A Covid-19 como doença ocupacional.

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Este trabalho trata-se da análise das doenças ocupacionais e sua relevância em tempos da pandemia causada pela COVID-19 (vírus SARS-CoV-2) abordando a possibilidade do enquadramento da Covid-19 no rol de Doenças Ocupacionais e suas consequências.

Resumo

Este trabalho trata-se da análise das doenças ocupacionais e sua relevância em tempos da pandemia causada pela COVID-19 (vírus SARS-CoV-2). Tem como intuito analisar as modificações nas relações entre empregados e empregadores decorrentes da adoção de Medidas Governamentais que acarretaram a relativização da norma trabalhista e verificar a probabilidade da caracterização da COVID-19 como Doença Ocupacional.  Desenvolveu-se um estudo adotando a metodologia quantitativa, bibliográfica e documental na legislação e doutrina considerando as jurisprudências que versem sobre a temática. A pesquisa também abordou uma revisão sobre os conceitos de saúde e proteção ao empregador diante do novo cenário. Como resultado do presente artigo conclui-se que a exposição do empregado no ambiente de trabalho e a possibilidade de contágio são eminentes ficando os empregadores responsáveis pela adequação e fornecimento de equipamentos de segurança em respeito às normas sanitárias e caso não seja realizado passando a se falar em sua responsabilização. 

Palavras-chave: Doença Ocupacional; Medidas Governamentais; Responsabilização.

Abstract

This work deals with the analysis of occupational diseases and their relevance in times of the pandemic caused by COVID-19 (SARS-CoV-2 virus). Its purpose is to analyze the changes in the relations between employees and employers resulting from the adoption of Government Measures which led to the relativization of the labor standard and to verify the probability of the characterization of COVID-19 as Occupational Disease. A study was developed adopting the quantitative, bibliographic and documentary methodology in the legislation and doctrine considering the jurisprudence that deal with the theme. The survey also addressed a review of the concepts of health and protection for the employer in the face of the new scenario. As a result of this article, it is concluded that the exposure of the employee in the work environment and the possibility of contagion are imminent and employers are responsible for the adequacy and supply of safety equipment in compliance with sanitary standards and in case it is not carried out, talking in their accountability.

Keywords: Occupational disease; Governmental Measures; Accountability. 

Sumário:  Introdução 1. A Covid-19 e as relações de trabalho 2.  Doença Ocupacional: características e regulamentação 3. A caracterização da Covid-19 como Doença Ocupacional   4.  A relação causal ou concausual da Covid-19 e o ambiente de trabalho 5. Responsabilidade do empregador: objetiva e subjetiva 6.  Consequências do enquadramento da Covid-19 como Doença Ocupacional 6.1. Impactos Jurídicos Trabalhistas 6.2.  Impactos Econômicos 7. A Excludente de Ilicitude do Empregador e a Covid-19 8. Conclusão. Referências Bibliográficas

Introdução.

A pandemia instaurada pela COVID-19 doença causada pelo Coronavírus SARS-CoV-2, provocou uma série de implicações em diversos setores relacionados à vida dos indivíduos, como, por exemplo, a adoção de medidas destinadas à contenção do vírus quais impactaram diretamente no âmbito econômico e trabalhista.

Na seara jurídica, devido à drástica alteração no cotidiano dos indivíduos acarretou a necessidade de uma readaptação no ordenamento jurídico ressignificando normas e posicionamentos consolidados em jurisprudências, quais deixaram lacunas que devem ser sanadas para garantir a segurança jurídica para todos. 

 No ramo do Direito do Trabalho, responsável por regular as relações laborais passou-se a analisar a situação do empregado e empregador por meio da edição de Medidas Provisórias concedendo aos empregadores a permissão de gozar de seu Poder Diretivo utilizando-se dos meios necessários para manutenção ou extinção do Contrato de Trabalho como: a modificação de direitos coletivos, reduções temporárias dos contratos firmados, a redução salarial, a concessão de férias e bancos de horas.

Contudo, há que se falar em um ponto de grande repercussão qual seja a possibilidade do enquadramento do vírus SARS-CoV-2 como uma Doença Ocupacional, atribuindo ao poder Executivo a tarefa de afastar o nexo causal entre o trabalho bem como suas atividades laborais e o contágio do vírus.

­­­­­Em decorrência de diversas reivindicações feitas pela classe trabalhadora por intermédio dos partidos políticos e representantes sindicais por meio da propositura de Ações Diretas de Inconstitucionalidades (6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 e 6354), fundamentadas na violação de Direitos garantidos na Carta Magna, à medida que tratava sobre a possibilidade do Covid-19 como doença ocupacional foi submetida à análise do Superior Tribunal Federal órgão guardião do Controle de Constitucionalidade.

Após a votação realizada no plenário, decidiu-se pela suspensão da eficácia dos artigos 29 e 31 da Medida Provisória 927/2020, provocando uma lacuna quanto à possibilidade de caracterizar a patologia causada pelo Covid-19 como uma doença laboral e quais seriam os reflexos deste enquadramento na seara trabalhista e previdenciária.

Ante ao exposto, há que se falar na inconstitucionalidade da decisão que extingue o Covid-19 do rol de doenças ocupacionais? ; caso seja o Covid-19 reconhecido como uma doença ocupacional quais serão os reflexos ocasionados? ; qual será responsabilidade do empregador frente à assunção do risco no exercício de seu negócio; estas são dúvidas quais ao longo deste artigo serão sanadas possibilitando a você leitor formar uma opinião sobre tal questionamento.

Desta feita, o presente trabalho tem como objeto analisar os aspectos jurídicos trabalhistas que envolvem a pandemia provocada pelo Coronavírus e sua inclusão no rol de Doenças Ocupacionais, bem como os requisitos deste enquadramento e suas consequências jurídicas.

1. A Covid-19 e as Relações de Trabalho.

A pandemia Covid-19 tem sido uma das epidemias que mais causou impactos mundiais, desafiando o Direito a explorar meios para garantir a seguridade das relações jurídicas originando a necessidade de inovação e adequação de empregados e empregadores nos diversos contratos de trabalho regulamentados pela Legislação Trabalhista.

No Brasil, para adequação das relações de trabalho foram editadas diversas Medidas Provisórias de modo a decrescer o índice de desemprego em decorrência da atual pandemia, sobrepondo a saúde econômica da empresa e a manutenção dos empregos pelo máximo de tempo. 

Nesse passo além da continuidade das relações de trabalho outro ponto de extrema relevância é a saúde dos empregados, devendo os empregadores reduzirem os riscos inerentes à atividade laborativa através de meios de prevenção direcionadas pela Medicina e Segurança do Trabalho, presentes na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

No que diz respeito às adequações realizadas respeitando as Medidas Governamentais como: isolamento social, utilização de acessórios de segurança (máscaras e luvas), o Home Office demonstrou ser uma alternativa acertada para as empresas que tiveram que restringir suas atividades ou reduzir o número de funcionários no ambiente de trabalho.

Sob esse prisma, além desta nova forma de trabalho denominada como Teletrabalho as Medidas Provisórias versaram sobre diversos pontos como: a diminuição da jornada de trabalho, a antecipação das férias ou férias coletivas, a suspensão do contrato por tempo determinado, o aproveitamento e a antecipação de feriados, tele entrega e outros.

Diante do teor das Medidas Provisórias cabe-se ressaltar que o empregador formal, aquele que possuem um vínculo empregatício pela presença dos requisitos legais encontra-se em partes amparado, mas vale lembrar a ausência de meios para os empregadores informais (autônomos) que ficam a mercê de encontrar um meio de subsistência.

Essa dificuldade é decorrente das Medidas Governamentais que impõe o isolamento social, bem como a limitação de circulação de pessoas que atinge diretamente os pequenos negócios e os prestadores de serviços.

Embora o desemprego seja reflexo da situação econômica atual que afeta os empregadores, o problema é mais amplo do que se vê, pois, de um lado se verifica a diminuição drástica da oferta de trabalhadores e a contaminação decorrente do exercício do trabalho devido às condições insalubres.

As condições em que os empregados prestam o serviço são de suma importância neste cenário atual de pandemia. Os empregados estão sujeitos ao risco eminente de um contágio por conta de suas atividades laborais e casos contaminados torna-se questionável a responsabilidade do empregador. 

2.  Doença Ocupacional: Características e Regulamentação

A preocupação com a saúde do empregador ao exercer suas atividades laborais ganhou ênfase a partir da Revolução Industrial com o surgimento de regulamentações e leis de proteção ao empregado. Posteriormente, como reflexo da Segunda Guerra Mundial e das inovações tecnológicas após a percepção dos empregadores sobre os elevados custos com as doenças ocasionadas pelo trabalho, tem-se a ampliação do conceito Medicina do Trabalho passando a se falar na Saúde Ocupacional dos Trabalhadores.

A atuação da Medicina do Trabalho passa a ser de suma relevância, sendo esta classificada como uma especialidade médica responsável por lidar com a saúde do trabalhador e seu trabalho, diligenciando a resguardar o surgimento de doenças e acidentes com a finalidade de preservar tanto em sentido físico e psíquico a saúde do empregado.

Neste ínterim, as doenças laborais passam a ser tratadas como aquelas que causam modificações na saúde do empregado ocasionadas por fatores inerentes ao ambiente laboral e as atividades desenvolvidas e as constantes da relação traçada pelo Ministério do Trabalho e a Previdência Social.

As doenças inerentes à função exercida pelo empregado sejam elas; doenças do trabalho ou ocupacionais estão regulamentadas no artigo 20 e seus incisos da Lei 8.213 de 1991 sendo definidas como as enfermidades desencadeadas em função do trabalho ou aquelas que possuam relação direta com o trabalho realizado, vejamos: 

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso. 

Mediante o dispositivo supracitado tem-se a distinção das doenças laborativas em: doenças do trabalho e doenças ocupacionais. As doenças ocupacionais como dito anteriormente são classificadas como aquelas que decorrem do trabalho em função da atividade exercida. No que lhe concerne, às doenças do trabalho são entendidas como aquelas não estão atreladas diretamente a função do emprego, mas ao local onde é realizado.

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 A caracterização de doença ocupacional é marcada pela comprovação do nexo de causalidade existente entre o empregador e a função exercida, contudo este nexo deve ser inquestionável e a doença desencadeada ter como único motivo o trabalho.

Neste sentido, o legislador estabeleceu no rol do artigo 20,§1º da Lei 8.213/1991, quais doenças não são capazes de serem ocupacionais sendo elas: doenças degenerativas, inerentes ao grupo etário, doenças que não causem a incapacidade do empregado e as doenças endêmicas.

As doenças degenerativas são conceituadas como aquelas que causam a deterioração do corpo, exemplificando são doenças de circulação, tecidos, ossos, cérebro, visão e todo qualquer órgão interno. Essas doenças são ocasionadas por fatores genéticos ou pelo estilo de vida do indivíduo independentemente da atividade laboral, sendo classificadas apenas por exames específicos e para fins trabalhistas através de perícias médicas.

Por sua vez, as doenças referentes aos grupos etários são marcadas pela idade do adoecido como: Alzheimer, Osteoporose e outras, não sendo consideradas uma doença ocupacional vez que o labor não foi um gatilho para as doenças pré-existentes.

Noutro giro, as doenças endêmicas decorrem de grupos infectados disseminados na população que se desenvolvem no ambiente em que seu portador venha integrar. Nesses casos, a complexidade de lidar com tal doença está no fato de que somente a existência ou inexistência de causalidade pode impedir tal caracterização.

 3.  A Caracterização da Covid-19 como Doença Ocupacional

Feitas as considerações acima, o cenário atual causado pela pandemia trouxe consigo o questionamento acerca do enquadramento jurídico da Covid-19 no rol de Doenças Ocupacionais. Esse tema ganhou foco após publicação do Artigo 29 da Medida Provisória de n.º 927 qual estabelecia: “Os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. 

Após a edição da medida acima, o mundo do trabalho se viu diante de série de possibilidades e conflitos, pois seu texto atribuía ao empregado o ônus de comprovar o nexo causal entre a contaminação e sua atividade laboral, oque ocasionou diversas demandas judiciais pleiteando sua anulação.

Ocorre que, após o Superior Tribunal Federal (STF) manifestar-se por decisões interlocutórias no Julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN’s de nº. 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 e 6354) motivadas pelo reconhecimento da inconstitucionalidade e a insegurança jurídica causada aos indivíduos restou decidido pela suspensão da eficácia do Artigo 29 da medida n.º 927.

A decisão tomada pelo Superior Tribunal Federal suprimiu o principal elemento antes discutido: o ônus da comprovação do nexo de causalidade entre a contaminação e o ambiente de trabalho. Esta suspensão permitiu que os indivíduos discutissem sobre a transferência do ônus para o empregador que deverá comprovar que a contaminação não ocorreu em virtude do trabalho e a tomada de todas as medidas de segurança, certificados de medicamentos e medidas de higiene no trabalho para controlar a contaminação e propagação do novo vírus.

Neste momento, leitor, imagino que você deva estar se perguntando: afinal a Covid-19 pode ou não ser uma doença ocupacional afinal como já explanado tal patologia não enquadra o rol do artigo 20 da Lei 8.293/91. Pois bem, a discussão paira sobre esse ponto, afinal a legislação prevê a possibilidade de que as doenças não inseridas no rol do dispositivo supracitado sejam reconhecidas pela Previdência Social como doenças laborais.

Analisando esse embaraço jurídico com base em normas e conceitos existentes, a Covid-19 não pode ser considerada uma Doença Ocupacional, vez que se trata de uma pandemia mundial e não tem como única causa à atividade laborativa, seria então a Covid-19 uma doença endêmica? Podemos afirmar que não, pois estamos diante de uma nova patologia que é desconhecida até mesmo por cientistas e médicos, não sendo possível detectar o exato momento da contaminação.

Analisando o dispositivo legal, não é possível encontrar uma previsão exata acerca de doenças pandêmicas, pelo contrário, denota-se a existência de lacunas normativas nesse aspecto. Contudo, conforme disposto no artigo 20, §1º, "'d", da Lei 8.213/91 as doenças endêmicas são aquelas: d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Para analisar o enquadramento da COVID-19 nos casos de contaminação dos funcionários a verificação do nexo de causalidade é realizada por peritos ordinários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o que é determinado pela legislação previdenciária no Artigo 21-A, Lei n.º 8.213-1991: “A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo”.

4.  A Relação Causal ou Concausal da Covid-19 e o Ambiente de Trabalho.

A doença Covid-19 foi declarada, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia. Mas é necessário compreender se a Covid-19 pode ser excluída do rol de doenças laborais, a partir da ideia de endemia. Nesse sentindo, é necessário saber a distinção entre pandemia e endemia, para encontrar a resposta à questão posta à análise.

Endemia é caracterizada pela grande frequência de casos de determinada doença, numa dada região geográfica, e se a pandemia somente é declarada pela OMS quando uma doença atinge todas as regiões do planeta, e mais, se no caso do Brasil, a Covid-19 atingiu todos os estados da Federação, não há outra solução lógica que não seja a de se considerar que, em regra, a Covid-19 não se trata de uma moléstia do trabalho, aplicando-se, por analogia, a norma do art. 20, § 1º, IV, da Lei de Benefícios. 

Assim, não podemos considerar que a Covid-19 uma doença ocupacional, estando os empregadores livres de qualquer provocação de seus empregados, em aventureiras ações indenizatórias de danos, perante a Justiça do Trabalho.

Entretanto, existe uma excepcionalidade que a própria norma traz no tocante à situação dos profissionais que mantêm exposição ou contato direto, pela natureza do seu trabalho, com vírus, protozoários ou quaisquer outros agentes transmissores de doenças, endêmicas ou pandêmicas. Desta forma, os inúmeros trabalhadores que estão tendo contato direto com pessoas infectadas com o vírus SARS-CoV-2, seja mediante exposição a pacientes portadores desse vírus, sejam por “contato” com este nas outras atividades que não foram paralisadas nem mesmo por isolamento social entram na excepcionalidade.

Ademais, as atividades essenciais possuem um nexo causal presumido para Covid-19. São elencadas na lei n. 7.783/89 e na lei de greve, onde define quais serviços ou atividades econômicas que são consideradas essenciais. Vale ressaltar, que este rol foi ampliado pelo Decreto n. 10.282, de 20-3-2020 e por vários outros, como, por exemplo, o Decreto n. 10.292, de 25-3-2020.

Assim, analisando a situação do empregado e do empregador nas atividades essenciais, o instituto da concausa surge nessa intrincada questão como um fator de equidade, não deixando o trabalhador desamparado, e, de outro lado, não impondo ao empregador uma indenização desproporcional à contribuição que seu ambiente laboral deu à aquisição da doença pelo trabalhador, ainda que em atividades essenciais.

Por fim, a equidade deverá guiar as mentes dos aplicadores da normativa de doenças ocupacionais, de ônus da prova e das reparações previstas, como se extrai da ratio decidendi do pronunciamento do STF, na tentativa de realizar um julgamento justo tanto para o empregado quanto para o empregador.

5.  Responsabilidade do Empregador: Objetiva e Subjetiva.

Perante o Estado de calamidade pública que estamos vivendo é necessário tomar medidas e simplificar procedimentos para garantir de forma rápida e eficaz o atendimento do interesse público. Entretanto, para isso, é necessário observar garantias constitucionais, bem como, o sistema jurídico-trabalhista para garantir um Estado Democrático de Direito.

A OIT caracteriza a COVID-19 como doença profissional. Analisando e realizando uma interpretação sistemática da legislação brasileira, a COVID-19 pode ser caracterizada como doença ocupacional (ou profissional), caso o adoecimento seja desencadeado pelo exercício do trabalho característico à função ou profissão desses trabalhadores, mais comum na situação dos profissionais de saúde, ou ainda como doença do trabalho, quando causado pelo meio ambiente do trabalho ou pelas condições a que o empregado é exposto.

Em ambos os casos, o empregado doente deverá ser indenizado pelo empregador, seja em decorrência da responsabilidade pela atividade de risco (classificada como objetiva), que se caracteriza pela natureza da atividade laboral e pelo trabalho em situações em que o dano é previsível, seja em face da responsabilidade pela culpa ou dolo do empregador (classificada como subjetiva), existente nos casos em que o empregador deixa de cuidar de modo eficaz do ambiente laboral, por imprudência, imperícia ou negligência, como em decorrência da ausência ou fornecimento insuficiente de EPI.

A Constituição Federal discorre que a responsabilidade do empregador pelo dano que causar ao trabalhador, mediante comprovação de dolo ou culpa. O Código Civil, por sua vez, no parágrafo único do Artigo 927, prevê a responsabilidade objetiva do autor do dano nos casos de atividade de risco ou quando houver exprimido previsão legal, situação em que não é necessária a comprovação de dolo ou culpa. Esta regra é perfeitamente aplicável às relações trabalhistas, como amplamente reconhecida pela Justiça do Trabalho.

O STF reafirmou a constitucionalidade do artigo 927, parágrafo único, que garante ao trabalhador o direito à indenização em razão de danos decorrentes de acidente de trabalho ou adoecimento ocupacional, independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador, se a atividade é considerada de risco (responsabilidade objetiva). Seja como for, a responsabilidade do patrão nos casos de acidente de trabalho ou adoecimento ocupacional sempre existiu em qualquer situação de culpa (negligência, imperícia e imprudência).

Embora a Medida Provisória 927/2020, em seu artigo 29, tenha pretendido excluir a natureza ocupacional das contaminações por SARS-Cov-2 ocorridas no ambiente de trabalho de modo apriorístico e abstrato, a norma mostra-se incompatível com os artigos 7 e 225 da Carta Magna. No contexto da pandemia vivenciada, em que o contágio se dá pelo ar e de modo invisível, é de se presumir que as atividades desempenhadas por profissionais de saúde, por exemplo, representam risco especial a esses trabalhadores.

Portanto, a forte embasamento jurídico que a responsabilidade do empregador existente no caso de adoecimento por COVID-19 dos profissionais de saúde e em quaisquer outras atividades essenciais é objetiva. Isso porque o risco da atividade desempenhada por tais trabalhadores é inerente ao fato de ser necessário, em suas funções ordinárias, o trato frequente com pessoas contaminadas com o novo Coronavírus, num contexto pandêmico.

6. Consequências do Enquadramento da Covid-19 como Doença Ocupacional.

Em um possível cenário de inclusão da Covid-19 no rol de Doenças Ocupacionais há que se falar em uma série de consequências. Essas consequências são evidenciadas em diversos ramos, quais sejam: jurídicos, econômicos e sociais tornando-se necessário analisar os possíveis efeitos. 

6.1.   Impactos Jurídicos

Realizada a verificação do nexo causal entre a contaminação do empregado e o ambiente de trabalho por peritos médicos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), passa a se falar em uma série de impactos jurídicos na seara trabalhista.

Uma destas consequências será a  emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) com a finalidade de comunicar a Previdência Social à ocorrência de um Acidente de Trabalho ou Doença Ocupacional pelo empregado no exercício de sua função para ocorrer o recebimento dos benefícios previdenciários como o auxílio-doença.  Além disso, o empregador fará jus à estabilidade provisória que determina a proibição da dispensa por um período de 12 meses, exceto por justa causa.

Cabe-se ressaltar que com a recognição dos Acidentes de Trajeto (percurso até o trabalho) tem-se a presunção do nexo de causalidade entre o acidente e a atividade laborativa, tratando-se, portanto de um Acidente de Trabalho.

Diante disso caso o empregado comprove o contágio do vírus no momento em que se deslocava para seu trabalho ou residência ao final do expediente, torna-se existente a possibilidade de ser afastado pela caracterização de uma Doença Ocupacional por equiparação ao Acidente de Trabalho, sendo necessária a adoção de todas as medidas acima. 

Outro impacto de grande relevância é a consignação do FGTS e uma oscilação no Fator Acidentário de Prevenção (FAP) sob a  aplicação do índice de Contribuição do Grau de Incidência Incapacidades laborativa pago pelos empregadores. Em outras palavras, quanto maiores os números de acidentes a FAP aumentará significativamente impactando a contribuição previdenciária direcionada a aposentadoria especial e os benefícios concedidos com base no grau de incidência da incapacidade.

Como se nota a responsabilização do empregador não se limita ao que fora exposto podendo estender-se a custear os prejuízos suportados pelo funcionário decorrentes da doença como, por exemplo: ressarcimento das despesas médicas, manutenção dos benefícios caso o empregador encontre-se incapacitado. Além disso, há que se falar em uma possível responsabilização “pos mortem” gerando ao empregador o risco de arcar com indenizações requeridas por meios judiciais.

6.2 Impactos Econômicos

Devido à crise provocada pelo novo coronavírus, podemos observar os sinais de redução da atividade econômica, como consequência das medidas de isolamento e distanciamento social, promovidas no Brasil.

Com o fechamento parcial houve a necessidade da redução de jornada de trabalho de empresas, adesão ao regime de trabalho de Home Office, interrupção da cadeia produtiva de alguns setores da economia, redução de exportações e início de uma trajetória de expectativas pessimistas dos investidores, tanto no mercado financeiro quanto no produtivo.

Importante ressaltar que antes da vinda do novo coronavírus o país estava superando a crise econômica de 2014/2017, com a retomada do crescimento econômico de longo prazo e com a agenda de reformas para 2020, as quais devem ser adiantadas, se o cenário político permitir, para a agenda pós-pandemia.

Ademais, houve, também, a ampliação da recessão econômica devido ao avanço do vírus. Assim, o governo ampliou as linhas de crédito destinadas às micro e pequenas empresas para o gerenciamento de caixa. Porém, de forma geral, os empresários não estão conseguindo acessá-los devido à comprovação de garantias de pagamento.

Como medida governamental, a concessão do Auxílio Emergencial e a relativização de regras para o programa de Benefício de Prestação Continuada. As dificuldades fiscais são ampliadas, com o aumento da dívida pública, seja pela ampliação de gastos ou pela redução na arrecadação tributária.

Por fim, a situação de baixo crescimento econômico, alta de desemprego, atividade econômica comprometida devido às necessárias medidas de isolamento social e a ameaça de um colapso na saúde pública com crescente número de pessoas enfermas, levou o país a ingressar em uma das maiores crises econômicas e sociais de sua história.

Diversos empresários tiveram que antecipar as férias para os seus funcionários, reduzir as jornadas de trabalho e salários ou até mesmo suspender o contrato de trabalho na tentativa de manter o vínculo de trabalho.  Mas, infelizmente, muitos foram desligados, e o custo da demissão para os empresários é grande. Assim, diversos empreendedores tiveram que decretar falência e fechar as portas.

Vale ressaltar, que o sistema de “delivery” ganhou força e está sendo um método bastante utilizado pelas empresas na tentativa de um possível retorno financeiro. Ademais, o atendimento em domicílio, vendas pela internet são outras possibilidades utilizadas na tentativa de enxugar gastos e reduzir custos.

Assim, devido à crise instaurada, os empresários lutam para pagar as contas e driblar a crise, pois a pandemia limitou o funcionamento de comércio e serviços.

Por fim, analisando os impactos negativos sofridos por diversos empresários, conforme explanado acima, ainda sim, não exime a sua responsabilidade perante o trabalhador de forma objetiva. Se o adoecimento for desencadeado pelo exercício do trabalho característico à função ou profissão desses trabalhadores a sua responsabilidade será objetiva, caracterizando, assim, como doença ocupacional.

7.   A Excludente de Ilicitude do Empregador e a Covid-19.

A responsabilidade civil do empregador em regra é de natureza subjetiva nos termos do Artigo 7º, inciso XXVIII do Texto Constitucional e ficando sujeita a comprovação do nexo de casualidade, do prejuízo sofrido e da culpa do empregador. Em situações excepcionais a responsabilidade será objetiva sendo caracterizada pela constatação do nexo causal e do prejuízo causado ao empregado independentemente da culpa do empregador.

No que diz respeito ao Covid-19, frustradas todas as tentativas de prevenção da contaminação dos empregados no ambiente de trabalho um dos elementos principais é a demonstração de que o contágio foi consequência da exposição direta com o  trabalho, há que se falar na responsabilização do empregador. 

Por sua vez existem casos em que o empregador pode ter sua responsabilidade excluída desde que comprovado a utilização dos meios adequados para evitar a propagação do vírus no ambiente de trabalho desde que observem as medidas de saúde impostas pelo Poder Público e o Ministério do Trabalho.

Este posicionamento reforça a obrigação do empregador/empresa em adotar as medidas sanitárias, como utilização de máscaras, higienização do ambiente de trabalho, utilização de álcool em gel que deve permanecer a disposição do empregado, controle quantitativo dos empregados nas dependências do ambiente laboral, afastamento e testagem das pessoas com sintomas assemelhados ao da Covid-19.

Caso as medidas supracitadas sejam seguidas de forma linear pode-se presumir que risco do contágio do empregado não se restringe apenas ao trabalho equiparando, portanto, os riscos sofridos no dia-a-dia.

Em contrapartida, a ausência dos cuidados essenciais e a comprovação do nexo de causalidade pelo empregado implicam na responsabilização do empregador, entendimento este adotado pelos Tribunais:

RECURSO ORDINÁRIO. DOENÇA OCUPACIONAL. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Em se tratando de atividade classificada como grau 3 para risco de acidentes de trabalho, é reconhecida a atividade de risco, atraindo a aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, sendo objetiva a responsabilidade do empregador. Provimento negado, neste aspecto. (TRT da 4ª Região, 9ª Turma, 0020769-86.2017.5.04.0522 RO, em 27/02/2020, Desembargador Joao Batista de Matos Danda).

Como se nota assim em todas as relações de trabalho haverá o risco de atribuir ao empregador a responsabilidade pela contaminação de seus funcionários com a COVID-19, e caso comprovado o nexo entre a prestação de serviço e o ambiente de trabalho. Contudo, caso o empregador adote as medidas sanitárias adequadas com a finalidade de diminuir a propagação do vírus e zelar pela segurança de seus funcionários estaremos diante de uma forma de exclusão da responsabilidade do empregador.

8.   Conclusão

A atuação dos trabalhadores neste cenário de pandemia sofreu uma série de modificações desde a forma qual vão exercer seu trabalho e as normas de regulamentação que envolvem o contrato de trabalho.

 Além da preocupação com a saúde pública e a manutenção dos empregos, os efeitos negativos da pandemia se tornam visíveis nos dados de desempregos. Os empregadores cada vez mais buscam preservar suas empresas e consequentemente a oferta de mão de obra diminui de forma drástica. Neste cenário atual de desemprego o trabalho informal (trabalho autônomo) tornou-se uma forma eficaz, porém encontra-se limitado às medidas de circulação de pessoas e bens.

Posto isso, os reflexos da pandemia estarão presentes por um longo tempo e a necessidade de adequação às novas formas de trabalho será constante. Os novos cenários serão marcados por um binômio de necessidade/possibilidade devendo empregados e empregadores andarem em conformidade buscando atender um meio entre as melhores condições de trabalho e manutenção do trabalho. No que tange ao enquadramento a COVID-19 como uma doença ocupacional é incontestável que a legislação precisa evoluir para oferecer segurança jurídica a todos, inclusive para o empregador e empregado.

A atuação dos trabalhadores nas atividades essenciais é um ponto central no enfrentamento da pandemia. As realizações destas atividades não podem ser caminho para o adoecimento e a morte. O direito à vida e a execução do trabalho em condições seguras e protegidas é uma meta a ser incorporada nas ações de enfrentamento da epidemia. Sem essa junção, não há como superar essa situação de desastre e crise. Assim, o Judiciário deverá assegurar a máxima eficácia à normativa de proteção através de sua atuação. 

Por sua vez, o amparo legal permite concluir que a integração da Covid-19 no rol de Doenças Laborais está diretamente ligada no nexo de causalidade, o qual deverá ser comprovado pelo emprego. Tal inversão do ônus probatório mantém-se em conformidade com o disposto nos Artigos art. 818 da CLT e 333 do CPC

Em contrapartida, o empregador desde que se atentem às normas sanitárias estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde e o Ministério do Trabalho qual seja, fornecer ao empregador o EPI adequado quais são: ambiente de trabalho higienizado, luvas, máscara, álcool em gel disponibilizado nas dependências da empresa, limitação do número de funcionários.  

 Referências Bibliográficas.

DA PENHA DE MENDONÇA COELHO, Bruna; LIMA, Jéssica; CARMO, Brasil; et alCOVID-19 E AS RELAÇÕES DE TRABALHO BRASILEIRAS: EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E OS IMPACTOS DA CRISE NA SUBJETIVIDADE DO TRABALHADOR COVID-19 AND BRAZILIAN LABOUR RELATIONS: EXTINCTION OF EMPLOYMENT CONTRACTS AND THE IMPACTS OF THE CRISIS OVER WORKER’S SUBJECTIVITY. [s.l.]: [s.d.]. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/176133/2020_coelho_bruna_covid19_relacoes.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.

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MARTHA MACEDO SITTONI ; MURILO FOSS. A contaminação pela Covid-19 como doença ocupacional e a responsabilidade do empregador. Jus.com.br. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/86941/a-contaminacao-pela-covid-19-como-doenca-ocupacional-e-a-responsabilidade-do-empregador>. Acesso em: 13 May 2021.

‌ ANDRÉ MACHADO CAVALCANTI. A responsabilidade do empregador pela contaminação do trabalhador com Covid-19. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jul-15/andre-cavalcanti-responsabilidade-empregador-covid-19>. Acesso em: 13 May 2021.

Covid-19 e doença ocupacional: efeitos da decisão do STF - Migalhas. Migalhas.com.br. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/328267/covid-19-e-doenca-ocupacional--efeitos-da-decisao-do-stf>. Acesso em: 13 May 2021.

FAP - Fator Acidentário de Prevenção. Receita Federal. Disponível em: <https://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/gfip-sefip-guia-do-fgts-e-informacoes-a-previdencia-social-1/fap-fator-acidentario-de-prevencao-legislacao-perguntas-frequentes-dados-da-empresa#:~:text=O%20Fator%20Acident%C3%A1rio%20de%20Preven%C3%A7%C3%A3o,de%20incapacidade%20laborativa%20decorrente%20dos>. Acesso em: 19 May 2021.

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Sobre as autoras
Amanda Lopes Araujo Sousa

Acadêmica de Direito do 10º período e admiradora da justiça.

Cinara Alves Franco

Acadêmica de Direito do 10º Período no Centro Universitário Una.

Informações sobre o texto

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Mais informações

Conforme os reflexos causados pela pandemia na seara trabalhista, este tema é de suma importância e interesse dos indivíduos.

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