contrato ou instrumento de financiamento. Daí porque, o entendimento do STJ, conforme se pode verificar pela EMENTA do acórdão do julgamento do Recurso Especial nr. 181.891(98/0051120-2) - RS, publicada no DJ de 01.02.99, sendo relator o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:

"Este Tribunal já fixou orientação no sentido de que somente nos casos expressamente autorizados por norma específica, como no mútuo rural, comercial ou industrial, é que se admite seja os juros capitalizados, e, ainda assim, desde que existente pactuação nos contratos."

Uma hipótese permitida, de juros dos juros, estipula-a o próprio art. 4º, segunda parte: "esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano".

O STJ igualmente tem decidido de forma reiterada que o anatocismo é prática vedada. Nesse sentido, temos as seguintes decisões:

"Direito privado. Juros. Anatocismo. A contagem de juros sobre juros e proibida no direito brasileiro, salvo exceção dos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano. Inaplicabilidade da lei da reforma bancaria (n. 4.595, de 31.12.64). Atualização da sumula n. 121 do STF. Recurso provido (REsp 2293/90-al, 3ª T, rel. Min. Cláudio Santos, publ. DJU 07/05/90, p. 3830).

"Juros. Limitação. Mutuo Bancário. Capitalização (contratos em que e permitida). - as instituições financeiras não estão submetidas, em suas operações, ao limite da taxa de juros estabelecido no dec. Lei 22.626/33. Lei 4.595/64. - a capitalização dos juros somente é permitida nos casos previstos em lei, entre eles as cédulas e notas de créditos rurais, industriais, comerciais, mas não para o contrato de mutuo bancário. Precedentes inadmitindo a capitalização dos juros no financiamento para capital de giro, no saldo em conta corrente, no contrato de abertura de credito e no cheque ouro. Honorários distribuídos de acordo com a lei. Recurso conhecido em parte, quanto a limitação dos juros, e nessa parte provido (REsp 90924-rs, 4ªt, rel. Min. Ruy Rosado, publ. DJU 26/08/96, p. 29696).

Juros. Taxa e capitalização mensal. Contrato de abertura de credito em conta-corrente. 1. Cuidando-se de operações realizadas por instituição integrante do sistema financeiro nacional, não se aplicam as disposições do dec. N. 22626/33 quanto a taxa de juros. Sumula 596-STF. 2.A capitalização mensal dos juros e vedada pelo art. 4. Do dec. N. 22626, de 1933, e dessa proibição não se acham excluídas as instituições financeiras. Recurso especial conhecido e provido, em parte (Resp 32632-rs, 4ªt, rel. Min. Barros Monteiro, publ. DJU 17/05/93, p. 9341).

Por desrespeitar a regra de ordem pública constante do art. 4º. da "Lei de Usura", os contratos celebrados com as instituições financeiras, na parte em que propiciam a cobrança capitalizada de juros, são ilegais e, portanto, nulos de pleno direito, nos termos do art. 145, V. do Código Civil.

V.2 - CORREÇÃO MONETÁRIA ou TAXA DE JUROS CUMULADA COM COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.

Embora hoje em dia tenha sofrido expressiva redução, ainda existem inúmeros contratos firmados com instituições financeiras onde se estipula a cobrança cumulativa de correção monetária com comissão de permanência, além de juros de mora e de multa.

A comissão de permanência é uma verba cobrada ilegalmente, sendo, portanto, indevida.

Nesse sentido, o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São-Paulo, em acórdão de 13.12.89, decidiu:

"COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E CORREÇÃO MONETÁRIA - RESOLUÇÃO BACEN 1.129/86 - ILEGALIDADE.

O diploma legal sobre a correção monetária e a regra sobre a comissão de permanência têm campos distintos de incidência e regulam matérias diversas, com objetivos inconfundíveis. A comissão de permanência visa à remuneração de operações e serviços bancários e financeiros, a correção apenas a atualização da moeda. Desse modo, é ilegal a Resolução BACEN 1.129/86, ao permitir aos bancos cobrar de seus devedores, por dia de atraso no pagamento de seus débitos, além dos juros moratórios, a Comissão de permanência, criando nova forma jurídica compensatória da mora do devedor - indenização - não prevista em lei. (1º TA Civ.-SP - Ac. unân. da 8a Câm. julg. em 13.12.89 - Ap. 417.226/3 Capital - Rel. Juiz Ferraz de Arruda - Alfredo Robellard de Marigny vs. BANESPA S/A Crédito, Financiamento e Investimos)."

E o relator, em seu voto condutor, esclarece:

"O item II da citada resolução dispõe expressamente que os bancos, além dos encargos previstos no item anterior, não poderão cobrar "quaisquer outras" quantias compensatórias pelo atraso no pagamento dos débitos vencidos" numa clara e induvidosa demonstração de que a comissão de permanência por ela instituída cuidava-se de verba compensatória de mora. E na realidade assim é.

Cobrada sempre à maior taxa de juros vigente no período do empréstimo ou à taxa de mercado do dia do pagamento, a referida comissão não pode, à evidência, ser considerada mera taxa remuneratória de serviço, como assentou o Colendo Supremo Tribunal Federal e nem como instrumento de atualização monetária como tem entendido a jurisprudência deste Tribunal. Da literalidade do item II da resolução 1.129/86 e do que representa na prática a sua aplicação, especialmente considerando-se a capitalização dessas taxas, projetando o débito muito além da razoabilidade inflacionária, não se pode negar o caráter compensatório da verba instituída sob rótulo de simples comissão de permanência. Caracteriza-se, inegavelmente, semelhante cobrança como indenização moratória concedida aos bancos sem nenhuma sustentação legal. Como verba indenizatória que é, ofende ela a expressa disposição do art. 1.061 do Cód. Civ., que estabelece que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros de mora e custas, sem prejuízo da pena convencional. Assim sendo, a resolução 1.129/86 criou fórmula compensatória do atraso de pagamento de débito não permitida em lei."

Em trabalho denominado "COMPETÊNCIA NORMATIVA DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL", o Professor MARÇAL JUSTEN FILHO, titular de Direito Comercial da Universidade Federal do Paraná, dissecou com acuidade a competência do C.M.N., especialmente no que concerne aos aspectos constitucionais da intervenção estatal nos contratos privados.

Nesse sentido, entendeu que, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e da vedação de delegação de atribuições, o C.M.N. somente poderia receber competência administrativa, nunca normativa; quando muito, teria competência fiscalizadora, objetivando assegurar o cumprimento das disposições previstas em lei.

E uma de suas conclusões foi a seguinte:

Por decorrência, não se coadunam com a constituição Federal dispositivos que remetam ao CMN a faculdade de dispor normas jurídicas a serem observadas no trato entre particulares e instituições financeiras. Dispositivos tais como o art. 2º, parág. 1º., do Decreto-lei nr 2.290 não encontram apoio jurídico, por delegarem a órgão administrativo funções legislativas.

19. Nesse campo, a autorização do CMN para instituições financeiras cobrarem comissão de permanência é insustentável."

19.1. As conseqüências do inadimplemento dos devedores não envolvem qualquer exigência de INTERVENÇÃO do Estado na ordem econômica. Não se trata de regular relações que não se possam desenvolver com eficácia em regime de livre iniciativa. Nenhum vínculo existe entre (a) regime de livre iniciativa e de competição e (b) inexecução de obrigações.

Logo, autorização para cobrança de comissão de permanência não se insere na matéria suscetível de ser regulada a pretexto de INTERVENÇÃO na ordem econômica.

19.2. Depois, o exame da constituição Federal comprova que não se poderia atribuir poder genérico ao CMN para reger as relações entre particulares e instituições financeiras.

19.3. Seja pela ofensa aos princípios da legalidade e da separação de poderes, seja pela contrariedade à limitação da INTERVENÇÃO do Estado no domínio econômico, o CMN careceria de competência para invadir o relacionamento dos particulares, prevendo a "comissão de permanência". (in "Condições Gerais dos Contratos Bancários e a Ordem Pública Econômica", ed. Juruá, 1988, pág. 60).

Tem-se, portanto, que a cobrança da comissão de permanência é ILEGAL e, portanto, indevida, na medida em que se consubstancia em autêntico mecanismo compensatório da mora do devedor - indenização - não prevista em lei.

Assim, e a um só tempo, a cobrança da Comissão de Permanência contraria o Código Civil, em seu artigo 1.061 - posto que, como fórmula compensatória, não se caracteriza como juros de mora, custas ou pena convencional - além de afrontar o preceito constitucional da LEGALIDADE constante do artigo 5º, II, da Constituição da República, e do artigo 153, parágrafo segundo, da anterior Carta Magna.

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E mesmo que, apenas para argumentar, se pudesse entender como legal e constitucional a cobrança da Comissão de Permanência, o referido encargo não poderia incidir de forma cumulativa com a Correção Monetária.

Com efeito, a comissão de permanência seria constituída de juros e também de correção monetária.

Tanto isso é verdade, que o douto CELSO ARAÚJO GUIMARÃES, Juiz de Direito de Curitiba, assim esclarece:

"Não há, no entanto, como ignorar-se que a comissão de permanência tenha, essencialmente, o caráter de remuneração da instituição financeira pelo mútuo concedido, no período que se estabeleceu entre a data da liquidação originariamente prevista, e aquela em que a mesma efetivamente ocorreu.

Mas, à toda evidência, ao lado desse caráter remuneratório, a comissão de permanência possui, paralelamente, também o caráter de encargo destinado a atualizar o valor monetário originário do mútuo, pois que embutido já se achava este fator, quer na taxa geral que informou originariamente a operação, quer na taxa de mercado do dia do vencimento ou da própria liquidação, e que determinam, ontem ou hoje (segundo as diversas resoluções das autoridades monetárias), o montante da referida comissão.

Decorre daí, de forma muito clara, a impossibilidade de cumulação da comissão de permanência com a correção monetária, na exigência judicial da dívida, pois que se estaria a conceder duas correções do valor mutuado por títulos ou causas diferentes.

A comissão de permanência é, pois, figura especial, criada a favor das instituições financeiras, destinada a, durante o período de prorrogação da operação de crédito não liquidada no vencimento, remunerar o capital mutuado (juros) e também atualizá-lo monetariamente; é, dessa forma, concomitantemente, remuneração do capital e forma própria e específica de corrigir a moeda." (in "Condições Gerais dos Contratos Bancários", Ed. Juruá, 1988, pág. 83)

O E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já cristalizou o entendimento de que a comissão de Permanência é inacumulável com a correção Monetária. Nesse sentido, a Súmula nr. 30, do seguinte teor:

"A COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E A CORREÇÃO MONETÁRIA SÃO INACUMULÁVEIS."

Sobre a matéria, veja-se o seguinte excerto da EMENTA do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial nr. 4.768-RJ, publicado no DJ de 22.04.91:

"2. comissão de Permanência. Instituída quando inexistia previsão legal de correção monetária, visava a compensar a desvalorização da moeda e remunerar o mutuante. Sobrevindo a Lei nr. 6.899/81, deixou de justificar-se aquela primeira finalidade, não havendo de cumular-se com a correção ali instituída.

Não há cogitar-se de prestação de serviços, por parte do credor que diligencia a cobrança de seu crédito, sendo inaceitável compreender-se, aquele acessório, entre as tarifas remuneratórias." (in "Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais", ed. LEX, vol. 28, pág.96)

Configurada, portanto, a cumulação e, para evitar o BIS IN IDEM , há que se reconhecer sua ilegalidade, segundo a jurisprudência predominante, devendo, portanto, ser excluída do débito a ser apurado, a INDEVIDA comissão de permanência, somente podendo incidir sobre o débito apenas os juros legalmente aplicáveis e, se for o caso, a correção monetária.

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Sobre o autor
Luiz de Sá Monteiro

advogado, procurador do Estado de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Luiz Sá. Estratégias processuais dos devedores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. -1309, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/899. Acesso em: 17 abr. 2024.

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