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Otimizar a Justiça e superar a crise – Parte II:

Da defesa dos interesses do credor insatisfeito

08/05/2021 às 09:15
Leia nesta página:

Reflexões sobre a necessidade de se preservar os interesses do credor insatisfeito e da efetividade das decisões judiciais.

“Na contabilidade da vida é melhor ser credor do que devedor.” (Damião Maximino)

A citação que abre este ensaio tem um contraponto: o devedor judicial. Quando vemos o que se passa nos litígios em fase de execução, concluímos que é melhor ser devedor do que credor, infelizmente.

Um dos problemas mais graves da Justiça é o da inefetividade de parte de suas decisões. Vence-se o litígio, mas nem sempre se recebe o que devido. Protege-se o devedor e a confusão legislativa é arma poderosa em favor de quem não quer honrar seus deveres.

O Direito brasileiro preocupa-se muito com o devedor e pouco com o credor.  Isto é um grave erro e um entrave obsceno para a justiça.

Toda vez que uma decisão não é executada, sofrem o credor e a Justiça. Sim, sofre a Justiça porque o produto da soma das condenações não executadas gera desgaste e descrença, abala subjetivamente sua força. Ao que parece, os devedores tomaram de assalto seu escudo e não mais temem sua espada, desafiando-a o tempo todo.

Acreditei ingenuamente que o sistema processual civil instaurado em 2015 mudaria a situação e, enfim, observaria o protagonismo do credor, do vencedor de litígio. Infelizmente, errei. A impressão é a de que, mais uma vez, as palavras de Tomasi di Lampedusa ressonam profeticamente: “algo deve mudar para que tudo continue como está”.

Mudou-se, mas não muito; mudou-se, mas não o bastante; mudou-se certa porção de leis, entretanto os devedores continuam a ignorar os direitos dos credores e a banalizar as decisões judiciais.

Há algo especialmente perverso neste quadro quando se considera que boa parte desses devedores é formada por autores de atos ilícitos, réus em ações de reparação de danos. Devedores que são danadores e que gozam das alegrias inglórias da impunidade.

Escrevo o desabafo não apenas como advogado cansado de vivenciar a situação, mas como jurisdicionado inconformado. Admirador da Carta de Direitos do Rei João Sem Terra – que em 2015 completou 800 anos de sua promulgação –, aprendi que a decisão de um juiz é mais poderosa do que a ordem um imperador. Aprendi com meu pai, oficial da Marinha do Brasil, que almirantes e generais se submetem aos juízes.

São convicções tão arraigadas em mim que não consigo entender como alguém não perde o sono diante de uma condenação judicial e não a cumpre imediatamente. A decisão judicial não é para ser emoldurada e apreciada, mas temida e aplicada como se fosse um organismo vivo. A comparação não é retórica nem superlativa: decisão judicial é a vida da ordem social.

Enorme parcela dos litigantes, depois de vencidos, tudo faz para não honrar seu dever. Ampara-se nas proteções legais e ignora a palavra do Poder Judiciário. Essa parcela, por incrível que pareça, até se orgulha de manipular a lei e de enganar – sim, o verbo é este mesmo, enganar – juízes.

Quando um devedor age para não pagar o que deve, para não cumprir a decisão judicial, veem-se escancaradas a má-fé e a desordem moral. Pagar o que se deve é, antes de tudo, preceito moral e de Direito Natural. O devedor de boa-fé, orientado por advogados cônscios da própria responsabilidade e da dignidade do Direito, procura o credor, presta satisfação ao juiz, esforça-se para honrar seu dever, ainda que sua situação econômica não seja favorável na ocasião. Já o devedor de má-fé age de modo inverso. Mesmo podendo pagar, não o faz. Usa de maneira inconfessável a lei e tira proveito da burocracia e dos problemas orgânicos da Justiça para fugir maliciosamente do cumprimento do dever, mantendo-se no estado de inadimplência.

A realidade autoriza-me dizer que o segundo grupo é maior do que o primeiro, principalmente quando se fala de pessoas jurídicas. De fato, em sendo o devedor pessoa jurídica, a gravidade dessa situação se dilata exponencialmente, já que os recursos empreendidos para os engodos são ainda mais amplos e sofisticados. Desde o uso de uma off-shore até a diluição patrimonial em nome de pessoas naturais, tudo é feito para afrontar a decisão judicial e lesar o credor. A desfaçatez é incrível.  

Penso que uma das piores formas de injustiça é a de não pagar o que se deve, principalmente quando determinado por juiz. O devedor, executado, que não teme o Poder Judiciário atenta contra a paz social e flerta perigosamente com o caos.

Ser devedor é bom negócio, ao menos para quem não se guia pela honra, pela ética, pelo temor ao juiz. O litígio dar-lhe-á tempo para blindar seu patrimônio e gozar de benefícios ilícitos. Ao credor? Resta o consolo, se é que assim se pode dizer, de uma vitória de Pirro.

Hoje, em não poucas situações, a execução de uma decisão judicial é o calvário do credor, o entrave da conversão do direito em justiça, a agonia da autoridade do juiz e o paraíso às avessas do devedor de má-fé.

Este é o momento ideal de repensarmos a fase de execução da decisão judicial e finalmente reconhecermos o protagonismo do credor insatisfeito e o resgate da força invulgar da Justiça. Já que estamos no meio do vórtice da quarta revolução industrial, em plena escalada ao cume da era digital, temos que agilizar procedimentos e redesenhar a fase de execução.

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Escrevo com absoluto respeito: os advogados devem, sim, defender seus representados combativa e zelosamente, mas não podem esquecer de que também servem ao Direito e à Justiça, e de que nem tudo lhes é permitido no exercício de seu trabalho. Juízes têm que ser mais rigorosos no trato dos condenados, devedores, sob pena de permitirem, ainda que involuntariamente, o desprestígio de suas próprias decisões. O devedor de boa-fé é o que se apresenta ao seu jugo, não o que tenta manipulá-lo. Por isso, a necessidade de rigor e desburocratização. Compreende-se a demora na fase cognitiva de um processo, porém não na de cumprimento de decisão. Cumprimento eficaz, efetivo e rápido das condenações judiciais é marco civilizatório e imprescindível para o conceito de segurança jurídica e o desenvolvimento econômico-social. O bem comum também depende do cumprimento das condenações judiciais.

O tema da eficácia da execução da decisão judicial é merecedor de máxima atenção. No próximo ensaio, eu o abordarei de forma mais prática e fundado em situações concretas, próprias do cotidiano profissional. Obrigado.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREMONEZE, Paulo Henrique. Otimizar a Justiça e superar a crise – Parte II:: Da defesa dos interesses do credor insatisfeito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6520, 8 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90455. Acesso em: 21 nov. 2024.

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