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Chamadas automatizadas, consentimento e proteção de dados pessoais

26/07/2021 às 15:00
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O artigo analisa uma recente decisão da autoridade nacional de proteção de dados da Finlândia sobre o consentimento para a realização de marketing direto com ligações automatizadas, e compara o caso com as normas da Lei Geral de Proteção de Dados.

No dia 24 de junho de 2021, a autoridade nacional de proteção de dados da Finlândia (Data Protection Ombudsman) aplicou uma multa de 8.500 euros a uma editora que realizava marketing direto com o uso de ligações automatizadas, sem o consentimento válido dos titulares de dados pessoais.

O controlador (editora de revistas) utilizava um sistema de chamadas automatizadas (as robocalls), com mensagens pré-definidas e sem atendimento humano, o que não permitia aos titulares dos dados pessoais o exercício dos seus direitos, especialmente o direito de informação (sobre a forma de coleta dos dados, a base legal utilizada, a finalidade do tratamento, a possibilidade de eliminação dos dados, entre outras informações).

Na sua resposta, o controlador afirmou que as chamadas automatizadas eram realizadas com o consentimento prévio dos titulares, que eram (ou tinham sido) assinantes de revistas da editora e, na aceitação dos termos do contrato, permitiam o marketing direto a partir do tratamento de seus dados.

Por isso, a autoridade finlandesa concluiu que havia vício de consentimento, que não foi obtido em cláusula específica para o marketing direto, mas em conjunto com o consentimento exigido para a assinatura da revista e das demais cláusulas contratuais. Além disso, constatou que as cláusulas contratuais não eram transparentes e claras sobre o tratamento dos dados pessoais para esse fim de ligações e realização de marketing.

Em consequência, além da multa imposta, também determinou o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em não realizar o tratamento dos dados pessoais dos assinantes para fins de marketing direto com base nesse consentimento dado para a assinatura de revista.

No Brasil, o inciso XII do art. 5º da Lei Geral de Proteção de Dados define o consentimento do seguinte modo: “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada”.

Trata-se da autorização do titular para a realização do tratamento dos dados pelo controlador (ou pelo operador em nome deste), que deve ser expressa em uma manifestação livre, informada e inequívoca, para a coleta e a realização de outras atividades de tratamento dos seus dados pessoais. É, portanto, um vínculo de confiança entre o titular dos dados e o controlador.

Nos termos do art. 8º da LGPD, deve ser expresso (manifestação positiva da vontade do titular), realizado por escrito (ou por outro meio que comprove a manifestação de vontade), é revogável e deve constar de uma cláusula exclusiva, com finalidade específica e limitada (tendo em vista que não há poder absoluto e genérico para o tratamento dos dados pessoais).

O consentimento não pode ser genérico: o titular deve ter o pleno conhecimento de todo o ciclo de vida do tratamento dos dados pessoais pelo controlador (da coleta ao descarte).

Por isso, em situação semelhante à ocorrida na Finlândia, o uso do consentimento como base legal para tratamento de dados com a finalidade de marketing direto no Brasil também não poderia se realizada com fundamento na mesma cláusula de consentimento para a assinatura da revista, considerando que, nos termos do art. 8º da LGPD, cada consentimento precisa ter uma finalidade específica e limitada, e constar de cláusula exclusiva. Contudo, seria possível a realização desse marketing com outra base legal (como por exemplo, o interesse legítimo do controlador - art. 7º, IX, da LGPD), mas desde que observados os direitos dos titulares, que, no caso ocorrido na Finlândia, foram descumpridos em virtude do uso exclusivo de ligação automatizada, sem a prestação das informações adequadas e sem a possibilidade de contato com atendente humano.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Chamadas automatizadas, consentimento e proteção de dados pessoais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6599, 26 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91943. Acesso em: 19 abr. 2024.

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