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A intervenção policial militar diante da embriaguez ao volante

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02/01/2007 às 00:00
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A dificuldade atrai o homem de caráter porque é enfrentando-a que ele se realiza.

Charles de Gaulle

Ao se iniciar o referido labor científico, mister se faz tecer algumas notas introdutórias para que se possa contextualizar e delimitar as variáveis envolvidas neste estudo; em pormenores, o trânsito, a embriaguez e a Polícia Militar. Em outras palavras, correlacionar trânsito e embriaguez, embriaguez no trânsito e competência policial militar para intervir nessa situação. Almejando-se, assim, fornecer subsídios para sustentar o proceder policial militar e facilitar a compreensão do objeto de pesquisa.

2.1.Do Trânsito

Nota-se que a questão do trânsito não se verifica como preocupação restrita aos recentes dias. Castro (1900, p.57) apud Roesler (2004) já afirmava que "os acidentes automobilísticos são verdadeira epidemia, tão mortífera como a febre amarela." Conforme Bueno (2001, p.24),

o trânsito passou a gerar grandes problemas e implicações, já no ano de 1.926, diversos países se reuniram em Paris, para examinar as modificações a serem introduzidas na convenção de 1.909, tendo sido aprovada nova convenção disciplinado a circulação internacional de automóveis e a sinalização de trânsito.

Tal convenção foi ratificada pelo governo brasileiro através do decreto n0 19.038 de 17 de dezembro de 1.929.

Bem por isso, acompanhando a dinâmica e a necessidade sociais, a legislação pátria atinente ao trânsito remonta sua origem aos meados de 1910. A esse ponto convém lembrar a resgate legislativo feito por Braga (2002, p.3), que assim sintetiza o desenrolar histórico.

A regulamentação do trânsito no país não é recente, tendo-se notícia da publicação de Decretos a partir de 1910. Mas foi em 28.01.1941, que surgiu o primeiro diploma como Código propriamente dito, logo substituído pelo Decreto-Lei n. 3.651, de 25. 09.1941, a qual teve vigência até o advento da Lei n. 5.108, de 21.09.1966, regulamentado pelo Decreto n. 62.127, de 16.01.1968, substituído, enfim, pelo novo CTB nos moldes da Lei n. 9.503, de 23.09.1997.

Seguindo essa referida evolução legislativa, chega-se ao Código Brasileiro de Trânsito - CTB, o qual asseverou por meio dos seus 341 artigos, instrumentos e condições para assegurar a circulação de bens e pessoas com segurança, eficiência, fluidez e conforto. (BRASIL, 1997a, art. 6º).

Neste vértice, de pronto fixou o que se deve entender por trânsito: "Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga."(BRASIL, 1997a, art.1º,§1º).

Sem pretender se aprofundar nesta abordagem, por não se constituir o fulcro deste trabalho, cumpre ressaltar ainda o parágrafo segundo do mesmo artigo. No qual se consubstancializa que o trânsito em condições seguras constitui-se num direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito. A estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotarem as medidas destinadas a assegurar esse direito.

2.2.Da Embriaguez

No que tange à embriaguez, parte-se do valor semântico deixado pela Organização Mundial da Saúde – OMS, que define pela CID.10 (Classificação Internacional de Doenças) esta variável como sendo "transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso álcool."(BRASIL, 1997c).

Sob este viés, Mattedi (2005) assevera:

A Organização Mundial de Saúde da ONU (OMS) define a embriaguez como sendo toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas.

Croce e Croce Junior (1996, p.96) conceituam embriaguez como "[...] a intoxicação alcoólica, ou por substância de efeitos análogos, aguda, imediata e passageira."

Nesse pensar, importa destacar a contribuição de Bonnet (1967) apud Mourão et all (2006), que delimita a embriaguez como "um estado de intoxicação aguda, produzida por causas de origem diversa, que determinam um quadro clínico caracterizado por ataxia motora, sensorial e psíquica, parcial ou total."

Sob um outro olhar, Almeida Junior (1972) apud Mourão et all (2000) e Costa Junior (1978, p.3), sustentando-se nas lições Associação Britânica de Medicina, caracteriza a embriaguez quando "o indivíduo está de tal forma influenciado pelo álcool que perdeu o governo de suas faculdades, a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência o trabalho a que se consagra no momento."

Nesse raciocínio, faz-se mister expor a contribuição de Mourão et all (2000), o qual se utilizando dos ensinamentos de Bonnet (1967) justaposto com os de Almeida Júnior (1972), baliza uma interessante conceituação a qual passa a ser adotada por esta pesquisa:

Embriaguez é um estado de intoxicação aguda, produzida por causas de origem diversa, em que o indivíduo está de tal forma influenciado pela substância psicoativa, que perdeu o governo de suas faculdades ao ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência a função a que se consagra no momento.

Em assim sendo, Costa Junior (1978, p.2) define que "O estado de intoxicação alcoólica é chamado também de embriaguez quando chega a ponto de prejudicar a conduta do indivíduo." Por outras palavras, Rizzardo (2003, p.640) ensina que "A embriaguez corresponde a um estado temporário de intoxicação da pessoa, provocada pelo álcool ou substância análoga ou de semelhantes efeitos, que a priva do poder de autoridade de autocontrole e reduz ou anula a capacidade de entendimento."

Isto posto, outro relevante se refere à caracterização da embriaguez, uma vez que a mesma perpassa por um processo gradual, que de acordo com Manzini (p.140)apud Jesus (1999, p.465) produz "[...] efeitos que podem progredir de uma ligeira excitação inicial até ao estado de paralisia e coma [...]", com suas respectivas conseqüências jurídicas.

Outros inúmeros estudos têm trabalhado ou se referido às manifestações da embriaguez, que para Maranhão (1998, p. 396) resumem-se a

1. Língua seca, saburrosa ou salivação abundante;

2. Conduta insolente, linguagem injuriosa, loquacidade, excitação ou indiferença;

3. Roupas em desordem ou sujas, contrastando com o usual do paciente;

4. Conjuntiva irritada ou hiperemiada;

5. Pupilas dilatadas ou muito fechadas; nistagmo; reflexos alterados;

6. Voz oscilantes, rouca ou disártrica;

7. Memória comprometida ou perdida;

8. Alteração de marcha;

9. Tremores, incoordenação motora;

10. Alteração do ritmo respiratório (Calabuig).

Carneiro (1998, p. 39), por sua vez, afirma:

Responsável por mais de 50% dos acidentes de Trânsito no Brasil, o álcool é considerado um grande vilão nessas ocorrências, diminuindo os reflexos do condutor, aumentando o tempo de reação, ou tempo psicológico. Torna sua visão prejudicada. As avaliações de distância e de espaço são distorcidas. Se aliado a anfetaminas ou certos remédios controlados pode resultar num efeito altamente danoso para a consciência do condutor, para o bom desempenho ao volante.

Nesta esteira, observa-se que a atividade jurisprudencial, tal como a desenvolvida pelo Des. Sólon d’Deça Neves em ApelaçãoCriminal n. 2002.024515-7, tem solidificado o aporte doutrinário ostentado por Pires e Sales (1998, p.214):

A embriaguez, ainda que incipiente ou larvada: a) priva o indivíduo do governo de seus músculos; b) altera as imagens produzidas pelos sensórios, produzindo, por exemplo, a diplopia ou visão dupla; c) priva o indivíduo do governo prudente de si mesmo, tornando-o ousado e impulsivo e fazendo-o arrostar o perigo exatamente para provar aos outros que está seguro e firme.

Nesse rumo, apesar da dificuldade pragmática da categorização ou qualificação dos períodos da embriaguez, evidencia-se doutrinariamente o diagnóstico da embriaguez demarcado por três fases distintas, a saber.

2.2.1.Fases da embriaguez

Não se pode olvidar, antes porém, conforme salienta Mattedi (2005), que esses efeitos psicossomáticos da embriaguez encontram-se intimamente influenciados pela prática de consumo e a tolerância individual à bebida, bem como pela quantidade de álcool ingerida e o transcurso de tempo.

Nota-se que a embriaguez pode ser categorizada em três fases, "[...] usa-se habitualmente dividi-la em fases de excitação, ou subaguda, de confusão, ou aguda e do sono, comatosa ou superaguda, correspondentes, respectivamente, às três fases – do macaco, do leão e do porco – da lenda árabe."(CROCE e CROCE JUNIOR, 1996).

Para Maranhão (1998, p. 390), a primeira fase, também conhecida como fase do macaco, qualifica-se da seguinte forma:

As funções intelectuais mostram-se excitadas e o paciente particularmente eufórico. Dá mesmo a impressão de estar excitado. Na realidade isso não ocorre, pois o álcool é tipicamente depressivo: os centros superiores não estão excitados mas os de controle estão intoxicados. A vontade e a autocrítica mostram-se rebaixadas. A capacidade de julgamento se compromete. Há certo grau de erotismo (na realidade é simples desinibição). Nessa fase é possível que o bebedor faça confissões ou revele segredos que pretende guardar (ocorre certo "desmascaramento").

As provas psicotécnicas já apuraram dados específicos: diminuição de atenção e aumento do tempo de reação (latência). Ocorre logo uma imprecisão nas respostas reflexas, mesmo em simples teste digital (‘prova índice-índice’). O exame neurológico apura midríase e nistagmo horizontal (em decúbito lateral).

No que se refere ao segundo estágio, fase da confusão, ou da depressão, ou do leão, Mattedi (2005) traz que a presente fase constitui-se no "[...] período de maior relevância para o estudo criminal. Essa fase é caracterizada pela agitação e pela agressividade, na qual o sujeito se torna perigoso e insolente." Nessa esteira, Croce e Croce Junior (1996, p.96) expressam que o ébrio emprega:

[...] desconexa linguagem de baixo calão, falando insultuosamente de imaginárias infidelidades e prevaricações da esposa e recriminações e ofensas morais a terceiros, alma vulgar despeada de procedimento social, inebriada com os fumos que lhe sobem à cabeça: desejos insaciáveis, apetites desordenados, vaidade, perversidade, fanatismo. Levados a custo para o leito, ou para o catre de cadeias públicas, no dia seguintes muitos não recordam do triste espetáculo da véspera; outros guardam lembrança do sucedido e juram, otimisticamente, que nunca mais beberão, para logo quebrarem a promessa, repetindo as vexatórias cenas no lar e no trabalho, até serem demitidos, desequilibrando o orçamento doméstico e criando mais motivos para angústia – e para se embriagar mais e mais. É a embriaguez completa.

Mattedi (2005) complementa que nesta fase há perturbações psicossensoriais profundas, as quais são responsáveis pelos acidentes e pelas infrações penais, ou seja, pelos atos anti-sociais em geral.

Outrossim, o terceiro e último período, fase do sono ou do porco, "[...] é o mais debilitante para a saúde humana, podendo acarretar inclusive a morte do agente [...] a ocorrência de infrações penais é reduzida a praticamente zero, sendo que, eventuais atos criminosos só ocorrerão se for por omissão."(MATTEDI, 2005).

Maranhão (1998, p.392) assim expõe:

Inicialmente há sono e o coma se instala progressivamente. Pode ocorrer espúrcia, por relaxamento dos esfíncteres, e vômito, conseqüentemente à náusea. Depois sobrevém anestesia profunda, abolição dos reflexos, paralisia e hipotermia. O estado comatoso pode se tornar irreversível (mortal). Quando há exposição ao frio o fenômeno mortal fica facilitado (a morte pode ocorrer por bronquite copneumonia aguda, como ocorre com os alcoolizados que dormem nas vias públicas; por asfixia, conseqüente a uma sufocação provocada por regurgitamento de alimento, por processo hemorrágico, meníngeo ou pancreático).

Há de se delinear, então, que as fases da embriaguez apresentam uma ampla abrangência quanto às suas manifestações e conseqüências, compreendendo desde de perturbações da consciência, das faculdades cognitivas, da percepção, do afeto ou do comportamento, a outras funções e respostas psicofisiológicas.(MATTEDI, 2005). Munido destes ensinamentos, especifica-se a análise correlacionando embriaguez e trânsito.

2.2.2.Embriaguez no Trânsito

Destarte, no âmbito do trânsito, em contornos científicos, indispensável se torna diferenciar a embriaguez do mero estado de influência do álcool. Mourão et all (2000) estabelece que

Simel (1990), seguindo a idéia prevalente na maioria dos artigos internacionais, diferencia embriaguez de comprometimento induzido pelo álcool. De acordo com o mesmo, embriaguez (intoxicação alcoólica) é um estado clínico de intoxicação óbvia, enquanto o comprometimento induzido pelo álcool refere-se à capacidade diminuída para realizar várias tarefas. A embriaguez é detectada em 83% a 87% dos casos, quando os níveis de alcoolemia estão situados entre 22 e 33 mMol/l (1,0 e 1,5 g/l). Em níveis alcoólicos menores (0,5 a 1,0 g/l), ela só é diagnosticada em 14% a 68% dos casos. Baseada neste contexto, a literatura internacional prefere os termos Driving under influence, Alcohol-impaired drivers ou Driving while intoxicated.

Dessa diferença de acepção, percebe-se que estar sob influência de álcool não representa necessariamente estar embriagado. Em assim sendo, a embriaguez distingue-se do estado de influência alcoólica à medida que necessita para a sua caracterização a perda do governo de suas faculdades ao ponto de se tornar incapaz para executar com prudência a função a que se consagra no momento, no caso a direção de veículo automotor. De tal sorte que essa incapacidade se manifesta com exposição a dano potencial a incolumidade de outrem, e o mero estado de influência de álcool não necessita para sua configuração dessa incapacidade ou falta de destreza das ações ou tarefas.

Ainda que nem mesmo o legislador tenha se atentado a essa diferenciação técnica das condutas de estar embriagado e tão-somente estar sob influência de álcool, atendo-se ao que preceitua os estudos científicos afins, evidencia-se que o termo embriaguez, não rara vezes, passa a ser empregado de maneira equivocada, quer seja por leigos no assunto, profissionais ou estudiosos da matéria do Direito do Trânsito. Bem porque, segundo Mourão et all (2000), "a embriaguez é conceito de uso comum e que permite vários sentidos diferentes."

Salienta-se a importância dessa distinção técnica para o profissional da segurança pública, por se considerar que o não respeito dessa questão representa um erro por parte daquele que incumbe a aplicação da lei. Visto que, em breves palavras, num contexto prático, essa discriminação representaria conseqüências jurídicas diversas, com o enquadramento da conduta no âmbito administrativo ou no criminal. Ora, nesse entender, quando o condutor se encontrasse embriagado, estaria diante de um crime; mas quando somente estivesse sob influência de álcool, deveria ser responsabilizado administrativamente, autuado no art.165 do CTB, conforme legislação em vigor.

Entretanto, não se pode fazer dessa problemática conceitual um fator de impasse, pelo simples motivo de que não se pode esquecer do espírito da lei, do escopo legal; pois do contrário se estaria a impossibilitar a efetivação dos ditames legais e, dessa forma, de materializar o direito de um trânsito tranqüilo, confortável e seguro.

Afinal, vale ressaltar o ensinamento de Abreu (1998, p.8), "[...] não só a embriaguez plena é perigosa. Aqui não chega a tanto é, às vezes, ainda de maiores riscos. Então, o art. 165 não fala em embriaguez e sim em ‘sob a influência de álcool’. É a expressão com tendência a generalizar-se nas melhores legislações". Seguindo-se o estudo, passa-se a analisar a competência policial militar para atuar no trânsito.

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2.3.Competência da Atuação Policial Militar no Trânsito

Historicamente, as instituições policiais militares sempre possuíram suas atribuições intimamente relacionadas com o trânsito. Ao se remontar o passado, vislumbra-se que o poder de polícia encontrava-se atrelado às questões da polis, Cidades-Estados gregas, a estabelecer a ordem e a pacificidade do convívio social. Nesse sentido, Cretella Junior (1993, p. 577) ensina sobre o termo polícia encontra-se etimologicamente ligada ao vocábulo política, a qual vem do grego polis (= cidade, Estado) e que indica, entre os antigos helênicos, "[...] a constituição do Estado, o bom ordenamento." Bem por isso, com a evolução do trânsito e dos sistemas de transportes, a regulamentação e o controle do mesmo passaram a se verificar como necessidades coletivas imprescindíveis de serem executadas, sendo exercidas pelas corporações policiais.

No entanto, muito embora a praxe social sustente a atuação policial militar no trânsito, não se pode perder da lembrança o trabalho de Caio Tácito (1959, p.27) apud LAZZARINI, (1999, p.316, grifo do autor):

A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua, em relação a cada função pública, a forma e o momento do exercício das atribuições do cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A competência é, sempre, um elemento vinculado, objetivamente fixado pelo legislador.

Há de se tecer, então, que resta cristalino e óbvio a necessidade de se realizar uma recomposição do arcabouço legal e doutrinário a fim de que se possa atribuir às Polícias Militares tal competência.

2.3.1.Policiamento Ostensivo de Trânsito

Seguindo nessa linha de pensar, com o intuito de se vê afastada a arbitrariedade e o abuso de poder, de pronto se observa o ensinamento de que o policiamento ostensivo de trânsito se constitui em um tipo de policiamento ostensivo, exclusivamente atribuído às Polícias Militares. Conforme nitidamente solidifica a estatuição do Decreto-lei n. 667, de 02 de julho de 1969, modificado pelo Decreto-lei n. 1.406, de 24 de julho de 1975, e pelo Decreto-lei n. 2.010, de 12 de janeiro de 1983, ambos recepcionados pela Carta Maior de 1988, uma vez que não contrariam os preceitos desta:

Art.3º - Instituídas para a manutenção da ordem publica e Segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete as Policias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

a)executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forcas Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pelas autoridades competentes, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem publica e o exercício dos poderes constituídos;

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas. (BRASIL, 1969, grifo nosso).

Na mesma senda, justapõe-se o Decreto Federal n. 88.777, de 30 de setembro de 1983, o qual, ao aprovar o Regulamento para as Polícias Militares e os Corpo de Bombeiros Militares (R-200), assenta que o policiamento de trânsito se constitui missão legal do policial militar:

CAPÍTULO II

Da Conceituação e Competência

Art. 2º Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de julho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:

[...]

27) Policiamento Ostensivo – Ação Policial, exclusiva das Polícias Militares, em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.

São tipos desse policiamento, a cargo das Polícias Militares, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes:

- ostensivo geral, urbano e rural;

- de trânsito;

- florestal e de mananciais; [...] (BRASIL, 1983, grifo nosso).

Incorporando esses mesmos preceitos da legislação, observa-se que a doutrina policial militar também delimita o policiamento de trânsito como um tipo, uma das facetas do policiamento ostensivo.(BRASIL, 1985).

O Código de Trânsito Brasileiro, por sua vez, em seu Anexo I, Dos Conceitos e Definições, firma entendimento:

POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO - função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes. (BRASIL, 1997a, grifo nosso).

Isso exposto, percebe-se que o policiamento de trânsito se cristaliza como uma missão que não só deve ser exercida pelas Polícias Militares, mas sim deve ser executada com exclusividade, conforme o manto legal. Todavia, com o escopo de dirimir qualquer dúvida restante e sem perder de vista o saber de Lazzarini (1986, p.86) de que a competência sempre decorre da lei e por ela é delimitada, cumpre fazer menção a Constituição de 1988, Lei Maior, que ao tratar da Segurança Pública em seu Título V, art.144, § 5º, encerrou parecer atinente à competência das Polícias Militares:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

[...]

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; [...] (BRASIL, 2005b, grifo nosso).

De acordo com o que preceitua o constituinte, nota-se que a competência das Polícias Militares é a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Destarte, essencial se torna identificar o que se compreende por preservação da ordem pública e por polícia ostensiva. Assim sendo, sedimenta o item 21 do Decreto Federal n. 88.777/83 (R-200) que por ordem pública deve-se entender o

[...] conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação que conduza ao bem comum. (BRASIL, 1983).

Essa tentativa de categorização legal, por certo, longe se encontra de adequadamente formalizar o conceito de ordem pública, mas serve de ponto de partida para que consiga aproximar a acepção de ordem pública daquilo que se sente e se observa ser ordem pública. Um dos equívocos deste citado conceito legal é de demarcar ordem pública como "conjunto de regras formais". Distingue-se, pois, ordem pública da ordem jurídica. Trazendo à baila as lições de Moreira Neto (1986, p. 135, grifo do autor), "ordem Pública não são regras, mas o resultado apreciável de sua observância." E complementa o autor de que nem mesmo o conjunto de regras poderia ser Ordem Jurídica, pois, esta envolve também normas não-formais, não positivadas, como princípios gerais e particulares do direito.

Sob tal aspecto, Silva (2000, p. 577) comenta:

ORDEM PÚBLICA. Entende-se a situação e o estado de legalidade formal normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confude com a ordem jurídica, embora seja uma conseqüência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada.

Nota-se que ao se ter em mente o termo ordem pública, direciona-se a percepção para algo, até certo ponto, vago e bastante amplo; pois, muito embora haja delimitações semânticas quanto à ordem pública, notório é a distância a percorrer para que se alcance um consenso conceitual. Corroborando com esse pensar, os ensinamentos jurisprudenciais repassam o seguinte magistério:

Em cinqüenta anos de vigência do tema não existe na atividade jurisdicional ‘jurisprudência’ efetiva a respeito do conceito de ordem pública.

Há, de fato, algumas decisões em que se busca uma conceituação do tema, sem, contudo, firmar-se um juízo de valor coeso a respeito. (CHOUKR, 1993, p. 91, grifo do autor).

Adotando-se o desafio de categorizar ordem pública, percebe-se a lição de Meirelles (1986, p. 156), "ordem pública é a situação de tranqüilidade e normalidade que o Estado assegura – ou deve assegurar – às instituições e a todos os membros da sociedade, consoante às normas jurídicas legalmente estabelecidas". Neste viés, pode-se afirmar ainda que se trata de "uma situação pacífica de convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes." (BARILE,1953, p.117, apud SILVA, 2004, p. 758).

Nesse delinear, salientam-se as palavras de Moreira Neto (1991, p.141),

A ordem pública é a disposição pacífica e harmoniosa da convivência pública, conforme princípios éticos vigentes na sociedade. Como se pode apreciar, o referencial ordinatório não é a apenas a lei e, tampouco, se satisfaz com princípios democráticos: a ordem pública é mais exigente, pois tem uma dimensão moral diretamente referida às exigências sociais e, por isso, própria de cada grupo. A ordem pública deve ser portanto, legal, legítima e moral.

Dissecando-se o conceito, vislumbra-se que em essência, a base elementar da ordem pública sustenta-se por uma tripartite: segurança pública, tranqüilidade pública e salubridade pública. Louis Rolland (1947, p. 399) apud Lazzarini (1999, p. 52), ao comentar sobre polícia administrativa, doutrinou que "[...] a polícia tem por objeto assegurar a ordem pública, isto é, a tranqüilidade, a segurança e a salubridade, concluindo por asseverar que assegurar a ordem pública, em suma, é assegurar essas três coisas."

Em síntese, imperativo é relatar as considerações de Lazzarini (1986, p. 13-14, grifo do autor):

[...] a ordem pública é mais fácil de ser sentida do que definida, mesmo porque ela varia de entendimento no tempo e no espaço. Aliás, nessa última hipótese, pode variar, inclusive dentro de um determinado país. Mas sentir-se-á a ordem pública segundo critérios de ordem superior, políticos, econômicos, morais e, até mesmo, religiosos. A ordem pública não deixa de ser uma situação de legalidade e moralidade normal, apurada por quem tenha competência para isso sentir e valorar. A ordem pública, em outras palavras, existirá onde estiver ausente a desordem, isto é, os atos de violência, de que espécie for, contra as pessoas, bens ou o próprio Estado. A ordem pública não é figura jurídica, embora se origine e tenha a sua existência formal.

Outrossim, constata-se que a mudança de nomenclatura, a qual até então prevalecia nas Constituições Federais anteriores, de "manutenção" para "preservação" da ordem pública, ensejou numa maior elasticidade as missões constitucionais das Polícias Militares. Como precisamente tece o Parecer GM-25, a "preservação é suficientemente elástica para conter a atividade repressiva, desde que imediata."(BRASIL, 2001).

No que tange à manutenção, em breves termos, entende-se "[...] a ação e efeito de ser conservada a situação de certas coisas ou de certos fatos. É, assim, a permanência ou conservação, legalmente assegurada, a respeito de qualquer statu quo, que se manterá como sempre foi ou como deva ser."(SILVA, 2000, p. 518, grifo do autor).

Por outro lado, a preservação, nos dizeres de Bueno (1966, p.3.182) apud Lazzarini (1999, p. 105), compreende a "medida que se toma para alguma coisa de causas que a possam deteriorar, estragar. Evitação; prevenção; conservação; defesa".

Há que se sedimentar, então, as lições de Lazzarini (1999, p. 105):

A preservação abrange tanto a prevenção quanto a restauração da ordem pública, no caso, pois seu objetivo é defendê-la, resguardá-la, conservá-la íntegra, intacta, daí afirmar-se agora com plena convicção que a polícia de preservação da ordem pública abrange as funções de polícia preventiva e a parte da polícia judiciária denominada de repressão imediata [...].

Nota-se, pois, que a terminologia preservação da ordem pública, em contraponto à manutenção da ordem pública, conferiu às Polícias Militares uma maior gama de atribuições, as quais não se permaneceram adstrita à conservação do statu quo, mas a uma indispensável restauração da ordem aglutinada com uma missão residual que se consubstancializa a partir da falência ou incapacidade operacional dos demais órgãos policiais. Ademais, por sua natureza residual, fora exarada como de remanência, definindo-se "[...] sempre que não for o caso da preservação e restabelecimento policial da ordem pública de competência específica e expressa dos demais órgãos policiais do Estado".(MOREIRA NETO, 1991, p. 145).

No que toca à polícia ostensiva, igualmente, o constituinte inovou na nomenclatura e ampliou a missão constitucional das Polícias Militares. Visto que a semântica do termo foi para além do até então previsto nas constituições anteriores, policiamento ostensivo.

A polícia ostensiva, afirmei, é uma expressão nova, não só do texto constitucional como da nomenclatura da especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido, de estabelecer a exclusividade constitucional e, segundo, para marcar a expansão da competência policial dos policiais militares, além do "policiamento" ostensivo.(MOREIRA NETO, 1991, p.146,grifo do autor).

Cumpre esclarecer que polícia ostensiva diz-se da instituição possuidora do poder de polícia, o qual segundo Moreira Neto (1986, p. 139) exterioriza-se por meio da ordem, do consentimento, da fiscalização e da sanção de polícia.

Em se tratando de polícia ostensiva, imprescindível se torna salientar o que se entende por poder de polícia a fim de que a ação policial não se veja revestida de arbitrariedade e, assim, não haja óbice quanto à legitimidade e à legalidade do proceder policial.

O legislador pouco tem se atentado ao assunto, contudo o Código Tributário Nacional em seu art. 78 inscreveu o conceito legal de poder de polícia:

Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 1966).

Ressalvando-se a peculiaridade do texto legal, percebe-se que o mesmo traz como elementares conceituais, o cerceamento do direito, interesse ou liberdade individual, em razão do interesse público. Esse posicionamento legal está a cristalizar a adoção do conceito moderno de poder de polícia, conforme Di Pietro (2003, p.111, grifo do autor), "[...] o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público."

Para Moreira Neto (1986, p.120, grifo do autor) trata-se da

[...] atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o exercício das liberdades e direitos individuais visando assegurar, em nível capaz de preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos de convivência social, notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética.

Além disso, Lazzarini (1999, p.312) distintamente escreve que o Poder de Polícia, legitimando a ação de polícia e a sua própria razão de ser, "[...] é a capacidade derivada do Direito, de que dispõe a Administração Pública, como poder público, para controlar os direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, inspirando-se nos ideais de bem comum." Nesse desiderato, Cretella Junior (1986, p. 201, grifo do autor) acrescenta que "o poder de polícia, fundamento jurídico da ação policial, é toda facultas, garantida pelo Estado, tendente a limitar a atividade abusiva do cidadão."

Não se pode olvidar, também, conforme Meirelles (2003, p. 131), que para efetivar essas restrições individuais em favor da coletividade, o Estado utiliza-se da discricionariedade do poder de polícia, agindo de acordo com a conveniência e a oportunidade nos limites da lei. Em assim sendo, torna-se necessário um alerta: "[...] a repressão recai sobre a liberdade e incolumidade da pessoa, não pode exceder, nem em intensidade nem em duração, o mínimo absolutamente indispensável à manutenção ou reposição da ordem pública." (MOREIRA NETO, p.120).

Tocante a isso, Meirelles (2003, p.132, grifo do autor) ensina:

Discricionariedade não se confunde com arbitrariedade. Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade é a ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder. O ato discricionário, quando se atém aos critérios legais, é legítimo e válido; é sempre ilegítimo e válido; nulo, portanto.

O poder de polícia, então, vincula-se a lei. Em breves palavras, trata-se de um poder amplo, mas não ilimitado ou absoluto. "Os fins, por melhores que sejam, não podem justificar o uso de meios arbitrários."(LAZZARINI, 1999, p.207).

É válido ressaltar, ainda, que o poder de polícia é próprio da Administração Pública, sendo exclusivo e indelegável. É o poder de polícia que fundamenta o poder da polícia. Sabe-se que quatro são os modos de exteriorização do poder de polícia, porém, considerando-se o fim deste trabalho, ater-se-á a abordar a fase de fiscalização de polícia.

Nesse sentido, Moreira Neto (1991, p. 147, grifo do autor) leciona:

A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa, através da qual se constata o cumprimento da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex officio ou provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública, é o que se denomina de policiamento.

Sem dissonâncias, então, pode-se concluir que o policiamento corresponde apenas à atividade de fiscalização do poder de polícia. Por esse motivo, a expressão utilizada, polícia ostensiva, expande, com exclusividade, a atuação das Polícias Militares à totalidade dos modos do exercício do poder de polícia.

De posse disso, é válido lembrar também que o poder constituinte estadual nitidamente delimitou à Polícia Militar o exercício da polícia ostensiva relacionada com a guarda e fiscalização do trânsito:

Art. 107 - À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, alem de outras atribuições estabelecidas em lei:

I - exercer a polícia ostensiva relacionada com:

a preservação da ordem e da segurança publica;

o radio patrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial;

o patrulhamento rodoviário;

a guarda e a fiscalização do transito urbano;

a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais;

a polícia judiciaria militar;

a proteção do meio ambiente;(SANTA CATARINA, 1989, grifo nosso).

Deduz-se, assim, que as diretivas técnicas e legais do poder de polícia encontram-se a pacificar e a legitimar, de forma exclusiva, a incumbência funcional do policiamento ostensivo de trânsito às Polícias Militares. Entretanto, não se pode esquecer a independência e autonomia das searas administrativas, penais e cíveis. Aliás, convém tecer que toda essa construção teórica e legal, que sustenta a competência policial militar para atuar trânsito, não está relacionada com a esfera de polícia administrativa de trânsito. Não se pode confundir infração administrativa de trânsito com infração criminal ou competência administrativa com competência criminal.

2.3.2.Fiscalização Administrativa de Trânsito

Para que se possa assimilar a diferenciação entre a seara administrativa e a penal no trânsito, é preciso saber distinguir Polícia Administrativa Geral, Polícia Administrativa Especial e Polícia de Preservação da Ordem Pública. Em assim sendo, reportar-se a visão de Moreira Neto (1986, p.120), a qual estabelece uma subdivisão da Polícia em Polícia Administrativa e Polícia Judiciária; e aquela, em Polícia Administrativa Geral e Polícia de Segurança Pública.

Em breves palavras, elucida-se que a Polícia Administrativa é preventiva, pois procura evitar a ocorrência do ilícito, e a Polícia Judiciária é repressiva por atuar após o ilícito. Dentro desse raciocínio, não raras vezes, encontrar-se-á doutos qualificando as Polícias Militares como Polícia Administrativa.

Face a isto, solidifica-se o saber de Lazzarini (1986, p.37, grifo do autor):

[...] a qualificação do órgão policial em civil ou militar não implica, necessariamente, no exercício de atividade de polícia judiciária ou de atividade de polícia administrativa. Ainda, não será o título universitário do agente público que pode qualificar a atividade policial desenvolvida. O que qualificará em administrativa ou judiciária (isto é, preventiva ou repressiva) será, e isto sempre, a atividade de polícia desenvolvida em si mesma.

Há de se perceber que as Polícias Militares por seu mister eclético, amplo e peculiar, com a integralidade do poder de polícia, configuram-se por uma categorização específica, Polícia de Segurança Pública. Em contornos práticos, muito embora Lazzarini (1986, p. 86, grifo do autor) adote nomenclatura distinta, corrobora em substância com o mesmo pensamento anteriormente expresso de Moreira Neto (1986, p.120) atinente às Polícias Militares:

A Polícia de Manutenção da Ordem Pública – e por isso a Polícia de Segurança –, em princípio, é modalidade da espécie Polícia Administrativa, por preventiva que é. Todavia, em ocorrendo o ilícito que se procurava evitar, a Polícia de Manutenção da Ordem Pública, imediata e automaticamente, passa à repressão, assim entendida a colaboração que deve ao Poder Judiciário para a plena realização da Justiça Criminal.

Seguindo esse entendimento, há de se diferenciar a polícia de ordem pública dos demais ramos especializados da Polícia Administrativa. Enquanto que aquela, como fora estudado, no desempenho do policiamento ostensivo de trânsito encontra-se direcionada à percepção e efetivação da segurança, tranqüilidade e salubridade; esta, por sua vez, tem por objeto ramos administrativos específicos, com atribuições adstritas a certos segmentos, sendo inerentes e se difundindo por toda a Administração, polícia florestal, polícia sanitária, polícia de trânsito, dentre outros. (MEIRELLES, 2003, p. 127).

Focalizando o estudo, percebe-se que

A polícia administrativa de trânsito tem por finalidade disciplinar, controlar e fiscalizar o trânsito de veículos automotores, coibindo os abusos de motoristas; a circulação de veículos inadequados mecanicamente ou quanto a equipamentos obrigatórios ou que estejam desenvolvendo velocidade acima da permitida. Essas medidas visam à segurança e à tranqüilidade dos passageiros e pedestres e também dos animais domésticos e selvagens no meio rural.(FARIA, 1997, p.181, apud KRIGGER, 2000, p.27)

Silva (2005), por sua vez, estabelece essa diferenciação a partir dos limites do poder de polícia:

A polícia administrativa geral é voltada aos aspectos da ordem pública, que são: segurança, tranqüilidade e salubridade, tendo previsão constitucional e legal, permitindo uma maior flexibilidade à Administração Pública por ser mais propícia à atuação discricionária, daí ter o formato de instituição, exigindo preparo e controle adequados de seus quadros, o que vai desde as condições particulares de ingresso, passando por formação, carreira, deveres e direitos, que lhes permitem exercer o poder soberano do Estado, inclusive usando da força para que a lei se sobreponha e a ordem turbada seja, prontamente, restabelecida.

A polícia administrativa especial, por sua vez, não tem por objeto a ordem pública e dilui-se em múltiplos segmentos, conforme os ramos das atividades particulares que lhe cumpre fiscalizar. Sua previsão legal é muito mais estreita que a da polícia de ordem pública e seu formato não é o de instituição.

Neste rumo, com o advento do CTB (1997) e a adoção de uma doutrinação que se firma pela municipalização do trânsito, alguns embates fizeram insurgir uma crescente indecisão quanto à atuação policial militar no trânsito. Chegando-se a acreditar por certo tempo que a competência policial militar de polícia de trânsito, até então realizada, ficara estreitada. (TEZA, 2003, p.86). Entretanto, talvez por falta de melhor análise, após sucinto pormenorizar, de pronto se constata que a regência do CTB em muito pouco alterou a fundamentação legal para o agir policial militar no âmbito do trânsito. Ressalvando-se, apenas, que a atividade policial militar concernente à fiscalização do trânsito devesse estar adstrita à celebração de convênio com a autoridade de trânsito. Conforme delimita o art. 23 do CTB:

Art. 23 - Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:

I - (VETADO)

II - (VETADO)

III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados; [...].(BRASIL, 1997a, art.23).

Importa esclarecer que o legislador conceituou no Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro o entendimento referente à fiscalização de trânsito:

FISCALIZAÇÃO - ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código. (BRASIL, 1997a).

Evidencia-se que esta fiscalização de trânsito não é atividade exclusiva a ser desempenhada pela Polícia Militar. Para ser agente de trânsito, independe de ser civil ou militar, uma vez que basta está credenciado junto à autoridade de trânsito.

Assim, de tudo que fora exposto, percebe-se que a fiscalização de trânsito não se constitui no mesmo universo do policiamento ostensivo de trânsito, apesar deste ser a fase de fiscalização do poder de polícia. Noutros dizeres, a fiscalização de trânsito diz respeito ao controle das normas administrativas que regulamentam o trânsito; remete-se, de forma pontual, a jurisdição administrativa, ao executar do agente de trânsito. Ao passo que o exercício do policiamento ostensivo de trânsito transcende o âmbito administrativo, constituindo-se em atividade de controle e fiscalização do respeito à ordem pública, tal qual conceituou o Anexo I do CTB:

POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO - função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.(BRASIL, 1997a).

Sobre essa distinção, bem esclarece Santos (1998):

A atividade de polícia administrativa exercida pelos agentes da autoridade de trânsito não deve ser confundida com a atividade de policiamento ostensivo.

A primeira implica na fiscalização, autuação, processamento e aplicação da penalidade ao infrator e pode ser exercida tanto pela autoridade de trânsito quanto pelos agentes por ela designados (art. 280, § 4º, do C.T.B.) - ressalvados os casos de aplicação das penalidades, privativos da autoridade de trânsito.

A atividade de policiamento ostensivo é exclusiva das Polícias Militares, nos termos do art. 144, § 5º, da Constituição Federal e art. 105 da Constituição do Estado de Pernambuco.

Nada impede que os policiais militares exerçam ambas as competências; porém, para executarem as atividades de polícia administrativa deverão ser credenciados pela autoridade competente - art. 280, § 4º c/c art. 23, III; enquanto o exercício das atividades de policiamento ostensivo independe de qualquer providência, pois tem sede constitucional.

Desta forma, ressalta-se que diferentemente do policiamento ostensivo, a fiscalização de trânsito não se concretiza como uma missão privativa do policial militar, podendo ser efetivada por civil quando devidamente credenciado junto à autoridade de trânsito, de acordo com o CTB.

Por finalizar, cumpre resumir que a competência do policiamento ostensivo de trânsito resta tão-somente às Polícias Militares. Todavia, no que tange à fiscalização de trânsito, esfera administrativa, poderá ser realizada pela Polícia Militar, desde que devidamente conveniada com os órgãos e entidades executivas do Sistema Nacional de Trânsito. Aliás, pode-se afirmar que as Polícias Militares têm desempenhado a fiscalização de trânsito, por intermédio de convênios celebrados com o órgão executivo de trânsito. Fato esse que predominantemente ocorre no Estado brasileiro e, em específico, em Santa Catarina, conforme dados estatísticos apresentados por Teza (2003, p.98), em que se diagnostica que apenas 11,3 % dos municípios brasileiros e 13% dos municípios catarinenses integram ao Sistema Nacional de Trânsito. Restando cristalino, portanto, que a Polícia Militar possui competência para atuar no âmbito do trânsito, quer seja na seara administrativa ou criminal.

2.3.3.Flagrante delito

No que tange à esfera criminal, em última análise, indispensável se torna ainda fazer menção ao art. 301 do Código de Processo Penal – CPP, dirimindo qualquer incerteza quanto à competência da Polícia Militar para intervir no crime de embriaguez ao volante.

Art. 301 - Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.(BRASIL, 1941)

Assim, para que se possa compreender a referida estatuição, fundamental se verifica recorrer aos ensinamentos doutrinários. O primeiro entendimento a se ter em mente refere-se à etimologia do termo flagrante delito. Noronha (1978, p.158) ensina que

Flagrante vem do latim flagrans, flagrantis, isto é, ardente, brilhante e resplandecente. Flagrante delito vem a ser, pois, a ardência do crime. É a prova plena do delito, é a certeza de sua existência e da autoria. [...] O flagrante é a qualidade do delito: está ele em flagrância, ou seja, sendo cometido, praticado naquele momento, e, por isso mesmo, é patente e irrecusável.

Nesse raciocínio, Mirabete (1997, p.383) explica que "[...] é um sistema de autodefesa da sociedade, derivada da necessidade social de fazer cessar a prática criminosa e a perturbação da ordem, tendo também o sentido de salutar providência acautelatória da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria."

Convém pontuar que a prisão por flagrante delito, conforme o magistério de Capez (2004, p.232), "É, portanto, medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independentemente de ordem escrita do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido, um crime ou contravenção."

Feito isso, observa-se que a lei impôs à autoridade policial um dever agir e não uma faculdade, como fez a qualquer do povo. Nesse pensar, Mirabete (1997, p.383) afirma: "[...] a lei obriga que as autoridades policiais, ou seus agentes, prendam quem se encontre em flagrante delito [...]." Em assim sendo, "[...] é dever da autoridade detê-lo e é facultado a qualquer do povo fazê-lo."(NORONHA, 1978, p.161).

Trata-se, pois, de um agir compulsório por parte da autoridade policial ou seus agentes, porque, como bem expressa Capez (2004, p.234), "[...] o agente é obrigado a efetuar a prisão em flagrante, não tendo discricionariedade sobre a conveniência ou não de efetivá-la."

De igual forma, Mirabete (1997, p.383) leciona:

Quanto às autoridades policiais e seus agentes deverão efetuar a prisão em flagrante (flagrante compulsório), respondendo pela omissão administrativa e criminalmente, eventualmente até pelo resultado causado pelo agente se podiam evitar a consumação do crime (art.13, §2º, "a", do CP).

Diante disso, por finalizar, salienta-se que o policial militar tem o dever de agir quando da ocorrência de flagrante de delito, inclusive no que concerne aos crimes de trânsito. Além disso, conforme convenientemente lembrou Mirabete (1997, p.383), justaposto a esse dever agir, encontra-se uma responsabilização penal e administrativa sempre que se for verificada a omissão policial.

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Sobre o autor
Thiago Augusto Vieira

cadete da Polícia Militar em Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Thiago Augusto. A intervenção policial militar diante da embriaguez ao volante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9047. Acesso em: 24 nov. 2024.

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