A Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), especificamente nos §§ 7º e 8º do art. 17, estabelece rito procedimental próprio e prévio (fase preliminar) em ações de improbidade administrativa, assim sintetizado: estando a inicial em forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações e, recebida a manifestação, o juiz, em decisão fundamentada, poderá rejeitar a ação se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
Relativizando a regra do §7º do art. 17 da LIA, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de Tese (Jurisprudência em Teses, edição n. 38, de 5/82015), fixou entendimento de que a ausência de notificação do réu para apresentação de defesa prévia só acarreta nulidade processual se houver comprovado prejuízo ao agente.
A orientação deve ser reformulada.
A tarefa interpretativa do Poder Judiciário não pode ter o condão de alterar a lei: o ato interpretativo deve ser realizado confrontando-se a letra fria da lei com os fatos e litígios submetidos ao crivo do Poder Judiciário, sendo vedado qualquer ato interpretativo criador ou modificador da lei.
Atribuir força criadora normativa a jurisprudência é violar a separação dos poderes (art. 2º, CF/88), permitindo que o Poder Judiciário, salvo nos casos de matérias de caráter vinculante, invada competência típica do Poder Legislativo (editar normas legais formais).
Noutra perspectiva, cediço que, na apuração de qualquer prática ilegal, a obediência ao principio devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88) se impõe com o fim de garantir a todos o direito de ser processado e julgado em estrito acatamento a normas materiais e procedimentos previstos em lei, pena de nulidade processual (TRF1, AMS 2740PA 1999.39.00.002740-1, REL. JUIZ LUCIANO TOLENTINO AMARAL, JULG: 19/3/2002, 3T, PUBL: 12/4/2002 DJ P.69; TJPR, APC 925396-5, REL. SHIROSHI YENDO, JULG: 19/9/2012, 16CC).
A subversão do contraditório prévio (art. 17, §7º, LIA) vilipendia o devido processo legal e seus consectários, a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, CF/88): do agente é retirado o direito subjetivo de, querendo e no prazo legal, apresentar resposta prévia acompanhada de justificativas e documentos e, por consequência, de tentar elidir a rejeição da ação ímproba proposta e ainda não recebida.
A notificação prévia é condição de procedibilidade da ação, configurando sua inobservância nulidade processual absoluta por infringência aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (STJ, RESP. 1008632/RS, REL. MIN. FRANCISCO FALCÃO, 1T, JULG: 2/9/2008, DJE: 15/9/2008 e STJ, RESP. 1087922/SP, REL. MIN. FRANCISCO FALCÃO, 1T, JULG: 7/5/2009, DJE: 20/5/2009).
Manter o inalterado o entendimento de relatividade da notificação prévia em ação de improbidade administrativa, conforme exarado pelo STJ (Jurisprudência em Teses, edição n. 38, de 5/82015), é violar diretamente o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LIV e LV, CF/88) e o contraditório preambular dos §§ 7º e 8º do art. 17 da LIA.
Em contraposição as averiguações predecessoras, o proselitismo é vasto e diversificado.
Diversas vozes advogam as teses de que a notificação prévia (art. 17, §7º, LIA) é transgressora do principio da razoável duração do processo e que o procedimento prévio legal é teratológico.
Com o devido respeito e ainda que possua certa base cientifica a conduta, defender a dispensabilidade de notificação prévia prevista no §7º do art. 17 da LIA sob esses argumentos é “forçar a barra” , como se diz no jargão popular.
A necessidade de obediência a regra §7º do art. 17 da LIA, nem de longe, é teratológica, vez que não se posta absurda, contrária a lógica, ao bom senso ou a normas jurídicas. Ao contrário, é legal e razoável, porquanto tem previsão na lei e tem por fim, garantindo direito subjetivo do agente de ser notificado para apresentar resposta prévia, subsidiar decisão judicial que pode elidir a tramitação de lides temerárias ou acobertadas por matérias de ordem pública (ilegitimidade, decadência, prescrição, inadequação da via eleita, etc.).
Da premissa anterior, por consequência, repele-se o raciocínio de que o contraditório prévio entabulado no §7º do art. 17 da LIA é violador do principio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88).
As regras dos §§ 7º e 8º e 11 do art. 17 da LIA empreendem celeridade na tramitação de ações de improbidade administrativa, na medida em que a preservação da notificação prévia do agente para apresentação de resposta preliminar pode possibilitar a rejeição de ações ímprobas acobertadas por questões de ordem pública ou em razão da inexistência do fato, quer pela duvidosa configuração do ato de improbidade, quer pela ausência de indícios dos fatos narrados na inicial da ação ou a inadequação da via eleita.
A LIA, salvo proselitismo em sentido oposto, prestigia o principio da razoável duração do processo.
Celeridade processual não pode ser confundida com arbitrariedade e ilegalidade: o Poder Judiciário deve penalizar de forma exemplar todos aqueles que enriquecem ilicitamente, que causam prejuízo ao erário público, que concedem indevidamente incentivos financeiros e tributários e que vilipendiem princípios basilares da Administração Pública.
A responsabilização se faz necessária com parcimônia, não podendo os fins justificarem os meios: é preciso entregar ao jurisdicionado a justa e legal prestação jurisdicional, devendo a responsabilidade de qualquer agente se efetivar em estrita observância as normas (materiais e adjetivas) postas no arcabouço jurídico vigente.
Qualquer ato somente será válido se praticado em conformidade com as prescrições legais e alcançar sua finalidade, ficando seu aproveitamento sujeito a não concretização de prejuízo à defesa de qualquer parte (arts. 277, 281 e 283, CPC).
Ilustrando: imagine uma pessoa acusada por ato de improbidade administrativa que condenada nas instâncias inferiores maneje recursos excepcionais (extraordinário e especial) junto as cortes superiores de justiça (STF e STJ) e, estas em acatamento a tese defensiva de infringência a regra dos §§ 7º e 8º do art. 17 da LIA, anulem todo o processo ao fundamento de que a falta de notificação prévia para apresentação de defesa preliminar escrita, antes do recebimento da inicial ímproba, configura nulidade absoluta e vício insanável do processo que não se convalida pela não arguição tempestiva por afronta ao princípio fundamental da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
No exemplo, nenhum ato praticado após o protocolo da inicial improba será considerado válido, ou seja, o processo retornará a instância competente para o prosseguimento do feito com a determinação de notificação prévia do agente para apresentação de resposta preliminar, conforme determinação do §7º do art. 17 da LIA.
A sensação, no protótipo, repassada a sociedade será de impunidade.
A interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), erigida através de tese (Jurisprudência em Teses, edição n. 38, de 5/82015), no sentido que a ausência da notificação do réu para a apresentação de defesa prévia só acarreta nulidade processual se houver comprovado prejuízo deve ser revista.
Essa compreensão, inclusive, é contraditória com outras interpretações do próprio Tribunal de Cidadania que, em outras ocasiões, reafirmou a indispensabilidade do contraditório preliminar previsto nos §§ 7º e 8º do art. 17 da LIA.
O Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo a repercussão geral nos autos Recurso Extraordinário n. 852.475, consagrou a imprescritibilidade da ação de ressarcimento decorrente por ato doloso de improbidade administrativa (Tema 897) e, em razão dessa decisão vinculativa, o STJ estabeleceu distinção entre ação de improbidade administrativa e ação de ressarcimento de danos ao erário.
Para o Tribunal de Cidadania, a Ação de Improbidade (art. 37, §4º, CF/88 e art. 17 da LIA) tem caráter repressivo, destinando-se a aplicação de sanções pessoais equivalentes as penais, ao passo que a Ação de Ressarcimento ao Erário tem o condão de anular atos danosos ao erário e tem finalidade precípua a aplicação de sanções civis (STJ, Resp. 827.445/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. Ac. Min. Teori Albinozavascki, 1T, Julg: 2/2/2010, DJe: 8/3/2010).
Em razão da distinção realizada, o STJ, também na forma de tese (Jurisprudência em Teses, edição n. 40 de 2/9/2015), fixou o seguinte entendimento de que o especialíssimo procedimento estabelecido na Lei n. 8.429/1992, que prevê um juízo de delibação para recebimento da petição inicial (art. 17, §§ 8º e 9º), precedido de notificação do demandado (art. 17, §7º), somente é aplicável para ações de improbidade administrativas típicas. (Tese julgada sob o rito do artigo 543-C do CPC/73 – Tema 344)..
A tese consagra e respeita o rito previsto na LIA, em especial a existência de procedimento prévio (contraditório preliminar) que exige a determinação de notificação prévia do agente para apresentar resposta escrita a ação ímproba proposta e ainda não recebida.
Posta-se, portanto, contraditório o entendimento com a argumentação de que a ausência da notificação do réu para a apresentação de defesa prévia só acarreta nulidade processual se houver comprovado prejuízo (STJ, Teses em Jurisprudência, edição n. 38 de 5/82015).
Deve prevalecer a orientação de que o contraditório prévio previsto nos §§ 7º, 8º e 9º da LIA deve ser cumprido, vez que o enunciado, em confirmação ao que tudo até escrito e demonstrado, respeita o devido processo legal, a legalidade, o contraditório, a ampla defesa, a razoável duração do processo e, consequentemente, elide a declaração de nulidade processual.