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A intervenção policial militar diante da embriaguez ao volante

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02/01/2007 às 00:00
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3.ASPECTOS JURÍDICOS

Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário.

Albert Einstein

3.1.Princípios

Prosseguindo no estudo, ao se iniciar à recopilação jurídica, necessário se tornam examinar alguns preceitos fundamentais que dão forma e substância ao sistema jurídico. Em outras palavras, os sustentáculos que norteiam o manto jurídico vigente. Princípios que se estabelecem como

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentifo harmônico.(BANDEIRA DE MELLO, 2003, p.450, apud SILVA, 2004, p.91).

Deste modo, o estudo trará à baila princípios fundamentais, direitos do ser humano que se constituem em normas elementares ou requisitos primordiais instituídos para servir de essência a toda espécie de ação jurídica. Firmando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.

Em breves termos, cabe ressaltar que por direitos ou princípios fundamentais deve-se entender

[...] o conjunto de normas de um ordenamento jurídico que formam um subsistema deste, fundado na liberdade, na igualdade, na segurança, na solidariedade, expressões da dignidade do homem, que formam parte da norma básica material de identificação do ordenamento jurídico, e constituem um setor da moralidade procedimental positivada, que legitima o Estado Social de Direito. (MARTÍNEZ, 1999, p. 469 apud MACHADO, 2005).

Nesse sentido, passa-se à apresentação e à minúcia daqueles pressupostos de maior relevância e intimamente relacionados à temática em estudo, a fim de possam servir de caminho para a adoção de um procedimento policial militar adequado ao Estado Democrático de Direito.

3.1.1.Princípio da Legalidade

Não de hoje tem se argüido que um dos princípios basilares do Estado de Direito reside no princípio da legalidade, que o constituinte esculpiu no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". (BRASIL, 2005b).

Silva (2004, p. 419) escreve que "O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática." Em outros termos, Mello (2006, p.88, grifo do autor) leciona

[...] é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência dele. É fruto da submissão do Estado à lei.

No contexto penal, o citado pressuposto assume relevância indiscutível, visto que a tipicidade decorre do princípio da legalidade, não havendo como se falar em crime sem se reportar ao princípio da legalidade, particularizado no princípio da reserva legal expresso no art. 1º do CP – "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal."(BRASIL, 1940, art. 1º).

Indispensável esclarecer que o princípio da legalidade vincula a conduta de administradores e administrados à lei. "É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou dos administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei." Significa dizer, conforme Meirelles (2003, p.86) que "[...] o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme for o caso."

Conforme Araújo (2005, p.51), diz respeito a grande conquista da democracia, decorrente das revoluções liberais, que submeteu também o Estado ao império da lei, deixando de ser o Estado policialesco dos regimes absolutistas. Na verdade, o princípio da legalidade trata-se do não acatamento ou obediência à lei, mas à vontade e ao interesse público, que emanam do povo e se manifestam por ela. (ARAÚJO, 2005, p.50). "O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania."(MELLO, 2006, p.89, grifo do autor).

Em suma, configura-se na norma garantidora que, ao submeter o Estado à lei, assegura o respeito aos interesses coletivos.

3.1.2.Princípio da Vedação à Auto-incriminação

Também conhecido como princípio de não produzir prova contra si, o princípio da vedação da auto-incriminação advém do preceito nemo tenetur se detegere e se consolida, sobretudo, como um dos pilares a serem argüidos no embate que surge da discussão inerente à obrigatoriedade de submissão ao bafômetro.

No que toca à delimitação conceitual, parte-se do pressuposto informador nemo tenetur se detegere:

O nemo tenetur se detegere, direito fundamental geral ligado à concepção de liberdade e dignidade da pessoa humana, à medida que assegura o direito ao investigado a não se auto-incriminar, fundamenta a própria legitimidade do Estado Democrático de Direito, preservando-se, portanto, um dos instrumentos fundamentais à concretização do contraditório e da ampla defesa. É justamente na tutela jurídica dos interesses do acusado que repousa a proteção dos direitos fundamentais.(MACHADO, 2005).

Sobre esse prisma, Gomes Filho (1995) apud Jesus (2004, p.57) ensina que

[...] o direito à não auto-incriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional.

Faz-se mister, nesse desiderato, considerar que o direito de não produzir prova contra si encontra-se previsto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque (1966) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), ou Pacto de San José da Costa Rica, cujos tratados estão incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, através dos Decretos n.º 592, de 06 de julho de 1992 e n.º 676, de 06 de novembro de 1992.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), in verbis, dispõe:

Art. 8º Garantias judiciais.

[...]

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

[...]

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;

Outrossim, imprescindível se torna mencionar que a incorporação de tal pressuposto à ordem jurídica brasileira apresenta questões controvertidas. Dentre as quais cabe comentar a que se refere à natureza normativa, se o direito de não se auto-incriminar possui força de norma constitucional ou não.

Atualmente, destacam-se quatro correntes interpretativas acerca da hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que sustentam: a) a hierarquia supraconstitucional destes tratados; b) a hierarquia constitucional; c) hierarquia infraconstitucional, mas supralegal e d) a paridade hierárquica entre tratado e lei federal.(PIOVESAN, 2005, p.8).

Percebe-se, nas lições de Piovesan (2005, p.8), que mesmo antes da inserção do § 3º no art. 5º da CF/88, a parte majoritária da jurisprudência, em específico o STF, assenta a paridade hierárquica entre tratado e lei federal, conferindo força de lei ordinária à natureza normativa do direito de não se auto-incriminar. De igual forma, Machado (2005, grifo nosso) traz que:

As posições doutrinárias são as mais variadas, entretanto, a discussão foi atropelada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, predominando o entendimento de que os tratados e convenções internacionais, ao serem incorporados ao direito nacional, têm hierarquia de lei ordinária e não de normas constitucionais, nem supranacionais. (RTJ 83/809; 82/530 e 121/270).

Sobre o assunto, Bastos (2005) leciona "[...] que o princípio acima invocado é um princípio processual, sem assento constitucional. Não é razoável esticar o princípio da ampla defesa para impedir que se colha, do autor da infração penal, o corpo de delito." Corroborando com esse posicionamento de paridade hierárquica à lei ordinária, tem-se a doutrina de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990, p. 87), Celso Ribeiro Bastos (1989), Zeno Velloso (1999, p.118) e Clèmerson Clève (1995, p.142).(MACHADO, 2005).

Pensar esse que se fortalecera com a recente alteração constitucional a partir da nova redação constitucional com a Emenda Constitucional n. 45 de 2004, a qual acresceu novo parágrafo ao art. 5º da CF/88 almejando dirimir o conflito hermenêutico existente:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.(BRASIL, 2005b).

A vigente redação constitucional elevou ao status de direitos e garantias fundamentais, as diretivas legais advindas de tratados e convenções internacionais que versarem sobre direitos humanos e forem aprovadas em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. (BRASIL, 2005b). Há de se verificar que a referida condição de procedibilidade legislativa diz respeito ao tratamento conferido às propostas de emenda constitucional, de acordo com o §2º do art.60 da CF/88. Seguindo esse raciocínio, ao se observar a ratificação do Pacto de San José da Costa Rica, constata-se que o mesmo se dera em conformidade com o art. 65 da CF/88, ou seja, nos moldes de lei ordinária.

Destarte, para corrente majoritária dos doutos, o Pacto de San José da Costa Rica (1969), vigora no ordenamento jurídico pátrio com força de lei ordinária. Sob esse prisma, então, o princípio da vedação da auto-incriminação apesar estar a nortear os procederes jurídicos no Estado brasileiro, não se reveste de natureza constitucional.

Entretanto, a pacificidade não fora alcançada, visto que existem segmentos doutrinários e jurisprudenciais que defendem a qualificação de preceito constitucional ao direito de não produzir prova contra si. Ao se analisar, por exemplo, as contribuições de Piovesan (2005, p.9), constata-se que o mesmo sustenta o caráter constitucional do preceito em comento com base na existência de uma distinção quanto à recepção dos tratados, qual seja, em razão da matéria e/ou da forma. De modo, que muito embora não esteja formalmente elevado ao status constitucional, não há que se rejeitar a natureza constitucional da matéria ou o direito do ser humano de não se auto-incriminar. Assim, ratificando a força constitucional do direito de vedação à auto-incriminação, Machado (2005) traz as lições de Silva (2000, p.197), Grinover (1995, p.70), Trindade (1991, pp. 631-632), Gomes Filho (1997, pp.82-83).

Salienta-se, de acordo com Piovesan (2005, p.9), que se deve "[...] afastar o equivocado entendimento de que, em face do §3º do art.5º, todos os tratados de direitos humanos já ratificados seriam recepcionados como lei federal, pois não teriam obtido quorum qualificado de três quintos demandado pelo aludido parágrafo." Bem porque, "Na hermenêutica emancipatória dos direitos há que impetrar uma lógica material e não formal, orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da dignidade humana."(PIOVESAN, 2005, p.9).

Isso posto, deslocando o foco da análise, visualiza-se outra dissonância doutrinária. Para parte dos doutos, o princípio da vedação à auto-incriminação solidifica-se com o mesmo valor semântico do direito do silêncio. Nesse rumo, Jesus (2004, p.56) expressa:

Nosso Direito Constitucional consagra o princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, seguindo a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), o Pacto de São José da Costa Rica e a Convenção Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948). Em face disso, não pode a lei infraconstitucional impor a obrigação da sujeição do motorista suspeito ao exame de

"bafômetro" (etilômetro), sob pena de configurar-se presunção contra ele. Negando-se, não responde por crime de desobediência. Embora a regra mencionada refira-se mais ao direito ao silêncio do preso, ela é aplicável a qualquer pessoa, detida ou não. O preceito significa que, na verdade, em nosso Direito, não se pode compelir o indivíduo a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).

Da mesma maneira, o STF tem entendido:

(...) Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal, e nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial judiciária, a prática da infração penal. (BRASIL, 1992, p. 13.453).

Transportando essa vertente doutrinária à temática de estudo, vislumbra-se o seguinte julgado pelo tribunal gaúcho:

Ementa: Desobediência. Embriaguez ao Volante. Concurso Material. 1- Não configura o crime do artigo 330 do Código Penal a recusa, pelo motorista, em acompanhar os policiais ate um hospital, para fins de submissão ao teste de bafômetro. Ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, máxima que decorre do direito ao silêncio (CF/88, artigo 5º, inciso LXIII), e que abrange aquele direito de não se auto-incriminar. A negativa não pode levar a presunção de culpa, devendo a autoridade lançar mão de outros métodos para verificar a embriaguez. 2- Crime do artigo 303 da lei 9503/97. Embriaguez comprovada por meio de termo de exame clínico e por atestado médico, ratificados pela confissão e prova oral. Colisão entre veículos, reveladora de dano potencial a incolumidade física de outrem. Apelo parcialmente provido. (RIO GRANDE DO SUL, 2000, grifo nosso).

Diversamente desse posicionamento, parte da doutrina leciona que, embora decorrentes do mesmo preceito "nemo tenetur se detegere", tais princípios não assumem o mesmo significado. Nesse pensar, cabe destacar as lições de Queijo (2003, p. 69, grifo do autor):

Expressões como: "não se auto-incriminar", "não se confessar culpado", "não produzir provas contra si mesmo", "não se declarar culpado", "direito de permanecer calado", "direito ao silêncio", dentre outras fornecidas pela literatura jurídica, estão abrangidas na noção da terminologia latina: nemo tenetur se detegere. Isso não quer dizer que todas estas expressões sejam necessariamente sinônimas, muito menos, que o nemo tenetur se detegere identifique-se com as mesmas, diante de um rigor técnico conceitual. Entender dessa forma, segundo a doutrina especializada, seria o mesmo que imprimir efeitos extremamente restritivos ao preceito do nemo tenetur se detegere.

E continua Queijo (2003, p. 190) a escrever:

Na realidade, o direito ao silêncio é a mais tradicional manifestação do nemo tenetur se detegere, mas o citado princípio não se restringe a ele. O direito ao silêncio apresenta-se como uma das decorrências do nemo tenetur se detegere, pois o referido princípio, como direito fundamental e garantia do cidadão no processo penal, como limite ao arbítrio do Estado, é bem mais amplo e há diversas outras decorrências igualmente importantes que dele se extraem.

Percebe-se que, apesar de advir do mesmo pressuposto (nemo tenetur se detegere), existe uma linha tênue a diferenciar o direito da vedação da auto-incriminação do direito do silêncio.

Por fim, diante desse contexto conflitante e sustentando-se por uma abordagem imparcial, passa-se a adotar o pensamento majoritário expresso pela doutrina e ratificado pelo STF, de que o princípio de vedação à auto-incriminação encontra-se incorporado ao direito nacional com força de lei ordinária, estando a estabelecer diretivas e a reger o ordenamento jurídico pátrio.

3.1.3Princípio da Segurança no Trânsito

Vislumbra-se que a segurança, desde os primeiros agrupamentos humanos, sempre se constituiu numa necessidade inerente à coexistência humana. Cretella Junior(1986, p.160) ensina que para a vida em sociedade "[...] a segurança das pessoas e dos bens é o elemento básico das condições universais, fator absolutamente indispensável para o natural desenvolvimento da personalidade humana." E complementa Lazzarini (1986, p. 25, grifo do autor), para a vida em coletividade "[...] é necessário que tenha um mínimo de segurança [...] A Polícia é a segurança encarregada de assegurar a ordem pública e a promover a segurança humana."

Nesse sentido, Cretella Junior (1986, p. 200) bem exprime que "a segurança individual e coletiva é problema dos mais relevantes do Estado". Nota-se, pois, por inferência a partir do clamor social e dos crescentes índices de criminalidade, que na mesma proporção dessa relevância, encontra-se a dificuldade para a materialização da condição de segurança.

Sem perde de vista tais ensinamentos, o poder constituinte emanado do povo, já de inicio, firmou em seu preâmbulo que a segurança se constitui em um direito social e individual inerente ao povo brasileiro:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 2005b, grifo nosso).

Ratificando esse mesmo pensar, a Lei Maior no Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Sociais e Individuais, trouxe a segurança como garantia precípua:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.(BRASIL, 2005b, grifo nosso).

Assevera-se que o direito à segurança consubstancializa-se numa das elementares essenciais à corporificação do Estado. Sendo que, de acordo com Pires e Sales (1998, p.216), "Por segurança coletiva tem-se compreendido o direito dos cidadãos em geral ao normal desenvolvimento de suas atividades e de suas vidas em clima de tranquilidade, bem-estar e sossego." Moreira Neto (1986, p. 110) explica que, "[...] em última análise, a função-síntese do Estado é prestar esta segurança: é garantir todos os valores quem informam e propiciam a convivência pacífica e harmoniosa entre indivíduos, entre grupos, dentro a nação e entre estados soberanos."

Observa-se que, como tal, o direito à segurança mostra-se até certo bastante amplo, sedimentando-se pelas mais diversas formas, dentre as quais a segurança no trânsito; conforme leciona Pires e Sales (1998, p.216) "[...] a segurança do trânsito nada mais é que um peculiar aspecto de segurança coletiva, à qual o Direito Penal empresta sua tutela. Assim procederam, e.g., os legisladores cubano de 1987 e espanhol de 1995."

Convém lembrar que a regulamentação do trânsito surge, sobretudo, da necessidade de proporcionar segurança aos usuários, pois desde tempos remotos o trânsito revela-se como um problema social com altos índices de mortalidade e morbidade, anteriormente demonstrados nesse trabalho. Ademais, Braga (2002, p. 5), atendo-se aos presentes dias, comenta que "A evolução do trânsito atingiu um patamar tão elevado que gerou a criação de um novo direito, necessário a cada um individualmente, como a toda coletividade, qual seja a garantia de um trânsito seguro". Além disso, "Acentua-se em doutrina que a segurança do trânsito é bem jurídico supra-individual." (PIRES e SALES, 1998, p.216).

Não diferente desse raciocínio, Rizzardo (2003, p. 29) leciona:

[...] tão importante tornou-se o trânsito para a vida nacional que passou a ser instituído um novo direito – ou seja, a garantia de um trânsito seguro. Dentre os direitos fundamentais, que dizem respeito com a própria vida, como a cidadania, a soberania, a saúde, a liberdade, a moradia e tantos outros, proclamados no art. 5º da Constituição Federal, está o direito ao trânsito seguro, regular, organizado ou planejado, não apenas no pertinente à defesa da vida e da incolumidade física, mas também relativamente à regularidade do próprio trafegar, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas.

O Código de Trânsito Brasileiro, por sua vez, de pronto estabeleceu o direito à segurança no trânsito:

Art. 1º - O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

[...]

§ 2º - O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.(BRASIL, 1997a)

O mesmo diploma legal, em seu art. 28, firma que "O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito." Dessa forma, especificando-se à temática em estudo, há de se transcrever no tocante ao direito de um trânsito seguro, as palavras do Des. Solon D’Eça Neves: "A segurança do trânsito é garantida, como reza o artigo 28 do Código de Trânsito Brasileiro, quando o condutor do veículo mostra domínio e atenção ao conduzi-lo, o que não ocorrerá se estiver sob a influência de álcool."(SANTA CATARINA, 2003).

Portanto, impossível se torna compatibilizar embriaguez ao volante com segurança no trânsito. Ademais, sabe-se que é um dever do Estado o garantir da segurança (no âmbito do trânsito essa responsabilidade encontra-se inscrita no art.1º, §2º do CTB), que, dentre outros instrumentos, concretiza-se a partir do exercício do poder de polícia.

3.1.4.Princípio da Supremacia do Interesse Público

Sustentando-se a partir da própria concepção de Estado, o princípio da supremacia do interesse público veio a se corporificar com o fito de resguardar o fim precípuo do próprio Estado, a preservação da vida e a consecução do bem comum. Como diz Araújo (2005, p.49, grifo do autor):

O princípio da supremacia do interesse público relaciona-se com a noção de puissance publique (potestade pública), e fundamenta-se nas próprias idéias iniciais da entidade "Estado, em que os membros de certa coletividade, como dizia Hobbes em sua obra, Leviat㸠abdicam de parte de sua liberdade integral em favor do comando disciplinador para a vida nessa mesma comunidade, que tomará medidas para sua defesa, segurança e processo.

No mesmo sentido, Mello (2006, p.85) ensina que "O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral do Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência."

Vislumbra-se que a noção de supremacia do interesse público não é restrita aos presentes dias, como expõe Beccaria (2002, p.19) que é preciso fazer valer a soma das partes de liberdade que foram sacrificadas em prol do bem geral, ou concretizar a soberania de uma nação.

Importa afirmar, além disso, que esse pressuposto jurídico vigora em uma complexa seara marcada por um aparente impasse ou conflito entre o gozo de direitos individuais e a consecução dos direitos coletivos. Em assim sendo, buscando assegurar a liberdade, o princípio da supremacia do interesse público corresponde a um instrumento limitador, que em regra se exterioriza pelo poder de polícia. Sobre isso, Cavalcanti (1956, p 6-7) apud Di Pietro (2003, p. 108) tece que o poder de polícia é a "limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direito essenciais do homem".

Essa aparente incompatibilidade entre o pleno exercício dos direitos individuais e o condicionamento destes ao bem-estar coletivo, resolve-se a partir do entendimento de que "[...] tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado".(ZANOBINI, 1968, p.191 apud DI PIETRO, 2003, p.108). Vale dizer, noutros termos, que

[...] o interesse geral prepondera sobre o particular, o regime jurídico das relações da entidade ("Estado") com seus integrantes é exorbitante do direito comum (que rege as relações entre os particulares), e permite a restrição, e até o sacrifício de interesse ou mesmo de direitos individuais, para que seja cumprido um fim de interesse da coletividade.(ARAÚJO, 2005, p.49, grifo do autor).

Recordando o magistério de Lazzarini (1999, p.50), nota-se que "[...] deve ser garantida a convivência pacífica de todos os cidadãos de tal modo que o exercício dos direitos de cada um não se transforme em abuso e não ofenda, não impeça, não perturbe o exercício dos direitos alheios".

Nesse pensar, resta trazer o magistério de Di Pietro (2003, p.67, grifo do autor):

Os dois princípios fundamentais e que decorrem da assinalada bipolaridade do Direito Administrativo – liberdade do indivíduo e autoridade da Administração – são os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, que não são específicos do Direito Administrativo porque informam todos os ramos do direito público; no entanto, são essenciais, porque, a partir deles, constroem-se todos os demais.

Ademais, Araújo (2005, p.50, grifo do autor) leciona que tamanha é a relevância desse princípio, que "[...] em nome dele, descendam direta ou indiretamente os demais princípios, gerais ou setoriais, que informam o Direito Administrativo". Corroborando, Meirelles (2003, p.129, grifo do autor) escreve que

A razão do poder de polícia é o interesse social e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade [...]

Em suma, a primazia do interesse público sobre o individual, é preceito a informar todos os demais pressupostos atrelados a intervenção estatal.

3.2.Estatuições Legais

Após trazer algumas considerações com o intuito de facilitar a compreensão e dar suporte ao objeto de estudo, direciona-se o foco para a análise dos ditames legais, regras que regulamentam a condução sob influência de álcool e a respectiva intervenção policial militar. Em assim sendo, primeiramente, convém destacar que a Lei n. 9.503/97, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, trouxe em seu texto estatuições distintas para o condutor de veículo automotor flagrado alcoolizado. Apesar de convergirem para a mesma finalidade, a penalização e a conscientização, o legislador ora estabeleceu a referida conduta como infração de administrativa, ora como crime de trânsito; demarcando procedimentos e conseqüências jurídicas próprias em jurisdições distintas, administrativa e criminal, respectivamente.

Há de se perceber, ainda, com o decorrer da pesquisa que a temática em apreciação sofrera expressiva modificação em seu corpo legal com o advento da Lei n. 11.275/06, que alterou a redação dos arts. 165, 277 e 302 do CTB. Por tal motivo, optou-se por caracterizar a natureza constitutiva da infração administrativa e do crime de trânsito, apresentando o trato normativo antes e após a vigência da Lei 11.275/06. Cabe esclarecer, a primeira vista, que ambas as condutas típicas, administrativa e criminal, qualificam-se por infração de trânsito, conforme o art.161 do CTB:

CAPÍTULO XV

DAS INFRAÇÕES

Art. 161 - Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX.(BRASIL, 1997a)

Isto posto, passa-se ao pormenorizar a cominação administrativa e criminal para o condutor flagrado alcoolizado.

3.2.1.Sob Influência de Álcool: Infração Administrativa

a) Conceito

Primeiramente, essencial se torna delimitar o que se compreende por infração ou ilícito administrativo. Advinda do latim, infractio, de infringere (quebrar, infringir), o termo infração designa o fato que viole ou infrinja disposição de lei, onde há cominação de pena. (SILVA, 2000, p.431).

Nesse mesmo entender, Ferreira (1986, p. 765) diz ser o "Ato ou efeito de infringir; violação de uma lei, ordem, tratado, etc.: ‘Tocar buzina de automóvel sem estrita necessidade é nos E.U.A infração grave’"

Trata-se, portanto, do ilícito que segundo Silva (2000, p.407) se origina do "latim illicitus, de il, em vez de in, e licitus (proibido, vedado por lei), em seu sentido próprio quer exprimir o que é proibido ou vedado por lei."

Em assim sendo, há de se frisar as lições de Cretella Junior (1999, p.245, grifo do autor):

A figura do ilícito, em si, não é peculiar a nenhum dos ramos da ciência jurídica, nem no âmbito do direito público, nem no âmbito do direito privado, pertecendo seu conceito genérico à teoria geral do direito, que, abstraindo as notas tipificadoras do instituto, aqui e ali, chega ao conceito categorial puro, in genere, que abrange todos e cada um dos matizes assumidos pela infração na esfera penal, administrativa, civil, tributária, financeira, trabalhista.

De tal modo que ao se aprofundar a abordagem na seara administrativa, alcançam-se os ensinamentos de Araújo (2005, p. 898, grifo do autor): "A infração administrativa corresponde a uma ofensa a um bem jurídico relevante do Estado, que é o funcionamento normal, regular e ininterrupto da máquina administrativa e, por conseqüência, da própria atividade de governar". Salientando-se, pois, que no âmbito administrativo o "[...] grau de perturbação da ordem jurídica não é tão grave a ponto de a lei erigi-lo em infração penal tipificada, protegendo-se apenas o bem jurídico correspondente ao bom funcionamento da Administração." (ARAÚJO, 2005, p. 853).

Conforme ainda Araújo (2005, p. 852), a infração administrativa, ou ilícito administrativo, refere-se ao ato ou omissão humanos que causam desequilíbrio na ordem natural-legal da sociedade e que, pelo restabelecimento, devem responder os agentes. Noutros termos, a infração administrativa apresenta-se a partir dos elementos: ato ou omissão humanos, infringência à norma legal do ramo considerado, dano e responsabilidade.

De posse dessas informações, passa-se ao esmiuçar dos elementos constitutivos da infração administrativa do art.165 do CTB.

b) Elementos constitutivos

Preliminarmente, alude-se à redação do art. 165, Capítulo XV, Das Infrações, CTB, o qual antes da publicação da Lei n. 11.275/2006 redigia-se da seguinte maneira:

Art. 165 - Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir;

Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Observa-se que a conduta típica de outrora, almejando tutelar a segurança e a tranqüilidade no trânsito, fixava como sujeito ativo qualquer pessoa que esteja dirigindo sob influência de álcool. Considerando-se os dizeres de Ferreira (1986, 479) tem-se que o núcleo da conduta, o ato de dirigir, compreende "Operar mecanismos e controles de um veículo automóvel, fazendo-o seguir trajeto ou rumo". Além disso, resta evidente que a tipicidade tão-somente se verificava quando houvesse o perfeito enquadramento da conduta aos demais elementos constitutivos; ou seja, quando se exaurisse os elementos do tipo, remetendo especial destaque para a comprovação da dosagem alcoólica superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue. Essência jurídica essa que se aglutinava com o que estabelecia o art. 276 do CTB, em que a referida concentração alcoólica se formaliza como condição impeditiva de direção de veículo automotor.

Art. 276 - A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.

Parágrafo único - O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia.(BRASIL, 1997a).

Cumpre mencionar, ademais, que a conduta típica dessa infração administrativa não portava para sua consumação a necessidade de se comprovar a potencialidade lesiva, visto que não faz previsão quanto à existência de dano potencial. Nestes termos, o enquadramento da infração administrativa de trânsito dava-se pelo fato de conduzir veículo estando sob efeito de álcool "superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue".

Entretanto, com o advento da Lei n. 11.275/2006 alterou-se significativamente a redação do citado artigo:

Art. 165 - Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir;

Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.(BRASIL, 2006a).

Nesse rumo, nota-se que a vigente redação do artigo, da mesma maneira que a anterior, não especificou ou restringiu o tipo ou espécie de veículo. Face a isto, Abreu (1998, p.08) traz ao conhecimento que "[...] o veículo dirigido pode ser automotor, elétrico, bicicleta ou tração animal [...] se o legislador quisesse incautamente se restringir aos automotores, o teria feito como no art. 306, ao definir o crime de dirigir sob efeito de inebriante".

Outrossim, percebe-se que o artigo em comento apresentava como elemento constitutivo do tipo uma quantificação de dosagem alcoólica, "em nível superior a seis decigramas por litro de sangue", a qual fora suprimida da redação em vigor ensejando relevantes modificações jurídicas no âmbito administrativo. Uma vez que essa alteração provoca sensíveis mudanças de ordem prática, quer seja quanto à atuação do agente de trânsito, à probatória ou às conseqüências jurídicas. Assuntos que serão analisados no decorrer da pesquisa.

A esse ponto, todavia, importa informar que, com a supressão da quantificação alcoólica do art.165 do CTB, a concentração alcoólica passou a ser fornecida pelo art. 276 do CTB, por se considerar que a Lei n.11.275/06 não ab-rogou ou derrogou o art. 276 do CTB, que impõe o limite igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue como condição impeditiva. Não se pode olvidar, dentro de uma interpretação sistêmica, que a referida concentração só deverá ser considerada para caracterização da infração administrativa, quando da voluntariedade ou submissão do condutor aos testes de alcoolemia.

Além disso, a Lei n.11.275/06, com o intuito de combater a impunidade, quando dá recusa do condutor suspeito de estar alcoolizado de se submeter aos testes e exames do art.277, caput, CTB, a configuração da infração passou a independer da quantificação de dosagem alcoólica. Contudo, reafirma-se que tal proceder legitima-se a partir da recusa de submissão do condutor suspeito de estar sob influência de álcool. Não cabendo, assim, a autuação pelo art.165 do CTB, em caso de concentração alcoólica dentro do limite permitido. (SANTA CATARINA, 2006a). Aliás, conforme consta no próprio projeto da Lei n.11.275/06: "Se for feito o teste e der negativo, [...] livrar-se da autuação com base no art. 165, que se refere a dirigir sob influência do álcool ou substância entorpecente acima dos limites máximos permitidos."(BRASIL, 2003b).

Entretanto, outra considerável parte da doutrina não ratifica tal interpretação, demarcando, com base nas mudanças proporcionadas pela Lei 11.275/06, que para a existência da infração administrativa pouco importa a quantificação de dosagem alcoólica.

Dessa maneira, de acordo com a nova lei, para a existência da infração meramente administrativa não é mais necessário que o motorista apresente mais de 6 decigramas de substância etílica ou de efeito semelhante por litro de sangue, bastando que dirija veículo automotor "sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica". Hoje, para que o condutor responda pela infração administrativa, é suficiente que dirija sob a influência de substância alcoólica ou de entorpecente, ainda que não supere o extinto limite legal de alcoolemia. (JESUS, 2006).

Seguindo esse entendimento expresso por Damásio de Jesus, outro relevante dessa alteração legislativa é que se conseguiria equacionar uma grave incoerência e impropriedade legal, visto que antes

[...] um motorista com 6,1 decigramas de álcool por litro de sangue, dirigindo seu veículo regularmente, respondia pela infração administrativa, mas não pelo crime; em outra ocasião, embora apresentando 5 decigramas, mas conduzindo-o anormalmente, cometia o delito, porém não a infração administrativa do art. 165."(JESUS, 2006).

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Faz-se mister enaltecer ainda que a referida conduta típica administrativa, mesmo após sua modificação, manteve-se sem a necessidade de haver uma potencialidade lesiva por parte do agente. Em outros tons, não se exige para a configuração da infração a exposição ao perigo, ou seja, basta a constatação de que o condutor estar sob influência de álcool. Sob esse ponto, Abreu (1998, p.151) deixa claro que "Quanto ao reconhecimento ao estado incapacitado para dirigir, a infração administrativa e a penal não diferem. Mas na responsabilidade administrativa presume-se o perigo."

Justamente sobre esse aspecto que reside a diferenciação entre a infração administrativa e a infração criminal, conforme assevera o Des. Sólon D’eça Neves em seu julgado, ressalvando-se a dosagem alcoólica suprimida com a Lei n. 11275/06:

É mister realçar que o fato de conduzir veículo embriagado, por si só, não constitui crime, porquanto não havendo condução anormal, infringindo as regras de circulação viária, inexistirá o delito tipificado no art. 306 da Lei n. 9.503/97, ocorrendo, apenas, a infração administrativa descrita no art. 165 daquele diploma legal, desde que, neste caso, a substância alcoólica esteja em nível superior a seis decigramas por litro de sangue. (SANTA CATARINA, 2003)

Noutros termos, Santos (1998) ratifica essa distinção:

Assim, pode-se concluir que a simples conduta de, em situação de embriaguez, por-se a conduzir veículo, implicará na configuração da infração administrativa, tão-somente.

A configuração do crime dependerá da verificação da existência de um perigo factualmente aferível, não se podendo defender, embora plausível, uma presunção de perigo na conduta de dirigir em estado de embriaguez.

Indispensável se faz observar, desta forma, que o legislador aproximou as abstrações jurídicas, infração administrativa de trânsito e crime de trânsito, extinguindo um dos significativos elementos diferenciadores das mesmas, sobretudo, quanto à intervenção estatal. Incidindo, aliás, em uma das mais controvertidas questões jurídicas, a probatória da quantificação de dosagem alcoólica.

3.2.2.Embriaguez: Crime de Trânsito

a) Conceito

No que tange às apreciações referentes ao crime de embriaguez ao volante, imprescindível se faz definir a semântica do termo crime no ordenamento jurídico pátrio. Assim sendo, vislumbra-se o magistério de Mirabete (2004, p. 98):

Para a existência do crime é necessária uma conduta humana positiva (ação em sentido estrito) ou negativa (omissão). É necessário, ainda, que essa conduta seja típica, que esteja descrita na lei como infração penal. Por fim, só haverá crime se o fato for antijurídico, contrário ao direito por não estar protegido por causa que exclua sua injuricidade. Assim, são características do crime, sob aspecto analítico:

a)a tipicidade

b)a antijuricidade

Entendendo por fato típico:

[...] a descrição do fato criminoso, feita pela lei. O tipo é um esquema, ou uma fórmula, que serve de modelo para avaliar se determinada conduta está incriminada ou não. O que não se ajusta ao tipo não é crime [...] O tipo tem uma função de garantia, impedindo que seja considerado crime o que não estiver descrito na lei. É também um indício de antijuridicidade, indicando que, em princípio, a conduta descrita é ilícita, salvo excludente prevista em lei. (FUHRER, 1990. p. 25-26).

Deste modo, trata-se do "[...] comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca, em regra, um resultado, e é previsto como infração penal".(MIRABETE, 2004, p.98). Isto é, uma abstração legal em que se prevê uma conduta ou comportamento reprovável da vida real. Neste rumo, o crime se deflagra quando dá ocorrência da tipicidade, ou seja, da conformidade entre o mundo dos fatos e o mundo jurídico; entre o fato real e o tipo legal (previsão legal). Evidencia-se, então, que a tipicidade decorre do princípio da legalidade, pressuposto esse anteriormente estudado.

Noutro viés, destaca-se que por antijurídico deve-se mentalizar a contrariedade à ordem jurídica. Afinal, Mirabete (2004, p.98) assim escreve: "Fato antijurídico é aquele que contraria o ordenamento jurídico. Portanto, para que se tenha crime, não basta uma descrição legal, mas também uma contrariedade ao direito; lembrando-se que "não será contrário ao direito quando estiver protegido pelo próprio direito". De igual maneira, Fuhrer (1990, p. 25) tece que "[...] a antijuricidade se resume num conceito negativo, ou seja, na verificação se ocorre ou não uma justificativa para o fato." Em síntese, pode existir conduta que, apesar de estar tipificada como crime, não constitui infração penal, quando praticadas em determinadas circunstâncias (excludentes de ilicitude), como ocorre nas hipóteses de legítima defesa própria ou alheia, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito, ou estado de necessidade.

Visto isso, especifica-se a análise demarcando as elementares pertinentes ao crime de embriaguez ao volante.

b) Elementos Constitutivos do Tipo

Conforme assevera o CTB, Capítulo XIX, Seção II, tem-se:

Art. 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Doutrinariamente, o primeiro ponto a se considerar revela a necessidade da existência de veículo automotor para a caracterização do delito. Diferentemente da infração administrativa do art. 165 do CTB, o art.306 limitou deflagração do crime à condução de veículo automotor. Abreu (1998, p. 150) esclarece que o crime "[...] restringe-se a conduzir, sob a influência de álcool ou substância análogo, somente em veículos automotores. Então, quanto à mesma ação, utilizando outros veículos, teremos que aplicar a nossa antiga legislação penal, que não encerra nenhum dispositivo específico a respeito". Destarte, indispensável se torna estabelecer o valor semântico de veículo automotor, que o CTB conceitua como todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).(BRASIL, 1997a, Anexo I).

Capez (2006, p.268) exemplifica, "Abrange, portanto, automóveis, caminhões, vans, motocicletas, motonetas, quadriciclos, ônibus, microônibus, ônibus elétricos que não circulem em trilhos etc".

Segundo o STJ, o crime de embriaguez ao volante trata-se de crime de dano em que o bem jurídico "[...] é incolumidade pública e o seu sujeito passivo primário é a própria coletividade, não se pode entender que a ação penal, nesse caso, dependa de representação do ofendido".(BRASIL, 2006e). Nas palavras de Capez (2006, p. 299) percebe-se que "[...] a segurança viária é o objeto jurídico principal do delito. O direito à vida e à saúde constituem, na verdade, a objetividade jurídica secundária."

No que se refere ao núcleo do tipo penal, verbo "conduzir", significa "[...] dirigir, ter sob seu controle direto os aparelhamentos de velocidade de direção. Considera-se ter havido condução ainda que o veículo esteja desligado (mas em movimento) ou quando o agente se limita a efetuar um pequena manobra".(CAPEZ, 2006, p.301).

Seguindo entendimento jurisprudencial, a tipicidade do crime de embriaguez ao volante encontra-se atrelada a três elementos, quais sejam: "a) estar dirigindo em via pública; b) estar sob a influência de álcool ou de substância de efeitos análogos; e c) estar expondo a dano potencial a incolumidade de outrem."(SANTA CATARINA, 2003).

De acordo com o magistério de Jesus (2001),

[...] exige-se, para que haja delito, que o motorista realize uma condução anormal exatamente por ter ingerido bebida inebriante ou de efeitos semelhantes. Não é suficiente prova de que o sujeito dirigiu veículo com determinada taxa de álcool no sangue: é imprescindível a demonstração da influência etílica na condução; que a influência tenha se manifestado na forma de afetação efetiva da capacidade de dirigir veículo automotor, reduzindo a capacidade sensorial, de atenção, de reflexos, com propensão ao sono etc. (modificação significativa das faculdades psíquicas ou sua diminuição no momento da direção), consistente numa condução imprudente, descuidada, temerária ou perigosa, de acordo com as regras da circulação viária.

Importa reiterar que a tipicidade não se mostrará afastada sempre que a condução do veículo automotor se dê em via pública, estando sob influência de álcool e expondo a dano potencial terceiros. Entendendo-se por via pública, "superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central."(BRASIL, 1997a). Nas palavras de Capez (2006, p. 302), "[...] local aberto a qualquer pessoa, cujo acesso seja sempre permitido e por onde seja possível a passagem de veículo automotor (ruas, avenidas, alamedas, praças etc.)".

Corroborando com esse entender, Rizzardo (2003, p. 641) escreve: "Encontrando-se o motorista embriagado, e locomovendo o veículo em via pública, consuma-se o delito. Não, pois, se trafega em via particular, onde não há pedestres e outros veículos em movimento."

No que toca ao dano potencial, convém depositar alguns esclarecimentos. A doutrina e a jurisprudência revelam uma divergência qualitativa quanto à natureza do crime de embriaguez ao volante, qual seja, crime de perigo abstrato ou de perigo concreto. Antes, pois, não se pode esquecer que "Sob o aspecto político-criminal, os crimes de perigo obedecem à necessidade de adiantar a proteção penal para o momento anterior à lesão real ao objeto jurídico tutelado." (PIRES e SALES, 1998, p.218).

Desenvolvendo esse raciocínio, observa-se que a menor parte dos doutos acredita tratar-se de crime de perigo abstrato.

[...] pensa-se que se trata de crime de perigo abstrato, ou mais apropriadamente, de crime de mera conduta. Basta o simples fato de dirigir sob a influência de álcool, tanto que o sujeito passivo é a coletividade. Do contrário, não surtiria efeito prático a figura, imperando a impunidade, dados os embaraços em conseguir a prova do perigo concreto. (in Comentários ao código de trânsito brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pág. 768). (SANTA CATARINA, 2003).

Noutro passo, a maior parte da atividade doutrinária e jurisdicional assenta a qualidade de crime de perigo concreto.

É necessário que o álcool ou a substância ingeridas se tornem capazes de alterar o comportamento do condutor do veículo, seus reflexos, enfim, sua forma de dirigir. Em outras palavras, não basta que tenha o condutor ingerido o álcool ou se utilizado da substância de efeitos análogos, é necessário que esteja, efetivamente, "bêbedo".(BASTOS, 2005)

Abreu (1998, p.151) escreve que

Quanto à infração penal, o art. 306 exige que o procedimento do condutor, em veículo motorizado, tenha exposto "a dano potencial a incolumidade de outrem". Ocorra, portanto, um risco de dano, um perigo concreto de acidente, atropelamento ou colisão, do que se deve fazer alguma prova, no mínimo, testemunhal.

No mesmo sentido, o Des. Sólon D’eça Neves expressa que "para condenação no crime tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, não basta a comprovação da embriaguez, mister que a conduta do agente tenha exposto a dano potencial à incolumidade de outrem."(SANTA CATARINA, 2003).

Entretanto, de modo mais pontual, há de se estabelecer que, para esse grupo, o delito em comento se consubstancializa em crime de perigo concreto indeterminado. Em outros tons, visualiza-se a tipicidade quando, em decorrência a condução anormal sob efeito de álcool, houver a geração do perigo a vida ou a integridade física, independentemente da existência de uma vítima determinada. Nesse sentido, percebe-se as palavras de Honorato (1998, p.44):

O tipo penal do art. 306 faz expressa referência à exposição "a dano potencial a incolumidade de outrem"; o crime é de perigo concreto indeterminado, ou seja, o perigo de dano precisa ser comprovado, mas não é necessário que exista uma pessoa determinada que tenha sido exposta ao perigo; basta a ocorrência em concreto do perigo de dano em relação a alguém, mesmo que não determinada.

Pensa-se, desta maneira, que a natureza da atitude comissiva do agente, "expondo a dano potencial a incolumidade de outrem", categoriza-se por não ser de perigo concreto determinado. Nota-se, assim, que o presente tipo determina-se por ser de perigo concreto indeterminado, ou seja, não se faz necessário que seja periclitada a vida ou a integridade de uma pessoa determinada, tal como se exige no art. 132 do Código Penal. Basta a comprovação de que um conjunto de pessoas (ainda que não identificadas) concretamente sofreu o risco de lesão; de forma que para a caracterização da figura típica é necessário demonstrar que o condutor embriagado dirigia com manobras que, em tese, poderiam comprometer a vida ou integridade física de alguém e que havia este alguém.(BASTOS, 2005).

Visualiza-se que a jurisprudência igualmente tem se manifestado a favor da qualificação de crime de perigo indeterminado.

Não é necessário que a conduta praticada coloque em perigo a vida ou a integridade física de uma vítima determinada (tal como acontece, por exemplo, com o art. 132 do Código Penal). Basta a comprovação de que um conjunto de bens ou de pessoas (ainda que não identificadas) concretamente sofreram o risco de lesão (Boletim IBCCRIM 61/14). (SANTA CATARINA, 2003, grifo do autor).

A esse ponto, Capez (2006, p. 300), utilizando-se de nomenclatura diversa, traz o seguinte magistério:

Em suma, se fosse crime de perigo abstrato, bastaria à acusação a prova da conduta (dirigir em estado de embriaguez), hipótese em que a situação de risco seria presumida; se fosse crime de perigo concreto, seria necessário que se provasse que pessoa certa e determinada fora exposta a situação de risco. Acontece que, sendo crime de efetiva lesão ao bem jurídico (segurança no trânsito), pode-se concluir que cabe à acusação demonstrar que o agente, por estar sob influência de álcool, dirigiu de forma anormal, ainda que sem expor a risco determinada pessoa.

No que toca ainda a esse dispositivo, há de se frisar que as substâncias de efeitos análogos são todas aquelas que independentemente da natureza causam dependência física ou psíquica do usuário; cominando, em concurso com às infrações de trânsito, responsabilização penal pela Lei de drogas.(FRANCO, 2004, p. 205).

Destarte, mesmo se deparando com muitos conflitos hermenêuticos concernentes aos elementos constitutivos do tipo penal, o maior deles advém de uma questão elementar inexistente no texto legal e defendida por alguns doutrinadores com base numa interpretação sistêmica, a aferição da dosagem alcoólica. Como bem expressa Jesus (2006), surge assim dois posicionamentos: um, que para a configuração do crime independe o nível de dosagem alcoólica, basta estarem presentes os elementos do tipo; outro, que inexiste crime quando a presença de álcool ou substância análoga no sangue não alcance 6 decigramas por litro.

Em pormenores, grande parte da doutrina está a consolidar que a inexistência da comprovação de dosagem alcoólica não se constitui óbice para a incidência criminal no art. 306 do CTB, visto que não há previsão legal de quantificação alcoólica no tipo, nem tão pouco se trata de norma penal em branco que precise de complemento. Jesus (2004, p.57) expressa esse posicionamento: "Na área criminal, mantido o delito de embriaguez ao volante, o fato pode ser provado mesmo na ausência do exame do "bafômetro" (...)".

Portanto, uma vez preenchido os elementos constantes no tipo, ou seja, a condução de veículo automotor em via pública, sob influência de álcool e com exposição concreta de perigo a incolumidade de outrem, tem-se o existência do crime de embriaguez ao volante, cabendo à autoridade policial militar dar voz de prisão em flagrante delito. Da mesma forma, os ensinamentos de Honorato (1998, p. 43) trazem que inexiste limite de tolerância para a esfera criminal a fim de caracterizar a infração penal; de tal sorte que o fato de um cidadão conduzir anormal veículo automotor tendo ingerido bebida alcoólica ou substância de efeito análogo, em qualquer quantidade, por menor que seja, enquadra-se na tipificação legal do art. 306 do CTB, por estar "sob a influência’ da substância". Salienta Rizzardo (2003, p. 640 -641) que "Não se exige a embriaguez total. Basta a mera influência, ou a presença de alguma quantidade de álcool [...]. Na figura, impõe-se que se apure o estado de embriaguez, não importando os índices de concentração de álcool no sangue." Esse mesmo entender tem sido aplicado pelas Polícias Militares do Paraná (PARANÁ, 2006) e Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2006) e a Polícia Militar Rodoviária catarinense (SANTA CATARINA, 2006a).

Por outro lado, aqueles que defendem o segundo posicionamento sustentam que se trata de norma penal em branco, cujo complemento jurídico se dava pelo art. 165 do CTB, como lembra Honorado (1998, p.43) ao citar René Ariel Dotti. Condicionam, pois, a tipicidade do crime de embriaguez ao volante à referência limítrofe de dosagem alcoólica anteriormente presente na infração administrativa, art. 165 do CTB, e hoje fornecida como condição impeditiva no art. 276 do CTB. Como doutrina Pires e Sales (1998, p.220) "[...] o que equivale a dizer: se alguém estiver dirigindo em estado alcoólico em grau inferior a seis decigramas, o fato é atípico".

Por finalizar, cabe mencionar que com a previsão da embriaguez ao volante como crime, a partir do CTB, revogou parcialmente o art. 34 da Lei de Contravenções Penais – LCP, o qual combinado com o art. 62 da mesma lei, apresentava-se como normatização a reger o enquadramento do motorista embriagado que por sua direção colocava em perigo a segurança alheia:

Direção perigosa de veículo na via pública

Art. 34 - Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia:

Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.

[...]

Embriaguez

Art. 62 - Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia:

Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.

Parágrafo único - Se habitual a embriaguez, o contraventor é internado em casa de custódia e tratamento.(BRASIL,1941b)

Salienta-se, porém, ao se considerar os critérios de solução de antinomias, em específico o cronológico e o da especialidade, que a Lei n. 9.503/97 trouxe tratamento diferenciado para a direção de veículo automotor em via pública que exponha a segurança alheia a perigo. Há de se perceber, como antes analisado, que o art. 306 do CTB tão-somente incidiu sobre veículos automotores. Em face disto, quanto à direção de embarcações em águas públicas que ponha em perigo a segurança alheia, o art. 34 encontra-se em vigência; aplica-se a LCP. Abreu( 1998, p.151) assim expressa "[...] alcance do crime em discussão restringe-se aos condutores de veículos motorizados, os demais casos terão de incidir, não especificamente, ou no art. 34, direção perigosa, ou no art. 62, embriaguez escandalosa ou perigosa, ambas da Lei de Contravenções Penais. Prepondera o entendimento pelo art. 34". No mesmo sentido, Rizzardo (2003, p. 641) lembra que

O tipo penal consiste na exposição da incolumidade de outrem a dano potencial, ou que se coloque em risco a segurança de outra pessoa. De modo que, trafegando em via pública, sem transeunte algum naquele local e horário, ou sem passageiros, não expõe ninguém a perigo de dano potencial. Não se afasta, porem, a viabilidade da contravenção penal de direção perigosa.

Sedimenta-se, então, que sempre que a tipicidade do art. 306 do CTB não for consubstancializada, não houver a presença e o adequado preenchimento de todos os elementos do tipo (art.306, CTB), rege-se a matéria pelo art. 34 combinado com o art.62, ambos da LCP.

3.3.Aspectos Jurisprudenciais

Dentre tantos pontos controversos sobre essa temática e trabalhados pela atividade jurisprudencial, alguns deles merecem destaque. Desta forma, as jurisprudências muito têm se atentado a debater e a pacificar a diferenciação entre a infração administrativa e a criminal, perpassando pela categorização de crime de perigo abstrato ou de perigo concreto.

De pronto constata-se uma corrente majoritária, que embasada na doutrina, está a defender o art. 306 do CTB como crime de perigo concreto e, consequentemente, distinguindo-o da infração administrativa do art. 165 do mesmo manto legal pela existência do dano potencial.

Note-se que, se o agente dirigir sob influência do álcool ou substância que determine dependência física ou psíquica, da qual não resulte perigo concreto, configurar-se-á infração administrativa (gravíssima), prevista no art. 165 do Código de Trânsito. É necessário, portanto, que o álcool ou a substância de efeito análogo proporcione atuação perigosa, como transitar em ziguezague, avançar sinal luminoso, imprimir velocidade excessiva ao veículo etc.(PIRES, 1998, p.215, apud SANTA CATARINA, 2002, grifo do autor).

Noutro julgado, o Des. Sérgio Roberto Baasch Luz traz as seguintes lições por meio da sentença:

Se o motorista bebeu, mas dirige normalmente, sem afetar o nível de segurança na circulação de veículos, não há o crime do art. 306, podendo ocorrer infração administrativa, se ficar apurada a presença de álcool ou substância análoga em quantidade superior a 6 decigramas por litro de sangue. Não subsiste a infração do art. 34 da LCP (JESUS, 2001 apud SANTA CATARINA, 2002)

No mesmo caminhar, observa-se o Des. Nilton Macedo Machado:

Exige-se, para que haja delito, que o motorista realize uma condução anormal exatamente por ter ingerido bebida inebriante ou de efeitos semelhantes. Não é suficiente prova de que o sujeito dirigiu veículo com determinada taxa de álcool no sangue: é imprescindível a demonstração da influência etílica na condução; que a influência tenha se manifestado na forma de afetação efetiva da capacidade de dirigir veículo automotor, reduzindo a capacidade sensorial, de atenção, de reflexos, com propensão ao sono etc. (modificação significativa das faculdades psíquicas ou sua diminuição no momento da direção), consistente numa condução imprudente, descuidada, temerária ou perigosa, de acordo com as regras da circulação viária. (SANTA CATARINA, 2000a).

Conforme o Des. Maurílio Moreira Leite, "Para que se configure o delito previsto no artigo 306, da Lei n. 9.503/97, é necessário que o modo como o motorista, alcoolizado ou que esteja sob influência de substância de efeitos análogos, conduz seu veículo pela via pública, colocando em risco a integridade física de outrem. (SANTA CATARINA, 2000b).

"Assim, o reconhecimento da culpa em crimes de trânsito nos quais o motorista estava embriagado, há que se demonstrar, objetivamente, por elementos concretos e visíveis, tenha agido com imprudência, imperícia ou negligência." (SANTA CATARINA, 2000a).

E continua a lecionar o Des. Nilton Macedo Machado:

É mister realçar que o fato de conduzir veículo embriagado, por si só, não constitui crime, porquanto não havendo condução anormal, infringindo as regras de circulação viária, inexistirá o delito tipificado no art. 306 da Lei n. 9.503/97, ocorrendo, apenas, a infração administrativa descrita no art. 165 daquele diploma legal, desde que, neste caso, a substância alcoólico esteja em nível superior a seis decigramas por litro de sangue. (SANTA CATARINA, 2000a).

Salienta-se, contudo, desses ensinamentos jurisprudenciais, como fora explicado anteriormente, deve-se ter as devidas ressalvas quanto à dosagem do teor alcoólico. Tendo-se em vista que a mesma não se verifica mais como elementar do tipo administrativo, a partir das alterações advindas com a Lei n. 11.275/06.

Sobre o assunto, o Egrégio Supremo Tribunal Federal manifestou-se sentenciando que "O crime de embriaguez ao volante, definido no art. 306 do CTB, é de perigo concreto, necessitando, para sua caracterização, da demonstração do dano potencial [...]".(BRASIL, 2004c).

Por outra esteira, restam entendimento jurisprudenciais divergentes, sustentando o crime de embriaguez como crime de perigo abstrato. Em voto vencido, o Des. Sérgio Paladino citando Rizzardo (1998, p.768) tece:

Todavia, pensa-se que se trata de crime de perigo abstrato, ou mais apropriadamente, de crime de mera conduta. Basta o simples fato de dirigir sob a influência de álcool, tanto que o sujeito passivo é a coletividade. Do contrário, não surtiria efeito prático a figura, imperando a impunidade, dados os embaraços em conseguir a prova do perigo concreto. (SANTA CATARINA, 2002).

Ao recordar as manifestações da ingestão de álcool, o Des. Sérgio Paladino escreve que "[...] a interpretação mais consentânea com os objetivos da norma que ora se analisa parece ser a que reconhece, na conjugação da ebriedade com a direção de veículo automotor, o próprio perigo que o Código de Trânsito Brasileiro quis evitar." (SANTA CATARINA, 2002).

Para tanto, sedimentando essa linha de pensar, o referido desembargador faz aporte aos ensinamentos de Honorato (2000, p. 443), o qual assevera que a "condução anormal" não parece integrar o tipo penal. Entendendo que o perigo de dano, descrito objetivamente no tipo penal emerge do fato de um condutor de veículo encontrar-se, em via pública, sob a influência de álcool ou de substância de efeitos análogos. (SANTA CATARINA, 2002).

3.4.Da Intervenção Policial Militar

Com base em tudo o que fora analisado, adentra-se no objetivo mor deste estudo, qual seja, a intervenção policial militar frente à ebriedade do condutor de veículo automotor. Em se tratando disso, sabe-se que a legitimidade da atuação estatal independentemente de seu objeto e escopo encontra-se resguardada a partir do respeito aos ditames e limites legais. Por assim dizer, deve sempre estar respaldada pelo manto jurídico vigente, leis e princípios, visto que o absolutismo não se estabelece como fundamento de um Estado Democrático de Direito. Sob este considerar, muito maior deve ser o proteger e o acatamento do Estado quando a seara de ação for atinente ao âmbito criminal, uma vez que estará cerceando direitos supremos como a liberdade.

O Des. Nilton Macedo Machado bem lembra o assunto: "No processo criminal, máxime para condenação, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica." (SANTA CATARINA, 2000a). Não se pode olvidar também os dizeres de Freitas (1977, p.98) "[...] mister se faz que fique devidamente comprovado o estado de ebriedade do indivíduo. Como preleciona Hélio Gomes, ‘a embriaguez não se presume: ebrietas non praesumitur, ônus probandi incumbit allegandi". Em outros termos, o estado de embriaguez do condutor do veículo deverá ser certificado formalmente. (RIO GRANDE DO SUL, 2006).

Importa evidenciar, por derradeiro destas considerações, a necessidade de se demarcar a distinção e a independência das áreas administrativa e penal. Dado que, no âmbito do Direito de Trânsito, o campo pragmático por vezes revela uma tênue linha a separar estes dois ramos do direito; acarretando equívocos e distorções jurídicas por parte dos operadores que perpassam, até mesmo, pela ilegalidade com descaracterização ou desqualificação das natureza penal ou administrativa.

3.4.1.Intervenção Policial Militar na Infração Administrativa e no Crime de Trânsito

Em assim sendo, as previsões legais revelam dois modos para provocar a atuação policial militar ou o dever de submeter aos exames e testes o condutor de veículo que estiver envolvido em acidente de trânsito e for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de estar sob influência de álcool.(BRASIL, 1997a, art.277). Sendo que esta, a fiscalização, pode se dar de diversas maneiras, através de PCTran [05], do policiamento ostensivo, da denúncia de terceiros ou a partir da suspeição policial militar por verificação inferencial.

Atendo-se objetivamente a questão da embriaguez, salienta-se que o primeiro aspecto a se considerar pelo policial militar em qualquer motivo que ensejou seu agir, refere-se à constatação se o motorista encontra-se ou não sob influência de álcool. Nesse rumo, indispensável relatar que "Para a configuração do estado de embriaguez é necessário meio legalmente reconhecido [...]".(RIO GRANDE DO SUL, 2001).

Uma vez constatada a condução sob influência de álcool, pelos meios probatórios a serem analisados a seguir, o policial militar deverá se perguntar quanto à existência de dano potencial na direção do condutor alcoolizado. Este dano potencial, conforme antes se observou pelo estudo, materializa-se por qualquer espécie de conduta que exponha ou poderia expor a perigo a integridade ou a incolumidade física de outrem, como bem esclarece a Brigada Militar do Rio Grande do Sul:

[...] com o desrespeito às normas de segurança no trânsito, como dirigir na contramão de direção, avançar o sinal vermelho do semáforo, andar em ziguezague, subir na calçada, etc, ainda que a conduta não tenha atingido pessoa certa e determinada, eis que, nesse caso, o bem jurídico tutelado é a segurança viária, que, pelo comportamento do condutor, tem seu nível rebaixado. (RIO GRANDE DO SUL, 2001).

Em caso de resposta negativa, de acordo com a doutrina e jurisprudência majoritárias, o motorista poderá incidir tão-somente em infração administrativa capitulada no art. 165 do CTB. Aliás, a esse ponto abre-se um parêntese, pois no mesmo rumo da doutrina já explorada nesta pesquisa, com a supressão da expressão "em nível superior a seis decigramas por litro de sangue" do referido artigo pela Lei n.11.275/06, observa-se que um impasse pode insurgir quanto à necessidade ou não de se fazer presente a dosagem alcoólica do art. 276 do CTB. Em breves contornos práticos, o policial militar de acordo com as diretivas do art.277, caput, do CTB, deverá submeter o condutor ao teste de bafômetro. Em caso de recusa do condutor, o policial diante de notórios e visíveis sinais de embriaguez deverá constatá-la, utilizando-se dos demais meios de prova admitidos em direito.(BRASIL, 1997a, art.277). Sobre o assunto, torna-se útil lembrar as considerações do Conselho Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul:

A constatação do estado de embriaguez será efetuado em termo específico que descreva o estado em que se encontra o condutor do veículo por ocasião da constatação, bem como, fazendo constar, expressamente, a referência da recusa do condutor em realizar, em submeter-se aos meios de prova declinados pelo artigo 277 do CTB, contendo, em seu histórico, as informações necessárias, conforme Anexo-I:

I – vestes; II - hálito; III - equilíbrio; IV – comportamento; V - coordenação motora; VI - atitudes; VII – discurso; VIII - orientação; e IX - outros sintomas. (RIO GRANDE DO SUL, 2006).

Nessa situação, sustenta-se que para a configuração da infração administrativa não se verifica necessário a aplicação de um teste de alcoolemia ou a mensuração de uma dosagem alcoólica.

É pacífico o entendimento jurisprudencial de que a constatação da embriaguez pode ser feita por médico ou até mesmo por provas testemunhais, não sendo necessária a realização do teste de bafômetro ou qualquer outro exame, uma vez que os efeitos do álcool são facilmente observados por qualquer pessoa leiga.(RONDÔNIA, 2004).

No entanto, é adequado realçar ao policial militar que a adoção de outras provas admitidas em direito dar-se só após a recusa do condutor de se submeter aos testes e exames expressos no caput do art. 277 do CTB. (BRASIL, 1997a, art.277, § 2º). Posicionamento esse que se encontra em consonância com as razões do Projeto de Lei 735/2003 que deu origem a Lei n. 11.275/06.

A razão de apresentarmos modificações ao Código de Trânsito Brasileiro, nos seus artigos que se referem às infrações e crimes de trânsito por condução de um veículo sob influência do álcool ou substância entorpecente, é permitir que essas infrações ou crimes fiquem caracterizados ainda que o condutor se recuse a fazer os testes de alcoolemia previstos pelo Código.(BRASIL, 2003b, grifo nosso).

Neste vértice, almejando orientar e auxiliar a atuação policial, recomenda-se o preenchimento de documento operacional-administrativo.

Por outro lado, se o condutor se submeter ao bafômetro, o policial militar tão-somente procederá a autuação administrativa do art.165 do CTB, quando houver o desrespeito do limite legal de concentração alcoólica existente no art.276 do CTB. Em outras palavras, deverá considerar a dosagem alcoólica como requisito a caracterização da infração. Nota-se, assim, que os testes de alcoolemia preservam-se como um importante instrumento de constatação de embriaguez, continuando a ser para alguns organismos policiais o principal meio probatório (SANTA CATARINA, 2006a; PARANÁ, 2006). Nesse sentido, Araújo (2006, grifo nosso) fixa seu entendimento:

Primeiro nos parece claro que o agente somente está legitimado a promover a autuação sem uso do bafômetro quando houver recusa à submissão do exame. Não havendo recusa, ou ao contrário, insistindo o cidadão em fazer o exame bafométrico este deve prevalecer até mesmo para que em conjunto com o Art. 276 seja considerado o limite de 0,6 gramas de álcool por litro de sangue, pois abaixo disso o condutor não estaria impedido de conduzir.

Ademais, destaca-se que o entendimento em vigência nas Polícias Militares paranaense e mineira, segue esse posicionamento expresso, que corrobora com a fundamentação do projeto da Lei n.11.275/06, no qual a dispensabilidade da dosagem alcoólica dar-se a partir da recusa do condutor.

No que tange à quantificação alcoólica, visualiza-se uma nova problemática. Assevera-se que, diferentemente dos posicionamentos majoritários da doutrina, a Polícia Militar do Paraná e a Polícia Militar Rodoviária de Santa Catarina que entendem que o condutor que se submeter ao teste e apresentar uma concentração igual a 0,30 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões, não se encontra impedido de dirigir e não deve ser autuado. (SANTA CATARINA, 2006a; PARANÁ, 2006).

Entretanto, há de se esclarecer que, com a vigência da Lei n.11.275/06, a quantificação alcoólica necessária para a autuação administrativa passou a ser dada pelo art. 276 do CTB, estando o condutor impedido quando apresentar concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue.

A análise sistemática do Código de Trânsito Brasileiro nos leva à conclusão de que o agente de trânsito pode, em sua atividade de fiscalização, autuar o condutor que seja flagrado suspeito de estar dirigindo veículo automotor sob influência de álcool e que por sua vez venha a negar-se a realizar o teste do bafômetro, valendo contra si a presunção de veracidade do ato do agente administrativo que afirmou a embriaguez; Diante da negativa do condutor em proceder ao referido teste, o agente de trânsito então, estaria legitimado a promover a autuação do artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, descrevendo os sintomas do condutor que levaram o agente de trânsito a concluir que o mesmo estava dirigindo sob influência de álcool. Tal conclusão é facilmente perceptível considerando que não houve revogação expressa e nem tácita do artigo 276 do Código de Trânsito Brasileiro, já que o artigo 277 não estabeleceu mudança de índice para a caracterização da infração do artigo 165. Se nas condições estabelecidas no art. 276 o condutor não pode conduzir veículo, é porque a legislação de trânsito reconhece estar ele legalmente sob a influência de álcool. Portanto, a retenção do veículo, nos termos da medida administrativa do art. 165, assim como a imposição da penalidade por dirigir sob influência de álcool (art. 165), estão em completa harmonia com a previsão do art. 276, que estabelece o índice caracterizador do impedimento de dirigir, ou seja, aquele que, nos termos da legislação, caracteriza a "influência do álcool". (SANTA CATARINA, 2006a).

Percebe-se, pois, que sustentando esse posicionamento, tem-se o inciso I do art 1º da Resolução n. 81/98, a qual regulamenta que a comprovação da influência alcoólica se dará por "teste em aparelho de ar alveolar (bafômetro) com a concentração igual ou superior a 0,3 mg por litro de ar expelido dos pulmões".(BRASIL, 1998).

O parecer do CETRAN-SC sedimenta de maneira clara esse posicionamento:

Ao se prontificar o condutor de realizar o teste do bafômetro, deverá o agente de trânsito disponibilizá-lo, devidamente aferido nos termos do artigo 5º da Resolução nº 81/98 do Contran, o qual só poderá ser autuado se o resultado apresentado for igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue, que na relação de equivalência corresponde a 0,3 mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. (SANTA CATARINA, 2006a, grifo nosso).

Vale salientar, contudo, as considerações de Araújo (2006):

Se o agente não possuir bafômetro, ou possuindo não estiver devidamente aferido dentro da periodicidade estabelecida pelo Inmetro, não poderá autuar nem com base em exame (por não dispor do equipamento), nem por declaração própria com base nos sintomas, ficando prejudicada a autuação administrativa.

Cumpre destacar, ainda sobre esse ponto, que divergindo desse pensar e seguindo parte da doutrina, conforme já explorado nesse estudo, a Polícia Militar mineira tem defendido a capitulação da infração administrativa independe da dosagem de álcool; caracterizando-se infração sempre que o condutor apresentar sintomas de ter ingerido bebida alcoólica.(MINAS GERAIS, 2006).

Uma vez autuado o condutor por infração de trânsito prevista no art. 165 do CTB, cabe ao policial militar reter o veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolher a carteira de habilitação, medidas administrativas previstas no CTB. (MINAS GERAIS, 2006; PARANÁ, 2006; SANTA CATARINA, 2006a; KRIGGER, 2000, p.97).

Muito embora, sobre a matéria, Rizzardo (2003, p. 403) tem lecionado:

Incidem, também, as medidas administrativas de retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação, que será restituído somente depois de decorrido o lapso de suspensão. A rigor, porém, devendo ser notificado da autuação, para o exercício de defesa, unicamente depois de aplicada pela autoridade de trânsito a penalidade de suspensão será cumprida. Nestas circunstâncias, verificado o recolhimento, restitui-se a habilitação tão logo superado o estado de embriaguez. Somente depois da aplicação da pena e de seu trânsito em julgado recolhe-se novamente o documento, agora para cumprimento da sanção.

Seguindo o que normatiza o CTB, tem-se que inexistindo condutor habilitado deverá o policial militar encaminhar o veículo, juntamente com os documentos, à autoridade de trânsito competente.

Art. 270 - O veículo poderá ser retido nos casos expressos neste Código.

[...]

§ 4º - Não se apresentando condutor habilitado no local da infração, o veículo será recolhido ao depósito, aplicando-se neste caso o disposto nos parágrafos do art. 262.

Art. 262 - O veículo apreendido em decorrência de penalidade aplicada será recolhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade apreendedora, com ônus para o seu proprietário, pelo prazo de até trinta dias, conforme critério a ser estabelecido pelo CONTRAN.

§ 1º - No caso de infração em que seja aplicável a penalidade de apreensão do veículo, o agente de trânsito deverá, desde logo, adotar a medida administrativa de recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual.

§ 2º - A restituição dos veículos apreendidos só ocorrerá mediante o prévio pagamento das multas impostas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.

§ 3º - A retirada dos veículos apreendidos é condicionada, ainda, ao reparo de qualquer componente ou equipamento obrigatório que não esteja em perfeito estado de funcionamento.

§ 4º - Se o reparo referido no parágrafo anterior demandar providência que não possa ser tomada no depósito, a autoridade responsável pela apreensão liberará o veículo para reparo, mediante autorização, assinando prazo para a sua reapresentação e vistoria.(BRASIL, 1997a)

Em caso de resposta afirmativa quanto ao dano potencial, ter-se-á crime de embriaguez ao volante tipificado no art. 306 do CTB. Nesse rumo, o policial militar investido da integralidade do poder de polícia deverá dar voz de prisão em flagrante delito, iniciando a persecução criminal. Assevera-se que tal prisão, deve ocorrer independentemente de estar a Polícia Militar conveniada ao Sistema Nacional de Trânsito. Conforme já fora esmiuçado, não só cabe ao policial militar que possui legitimidade para intervir na ocorrência de um crime de trânsito, de acordo com a missão constitucional de polícia ostensiva e preservação da ordem pública, como é um dever legal que decorre do art.301 do CPP, pela existência do flagrante delito. Cumpre informar que se trata de uma intervenção incondicionada, não necessitando de representação do ofendido, conforme está a pacificar a doutrina e a jurisprudência. (RIZZARDO, 2003, p.642; BRASIL, 2006c; BRASIL, 2005a; BRASIL, 2006e).

O condutor alcoolizado e o corpo de provas devem ser encaminhados à delegacia de polícia civil a fim de se instaurar inquérito policial e realizar os procedimentos penais e administrativos cabíveis, pois a incidência criminal não exime o condutor de responsabilização administrativa. Ressalta-se que, diferentemente do ramo administrativo, o veículo como os demais corpos de prova do conduzido deverão ser encaminhados à delegacia de polícia civil. Em pormenores, mesmo que se tenha apresentado condutor habilitado, o veículo não poderá ser liberado pelo policial militar se o fato motivador advier de acidente de trânsito com dano a pessoa ou ao veículo. Tendo-se em vista que, nessas situações, o condutor está a incidir no âmbito penal e o veículo se constitui corpo de prova indispensável para a configuração do crime, devendo ser liberado após permanecer à disposição da perícia.(BRASIL, 1941a, art.158).

Todo este proceder policial militar descrito, sustenta-se no manto teórico do corpo deste trabalho, bem como caminha na mesma linha argumentativa vislumbrada por outras corporações policiais militares; conforme Ofício n. 80.372.2/06-DMAT da Polícia Militar de Minas Gerais, ressalvando-se algumas peculiaridades técnicas.

4 Conduta operacional adotada pela PMMG.

4.1No caso de crime de embriaguez ao volante, o Policial Militar deverá:

4.1.1.prender o infrator em face do artigo 306 do CTB;

4.1.2.conduzi-lo à presença da autoridade competente;

4.1.3.apreender o veículo e o respectivo CRLV;

4.1.4.autuar o infrator com base no cometimento da infração administrativa prevista no artigo 165 do CTB (a submissão do condutor ao exame de alcoolemia é de responsabilidade da autoridade policial);

4.1.5recolher a Carteira Nacional de habilitação – CNH ou a Permissão para Dirigir;

4.1.6.redigir o BO de forma clara (não esquecer de arrolar testemunhas) e constar os sinais característicos que permitem concluir ter o infrator ingerido bebida alcoólica (notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, hálito etílico, olhos vermelhos, dentre outros);

4.1.7.constar no BO o número do AIT e neste, o do BO.

4.2 Ocorrendo apenas o cometimento de infração administrativa, o policial militar deverá:

4.2.1.registrar o respectivo Boletim de Ocorrência (BO ou BOS) de forma detalhada, citando o que foi observado com relação à embriaguez, bem como a conduta do infrator ante a ação policial;

4.2.2.autuar o infrator por infrigência ao artigo 165do CTB;

4.2.3.registrar o fato e arrolar testemunhas se houver recusa do condutor em submeter-se ao exame de alcoolemia na forma preconizada;

4.2.4.autuar o infrator, nesse caso, também com fulcro no artigo 195 do CTB, considerando que, de acordo com SILVA (2002, p 472),fundamenta-se o preceito na ‘tutela do princípio de autoridade, da dignidade e do prestígio da Administração Pública, cujas ordens, desde que legais, deverão ser acatadas e cumpridas’;

4.2.5.reter o veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolher o documento de habilitação;

4.2.6.constar no BO o número do AIT e neste, o do BO.(MINAS GERAIS,2006, grifo do autor).

Importa solidificar, ainda, que o presente delito embora esteja elencado no parágrafo único do art.291 do CTB, figura-se como exceção a regra no que se refere à égide dos Juizados Especiais Criminais aos crimes de trânsito. Isso, por se verificar que o crime de embriaguez ao volante apresenta pena máxima cominada superior a 2 anos, requisito essencial para se realizar o Termo Circunstanciado-TC.(BRASIL, 2004b). Face a isto, não se deverá realizar o TC, sendo que o conduzido só se lavrar solto após o pagamento da fiança arbitrada pelo delegado. Nesse mesmo sentido, Capez (2006, p.304) argumenta:

Trata-se de crime de ação pública incondicionada, sendo inaplicável a regra do art. 291, parágrafo único, que exige a representação.

Por não constituir crime de menor potencial ofensivo, não se aplicam as disposições da Lei n. 9.099/95, com exceção do instituto da suspensão condicional do processo (art. 89), o qual é perfeitamente cabível, dado que a pena mínima cominada ao delito é de 6 meses de detenção.

No que toca ao concurso de crimes, nota-se que a matéria era um tanto controvertida. Conforme Costa (2006, p.19), com a vigência da Lei n.11.275/06, a dúvida sobre a matéria está superada.

Atualmente a influência do efeito do álcool passa a constituir causa de aumento de pena da lesão corporal culposa, restando, pois, o delito de perigo (art.306, do CTB) subsidiário ao delito do dano, do qual passa a ser elemento componente de forma aumentada. (art.303, parágrafo único, do CTB). (...) Assim, havendo relação de subsidiariedade não há que se falar em concurso de crimes, mas em prevalência da figura da lesão corporal culposa. De modo que, que não havendo representação do ofendido, fica vedada a persecução penal quanto ao crime principal, não cabendo ação penal quanto ao delito de embriaguez ao volante. Igualmente, havendo transação penal quanto ao delito de lesão corporal, restará esgotada a possibilidade punitiva estatal sem possibilidade de processo criminal pelo crime do art. 306, do CTB.(COSTA, 2006, p.19).

Nas palavras de Capez (2006, p. 287), "Há que ressaltar que a Lei n. 9.503/97 criou diversos crimes que se caracterizam por uma situação de perigo (dano potencial) e que ficarão absorvidos quando ocorrer dano efetivo (lesão corporal e homicídio culposo na direção de veículo automotor)." E continua Capez (2006, p.288) sobre o assunto:

Haverá, entretanto, concurso material quando as condutas ocorrerem em contextos fáticos distintos, como acontece, por exemplo, quando o condutor, em razão de sua embriaguez, expõe pessoas a perigo em determinado momento e, posteriormente, em outro local, provoca lesão corporal culposa em pessoas diversas.

Nesse mesmo rumo, o STF posicionou-se: "[...] o crime previsto no art. 302 da Lei 9.503/97, hipótese de homicídio culposo, absorve o crime de embriaguez ao volante previsto no art. 306 do CTB, tendo em vista o princípio da consunção".(BRASIL, 2006b). Ademais, segundo Capez (2006, p. 303), no caso em que o autor do crime de embriaguez ao volante também não for habilitado para dirigir veículo (crime do art.309 do CTB), não haverá concurso material ou formal e sim crime de embriaguez ao volante com agravante genérica do art. 298, III, CTB, pois a situação de risco é uma só.

De tudo o que fora exposto, quanto à intervenção policial militar diante da suspeição de condutor sob influência de álcool, nada seria legal ou legítimo se não restasse comprovado a ebriedade do condutor. Diante disso, indispensável se torna pormenorizar a questão probatória da embriaguez, sobre a qual reside fortes embates que passaram a ser esmiuçados.

3.4.2.Da Probatória

O primeiro passo específico da intervenção policial militar, diante da condução sob influência de álcool, refere-se à constatação da influência alcoólica. Desde já, convém lembrar, como fora estudado no Capítulo II, que as manifestações da ingestão do álcool não se dão de maneira uniforme. Condicionadas estão, a variados fatores; conforme salienta Freitas (1977, p.98): "De indivíduo a indivíduo varia o grau de tolerância para o álcool. Enquanto uns podem beber, sem atingir o estado de embriaguez, grandes doses de álcool, outros deliram pela ingestão de pequenas quantidades (A embriaguez como causa de criminalidade, imprensa metodista, p. 9)".

Em sendo assim, é oportuno destacar os escritos de Freitas (1977, p.98) ao recordar a lição de Souza Lima de que "[...] é mesmo impossível dar uma forma que se aplique bem a todos os casos". Deve-se buscar, então, compreender os pressupostos e aspectos essenciais da atuação policial militar, para que a partir destes se contextualize os fatos, peculiarizando a intervenção.

Por assim dizer, sabe-se que esse tópico carece de significante atenção, ao se considerar a relevância da prova para o Estado democrático de Direito e a recente alteração atinente à teoria das provas, no âmbito do trânsito, advinda com a entrada em vigor da Lei n.11.275/2006. Além disso, agrega importância ao observar que grande parte das problemáticas jurídicas reside na constituição do corpo de provas. Dentro da mesma linha de pensar, acolhe-se os dizeres de Franco (2004, p. 206) no qual a influência do álcool deve ser provada legalmente, através do que dispõe o art. 269, IX, combinado com o art.277 do CTB (recentemente modificado pela Lei n. 11.275/06). Passa-se, então, a analisar a regulamentação legal.

Art. 277 - Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

§ 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

§ 2º No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor.(BRASIL, 2006a, grifo nosso).

Observa-se que o legislador suprimiu a expressão "de haver excedido os limites do artigo anterior" constante na redação anterior; seguindo, assim, o raciocínio de não atrelar necessariamente a tipicidade da infração, quer seja administrativa ou penal, a quantificação de dosagem alcoólica. Em linhas gerais, o referido artigo delimita os meios técnicos e científicos que podem ser utilizados pelo policial militar para certificar o estado de ebriedade do condutor.

Nesse desiderato, a Resolução n. 81 do CONTRAN complementa:

Art. 1º A comprovação de que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor, sob suspeita de haver excedido os limites de seis decigramas de álcool por litro de sangue, ou de haver usado substância entorpecente, será confirmado com os seguintes procedimentos:

I - teste em aparelho de ar alveolar (bafômetro) com a concentração igual ou superior a 0,3mg por litro de ar expelido dos pulmões;

II - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária;

III- exames realizados por laboratórios especializados indicados pelo órgão de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso da substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos, de acordo com as características técnicas científicas.(BRASIL, 1998)

Há de se salientar que formação do corpo probatório, em especial no âmbito penal, deve ser o mais diverso e completo possível dentro dos limites legais, não devendo o policial militar restringir-se a tão-somente um dos meios do art 277 do CTB, como normalmente se faz com a simples aferição de dosagem alcoólica. Sobre isso, Freitas (1977, p. 98) tece que "[...] somente esta prova não é o bastante para a comprovação da ebriedade [...]".

Importa evidenciar que antes mesmo da Lei 11.275/06 extinguir a necessidade de quantificação de dosagem alcoólica como elementar da conduta típica administrativa e conferir status legal, na seara do trânsito, aos outros meios de prova admitidos em direito. Tal entendimento, na esfera criminal, já encontrava guarida jurisprudencial:

Acórdão

PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL (ART. 306, CBT). PROVA MATERIAL. PRESCINDIBILIDADE DE TESTE OU EXAME PERICIAL. ART. 158 DO CPP. DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA DA INFRAÇÃO. EXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIAS DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL.

I - Afigura-se insuscetível de análise na célere via do writ a alegação de nulidade de prova relativa ao teste de dosagem alcoólica (teste do bafômetro), haja vista que a mesma reclama o revolvimento de questões fático-probatórias não demonstradas, de plano, na impetração.

II - Havendo outros elementos probatórios, de regra, lícitos, legítimos e adequados para demonstrar a verdade judicialmente válida dos fatos, não há razão para desconsiderá-los sob o pretexto de que o art. 158 do CPP admite, para fins de comprovação da conduta delitiva, apenas e tão-somente, o respectivo exame pericial.

III - Existindo nos autos elementos que evidenciem, a princípio, a perpetração da infração delineada no art. 306 do CPP, não há como trancar a ação penal, sob a argumentação de atipicidade do delito, sem o necessário cotejo analítico do material cognitivo.

IV - A propositura de ação penal não se vincula, na espécie, à decisão proferida na esfera administrativa, haja vista a independência das instâncias. Writ denegado. (BRASIL, 2003a, grifo nosso)

Vislumbra-se, pois, que a abordagem policial deve se municiar de todos meios de provas admitidas em direito a fim de que se consiga fornecer subsídios que possam alcançar a materialidade e a autoria da infração. Em outras palavras, "[...] deve a polícia, ao lado do exame de dosagem alcoólica, proceder ao exame clínico do indivíduo, bem como outras provas, como o bafômetro, testemunhas, etc." (FREITAS, 1977, p. 100).

Entretanto, faz-se compreender pelo texto legal, com a inserção do §2º ao art. 277 do CTB, que na seara administrativa a busca por outras provas admitidas em direito, dar-se a partir da recusa do condutor suspeito de estar alcoolizado à submissão ao caput do citado art.277. Nesse pensar, encontra-se a PMMG:

[...] havendo a recusa do condutor em acompanhar a guarnição à presença da Autoridade Policial para fins de submissão aos exames previstos, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor.(MINAS GERAIS, 2006, grifo do autor).

Portanto, o policial militar poderá se munir de outros meios de provas para certificar o estado de embriaguez. No caso de mero estado de influência alcoólica, apenas diante da recusa do condutor de submissão aos testes e exames do art.277, caput, CTB, que se poderá utilizar de outras provas em direito admitidas.(BRASIL,2003b; SANTA CATARINA, 2006b; PARANÁ, 2006; RIOGRAN DE SUL, 2006; ARAÚJO, 2006). Quanto à recusa do motorista, será trabalhada adiante. Desta maneira, passa-se a pormenorizar o estudo de alguns meios de prova.

a) Testes de Alcoolemia (Bafômetro)

Na esfera criminal, importa asseverar que grande parte da polêmica referente à atuação policial militar diante da tipicidade do crime de embriaguez ao volante encontra-se adstrita ao teste de alcoolemia ou popular bafômetro. Resta destacar que essa problemática advém, principalmente, do proceder policial, que talvez por desconhecimento, busca indispensavelmente comprovar a materialidade do delito por meio do bafômetro, o qual não se faz imprescindível, conforme correntes jurisprudenciais e doutrinárias dominantes, por se considerar que inexiste uma quantificação de dosagem alcoólica como elementar do tipo penal ou na esfera penal. De tal forma, que a tipicidade de infração penal não se mostra afastada se a concentração alcoólica não estiver mensurada, pois a comprovação ou a constatação da embriaguez não se encontra restrita aos exames de alcoolemia.

Aliás, bem tece Freitas (1977, p.99): "Do exposto, verifica-se que a prova de embriaguez não pode ser feita tão-somente com exame de dosagem alcoólica, sendo necessário que ao lado do mesmo se faça outras provas, tais como exame clínico [...]." Corroborando com esse pensar, Honorato (1998, p.45) escreve:

Entendo, assim, que a lei criou um dever para o agente da autoridade de trânsito, que, ao atender a um acidente ou ao fiscalizar um veículo, suspeitar que algum dos condutores encontra-se em estado de embriaguez, deverá determinar ou providenciar para que um dos exames enumerados no referido artigo seja realizado.

Não se está aqui desqualificando o teste de alcoolemia como meio de prova, pois é clarividente sua importância como instrumento probatório; principalmente, quando se recepciona uma interpretação sistêmica e se observa que o art. 276 do CTB continua em vigor e a fixar a concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue como condição impeditiva para dirigir. Aliás, não de hoje publicações, tal qual a recente orientação da Polícia Militar Rodoviária catarinense (SANTA CATARINA, 2006a), estão a priorizar o teste de bafômetro aos demais exames destinados à apuração da embriaguez.

Apenas, afirma-se que o teste de alcoolemia não se consubstancializa como único meio de prova indispensável para a comprovação da materialidade e da autoria do ilícito penal de trânsito. Não sendo obrigatório para se comprovar o delito. Aliás, tais afirmações alcançam igualmente a esfera administrativa quando da recusa do condutor aos testes de alcoolemia, com a alteração do CTB pela Lei n. 11.275/06. Noutros dizeres, a impossibilidade de mensuração da dosagem alcoólica pela recusa do condutor não é empecilho para a autuação administrativa ou a prisão em flagrante delito do condutor.

A questão da obrigatoriedade bafômetro revela outra dissonância a ser estudada adiante.

b) Exame clínico

O exame clínico é outro importante instrumento para a constatação da embriaguez. Tocante ao exame cumpre destacar as palavras de Freitas (1977, p. 99):

[...] seria desejável que as perícias fossem imediatas: fácil seria ao perito fazer diagnóstico exato da embriaguez, afastando a possibilidade de simulação. O cheiro alcoólico do hálito, a aceleração ou lentidão do pulso, constrição ou alargamento da pupila, aumento ou diminuição da temperatura, conforme o período e os fatos observados, bastam para o juízo seguro.

Nas contribuições de Costa Junior (1978, p.4) percebe-se que o exame clínico perpassa pela:

1)Aparência do indivíduo: sonolento, faces congestas, olhos vermelhos, suor, baba, soluços, vômitos, desordem no vestuário.

2)Atitude: ruidosa, excitada, exaltada, arrogante, loquaz, titubeante, deprimida etc.

3)Orientação: Sabe onde se encontra? Que horas são?

4)Memória: ver se o indivíduo se lembra dos atos que praticou durante as últimas horas; se se lembra dos nomes de algumas ruas.

5)Faculdade de descrição: fazer o indivíduo descrever o fato que o trouxe ao exame; ou descrever uma gravura de revista.

6)Prova de cálculo.

7)Elocução: convidar o indivíduo a dizer algumas palavras de articulação difícil; ler um trecho de jornal.

8)Andar: observar como caminha o indivíduo; pesquisar o sinal de Romberg (em pé, olhos fechados).

9)Coordenação motora: levantar um objeto do chão; colocar uma tampa na caneta etc.

10)Escrita: escrever o nome, a idade, a profissão, o domicílio.

11)Pulso: irregularidade, rapidez.

12)Pupila: dimensões, reações à luz; sensibilidade dolorífica.

13)Hálito.

Nota-se que o exame clínico é um rico instrumento probatório, que a partir da propedêutica consegue alcançar um diagnóstico satisfatório quanto ao estado de influência alcoólica ou embriaguez.

c) Testemunhal

Muito embora a prova testemunhal não se encontre elencada no caput do art. 277 do CTB, indispensável se torna abrir um parêntese. Afinal, não raramente suscita discussões, sobretudo, quanto à validade e à legitimidade do policial militar de ser testemunha.

O primeiro aspecto a se anotar, atinente à validade da prova testemunhal, remete a Lei n. 11.275/06, que trouxe ao texto legal do art. 277 do CTB o §2º, conferindo ao âmbito administrativo do trânsito a admissão de qualquer outro meio probatório aceito em direito. Não se pode esquecer que, na esfera penal, antes mesmo dessa estatuição legal e independentemente da recusa do condutor, o entendimento jurisprudencial e doutrinário já caminhava nesse sentido para a comprovação da embriaguez.

Até mesmo porque dentro de uma visão sistêmica, observa-se que o Código de Processo Penal já sustentava em contornos gerais esse posicionamento:

Art. 167 - Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.(BRASIL, 1941a)

Nesse ínterim, Bastos (2005) realça que "não é necessário, para esta prova, nem o bafômetro, muito menos o exame pericial de constatação de estado etílico, que pode ser perfeitamente suprido pela prova testemunhal."

No que concerne à legitimidade policial militar, a legislação pátria normatizou que "Toda pessoa poderá ser testemunha". (BRASIL, 1941a, art. 202). Nesse mesmo entender, a atividade jurisprudencial tem pacificado a admissão ou a aceitação do policial militar como testemunha.

O Des. Sólon D’Eça Neves, de forma precisa, expõe em seu julgado

É sabido que os depoimentos dos policiais `valem em princípio, como o de qualquer testemunha, não podendo ser desprezados, sem prova de má-fé ou suspeita de falsidade’ (JC vol. 5/6, pág. 417) e, ‘se em consonância com demais elementos dos autos são suficientes para embasar o decreto condenatório(JC 41/368 e JC 68/397). (Apelação Criminal n. 33.481, de Joaçaba, rel. Des. Álvaro Wandelli). (SANTA CATARINA, 2003)

E continua a lecionar o Des. Sólon d’Eça Neves:

Anote-se que não há nenhum óbice em ter os testemunhos dos policiais como prova do estado de embriaguez do recorrente. Os depoimentos dos policiais que, devidamente compromissados, narraram as circunstâncias do flagrante têm valor probatório para a condenação e merecem total credibilidade, uma vez que são firmes, coerentes e foram prestados com isenção, não logrando êxito a defesa em demonstrar nada que pudesse maculá-los.(SANTA CATARINA, 2003)

De modo a pacificar qualquer divergência, o Superior Tribunal Federal – STF solidificou por unanimidade:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. PENAL. "HABEAS CORPUS". PROVA TESTEMUNHAL. PROVA PERICIAL. EXAME DE PROVA. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e no sentido de que a simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita. II. - Não constitui nulidade o fato de não terem sido periciados alguns objetos apreendidos na residência do réu, quando as drogas apreendidas, em grande volume, foram submetidas a pericia. III. - Exame aprofundado de provas: impossibilidade em sede de "habeas corpus". IV. - H.C. indeferido. (BRASIL, 1993, grifo nosso)

E segue a ratificar o STF em outra decisão:

Ementa

HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO BASEADA EM DEPOIMENTO DE INVESTIGADORES, QUE DESCREVERAM O OCORRIDO ´DE FORMA COERENTE E SEGURA´, COM APOIO EM MAIS ELEMENTOS PROBATORIOS. A SIMPLES CONDIÇÃO DE POLICIAL NÃO TORNA A TESTEMUNHA IMPEDIDA OU SUSPEITA. LEGITIMIDADE DA CONDENAÇÃO. FLAGRANTE PREPARADO. SUA INEXISTÊNCIA, NO CASO. ORDEM DE HABEAS CORPUS INDEFERIDA.(BRASIL, 1973, grifo nosso).

Torna-se oportuno, ainda, ressaltar as lições trazidas pela sentença do Juiz Frederico dos Santos Messias:

É inaceitável a preconceituosa alegação de que o depoimento de policial deve ser sempre recebido com reservas, porque parcial. O policial não está legalmente impedido de depor e o valor do depoimento prestado não pode ser sumariamente desprezado. Como todo e qualquer testemunho, deve ser avaliado no contexto de um exame global do quadro probatório (TACRIMSP, RT 530/372 apud MESSIAS, 2002, p.12).

A doutrina, por sua vez, com base na jurisprudência igualmente tem defendido:

É sabido que a melhor prova do estado de embriaguez é a testemunhal, já que informa as condições físicas do indivíduo embriagado, muito conhecidas pelo andar inseguro, as palavras incoerentes e confusas. Daí por que já se pronunciou a jurisprudência que, entre a prova pericial, concluindo pelo estado de embriaguez, e a testemunhal, afirmando não estar o agente embriagado, deve prevalecer esta última sobre aquela (TASP, RT, 411:282. no mesmo sentido, V. RT, 252:376, 277:586, e voto vencido do Juiz Gonçalves Sobrinho, RT, 423:411). (FREITAS, 1977, p. 99).

Nesse sentido, Araújo (2006) firma posicionamento indo além; sedimentando que o grau valorativo da declaração policial militar encontra-se acima do valor testemunhal, basta "[...] tão-só a declaração do agente o qual goza de presunção de veracidade dos seus atos cabendo nesse caso a inversão do ônus da prova."

Há de se aludir, por fim, o valor da prova testemunhal, que fora bem expresso no posicionamento jurisprudencial fornecido França (2006):

Sendo relativa, para cada indivíduo, a influência do álcool, prevalece a prova testemunhal sobre o laudo positivo da dosagem alcoólica. Impõe-se a solução, eis que aquela informa com maior segurança sobre as condições físicas do agente (TACRIM -AC-Juricrim - relator Correia das Neves Franceschini. Nº 2.008).

Percebe-se, então, que a prova testemunhal consubstancializa-se como um relevante meio de prova, quer seja na seara penal ou administrativa. Reafirmando-se que na jurisdição administrativa, encontra-se condicionada a recusa do condutor em se submeter aos exames e testes do caput do art.277 do CTB. Ademais, evidenciou-se que o policial militar é parte legítima e legal para ser testemunha.

d) Exame Laboratorial

Em breves palavras, no que diz respeito aos exames laboratoriais, essencial se faz delimitar que "A hora exata da extração do sangue deverá ser registrada, para que seja depois confrontada com a hora da ingestão da bebida e, ainda, com a do fato que motivou o exame." (COSTA JUNIOR, 1978, p.4).

Isso, em virtude de se saber que 24 horas após a ingestão de álcool, de acordo com Costa Junior (1978, p.5), não se encontrará mais vestígios do mesmo, salvo se em casos excepcionais for álcool metílico. Aliás, Costa Junior (1978, p. 5) continua está a ensinar que logo após a ingestão alcoólica já é possível achar álcool no sangue; que entre 30 minutos e 2 horas atinge a concentração máxima no sangue (conforme esteja o indivíduo em jejum ou não, e conforme a bebida seja concentrada ou diluída); passando, então, a ser oxidado e eliminado (7 a 10 cm3 por hora, num adulto).

Sobre o assunto, bem lembra Capez (2006, p.302) que "[...] a coleta de sangue só pode ser feita se houver permissão deste, pois não existe lei que o obrigue a tanto. Assim, caso não concorde, não pode ser obrigado".

Em resumo, assevera-se que o exame laboratorial se constitui em um eficaz instrumento probatório. Todavia, considerando que se trata de método invasivo, sua aplicação deve vir acompanhada do consentimento do condutor.

3.4.3.Recusa do Condutor à Realização dos Meios de Prova (Bafômetro): Crime de Desobediência?

No que tange à recusa do condutor, uma outra celeuma insurge. Uma vez que inexiste uma uniformidade de entendimento quanto à obrigatoriedade ou não de submissão do condutor suspeito de estar sob influência de álcool aos testes e exames do art. 277, CTB. Bem como, quanto à responsabilização administrativa e criminal e ao proceder policial militar em tal situação, como se há ou não a incidência em crime de desobediência. Nota-se, na verdade, um vasto conflito hermenêutico com diferentes posicionamentos.

Parte da doutrina interpreta o manto jurídico, firmando a obrigatoriedade de submissão por parte do condutor que se encontrar nas condições estabelecidas pelo art. 277 do CTB, com conseqüente responsabilização criminal pelo art.330 do CP. Bastos (2005, grifo nosso), ao adotar esse posicionamento, argumenta:

A QUESTÃO DO BAFÔMETRO: sempre se discutiu se o condutor de veículo, quando abordado em operações de trânsito, estava obrigado a soprar o bafômetro. Logo se levantaram argumentos no sentido de que não estava obrigado, porque o antigo Código Nacional de Trânsito não previa tal obrigação. Outros argumentavam que isto ofenderia a Constituição Federal, já que nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo).

Em primeiro lugar, cumpre observar que o princípio acima invocado é um princípio processual, sem assento constitucional. Não é razoável esticar o princípio da ampla defesa para impedir que se colha, do autor da infração penal, o corpo de delito. Caso tal raciocínio fosse correto, chegaríamos a absurda conclusão de que ninguém seria obrigado a se submeter à busca pessoal, o que acarretaria na mais absoluta impunidade em relação a condutas em que o corpo de delito pode ser facilmente ocultado no próprio corpo do autor do fato (armas de fogo, entorpecentes, etc.).

O novo Código de Trânsito, no art. 277, estatui a obrigação de soprar o bafômetro por parte do condutor de veículo de quem se suspeite ter se excedido no uso de substâncias que provoquem embriaguez. Logo, hoje há uma obrigação, imposta por lei, ao condutor do veículo, de soprar o bafômetro. Estabelece a Constituição, no art. 5°, II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Como visto, a lei hoje existe, e o princípio processual que poderia ferir não possui assento constitucional. Logo, a conclusão é de que os condutores de veículos, nas situações estabelecidas no art. 277 do Código de Trânsito, são obrigados a se submeterem ao teste de alcoolemia, incluindo o sopro do bafômetro.

Essa primeira linha de pensar defende que ao recusar a submissão dos meios probatórios do art. 277 do CTB, o condutor estará praticando o crime de desobediência previsto no art.330 do CP.

Desobediência

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.(Brasil, 1940)

Tal corrente, embasa sua vertente argumentativa, no fato de que o policial militar encontra-se no exercício de função pública, conforme objetivamente o legislador conceituou no art. 327 do CP:

Funcionário público

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal. (BRASIL, 1940)

E, no caso em específico, efetivando ordenação normatizada, legitimada e legalizada em lei. Uma vez que o art. 277 do CTB, em vigência, fixa a utilização do teste de alcoolemia (bafômetro) como meio factível e legal de prova.

Nesse sentido, Santos (1998, grifo do autor) argumenta que "Há, portanto, uma OBRIGAÇÃO LEGAL do condutor de submeter-se a testes de alcoolemia, sendo que sua recusa poderá ser interpretada, inclusive, como crime de desobediência (art. 330 do Código Penal)." Desta forma, acrescenta-se as palavras de Rizzardo (2003, p. 404): "[...] se o Código prevê a possibilidade do exame, é porque a pessoa deve submeter-se a ele. Do contrário, não haveria sequer meios para elaborar o corpo delito."

É importante evidenciar, conforme Santos (1998), que a recusa do condutor faz valer contra si a presunção de veracidade do ato do agente administrativo que afirmou seu estado de embriaguez. Aliás, o onus probandi inverte-se em desfavor do imputado infrator.

Isto porque se na esfera penal - onde prevalece o princípio que obriga à parte alegante o ônus da prova de suas alegações, com a prevalência da presunção de inocência e do princípio "in dubio pro reu" - as provas indiciárias são aceitas, como muito mais razão o serão na esfera administrativa - onde prevalece o princípio "in dubio pro societate" e há o atributo da presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos. (SANTOS, 1998, grifo do autor).

Uma segunda corrente entende que, muito embora haja uma imposição legal, somente haverá incidência em crime de desobediência por parte do condutor quando ele se recusar a realizar todos os testes e exames previstos no art.277 do CTB. Para Honorato (1998, p. 45) "[...] não caracteriza crime de desobediência o fato de o condutor suspeito não submeter-se ao ‘exame do bafômetro’, pois existem outros exames que poderão ser realizados, entre eles o exame clínico e a perícia médico-legal". Entretanto, assevera-se que "O crime de desobediência poderia caracterizar-se caso o condutor suspeito não se submetesse a nenhum dos referidos exames, negando-se, inclusive, a acompanhar o agente da autoridade de trânsito aos locais de exame, em razão de ter-lhe sido dada uma ordem legal". (HONORATO, 1998, p.45).

Outro posicionamento trazido pela parte dominante da jurisprudência e doutrina defende não haver crime de desobediência, mas sim infração administrativa do art.195, CTB. Visto que a norma extrapenal comina penalidade específica e não prever sanção penal cumulativa. Abreu (1998, p. 150 e 151) afirma que "Pela recusa entre nós, entendemos aplicável o art. 195, apenas como desobediência". Igualmente é a orientação da PMMG, muito embora delimite a obrigatoriedade de submissão aos exames e testes do art. 277 do CTB, segue essa corrente dominante, frisando que o condutor infrator deve ser enquadrado no art. 195 do CTB.(MINAS GERAIS, 2006).

Os julgados solidificam esse posicionamento, de que a desobediência à lei ou à ordem de autoridade não configura o crime previsto no art. 330 do CP de 1940 se a legislação específica comina penalidade determinada, salvo quando, cumulativamente, ressalva sua aplicação. Sobre isso, o STJ ratificou que "É possível a tipificação do crime de desobediência, se, como, no caso, a norma municipal, a par de penalidade civil ou administrativa, ressalve expressamente a aplicação do dispositivo que contempla tal figura delituosa." (BRASIL, 1997b).

Em outras palavras, "O delito de desobediência não se configura se a lei específica de natureza extrapenal não prevê expressamente a possibilidade de cumulação de sanções de natureza civil ou administrativa com a de natureza penal".(BRASIL, 2004a).

Aliás, a Corte Suprema já definiu com precedentes sobre o assunto.

Dessa forma, como há cominação exclusiva de sanção civil para a hipótese, sem que a lei estatua aplicação de medida penal, não se deve cogitar da prática de delito de desobediência. A punição ao descumprimento dá-se apenas na mesma esfera extrapenal. Nesse sentido, ainda esclarece HUNGRIA: "Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame [desobediência], salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 (ex.: a testemunha faltosa, segundo o art. 219 do Cód. de Proc. Penal, está sujeita não só à prisão administrativa e pagamento das custas da diligência da intimação, como a ´processo penal por crime de desobediência´)" (Comentários ao Código Penal, 2a. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1959, v. IX, p. 420. Cf., ainda, CELSO DELMANTO et all., Código Penal comentado, 6a. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 661). (BRASIL, 2006b, grifo do autor).

Faz-se oportuno destacar que, solidificando a questão da obrigatoriedade, a própria motivação da Lei n.11275/06 delimita que "No art. 277, tornamos o teste de alcoolemia e demais exames obrigatórios, não só para o condutor envolvido em acidente, mas, também, para aquele que dirigir ameaçando pedestres e outros veículos, cometendo infração prevista no art. 170 do Código de Trânsito."(BRASIL, 2003b, grifo nosso).

Por outra esteira, existe entendimento também para parte da doutrina e jurisprudência de que não há a obrigação de se submeter ao teste de bafômetro com base no princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), o que desqualifica a tipicidade do art. 330 do CP e a autuação administrativa do art.195 do CTB. (SANTA CATARINA, 2006a).

Em resumo, importa enaltecer que a presente pesquisa segue o pensamento majoritário da jurisprudência e doutrina, que, aliás, corrobora com as proposições do Projeto de Lei 735/2003 que fora aprovado pelo legislador e deu corpo a Lei n.11.275/06. Resta que a obrigatoriedade de submissão aos testes de alcoolemia não incide na seara criminal, por haver norma extrapenal com sanção específica sem a previsão de acumulação de penalidade criminal. De modo que o policial militar frente à recusa do condutor deverá autuá-lo por desobediência administrativa, art. 195 do CTB.

3.4.Fluxograma

Figura 1 – Fluxograma do Procedimento Policial Militar diante de Condutor Suspeito de Estar Sob Influência de Álcool. Fonte: Elaboração própria.

3.5.Proposta de Diretriz Operacional

Com base em tudo que fora examinado, alcança-se o quarto objetivo específico do estudo, efetivando uma proposição de Diretriz Operacional com o intuito de regulamentar a intervenção policial militar diante da flagrância da embriaguez ao volante.

ESTADO DE SANTA CATARINA
          POLÍCIA MILITAR
          COMANDO GERAL

DIRETRIZ DE AÇÃO OPERACIONAL

CLASSIFICAÇÃO: Diretriz de Procedimento Específico nº xx/06
          ASSUNTO: Intervenção Policial Militar diante da Embriaguez ao Volante

1. FINALIDADE

Regular a intervenção policial militar diante da flagrância da embriaguez ao volante.

2. REFERÊNCIAS

Código de Trânsito Brasileiro - Lei 9.503/97;
          Lei 11.275, de 07 de fevereiro de 2006;
          Resolução 81/98 - CONTRAN;
          Resolução 109/00 - CONTRAN;

3. CONCEITO

a) Embriaguez – "é um estado de intoxicação aguda, produzida por causas de origem diversa, em que o indivíduo está de tal forma influenciado pela substância psicoativa, que perdeu o governo de suas faculdades ao ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência a função a que se consagra no momento".(Mourão et all, 2000). Nota-se que o termo embriaguez, tecnicamente, não significa o simples fato de estar sob influência de álcool. Para se falar em embriaguez necessita-se da capacidade diminuída para realizar com prudência suas tarefas, de dirigir expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Em resumo, precisa-se que, no momento da direção, as faculdades psíquicas estejam significativamente modificadas ou diminuídas. De modo a ocasionar uma condução imprudente, descuidada, temerária ou perigosa, desrespeitando as regras da circulação viária.

b) Fiscalização de trânsito - ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas no CTB.(CTB, Anexo I).

c) Policiamento Ostensivo de Trânsito – "função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes."(CTB, Anexo I). Assim, importa perceber que a fiscalização de trânsito não se constitui no mesmo universo do policiamento ostensivo de trânsito, apesar deste ser a fase de fiscalização do poder de polícia. Noutros dizeres, a fiscalização de trânsito diz respeito ao controle das normas administrativas que regulamentam o trânsito; remete-se, de forma pontual, a jurisdição administrativa, ao executar do agente de trânsito. Ao passo que o exercício do policiamento ostensivo de trânsito transcende o âmbito administrativo, constituindo-se em atividade de controle e preservação da ordem pública.

d) Sob influência de álcool ou substância análoga – trata-se de alteração motora, sensorial e psíquica, aguda, imediata e passageira, advinda da ingestão de álcool ou substância de efeitos análogos. Há de se frisar que as substâncias de feitos análogos são todas aquelas que independentemente da natureza causam dependência física ou psíquica do usuário; cominando, em concurso com às infrações de trânsito, responsabilização penal pela Lei de drogas.(FRANCO, 2004, p. 205). Cumpre salientar que estar sob influência de álcool não representa necessariamente estar embriagado. Evidencia-se que a embriaguez configura-se na incapacidade notória para o desempenho com prudência de suas atribuições, perda do governo das faculdades ao ponto de gerar incapacidade de direção de veículo com segurança. Em contraposição, para que haja o mero estado de influência de álcool não se faz necessária a incapacidade ou falta de destreza das ações ou tarefas, mas a simples presença ou manifestação de concentração alcoólica. Ora, nesse entender, quando o condutor se encontra embriagado, está diante de crime; mas, quando tão-somente estiver sob influência de álcool, deve ser responsabilizado administrativamente, autuado no art.165 do CTB, conforme legislação em vigor.

e) Dano Potencial - materializa-se por qualquer espécie de conduta que desrespeitando as regras de segurança viária exponha ou poderia expor a perigo a integridade ou a incolumidade física de outrem, independentemente da existência de uma vítima determinada. Em contornos práticos, há dano potencial quando, por exemplo, o agente conduz o carro pela contramão, avança o sinal vermelho do semáforo, anda em ziguezague, realiza manobras perigosas, empina a motocicleta, dirige sobre a calçada e desrespeita a preferencial.

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Sobre o autor
Thiago Augusto Vieira

cadete da Polícia Militar em Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Thiago Augusto. A intervenção policial militar diante da embriaguez ao volante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9047. Acesso em: 24 nov. 2024.

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