Capa da publicação Rastreador veicular em investigação policial requer autorização judicial?
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Da (des)necessidade de autorização judicial para o uso de rastreadores em investigações policiais.

O uso de rastreadores como fontes abertas em investigações criminais

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Das considerações finais

Por todo exposto, concluímos que dependerá do caso concreto acerca da (des)necessidade de autorização judicial para o uso de rastreadores em investigações policiais, vez que em hipótese de instalação/emprego do rastreador veicular e o atual local que o veículo se encontra para fins de investigações: se em casa com perímetro todo murado ou cercado (em que a privacidade e intimidade devem ser observadas) ou locais equivalentes, é sustentável a necessidade de uma ordem judicial prévia para evitar questionamentos e invalidações, já que o ingresso para coleta de possível elemento informativo e/ou prova propriamente dita estaria eivado de inobservância constitucional e legal.

De outro lado, na segunda hipótese de instalação/emprego do rastreador veicular e o atual local que o veículo se encontra para fins de investigações: veículo em logradouros públicos (vias públicas) de tráfego entre outros ambientes públicos abertos ou privados abertos ao público, em que a privacidade e intimidade é drasticamente sacrificada para não dizer eliminada, inclinaríamos a sustentar que seria desnecessária uma ordem judicial prévia para evitar questionamentos e invalidações, já que, sem ingresso para coleta de possível elemento informativo e/ou prova propriamente dita, não haveria mácula de inobservância constitucional e legal.

Portanto, o uso do rastreador em momento algum promove a violação dos direitos fundamentais à proteção da vida privada e da intimidade do indivíduo investigado, uma vez que a finalidade do uso deste aparelho é de apenas monitorar o alvo pelas ruas, espaços públicos e espaços privados, em que jamais o policial terá ciência do que ocorrerá dentro dos espaços eventualmente fechados. Assim, o rastreador não afetaria a privacidade a ponto de ter ciência do que o indivíduo fez (ou deixou de fazer), sendo plenamente hígido o elemento informativo e/ou a prova obtida a partir dele, desde que observados os preceitos constitucionais e legais quanto ao domicílio do indivíduo referente a instalação/emprego do rastreador no veículo.


[3] BARRETO, Alessandro G.; WENDT, Emerson. Inteligência Digital: uma análise das fontes abertas na produção de conhecimento e de provas em investigações e processos. Rio de Janeiro: Brasport, 2013.

[4] BARRETO, Alessandro Gonçalves - Utilização de fontes abertas na investigação policial. Publicado dia 13 de novembro de 2015. http://direitoeti.com.br/artigos/utilizacao-de-fontes-abertas-na-investigacao-policial/#_edn9.

[5] RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE CARTEL. DISTRIBUIÇÃO E REVENDA DE GÁS DE COZINHA. BUSCA PESSOAL. APREENSÃO DE DOCUMENTOS EM AUTOMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE.1. Apreensões de documentos realizadas em automóvel, por constituir típica busca pessoal, prescinde de autorização judicial, quando presente fundada suspeita de que nele estão ocultados elementos de prova ou qualquer elemento de convicção à elucidação dos fatos investigados, a teor do § 2º do art. 240 do Código de Processo Penal.2. No dia em que realizadas as diligências de busca domiciliar na residência do recorrente eram obtidas informações, via interceptação telefônica (não contestadas), de que provas relevantes à elucidação dos fatos eram ocultadas no interior de seu veículo e que poderiam, conforme ele próprio afirmou, culminar na sua prisão. Diante dessa fundada suspeita, procedeu-se a busca pessoal no veículo do recorrente, estacionado, no exato momento da apreensão dos documentos, em logradouro público. Conforme atestado pelas instâncias ordinárias, o recorrente estava presente na ocasião da vistoria do veículo.3. Recurso ordinário a que se nega provimento.(RHC 117767, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 11/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 01-08-2017 PUBLIC 02-08-2017).

[6] BARRETO, Alessandro Gonçalves; WENDT, Emerson; CASELLI, Guilherme. Investigação Digital em Fontes Abertas. Rio de Janeiro: Brasport, 2017

[7] Nesse ponto, verifica-se que as atribuições de Polícia Judiciária estão conferidas no artigo 144, § 4º, da Constituição da República e artigo 4º e seguintes do Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689/1941), sendo de bom alvitre citar que a Lei 12830/2013 conferiu aos delegados de polícia status de carreira jurídica, com autonomia para realizar tais diligências sem que haja reserva de jurisdição, notadamente por não trazer nenhum contexto de invasão à privacidade.

Assim, não se discute que a autonomia investigatória do Delegado de Polícia possui ampla discricionariedade para a produção de elementos informativos e provas em sede pré-processual, a qual é evidenciada pelo art. 2º, §6º da Lei 12.830/2013, quando se atribui ao Delegado de Polícia a exclusividade para o indiciamento. Para uma melhor análise, segue a redação da norma apontada:

Art. 2º. As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

(...)

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Ora, se a análise da materialidade e indícios de autoria, no âmbito do inquérito policial, é privativa do Delegado de Polícia, podendo somente ele, ao final das investigações, apontar o autor da infração penal, o pressuposto lógico desse poder-dever é a exclusividade, a autonomia e a discricionariedade da Autoridade Policial, de produzir provas e determinar as diligências, que dispensam decisões judiciais, como é o caso do uso de rastreadores veicular, bem como de adotar as teses jurídicas que julgar mais adequada para o esclarecimento do fato.

Outrossim, já está sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o posicionamento de que a condução do Inquérito Policial é exclusiva do Delegado de Polícia, sendo vedado a outro órgão o exercício da presidência de inquérito policial.

É o que se observa no aresto colacionado adiante, reproduzindo posição majoritária dos Tribunais:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E CORRUPÇÃO PASSIVA. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. VIABILIDADE DE REALIZAÇÃO DE INVESTIGAÇÕES PELO PARQUET. AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO DAS FUNÇÕES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA. POSSIBILIDADE DE O ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO BUSCAR OS MEIOS E INSTRUMENTOS NECESSÁRIOS PARA O CUMPRIMENTO DE SUA FUNÇÃO INSTITUCIONAL, PREVISTA CONSTITUCIONALMENTE.

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1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que não há vedação legal para a realização de diligências investigatórias pelo Ministério Público, sendo vedada, apenas, a condução do inquérito policial pelo órgão do Parquet (precedentes do STJ e do STF). (...) (RHC 42.742/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 01/09/2014)

Destarte, fica clara a exclusividade da presidência do Inquérito Policial pelo Delegado de Polícia, assentado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e positivada na Lei nº 12.830/2013, o que traz reflexos materiais de elevada importância tanto na esfera interna da investigação criminal, quanto no âmbito externo, limitando a interferência de entes estranhos a Polícia Judiciária no que toca à forma de condução do Inquérito Policial pelo Delegado de Polícia.

Nesse caminhar, o poder de conduzir um inquérito policial, conferido com exclusividade, autonomia e ampla discricionariedade ao Delegado de Polícia impedem que outros órgãos ou entes se manifestem na fase pré-processual de modo a se imiscuir no juízo de oportunidade e conveniência da autoridade policial em sua função constitucional de investigação.

[8] Disponível: https://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_peca_movimentacao.jsp?id=44513081&hash=c6a8d73e37597ef593a2e516668fc6e5. Acesso em 14 de fevereiro de 2021.

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Sobre os autores
Joaquim Júnior Leitão

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia.

Guilherme Berto Nascimento Fachinelli

Delegado de Polícia da Polícia Civil de Mato Grosso, atualmente lotado na Corregedoria-Geral da Polícia Civil de Mato Grosso, como corregedor auxiliar. Possui graduação em Direito pela Universidade de Uberaba(2008) e especialização em direito público pela Universidade Anhanguera Uniderp (2011). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Professor de Curso Preparatório para concursos público e da Academia de Polícia do Estado de Mato Grosso - ACADEPOL, palestrante e coautor de obras jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR LEITÃO, Joaquim ; FACHINELLI, Guilherme Berto Nascimento. Da (des)necessidade de autorização judicial para o uso de rastreadores em investigações policiais.: O uso de rastreadores como fontes abertas em investigações criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6497, 15 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89905. Acesso em: 25 abr. 2024.

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