Artigo Destaque dos editores

Loteamento urbano inviabilizado pela legislação local

29/07/2021 às 11:30

Resumo:


  • Proprietários de loteamentos aprovados podem se deparar com restrições urbanísticas e ambientais inesperadas.

  • Direito adquirido garante proteção constitucional aos loteadores, permitindo o uso dos lotes conforme o plano original.

  • Renúncia à propriedade pode ser uma opção para proprietários prejudicados por restrições, evitando IPTU confiscatório.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O adquirente do lote tem direito adquirido de edificar prédio residencial no loteamento a que integra. O fato de, por sua discricionariedade, não ter requerido o alvará de construção, em nada prejudica o proprietário do lote adquirido antes da nova lei que impôs a restrição de uso.

Palavras chaves: Loteamento. Restrição urbanística. Restrição ambiental. IPTU. Renúncia à propriedade.


Ao longo de 56 anos ininterruptos de advocacia, sendo 20 anos na advocacia pública, deparamos frequentemente com proprietários de loteamentos regularmente aprovados pelo poder público local e devidamente registrados no registro de imóveis competente sendo surpreendidos com a edição de instrumento normativo municipal implantando no local do loteamento inscrito uma área verde, impossibilitando daí em diante o uso dos lotes conforme destinação prevista no plano de loteamento.

Não há respeito ao direito adquirido, nem mesmo ao ato jurídico perfeito, fazendo retroagir a legislação restritiva do uso da propriedade urbana.

Segundo o § 1º, do art. 6º da LINDB considera-se ato jurídico perfeito “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.

Logo, o loteamento inscrito no Registro Imobiliário competente configura ato jurídico perfeito, passando a gozar da proteção constitucional do inciso XXXVI, do art. 5º da CF segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Vale dizer, legislação municipal em sentido contrário àquela vigente à época da aprovação e registro do loteamento não pode ser aplicada. O loteador continuará com o direito de conferir aos lotes a destinação prevista no plano de loteamento.

Por outro lado, a definição de direito adquirido está no § 2º do mesmo art. 6º da LINDB segundo o qual “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.

O adquirente do lote tem direito adquirido de edificar prédio residencial no loteamento a que integra. O fato de, por sua discricionariedade, não ter requerido o alvará de construção, em nada prejudica o proprietário do lote adquirido antes da nova lei que impôs a restrição de uso.

Difere da mera expectativa de direito que a Constituição não protege, porque o titular da expectativa não preencheu os requisitos para a aquisição do direito.

Em síntese, o direito adquirido é a faculdade de o titular exercer o direito que não mais está em vigor porque revogada ou alterada pela legislação superveniente.

As prefeituras, além de desrespeitar os princípios legais e constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, continuam lançando anualmente o IPTU sobre os lotes esvaziados em seu conteúdo econômico, sob a alegação de que pode dar-se destinação rural, contrariando frontalmente a destinação urbana do loteamento aprovado de conformidade com a lei então vigente.

Levada a questão ao Judiciário infelizmente os juízes passam ao largo das noções de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito, influenciados pela jurisprudência do STF em matéria previdenciária, onde essas noções vêm sendo sacrificadas em nome do consequencialismo jurídico para manter a saúde financeiras do sistema previdenciário sempre às voltas com déficits.

Outrossim, o Judiciário confunde frequentemente as restrições urbanísticas que atingem apenas parcialmente o direito de uso da propriedade – recuo frontal; gabarito de construção; proibição de prédios industriais ou comerciais em zonas estritamente residencial – com restrições ambientais que na maioria das vezes implicam interdição do uso da propriedade, hipótese em que se caracteriza a desapropriação indireta.

De fato, se o proprietário de um lote padrão de 250m² for impedido de construir o prédio residencial não há como dar outra destinação ao lote. Desenvolver atividade rural em uma área tão diminuta, como aventado em algumas decisões judiciais, é uma utopia.

Na verdade, decisões da espécie são contraditórias, porque, se partem da premissa de que ao lote deva ser dada destinação rural para se preservar o seu conteúdo econômico legitimador do lançamento tributário, por óbvio, está se reconhecendo a impropriedade de lançar o IPTU.

Para contornar as incompreensões do Executivo e do Judiciário resta ao adquirente de lote espezinhado em seus direitos fundamentais o recurso da renúncia de propriedade previsto no inciso II, do art. 1.275 do CC:

“Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:

[...]

II - pela renúncia”.

Assim, o proprietário do lote prejudicado pode renunciar à propriedade lançando-a no rol de res pública, livrando-se da obrigação de arcar com o IPTU de natureza confiscatória.

Essa renúncia deve ser feita por escritura pública ao teor do art. 108 do CC:

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à construção, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país”.

A existência de eventual débito do IPTU não é causa impeditiva da faculdade de exercer o direito de renúncia à propriedade que decorre exatamente da perda de conteúdo econômico da propriedade que legitima a sua tributação.

Não é razoável supor que o proprietário interditado no uso do lote tenha que vender parte de seu patrimônio para continuar pagando o IPTU incidente sobre o lote que ele não pode usufruir. Não há que se falar em direito de proprietário sem a presença simultânea das faculdades de usar, gozar e de fruir de suas utilidades e de dispor da propriedade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Loteamento urbano inviabilizado pela legislação local. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6602, 29 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92134. Acesso em: 21 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos