Conclusões
Em um arremate das ideias lançadas neste artigo, vimos que, para a introdução normativa do ensino domiciliar de crianças e adolescentes no ordenamento jurídico brasileiro, não basta a elaboração de norma autônoma que discipline o tema, sendo exigido, por razões de coerência da estrutura do ordenamento, que se promovam alterações normativas sistêmicas também no ECA e na LDB. O debate na seara legislativa para essa alteração deverá ser aprofundado e exaustivo, visto que não se trata de mera inclusão de novos artigos, mas de uma proposta de alterar a própria lógica de educação escolarizada em âmbito nacional prevista em diversos diplomas de nível federal.
Os impactos da implementação do ensino domiciliar no país – ressalte-se – alcançam outros diplomas e dispositivos não abordados neste artigo e que merecem uma análise aprofundada em espaço oportuno, tais como:
(i) O Plano Nacional de Educação – Lei Federal 13.005[51]; especialmente em razão da literalidade do Art. 214, II da CRFB/88 e do Art. 2º, II do PNE. Constitui como diretriz e um dos objetivos a serem alcançados com o PNE a universalização do atendimento escolar, na forma do Art. 214, II da CRFB/88.
(ii) O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) – Lei Federal 14.113/2020[52]; em decorrência do cálculo de redistribuição de recursos do fundo ser elaborado em função do número de alunos matriculados nas redes de educação básica presencial, ou seja, a distribuição será calculada por meio do censo escolar (Art.7º, caput; Art. 8º, caput; Art. 14, §2º, III; Art. 18, §1º; Art. 26, II; entre outros – Lei 14.113/2020), afetando a própria remuneração dos profissionais de educação. Em síntese, o ensino domiciliar exigiria que esses mesmos profissionais fizessem o acompanhamento dos alunos desta modalidade de ensino, sem, todavia, receberem os recursos efetivos para tanto, uma vez que esses alunos não entram nos parâmetros do censo escolar.
Da análise do acórdão do RE-RG 888.815/RS, podemos perceber que a Corte não disse ser o homeschooling metodologia incompatível com a Constituição, mas para que se harmonize com os demais dispositivos de máxima envergadura, deverá atender uma série de pressupostos para que se enquadre na espécie de “ensino domiciliar utilitarista”, apresentando um verdadeiro filtro para o debate na arena política. A doutrina, por outro lado, não está compassada com o entendimento jurisprudencial exarado, existindo posições contrárias e a favor da compatibilidade do ensino domiciliar com a Constituição Federal.
Ademais, caso o Congresso Nacional não legisle sobre a matéria, não poderão os Estados e o Distrito Federal elaborarem seu próprio regramento regional do ensino domiciliar de crianças e adolescentes na forma prevista no Art. 24, IX e §2º da CRFB/88, como realizado pelo Distrito Federal na Lei Distrital 6.759/2020. Isso porque não se trata de preenchimento de lacuna da norma geral preexistente em sede de competência legislativa concorrente, mas verdadeira inovação não compatibilizada com os preceitos das normas federais, criando distinção entre alunos distritais com os demais estudantes da federação e traçando uma situação de anormalidade que não se equilibra com as metas, diretrizes e objetivos traçados para a concretização do direito a uma educação de qualidade e universal a todos os estudantes brasileiros.
Longe de adentrar em campos especializados sobre a educação de crianças e adolescentes – tais como a pedagogia e a psicologia – esse artigo se propôs a fazer uma análise do ponto de vista normativo de uma eventual inclusão do método de educação domiciliar no ordenamento jurídico brasileiro atual. Assim, concluímos que não se trata de mera voluntariedade política do Poder Legislativo em regular a matéria, mas esse debate deverá enfrentar uma série de travas e pilares normativos que fundam a educação nacional como uma educação escolarizada, para descobrir se o ensino domiciliar realmente se apresenta como uma opção viável e aquela que queremos seguir daqui em diante para enfrentar o grave problema educacional brasileiro. De todo modo, a discussão não poderá ser pautada apenas em dados estatísticos, argumentos pragmáticos ou formalistas, mas ter sempre em seu foco principal a busca por uma solução que represente o melhor interesse da juventude, dando a melhor alternativa para esses sujeitos de direitos, materializado efetivamente a doutrina da Proteção Integral introduzida no ordenamento jurídico pelo ECA.
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