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Soluções legais para a recuperação do presidiário no Brasil:

a proposta e a realidade

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Pesquisa sobre a previsão legal de soluções disponíveis para a recuperação do presidiário e a redução da reincidência criminal – educação e trabalho -, e sua aplicação prática.

"A cadeia tem dia para terminar; a pena é para a vida toda."
Um ex-presidiário


RESUMO

Busca de dados sobre o Sistema Prisional Brasileiro e a reincidência criminal verificada no país. Pesquisa sobre a previsão legal de soluções disponíveis para a recuperação do presidiário e a redução da reincidência criminal – educação e trabalho -, e sua aplicação prática. Pesquisa sobre as características da educação, sob o ângulo de sua pluralidade formativa, e do trabalho, como valor inerente ao homem social. Estudo de caso sobre a adequação e limitações práticas/supervenientes relativas às ações destinadas à recuperação do presidiário no Brasil. Conclusão sobre a problemática social brasileira e sua influência nas soluções propostas para a valorização / preparação do apenado e sua reinserção social.

Palavras-chave: sistema prisional, reincidência criminal, previsão legal de soluções, educação e trabalho, estudo de caso, reinserção social, adequação e suficiência de soluções.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO, 1 O Sistema Prisional Brasileiro e a reincidência criminal;1.1-Histórico; 1.2- A prisão no Brasil de hoje; 1.3- O ataque aos sintomas: o receio de reconhecer as causas; 2 Propostas legais para a recuperação do apenado: a educação e o trabalho na Lei de Execução Penal e sua aplicação prática; 3 A educação e o trabalho: sua importância para a formação e existência do homem social; 3.1 A educação e sua pluralidade formativa; 3.2 O trabalho como valor inerente ao homem social; 4 A proposta da lei e suas limitações: estudo de caso vis a vis a realidade brasileira; CONCLUSÃO; NOTAS; REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objeto uma questão necessária e atual, ligada à imperiosa necessidade de se combater a reincidência criminal instalada no país, e os efeitos que dela advêm. O problema que se apresenta é a visível distância entre a proposta estatal, de propiciar a reintegração do apenado via educação e trabalho, e a robusta realidade da recidiva criminal verificada em nosso país – estatísticas apontam uma faixa de 75 a 85% do total de egressos[1] -, pelo que se deve verificar se as soluções legais, focadas em educação e trabalho/profissionalização, podem ser inseridas em uma das hipóteses abaixo, aqui listadas como os vetores prováveis para o tratamento da questão:

  • tais soluções são inadequadas em sua essência, indicativo da necessidade de sua substituição;
  • ou são adequadas e suficientes para a solução do problema, devendo apenas serem intensificadas em nível nacional;
  • ou então são adequadas e insuficientes frente a uma realidade maior, na qual outras variáveis vêm impedindo que tais "remédios legais" atinjam o resultado esperado, o que exigiria uma nova abordagem do tema.

    Esse trabalho pretende se dedicar a essa análise, trazendo diversos dados disponíveis na literatura relacionada, bem como um estudo de caso, com o fito de oferecer, senão respostas práticas e de aplicabilidade imediata, pelo menos um indicativo do que ocorre por detrás dos sintomas do problema, além da tentativa de delinear caminhos a serem seguidos.

    Em que pese a delimitação do tema, impossível tentar sua análise sem eventuais extrapolações ao mesmo, uma vez que a problemática da obrigação estatal de reinserir o apenado na vida produtiva - e as ferramentas disponibilizadas para tal - fazem parte de uma realidade extremamente complexa, na qual uma das primeiras percepções que se deve ter é a da inversão da principal relação causa-efeito do problema: não é o egresso reincidente que afeta o meio social, cometendo novos crimes que perturbam as pessoas de bem, causando injusta comoção que deve ser repelida com todas as forças, mas sim a própria sociedade, composta pelas mesmas pessoas de bem aqui mencionadas e aprisionada em seus defeitos, imperfeições e carências, que pode propiciar – e até estimular – a reincidência criminal.

    Como pano de fundo da pesquisa, tem-se uma das mais preocupantes questões sócio-políticas brasileiras, que envolve e perpassa toda a sociedade em nosso país, atingindo todas as pessoas que a compõem, independentemente de nível social, representatividade e recursos econômicos: o sistema prisional brasileiro e sua relação com a sociedade, suas funções, seus desvios e, no foco principal, as reais possibilidades de que a pessoa enviada para a prisão venha a se reinserir em seu meio social, a partir das soluções – e condições - disponibilizadas pelo Estado brasileiro.

    Para atingir um mínimo de densidade, torna-se defeso restringir esta análise à educação e ao trabalho/profissionalização previstos na Lei como ferramentas de ressocialização do apenado. Tais vetores representam apenas uma pequena parte do problema, não sendo adequado despender maiores esforços na sua apreciação em si, mas tão-somente como variáveis de um sistema maior e bem mais amplo, no qual se destacam os valores adquiridos/confirmados no período de detenção, as dificuldades sócio-econômicas da nação como um todo, os preconceitos sociais, a inação do Estado, a tendência humana a esconder seus problemas como forma de solução dos mesmos e, principalmente, a ausência de valores, de referências (relativas à cidadania e à família), que acomete grande parte da população do país.

    Esse é o objetivo mínimo aqui proposto: oferecer uma visão isenta e contextualizada, ainda que limitada a um trabalho de graduação, do alcance e eficácia das propostas legais de recuperação do presidiário atualmente em vigência no país, vis a vis as demais variáveis do problema, quase todas mais relevantes e de mais difícil solução, porquanto extensivas à sociedade como um todo.

    Justifica-se a preocupação com o tema – adequação e suficiência dessas soluções legais - em razão dos elevados índices de reincidência criminal verificados no Brasil, e seus efeitos na economia, na segurança pública e na própria sensação de impotência experimentada pelo cidadão comum, além, obviamente, dos efeitos nefastos que se manifestam na pessoa que comete um crime e é enviada para a prisão. Por decorrência, quaisquer trabalhos que se disponham a contribuir, com seriedade, para a divulgação do problema que se apresenta, certamente serão considerados pela sua relevância para a sociedade como um todo – visto que o assunto a ela se refere, de forma precípua e contundente – e pelo Direito, já que nele repousam as esperanças de propor soluções viáveis e sua forma de implementação.

    A reincidência criminal brasileira, nos patamares atuais, deixa de ser problema localizado – restrito às áreas penal e penitenciária - e passa a merecer uma análise bem mais profunda, à medida em que o sistema prisional não consegue atender as duas funções básicas da execução penal: defender a sociedade daqueles que praticam crimes e propiciar a auto-reflexão do apenado, sua recuperação e sua reinserção, de forma produtiva, no convívio normal dos cidadãos.

    Não atende a primeira função – defesa da sociedade – porque as unidades prisionais, bem como as dependências policiais para detenção provisória, estão superlotadas, constituindo-se em verdadeiros "depósitos de presos", o que propicia situações inaceitáveis, tais como a organização, planejamento e gestão de crimes cujo comando central encontra-se dentro da prisão, utilizando-se sistemas de comunicação e delegação de funções similares às organizações empresariais, sem que o Estado tome – por desídia ou por impossibilidade prática, ou pelos dois – providências que venham a coibir tais práticas. Em vez de servir de defesa à sociedade, portanto, a prisão serve de base organizacional para a prática de crimes contra essa mesma sociedade.

    E não atende a segunda função – recuperação do apenado – não somente pelas falhas apresentadas no sistema em si, mas pela situação da sociedade como um todo, em que a preparação do preso para o retorno ao convívio social, patrocinada pelo Estado, parece não ser suficiente para sua reinserção, por motivos cuja pesquisa constitui o próprio objeto desta monografia.

    Como conseqüência lógica da continuidade do crime dentro da prisão, de forma organizada e hierarquizada, e a aparente fragilidade das soluções da Lei para a recuperação do presidiário, instala-se a reincidência criminal, cujo combate está a merecer esforços concretos de todos os setores da sociedade, governamentais ou não.

    Torna-se portanto privilégio de qualquer estudante de Ciências Jurídicas aprofundar-se nesse tema, que se caracteriza inclusive pelo seu caráter multi-disciplinar – como aliás o é o Direito – e adquire nuances de problema de segurança nacional, a partir dos níveis de incidência atualmente verificados e da inação estatal, que convive há décadas com a mesma situação, sempre adotando ferramentas extremamente válidas em sua essência – educação e trabalho -, porém aparentemente incapazes, quando adotadas de forma isolada num contexto específico – o penitenciário -, de impedir o recrudescimento da recidiva criminal no Brasil.

    Esta monografia, além dos itens de abertura e fechamento inerentes a qualquer trabalho da espécie – introdução e conclusão -, encontra-se sistematizada em quatro capítulos, abaixo discriminados:

      • O Sistema Penitenciário Brasileiro e a reincidência criminal, onde será mostrada a realidade do cárcere brasileiro, desde sua criação até os dias de hoje, e sua relação com a sociedade;
      • As propostas legais para a reinserção do apenado: a educação e o trabalho na Lei de Execução Penal, capítulo que será dedicado aos remédios previstos em lei para viabilizar o retorno do presidiário ao meio social;
      • A educação e o trabalho: seu entendimento de forma ampla e sua importância para a formação e existência do homem como ser social, segmento onde será apresentada análise sobre a necessidade e influência da aplicação de tais ferramentas no ser humano e as possibilidades que se abrem a partir de sua utilização;
      • A proposta da lei e suas limitações: estudo de caso vis a vis a realidade brasileira, constituindo-se em relato de experiência prática de educação profissionalizante e oferta de trabalho para presidiárias de Brasília/DF, e os efeitos observados antes, durante e depois do treinamento tendo a realidade prisional como pano de fundo, com ênfase para a questão da reincidência criminal.

    Na produção do quarto capítulo, verificou-se grande dificuldade para obtenção de dados estatísticos oficiais, apesar do empenho em acessá-los, representado por reiteradas solicitações à autoridade competente. Por esse motivo, foi o capítulo instruído com dados e informações obtidos em entrevista qualitativa com a empresária Suzana Rodrigues, autora da iniciativa que embasa essa parte da monografia.

    A literatura sobre a educação e o trabalho, enquanto extensivas à sociedade como um todo, é bem abrangente, e foi considerada neste trabalho, com destaque para os posicionamentos de Paulo Freire e Neidson Rodrigues, professor doutor titular da Universidade Federal de Minas Gerais, cuja profunda visão sobre o papel da educação nos leva a diversas – e produtivas – reflexões sobre o tema. No que se refere à proposta educacional/profissionalizante do Estado, destinada ao sistema prisional brasileiro, revisita-se a Lei de Execução Penal, em busca das referências legais. E, como os trabalhos inerentes à praxis observada no meio prisional são escassos, optou-se pela demonstração da problemática via estudo de caso, no qual diversos dados foram coligidos e explicitam, de forma direta e por vezes surpreendente, a exata contraposição entre a proposta legal e a realidade que se nos apresenta em terras pátrias.

    Como não poderia deixar de ser, o presente trabalho utiliza arcabouço teórico em quantidade, mas não com o fito de atingir outro posicionamento igualmente teórico, e sim o de verificar a aplicabilidade das hipóteses, teses, sínteses e experiências práticas coligidas sobre o problema aqui delimitado, com o objetivo de comparar a proposta legal brasileira para a recuperação do presidiário e a realidade prática de sua aplicação.

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    Não se pretende esgotar o assunto, nem ao menos apontar qualquer solução de vulto. O propósito desta monografia é o de verificar a eventual existência de um problema que, caso efetivamente constatado, é tão mais grave à medida em que é diminuta a importância a ele atribuída, qual seja a comprovação da ineficácia, de per si ou pela insuficiência de sua aplicação isolada, das ferramentas estatais utilizadas para impedir que parte da sociedade permaneça à margem da cidadania, induzida à reincidência pela falta de tratamento adequado para esse problema recorrente.

    Objetiva-se criar a discussão - inerente e necessária à evolução de qualquer ramo do conhecimento - relacionada àquelas ferramentas do Estado, sabendo-se de antemão que alguma providência deve ser tomada. Devam as propostas atuais para ressocialização do presidiário serem modificadas pela sua inadequação em si, devam, se adequadas e suficientes, serem intensificadas, ou devam, se adequadas e insuficientes, serem acompanhadas de providências paralelas, o fato é que a reincidência criminal é um fato, e seu combate uma prioridade social.


    1.O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL

    Colocado na cela da delegacia [...] capacidade para 20 presos, mas com um efetivo real de 107. Doravante o nosso jovem está submetido às regras do cárcere. Como primeira medida interna ele apanha muito, ou melhor, é espancado incessantemente [...] Agora ele é violentado sexualmente, vários ao mesmo tempo [...] Pelo que se descobriu o coitado do rapaz realmente não tinha vínculo algum com a droga encontrada [...][2]

    Dada a proposta de trabalho apresentada, a primeira providência parece ser a análise da situação dos cárceres brasileiros, ambiente-chave relacionado ao objeto do tema, embora deva-se ressaltar que a questão criminal e seus reflexos, inclusive aquele delimitado nesta monografia – soluções propostas para a recuperação do apenado - ultrapassa os muros dos estabelecimentos penais e alcança toda a sociedade, até porque suas causas estão intrinsecamente ligadas ao meio social, caracterizando-se a prisão, principalmente, como um sintoma, embora já tenha se transformado igualmente em causa, num processo vicioso de retro-alimentação.

    A prisão brasileira, hoje, é um reflexo de toda uma política equivocada dirigida ao assunto, desde os primórdios do Brasil Colônia, e os princípios ligados às suas funções demonstram com clareza os sentimentos da sociedade em relação aos desvios daqueles que praticam crimes, e as causas admitidas pelo senso comum para sua ocorrência.

    A expressão "depósito de presos", embora seja verdadeira, não é compreendida em toda a sua extensão. As pessoas a entendem como denúncia de superlotação, de presos mal acomodados e que vivem em situações por vezes sub-humanas, "encaixotados", quando seu sentido maior remete diretamente à necessidade de depositar o problema longe da percepção da sociedade "normal", transferindo para um meio físico, definido, apartado e oculto – a cadeia – aquelas pessoas que ferem, de forma incisiva, a percepção que a comunidade precisa manter sobre si mesma.

    Decorre, então, que a questão prisional deve ser percebida em sua dimensão maior, cabendo ao pesquisador levar em conta todos os atores envolvidos – individualidades, formação humana, meio social, preconceitos, ação ou inação do Estado, interesses políticos, aspectos econômicos, etc - como condição necessária para a seriedade de seu trabalho e também para a existência de qualquer solução viável quanto ao problema apresentado.

    1.1 Histórico

    A história do sistema prisional no Brasil, conforme informações coligidas por Regina C. Pedroso[3], aqui reproduzidas, remonta aos tempos coloniais, sendo que o primeiro registro sobre a existência de prisão em território pátrio está no Livro V das Ordenações Filipinas do Reino[4], Código de leis portuguesas então em vigor no Brasil, e que atribuía à Colônia, entre outras funções, a de prisão de degredados. Os apenados, pelo texto legal, eram os alcoviteiros, culpados por ferimentos por armas de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos e contrabando de pedras e metais preciosos.

    A Carta Régia de 1769 mandou estabelecer a primeira prisão brasileira, a Casa de Correção do Rio de Janeiro, e somente a partir da Constituição de 1824[5] existiu uma previsão mais abrangente sobre o tema, com a estipulação de prisões adaptadas ao trabalho e separação dos réus. O Código Criminal de 1830 regularizou a pena de trabalho e da prisão simples, e o Ato Adicional de 12.08.1834 deu às Assembléias Legislativas provinciais o direito de legislar sobre a criação e funções dos presídios.

    Independentemente das teorias aprovadas pelos legisladores de então, a realidade sub-humana das prisões brasileiras já se manifestava no início do século XIX. Exemplo maior é encontrado na tristemente famosa "Cadeia da Relação", no Rio de Janeiro, que comportava presos em número muito maior que sua capacidade instalada, sem qualquer separação por categoria de apenados, todos participando de um destino comum: a subnutrição e as doenças[6].

    Com o advento da República, diversas foram as normas produzidas sobre a matéria, com especial destaque para o Código Penal de 1890, que previa modalidades de penas (prisão celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar) e o regime progressivo para a execução penal, dispondo seus artigos 50 e 51 que "o condenado à prisão celular por tempo excedente a seis anos que houvesse cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderia ser transferido para alguma penitenciária agrícola, a fim de cumprir o restante da sentença". Implantou-se também a idéia de separação de presos por categoria (contraventores, loucos, menores, criminosos de média e alta periculosidade e mulheres), bem como o trabalho remunerado nas prisões (Decreto nº 8.233, de 22.12.1910[7]).

    Ressalte-se igualmente o Código Penitenciário da República, de 1935, cujas penas detentivas propostas objetivavam a regeneração do condenado, idéia que se alinhou com aquelas já instaladas pela legislação de 1890, relativas à progressão de regime e separação de condenados.

    De qualquer modo, e em que pesem os avanços da política prisional desde os idos do Brasil Colônia e do Império, a idéia básica permaneceu a mesma na primeira metade do século XX, qual seja a de que a cadeia deveria causar temor, amedrontando a sociedade frente ao poder do Estado policial, para que as pessoas evitassem a prática de crimes por receio das penalidades conseqüentes.

    Talvez por isso, desde que se ouviu falar pela primeira vez na palavra "cadeia" no Brasil, nunca houve registro consistente da existência de uma prisão onde o respeito à condição humana fosse integralmente praticado, seja pela superlotação, seja pela simples omissão do Estado.

    1.2 A prisão no Brasil de hoje

    Atualmente, o sistema prisional do Brasil, segundo informação do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça[8], é composto de 1.006 estabelecimentos penais, conceituados como "todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar pessoas presas, quer provisórios quer condenados, ou ainda aqueles que estejam submetidos a medida de segurança".

    Referidos estabelecimentos se dividem em categorias, conforme abaixo:

    1. Estabelecimentos para Idosos: estabelecimentos penais próprios, ou seções ou módulos autônomos, incorporados ou anexos a módulos para adultos, destinados a abrigar pessoas presas que tenham no mínimo 60 anos de idade ao ingressarem ou os que completem essa idade durante o tempo de privação de liberdade;
    2. Cadeias Públicas: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas em caráter provisório, sempre de segurança máxima;
    3. Penitenciárias: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas com condenação a pena privativa de liberdade em regime fechado, divididas em penitenciárias de segurança máxima especial, dotadas exclusivamente de celas individuais, e de segurança média ou máxima, que contam como celas individuais e coletivas;
    4. Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena em regime semi-aberto;
    5. Casas do Albergado: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto, ou pena de limitação de fins de semana;
    6. Centros de Observação Criminológica: estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima onde devem ser realizados os exames gerais e criminológicos, cujos resultados serão encaminhados às Comissões Técnicas de Classificação, as quais indicarão o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa;
    7. Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas a medida de segurança.

      Para atender a uma determinação da Lei nº 7.210, de 11.07.1984 (Lei de Execução Penal), prevê-se a criação do Sistema Penitenciário Federal, a ser materializado com a construção de unidades prisionais em Campo Grande(MS), Catanduvas(PR), Mossoró(RN) e Porto Velho(RO), com capacidade total para 800 presos de alta periculosidade, que possam comprometer a segurança do presídio ou serem alvos de atentado.

      As estatísticas mais atualizadas, disponíveis nos órgãos oficiais[9], remontam a dezembro de 2004, mas se prestam ao objetivo de demonstrar a superlotação existente nas cadeias brasileiras, uma vez que existiam, à época, mais de 336 mil presos (96% homens e 4% mulheres) em todo o país, abrigados, de alguma maneira, em estabelecimentos penais com capacidade total para 200 mil pessoas. Ou seja, um excesso de 68% (sessenta e oito por cento), com inevitáveis reflexos negativos na qualidade do sistema.

      Um dos exemplos mais marcantes dos efeitos que podem advir da inadequação das instalações prisionais frente ao número de detentos foi a Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como "Carandiru", que antes de ser desativada era o maior presídio da América Latina. Conforme citou Roberto da Silva[11], antes da desativação daquele complexo, "a Casa de Detenção foi projetada para abrigar 3.250 presos. Reestruturada, sua capacidade ... elevou-se para 6.300 presos..., mas a previsão é que na data de sua desativação... esteja com cerca de 8.200 presos. Esse gigantismo fez com que a Casa de Detenção se tornasse um centro de problemas variados...descobertos 32 túneis em seus subterrâneos, que mais ainda abalam suas estruturas, pois praticamente todo o material metálico empregado em sua construção, principalmente ferro e aço, já foi completamente removido pelos próprios presos para a confecção de armas."

      1.3.O ataque aos sintomas: o receio de reconhecer as causas

      De forma análoga à grande prisão paulista, as centenas de estabelecimentos penais brasileiros servem a um propósito bem definido, que é o de "varrer" da sociedade aquilo que a incomoda, que representa um problema, que não se coaduna com o status quo pré-estabelecido. A exemplo dos leprosos das Idades Antiga e Média, ou dos loucos de todo gênero, o criminoso deve ser eliminado do convívio social, "guardado" longe dos olhos e, por decorrência, do coração da sociedade.

      Talvez pela exclusão a que são submetidos os integrantes desse "lugar paralelo", cria-se uma estrutura própria de poder, com procedimentos específicos, em que se apresentam as figuras do "xerife", dos "assessores", dos "fiéis" e dos subjugados, material ou sexualmente. Os valores da cadeia são diferenciados, adquirindo valoração própria (muitos detentos já morreram por causa de um maço de cigarros), exigindo-se o cumprimento de padrões comportamentais por meio de rígidas normas de conduta, na qual se destaca a "lei do silêncio".

      Inserem-se ainda no padrão carcerário diversas normas típicas da sociedade como um todo, porém de aplicação diferenciada (e isso merece uma séria reflexão) pela ausência de impunidade, pela seriedade com que o seu descumprimento é punido, via de regra com a morte do infrator. Leis comerciais rígidas, inadimplência próxima a zero, solidariedade, e até mesmo rígido respeito ao sono do companheiro, fazem parte do dia-a-dia prisional, moldando uma estrutura que conta com leis próprias, e que insere o apenado, em sua chegada, num mundo bastante diverso daquele em que vivia anteriormente.

      A maior ambição do detento deve ser a de "pertencer à massa", contar com a confiança e simpatia dos companheiros de cárcere. Se isso não for obtido, sua vida pode correr risco, ocasião em que o detento excluído do grupo deve pedir o "seguro", que consiste na transferência para outra ala em que não possa conviver com os antigos desafetos.

      De outra parte, a pena deve servir, em tese e, no Brasil, desde 1890, para demonstrar o poder punitivo/coercitivo do Estado e para propiciar a reflexão do apenado, que deverá cumpri-la em condições de preparar-se para o retorno ao convívio social. No sistema carcerário nacional, o primeiro objetivo é atingido em parte (vez que as organizações criminosas continuam operando de dentro da cadeia, o que derruba a teórica coerção estatal), e o segundo não existe, e provavelmente nunca existiu, pois o estigma de ser humano "impróprio" ao meio faz do presidiário um ser indesejado, e a vontade social de eliminar o "problema", e a concordância tácita de que tal eliminação efetivamente exista, afeta diretamente e de forma negativa a vontade política para mudar a situação e intensificar as políticas para a efetiva regeneração do criminoso apenado.

      Prova inequívoca da pusilanimidade social instituída em relação ao assunto, bem como da aceitação majoritária quanto à propriedade de "eliminar-se" o problema, está na tristemente famosa declaração do deputado estadual fluminense Sivuca, policial que se elegeu com o bordão "bandido bom é bandido morto". Tal posicionamento se coaduna à perfeição com a maneira humana mais comum de resolver situações de conflito, qual seja eliminar a força oposta, em vez de tentar compreender suas causas intrínsecas, para modificá-las e assim resolver a pendência. Em outras palavras, é sempre menos trabalhoso apontar o sintoma – e destruí-lo ou pelo menos anulá-lo – do que descobrir a causa de qualquer situação de inconformidade.

      Eis o sistema prisional brasileiro: um enorme sintoma gerado a partir de um enorme problema social, sobre o qual as autoridades constituídas não conseguem agir a contento, e que vem aumentando sua gravidade de forma paulatina e constante. A respeito da situação, aponta Alexandre Wunderlich[12], advogado e mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS:

      "As instituições totais reproduzem a violência da própria sociedade, oficializando e estigmatizando as categorias sociais excluídas. Tudo fruto da evolução do poder punitivo, que inicia com o suplício do corpo pelo soberano e termina na atual política estatal punitiva-repressivista. A própria instituição total já carrega em si uma enorme carga de violência institucionalizante, tolerada e aceita pela sociedade moderna que acreditou ser uma forma desses segmentos excluídos do contexto mais amplo. A própria organização dessas instituições se fundamenta na exclusão, no isolamento, etc."

      O comentário do professor Wunderlich aborda um ponto chave da problemática prisional brasileira e também deste trabalho: a ligação visceral entre prisão, exclusão social e reincidência, principais variáveis dentro de um círculo vicioso que se retroalimenta de forma permanente, somente sendo possível sua interrupção por meio de uma vontade política que reflita o que atualmente não existe, que é a disposição da sociedade em enfrentar o problema, em vez de eliminar os sintomas.

      A primeira parte da análise de Wunderlich ("As instituições totais reproduzem a violência da própria sociedade, oficializando e estigmatizando as categorias sociais excluídas." – grifos nossos) demonstra que no sistema prisional pátrio – e em outros diversos países - temos o reflexo da principal causa de sua existência, qual seja a exclusão social hoje verificada – com tendência de crescimento - na sociedade brasileira. Essa exclusão gera um novo arcabouço moral e ético, com algumas regras próprias e diferenciadas daquelas aceitas pelo grupo social dominante, algumas até diametralmente opostas, como o sentimento do "direito" ao crime, já que a sociedade não oferece nenhuma outra oportunidade de sobrevivência com dignidade e ascensão social, ainda que mínimas.

      A cadeia brasileira – habitada em sua imensa maioria pelas classes pobre e miserável - encerra em suas celas o gérmen de sua própria existência, qual seja uma exclusão social estratificada e semi-imutável, geradora de normas próprias e adaptadas à sua realidade, dentro de um pluralismo moral e comportamental que se choca com os poderes constituídos[13] e exige a criação de um sistema que coloque tais normas de lado e reduza sua importância o máximo possível – o próprio sistema prisional.

      O problema maior (e isso se verifica na segunda parte da análise de Wunderlich, na expressão "tudo fruto da evolução do poder punitivo, que inicia com o suplício do corpo pelo soberano e termina na atual política estatal punitiva-repressivista") é que esse sistema prisional intensifica a exclusão social e corrobora as regras próprias daqueles que o habitam, à medida em que demonstra, de forma inequívoca e pela violência utilizada, que a reação social destinada aos excluídos é tão-somente puni-los e amedrontá-los, mantê-los excluídos e inofensivos ao máximo, inexistindo qualquer prática concreta para sua integração.

      Dessa maneira, a exclusão social – e o regramento ético-moral diferenciado daí decorrente – são solidificados, e uma vez que em diversas pessoas o medo – e o inconformismo - de nunca alcançar nenhum objetivo em toda a vida, manter-se limitado ao quase nada por toda a existência, é maior que o medo de ser punido novamente, a cadeia brasileira, ao institucionalizar de forma definitiva a situação de exclusão, atua principalmente como força catalisadora da violência social.

      E a constatação mais preocupante é que o criminoso passa a cometer atos ilícitos não apenas por que se encontra sem outras opções, mas por que se julga no "direito" de cometê-los, já que esse é o "caminho natural" oferecido pela sociedade para que ele atinja o poder e o sucesso material. Essa pessoa segue um regramento ético-moral diferenciado daquele praticado pelos "incluídos", e esse conjunto de valores se amplia na mesma proporção da sociedade marginal que lhe dá existência, chocando-se, cada vez mais, com o regramento estatal vigente.

      Exemplos desse choque estão no comerciante carioca que se recusou a obedecer à ordem de um oficial da Polícia Militar para que abrisse sua loja, por que o traficante local mandou fechá-la em luto por outro traficante morto (e o comerciante sabia que a moral do traficante tinha maior amparo bélico que a moral do policial), e na rede de supermercados que foi obrigada a fechar sua loja (também no Rio de Janeiro) por que os habitantes do morro vizinho insistiam em levar os produtos sem pagamento (já que a rede era muito "rica", e tinha a "obrigação" de ajudar os mais pobres) e a força policial não pôde fazer frente a centenas de pessoas que praticavam o furto diariamente.

      Esse pluralismo ético-moral atua como catalisador da criminalidade, e esta deve merecer a máxima atenção da sociedade, não apenas pelos custos inerentes ao aumento da massa carcerária, mas pela reincidência criminal que se verifica no Brasil, situando o crime como ameaça permanente e crescente. Vale salientar que a reincidência não é medida pelo número de pessoas que cometem novos crimes e retornam às prisões, mas pelo número total de pessoas que reincidem na atividade criminosa, compreendendo aquelas novamente presas e mais as que não são presas, além daquelas que sequer são identificadas. Esse é o tamanho real do problema, e nem a leniência natural do espírito humano, que opta por ocultar o sintoma, poderá fazer frente à realidade de que as verdadeiras causas do problema influenciam mais e mais o dia a dia da sociedade brasileira.

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      Sobre o autor
      Osmar Aarão Gonçalves de Lima Filho

      bacharel em Direito em Brasília (DF), jornalista, bancário

      Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

      LIMA FILHO, Osmar Aarão Gonçalves. Soluções legais para a recuperação do presidiário no Brasil:: a proposta e a realidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1216, 30 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9101. Acesso em: 19 abr. 2024.

      Mais informações

      Monografia de conclusão do curso de Direito no Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF), aprovada com nota máxima.

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