Capa da publicação A CPI da Covid e o fracasso do Brasil perante a comunidade internacional

A CPI da Covid e o fracasso do Brasil perante a comunidade internacional

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O Presidente da República, Jair Bolsonaro, se transformou em símbolo do negacionismo à ciência e em personificação da má gestão da pandemia ao flertar com Fake News e fazer alusão a medicamentos sem eficácia comprovada, o que culminou na abertura da CPI.

De todos os direitos sociais, o direito à saúde possui particular importância sendo, inclusive, tratado em capítulo próprio na Constituição Federal de 1988, demostrando o cuidado do constituinte à tutela jurídica diferenciada desse bem universal e indissociável, visto que está intimidante atrelado ao direito à vida e à proteção constitucional à dignidade da pessoa humana.

O texto constitucional reconhece muito além da saúde como simples direito fundamental. Ele reconhece a amplitude do problema e de sua solução, que requer não apenas o oferecimento de uma medicina curativa, mas também demanda uma medicina preventiva, envolvendo políticas públicas, sociais e econômicas.

Diante da pandemia e em virtude da necessidade de garantir e preservar a saúde da população as diretrizes e medidas de proteção a que todos se submeteram, a exemplo das restrições de circulação, quarentena e isolamento social, interromperam significativamente as atividades econômicas e sociais, sendo criadas diversas leis, portarias ministeriais e decretos sobre o tema.

A exemplo da Lei nº 13.979/2020 que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da Covid-19, determinando uma série de obrigações, restrições e recomendações que devem ser seguidas por toda a sociedade.

O seu texto informa que as pessoas, sem prever qualquer exceção, devem colaborar com as autoridades sanitárias comunicando imediatamente possíveis contatos com agentes infecciosos, além considerar obrigatório a utilização de equipamentos de proteção individual (máscaras), bem como recorrente asseio e higienização de acordo as normas da OMS – Organização Mundial de Saúde.

Ocorre que, apenas criar instrumentos normativos que funcionam tão somente em sentido figurado não são suficientes se essas leis não vêm acompanhadas de campanhas públicas de combate e conscientização da população acerca da gravidade da doença e, principalmente, de um comportamento exemplar do seu Chefe de Estado. E esse é, infelizmente, o retrato do Brasil.

O país que em meados do mês de maio/2021 se aproxima de 440 mil mortes por Covid-19 e contabiliza mais de 15 milhões de casos confirmados, segundo dados extraídos do Portal G1, se viu imerso em uma crise tão grande que engoliu a sanitária: a falta de um governo preparado, eficiente e sério culminou em um futuro incerto, perigoso, que trouxe ao Brasil o título de epicentro da doença e despertou preocupação e medo da Organização Mundial de Saúde [1].

Assim desabafou Mike Ryan, diretor executivo da OMS, ao demonstrar especial preocupação com o que se desenha para o país, cujo presidente desdenha da doença e sugere que combater o coronavírus não é a sua prioridade. Em entrevista coletiva, Ryan chamou atenção para a necessidade de se manter vigilante às normas de proteção e lembrou que o futuro pode ser trágico se medidas severas não forem tomadas. Segundo ele,

“A situação do Brasil mostra que isso não acabou para ninguém, pois qualquer relaxamento é perigoso, diante de um vírus que ainda tem muita energia.

(..)

Se as medidas sanitárias de controle não foram mantidas durante a introdução das vacinas, pagaremos um preço alto.”[2]

A falta de políticas públicas eficazes e de um projeto sério e rápido de vacinação alinhados a onda de transmissão de Fake News envolvendo as vacinas e o perigo da doença contribuem para que os números de óbitos e de casos confirmados aumentem ainda mais. Nesse sentido, a OMS alerta que teorias da conspiração, rumores e mentiras divulgadas em torno da pandemia vêm se espalhando tão rapidamente quanto o próprio coronavírus e que essa “infodemia” tem contribuído para aumentar o número de casos e mortes por Covid-19 em todo o mundo, segundo dados do BBC News [3].

E no Brasil não poderia ser diferente, uma vez que o Presidente da República, Jair Bolsonaro, se transformou em símbolo do negacionismo à ciência e em personificação da má gestão da pandemia ao constantemente flertar com Fake News acerca da vacina, ao declarar que o imunizante transformaria as pessoas em jacaré, ao fazer alusão a medicamentos sem eficácia comprovada, a exemplo da hidroxi-cloroquina, ao rechaçar o uso de máscaras de proteção, além de promover e induzir aglomerações em tempos de isolamento social em clara ameaça à saúde pública, o que culminou em sua reprovação crescente nos últimos meses e desencadeou na abertura da CPI da Covid.

No dia 13/04/2021 o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, oficializou a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, cujo objetivo é o de rastrear o início da tragédia sanitária provocada pela pandemia do coronavírus, levando em consideração as ideias equivocadas do Governo Federal, as ações e omissões que contribuíram para as mortes e a escassez de imunizantes e cuja função é a de, tão somente, produzir informações e enviar o material as autoridades competentes para julgar e imputar possíveis condutas criminosas aos investigados.

Além de apurar a conduta do Governo Federal no enfrentamento à pandemia, é objeto da CPI o colapso da saúde em Manaus em razão da falta de oxigênio, além da apuração da compra de insumos e respiradores, abertura de leitos hospitalares, repasse de verbas federais para estados e municípios e possíveis desvios de dinheiro, bem como a conduta do Presidente ao desautorizar publicamente a compra do imunizante Coronavac e o atacar apelidando-o de “vachina”, “vacina de Doria”, etc.

Até o dia 18/05/2021, já haviam sido ouvidos na CPI os ex-ministros da saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga. Também já foram coletados os depoimentos do diretor da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antônio Barra Torres, bem como o ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, e o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.

Dos depoimentos, alguns marcados por bate-boca, xingamentos e ameaças de prisão, foi possível observar que a presidência não dava autonomia aos ministros escolhidos que divergissem de suas ações de combate a pandemia, além de cogitar modificar a bula do medicamento hidroxi-cloroquina para constar a prescrição contra a covid-19. Ainda, foi informado que a farmacêutica Pfizer ofertou a venda de vacinas ao Governo Federal por diversas vezes, sendo a proposta negada pelo Poder Público.

A comissão foi instaurada há cerca de um mês e, mesmo estando pendente a oitiva de diversas testemunhas, é possível concluir a política de enfrentamento utilizada pela Governo Federal em pouco mais de um ano de pandemia: desdenhar e diminuir o potencial ofensivo do vírus, desrespeitar os 15 milhões de brasileiros e brasileiras que, de alguma maneira, tiveram suas vidas interferidas pela doença, além de optar por empregar tempo, força e dinheiro para “enfiar goela abaixo” (como diria em bom português) dos cidadãos um medicamento sem comprovação científica ao invés de investir todos esses recursos em campanhas de conscientização e prevenção, utilização de máscaras, medidas de isolamento e compra de vacinas, evitando não apenas o caos no sistema de saúde, como também inúmeras mortes.

Não fugindo do histórico das CPIs no Brasil, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid também tem sido marcada pelo que, de tão comum, pode vir a ser confundido com requisitos necessários e imprescindíveis a abertura de uma comissão, briga de egos, disputa política e tentativa desesperada por parte de alguns envolvidos de, a qualquer custo, barrar o prosseguimento das investigações.

Contudo, mesmo diante do circo instalado no Senado e do show de horrores que somos obrigados a assistir, ler, ver e ouvir, onde nem sequer é possível confiar que chegaremos em um final de efetiva apuração de irregularidades e crimes e, consequentemente, aplicação de penalidades aos envolvidos condenados, uma coisa é certa: teremos que conviver e tentar recuperar não apenas os destroços causados ao país que hoje é um dos que mais sofrem com a pandemia em todo o mundo, mas sim obter forças políticas, econômicas e diplomáticas para mudar a ideia de fracasso do Brasil perante a comunidade internacional.

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Segundo o professor de relações internacionais e diplomata brasileiro até o ano de 2010, Francisco Vecchi,

“sem dúvida esse é o pior momento para a imagem brasileira no mundo”,

as ofensas verbais, a condução da política externa e interna baseada em fake news e a falta de comprometimento são os elementos que definem a condução da atual política e os efeitos desse comportamento já são sentidos junto aos principais organismos internacionais [4].

Não é difícil pesquisar notícias, artigos e publicações que demonstrem a insatisfação da comunidade internacional e a péssima imagem que o governo Bolsonaro construiu, sobretudo, no último ano, assim informa a revista eletrônica Correio Braziliense ao mencionar o The New York Times e o Le Monde, grandes jornais internacionais, que ressaltam a imagem ruim do governo brasileiro, tecendo críticas severas a sua atuação frente à pandemia [5].

A rapidez da propagação do coronavírus acendeu a necessidade de uma adaptação rápida por parte de todo o mundo e qualquer processo de mudança exige um tempo para adaptação, sobretudo no cenário atual, onde as preocupações com a saúde da população e a incerteza em que respira o mundo prejudicam a todos.

Ainda é cedo para avaliar as consequências que a CPI da Covid-19 trará para o Brasil e como isso soará em todo o mundo. Alguns acreditam que o país não voltará a ser bem visto internacionalmente enquanto Jair Bolsonaro ocupar a cadeira de Presidente da República, outros apostam que esse não é o momento ideal para polarizar ainda mais o país, uma vez que qualquer medida drástica poderia ser um “tiro no pé”.

A verdade é que pouco mais de um ano após o início do cenário pandêmico, a sucessão de falas desnecessárias, as piadas de mau gosto e as inúmeras ações mal calculadas e destemperadas de Bolsonaro abalou a imagem do Brasil e destacou a divergência política que, desde a última eleição presidencial, já pulsava forte e concentrava os grupos políticos em extremos opostos.

E se engana quem acha que a CPI da Covid vai promover essa despolarização, ao contrário! O que se vê, em verdade, é que o jogo de poder e a vontade de se aproveitar da situação instalada (que se desenhará com o fim da comissão) para se promover e ao mesmo tempo enterrar adversários políticos é o verdadeiro objetivo obscuro que permeia nas entrelinhas das investigações e isso, caro leitor, servirá como a última pá de cal para terminar de enterrar um país que, cada vez mais, se afunda na areia movediça criada por aqueles que, teoricamente, estão ocupando os cargos em que foram colocados para salvaguardar os interesses do povo.

Mesmo já tendo as CPIs como nossas velhas conhecidas, essa é diferente e tem um quê de interrogação e preocupação maiores do que as demais, já que nunca estivemos diante de uma situação como a atual, sendo testados e levados ao extremo como neste último ano, onde o grande desafio ainda estar por vir: mesmo após pouco mais de 400 dias difíceis, ainda é preciso continuarmos nos mantendo resilientes por mais um longo período até que a CPI da Covid e todos os seus desdobramentos cheguem ao fim para que possamos, então, saber o preço que o Brasil pagará pelo (in)gerenciamento da crise pandêmica.


REFERÊNCIAS:

[1] Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/05/18/brasil-se-aproxima-de-440-mil-mortos-por-covid-com-media-movel-de-1953-vitimas-por-dia.ghtml. Acesso em: 18/05/2021.

[2] Disponível em: Se as medidas sanitárias de controle não foram mantidas durante a introdução das vacinas, pagaremos um preço alto… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2021/02/26/diretor-da-oms-admite-preocupacao-com-situacao-do-brasil-na-pandemia.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 07/03/2021.

[3] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53795050. Acesso em 26/01/2021.

[4] Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/o-olhar-do-mundo-sobre-o-brasil/. Acesso em 18/05/2021.

[5] Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/09/4876637-brasil-esta-com-imagem-negativa-no-exterior-por-conta-da-pandemia.html. Acesso em 18/05/2021.

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Sobre a autora
Adrielle de Oliveira Barbosa Ferreira

Advogada atuante nas áreas Trabalhista, Cível e Consumerista. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica doSalvador - UCSal. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Sócia no Ricardo Xavier Sociedade de Advogados. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIMAM -Centro Universitário Maria Milza. Mentora para a 1 fase do Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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