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Visão panorâmica da organização judiciária inglesa

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Resumo:


  • O historiador Arnold J. Toynbee define civilização como elemento primordial para compreender a história, propondo o problema da civilização como unidade inteligível do estudo histórico.

  • Toynbee destaca a importância de estudar a história de uma nação dentro de um contexto histórico mais amplo, evitando particularizá-la em um espaço geográfico ou histórico restrito.

  • A visão de Toynbee sobre a civilização idealizada pode parecer exótica em um estudo jurídico prático, mas enfatiza a subordinação do Direito à História e a necessidade de considerar unidades ininteligíveis no estudo jurídico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. INTRODUÇÃO

Para delimitar o escopo deste trabalho devemos recorrer à definição de civilização desenvolvida pelo historiador inglês Arnold J. Toynbee, ao longo de suas principais obras.

Ao tratar de civilização, Toynbee a classifica como elemento primordial para se compreender a história. Para ele, deve-se estudar história partindo-se de um conceito inteligível. Neste sentido, ao propor o problema da civilização, não o considera enquanto não possa encontrar o que chama de unidade inteligível do estudo histórico.

Na sua visão, não é possível compreender a história de uma nação como, por exemplo, os Estados Unidos da América, a Itália ou a França, sem inseri-la numa realidade histórica mais abrangente, que a condiciona, e mesmo lhe dá causa. Faz-se, portanto, necessário, ter em mente o fato de que, falar de civilização de modo a particularizá-la num espaço geográfico ou histórico restrito constitui um equívoco, sendo necessário buscar o conceito de Civilização onde os elementos que a constituem se originam.

Recorrer ao conceito de civilização idealizado por Toynbee, no entanto, pode, a princípio, parecer exótico num trabalho que se destina à análise de um aspecto jurídico tão prático e neutro quanto organização judiciária. Contudo, tal conceito tem muito a ver com a concepção que representa a tônica deste estudo.

Em primeiro lugar, é necessário impor ao Direito um caráter de subordinação à História. Não havendo ciência cultural que possa prescindir de um liame substancial a esta, não deve ser diferente em relação à Ciência Jurídica; sendo-nos de bom alvitre a lembrança do que afirmava Tobias Barreto ao dizer que "o direito não é um filho do céu, é simplesmente um fenômeno histórico, um produto cultural da humanidade".

Deve-se perceber também que a análise da organização judiciária inglesa requer um estudo preliminar, ainda que inevitavelmente rápido, do Common Law, já que trata-se de um sistema que nos é estranho e que é essencialmente histórico.

Por fim, assim como o sábio professor de Oxford coloca o problema da unidade ininteligível do estudo histórico, acreditamos que tal concepção deve se estender ao Direito. Também na Ciência do Direito é possível perceber unidades ininteligíveis do estudo jurídico, como o é todo o estudo jurídico feito nas Faculdades de Direito do país, onde se atribui uma ênfase excessiva à Dogmática Jurídica, cegando os estudantes com o estudo único da legislação nacional.

A visão do Direito como aspecto essencialmente nacional é um dos vícios do período legislativo da família romanista, que nos acompanha como um cancro recalcitrante até os dias de hoje. O primeiro objetivo deste trabalho, compreendido lato sensu, é romper com esta idéia.

Não se pode, nem se deve, estudar o Direito parametrado pelas fronteiras dos costumes e sistemas nacionais, uma vez que se perceba seu caráter universal e imanente. Tal visão arcaica, encontra menos espaço quando consideramos a realidade do mundo globalizado, com suas várias características e elementos. O Direito nacional vem, a cada dia, tornando-se uma unidade mais ininteligível do estudo jurídico, permitindo-nos traçar um paralelo entre a teoria de Toynbee e nossa realidade atual.

A aglutinação constitui um dos aspectos mais palpitantes da globalização. A noção de um mundo bem dividido e compartimentado, em todos os seus aspectos, vem caindo por terra. A própria idéia de cultura como algo isolado tem sido abalada pela inovadora noção de uma comunidade multi-cultural, inserida no contexto de aldeia global.

O impacto destas novas correntes no Direito é inevitável, e considerando seu caráter vanguardista, é fácil perceber quão difícil será adaptar-nos a um mundo que joga por terra valores tradicionais, inclusive os jurídicos.

Uma análise da Ciência Jurídica no plano histórico e em dimensões mais vastas que o Direito nacional, leva-nos a perceber sempre uma tradicional divisão dos sistemas jurídicos mundiais em famílias, cujos membros têm uma relação de categorias e conceitos que os caracteriza. Todavia, em face do que foi exposto nos dois parágrafos anteriores, tal conceito parece-nos ameaçado em virtude da interação cada vez maior entre os diferentes Estados, bem como devido ao desenvolvimento do próprio Direito Internacional Público, este por si só, um sinal dos tempos.

Tal concepção justifica, portanto, o estudo de sistemas jurídicos outros, trazendo contribuições para o nosso próprio pensamento crítico.

Nada expande mais as fronteiras que o contato com o novo ou com aquilo que nos parece exótico. Quando tal experiência se dá entre nações, como vem ocorrendo intensamente desde o século XVI, o resultado é imprevisível, muitas vezes traumático.

Convém expor as razões que orientaram a escolha da organização judiciária inglesa como objeto de nosso estudo.

Em primeiro lugar, há de se perceber que a Inglaterra é talvez, a sociedade politicamente organizada mais antiga do mundo. Sua organização político-institucional inicia-se logo depois da invasão normanda, e persiste até os nossos dias. Neste interstício erguem-se instituições as mais diversas e um sistema jurídico bem peculiar que chama a atenção pela praticidade e eficácia.

Em segundo lugar, dado o momento histórico pelo qual passa hodiernamente nosso Poder Judiciário, enfrentando dilemas tais como a ineficácia da Justiça, o número excessivo de processos que dificultam uma prestação jurisdicional célere, o difícil acesso à Justiça, a desconfiança da população em relação aos seus magistrados e aos seus tribunais, bem como a recorrente intromissão dos demais poderes no espaço que deve ser do Judiciário, pareceu-nos por bem analisar um sistema jurídico que, se não é a quintessência da justiça, agrega respeitabilidade e eficácia na prestação jurisdicional e no acesso à esta.

O estudo da organização judiciária inglesa pode, portanto servir-nos de um aprendizado útil na estruturação do nosso próprio Direito.

A análise histórica e comparativa do Direito ainda soa como novidade no meio discente; a História parece dissociada da Ciência Jurídica dada nossa concepção imperfeita do Direito, unicamente em sua dimensão prática, normativa (que constitui no entanto apenas uma de suas facetas), o que nos conduz à um equívoco imperdoável. A conexão histórica que fazemos, talvez a única, é, de forma improfícua, com o Direito Romano, saltando então, mais de um milênio para a era das codificações. Já a falta de perspectiva comparativa dos sistemas jurídicos constitui um aleijão intelectual.

Compreender uma ciência cultural sem recorrer à História é uma atitude perigosa. O Direito na sua dimensão histórica tem muito a nos dizer sobre a própria estrutura do nosso pensamento jurídico hodierno. Tentar apreender a realidade jurídica abdicando do rico método comparativo, não contribui em nada para o crescimento como juristas.

O futuro do Direito postula uma expansão universal sem precedentes e o rompimento de barreiras nacionais e costumes locais, a exemplo da ação centralizadora do Common Law.


2. COMMON LAW- Um Breve Apanhado Histórico

Para uma introdução acerca do sistema jurídico desenvolvido na Inglaterra, e principalmente da sua organização judiciária , é imprescindível um estudo de sua história, uma vez que, além do caráter jurisprudencial e processualístico, o Common Law tem uma dimensão histórica que pode nos surpreender, já que não estamos afeitos a tal característica nos nossos estudos.

A peculiaridade que confere ao Common Law uma continuidade histórica contrasta com as fases da família romanista, marcadas por profundas rupturas. Não que não tenha havido qualquer ruptura no sistema em análise, ao contrário do que afirmam certos doutrinadores. As rupturas, neste caso, apresentam-se mais como períodos de transição, sendo justamente o que ocorre quando a equity aparece para redefinir a atividade do Common Law, ou mesmo quando o papel legiferante do parlamento age de modo a reformular a organização judiciária inglesa.

Convém deter-nos neste aspecto histórico do Direito Inglês, que é motivo de orgulho para os juristas e historiadores ingleses, e que capacita juizes, nos nossos dias, a evocarem precedentes que remontam ao período anglo-saxônico de seu Direito.

A fleuma britânica, não nos esqueçamos, sempre foi a tônica desta sociedade. Os ingleses chamaram de gloriosa a revolução que ali minou definitivamente o antigo regime e sedimentou as bases do capitalismo por que não foi derramada uma gota de sangue, ainda que olvidem o fato de que, enquanto a França banhou seu solo com o sangue de milhares, os britânicos resumiram tudo isso na decapitação de um rei.

O Direito Inglês divide-se em quatro períodos históricos bem característicos, quais sejam: o período anglo-saxônico, o período de criação e desenvolvimento do Common Law, o período de coexistência dualista entre equity e Common Law, e o período de ascensão do statute.

2.1. Da organização tribal à invasão normanda

A princípio, a história do Direito Inglês não difere substancialmente daquela que se processa no continente.

O intervalo que vai da evacuação das legiões romanas, em torno do quarto século da nossa era, até a Batalha de Hastings, quando William, o Conquistador, ascende ao poder, é marcado por uma luta quase constante de invasões, conquistas e reconquistas entre bretões, saxões, vikings, dinamarqueses, noruegueses, entre outros.

Um arremedo de centralização política é estabelecido com a ascensão de variadas dinastias, mas os elementos necessários para tal intento ainda são insatisfatórios, e o caos e a desorganização política se perpetuam até o momento da invasão normanda.

Com a queda do Império Romano ocorre, como era de se esperar, o declínio da idéia do Direito como alicerce social, em decorrência da própria descentralização política que sucede em todos os níveis; não havendo, portanto, organização social para ser tutelada por um ordenamento jurídico, o Direito, como paladino da ordem social perde a razão de ser. Tal fato é acentuado, principalmente, quando se percebe a parca influência exercida pelos romanos sobre as comunidades que já habitavam as ilhas britânicas; os ordenamentos bárbaros, por conseguinte, ocupam o ideário jurídico naquela região, a exemplo do que ocorre em todas as possessões romanas na Europa Ocidental.

Constitui fato natural que um ordenamento bárbaro apareça na Europa em substituição ao Direito Romano, e em sua maioria, tais ordenamentos guardam consigo estreita semelhanças, porém a partir do momento em que são redigidas as leis, iniciam-se as diferenças. As leis bárbaras redigidas na Inglaterra o são feitas em língua anglo-saxônica, enquanto no continente, tal redação era feita em latim.

O Direito na Inglaterra, vigente no período anterior à conquista normanda é conhecido pelo nome de Direito anglo-saxônico, nome que também é dado ao período em que vige.

Neste estágio, já é possível denotar a influência do Direito Canônico sobre o ordenamento das variadas tribos bárbaras, uma debilitada centralização em torno de um rei e de seu conselho, que desempenhavam funções legislativas, e, paralelamente uma descentralização em relação às funções executivas e judiciais, deixadas sob a responsabilidade dos hundredmen que eram a autoridade máxima, constituída pelo rei na unidade territorial denominada Centena (hundred).

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Cada Centena tinha seu próprio tribunal que, via de regra, se reunia a cada quatro semanas. As questões litigiosas eram trazidas perante a corte que iria então citar o réu para comparecimento perante o tribunal. A declaração de inocência, suportada por juramentos de pessoas da comunidade, favoráveis ao réu, eram suficientes para inocentá-lo. Caso não fosse possível suportar a alegação de inocência com o juramento de outrem, o réu estava fadado a passar pelo Trial by Ordeal, os famosos Juízos de Deus, onde seria, então, submetido a certas e determinadas provações que atestariam sua culpa ou inocência, de acordo com o decorrer dos fatos.

Os casos que passavam pelos Tribunais de Centenas, podiam, extraordinariamente, subir a uma instância superior, mas isso só ocorreria quando um determinado Tribunal de Centena não alcançasse um julgamento, ou caso o julgamento de um conflitasse com a competência do outro, surgindo um eventual conflito de jurisdições no espaço.

As sentenças variavam entre a multa, a mutilação e a morte, e geralmente se limitavam a primeira.

O Direito anglo-saxônico era marcado portanto por todos os elementos que aparecem no estágio chamado de proto-direito, em qualquer sociedade. Uma ordem jurídica carente do pensamento lógico-racional, influenciada pela superstição e religiosidade e também fragmentária, no que tange ao que os ingleses chamam de law enforcement, ou seja, o caráter coercitivo do Direito, sendo o processo, ao qual se submetiam as partes, essencialmente oral.

Quando ocorre a conquista normanda, William manifesta intenção de não promover mudanças substanciais no ordenamento jurídico anglo-saxônico, mesmo porque se considerava herdeiro legítimo do trono e não mero conquistador, entretanto, o Direito anglo-saxônico não encontra-se à altura da organização política normanda, estando fadado ao gradativo desaparecimento.

2.2. Feudalismo e formação do Direito

Atribui-se o nome de Common Law, de acordo com Maria Chaves de Mello, ao "Direito consuetudinário, não escrito ou costumeiro (em oposição ao direito legislado)", sendo este, como acentua mais adiante, "o antigo direito nacional inglês que nasceu e se desenvolveu na Inglaterra, estendendo-se aos demais povos do tronco anglo-saxão e cuja eficácia deriva de usos e costumes imemoriais". Reale o define como "a experiência jurídica da Inglaterra", sendo caracterizado por "não ser um direito baseado na lei, mas antes nos usos e costumes consagrados pelos precedentes firmados através das decisões dos tribunais".

Embora corretas, as definições não abarcam o caráter histórico do Common Law, que pode ser definido como o sistema jurídico resultante da concentração do poder jurisdicional por intermédio da ação centralizadora levada adiante pelos tribunais reais, na Inglaterra medieval.

O termo, hodiernamente, adquire uma conotação mais abrangente, constituindo todo um sistema jurídico que envolve diversas sociedades em vários recantos do globo. O sistema desenvolvido na Inglaterra, fundamentou substancialmente o Direito elaborado nos Estados Unidos da América, na Índia, em Israel, na Austrália, enfim em todas as colônias britânicas, ou nações que voluntariamente absorveram o sistema inglês.

O nome Common Law é derivado do francês commune ley, termo utilizado para defini-lo já que o idioma francês exerceu uma enorme influência na comunidade jurídica inglesa que tinha como seu jargão particular o law french, resultante do fato de os normandos advirem da França e constituírem o establishment desde sua invasão e conquista.

As origens do Common Law ligam-se ao desenrolar dos acontecimentos decorrentes da invasão normanda.

A organização político-social que vigia na Inglaterra do período anglo-saxônico, ainda que trouxesse consigo lampejos de centralização político-administrativa, era essencialmente tribal. A invasão normanda põe fim a este período, no momento em que se torna impossível uma coexistência pacífica e harmônica entre as instituições anglo-saxônicas e as normandas.

Os normandos já haviam adquirido uma complexidade política bem mais avançada que as tribos inglesas. William trouxera consigo um séquito de barões que institui na Inglaterra o sistema feudal de suserania e vassalagem.

Em poucas palavras pode-se definir o feudalismo como a reação natural do animal político a uma situação apolítica e caótica, ou seja a tentativa do homem medieval de reorganizar sua vida e a ordem civil após o desmoronamento do Império Romano e a subsequente degeneração da organização política.

Na Inglaterra daquele período, o feudalismo ainda que bem característico significava uma condição de sobrevivência. A aproximação com o rei garantia segurança contra uma comunidade subordinada, estranha e possivelmente hostil, cuja língua e costumes eram completamente estranhos aos novos landlords.

A centralização portanto, ocorre quase que naturalmente. Entretanto por um longo período a justiça no novo reino ainda permanece fragmentária. Há uma diversidade quase infindável de jurisdições. Na Inglaterra daquele período vigem paralelamente jurisdições eclesiásticas, municipais, comerciais, reais, etc.

A autoridade real no período feudal, foi, em muitos locais da Europa onde o feudalismo se fez perceber, apenas simbólica, sem qualquer significação substancial, só vindo a constituir importância política no período de centralização e formação dos Estados nacionais, no entanto, num ambiente propício à centralização política como era o cenário inglês, e nesse caso, vale salientar que a Inglaterra sempre se antecedeu aos acontecimentos históricos em relação ao continente, a autoridade real não prescinde do monopólio da justiça, sendo-nos de fundamental importância a lembrança do que afirma Rousseau com indiscutível propriedade em Du Contrat Social : (...)"O mais forte nunca o é bastante para ser sempre o amo, se não transformar sua força em direito e a obediência em dever (...)"

A concentração da atividade jurisdicional deu-se através da expansão da competência dos Tribunais Reais que funcionavam na Curia Regis, cognominados, posteriormente, Tribunais de Westminster, criando, desde então, um Direito comum a toda Inglaterra através do soerguimento de um sistema jurídico estruturalmente formalista e essencialmente processual.

É curioso perceber que, num dado momento histórico, o Common Law passa a seguir um caminho totalmente diverso daquele que se verifica no continente. Ocorre a centralização, que é estranha aos países onde vigora o civil law, e que se edifica num sistema cujas bases são rigidamente formalistas, como condição para sua própria sobrevivência. Tal característica acaba conferindo ao Direito inglês um caráter público peculiar, já que a jurisdição real era posta em funcionamento com a concessão do writ, que, no entendimento de Maria Chaves de Mello, trata-se de "mandado judicial, ordem judicial, ação especial que se inicia com o próprio pedido e emissão do mandado." O writ, na verdade era uma ordem real que acionava todo o mecanismo jurisdicional, e sua concessão era subordinada à rígida análise formal de adequação do caso concreto à forma processual.

Tal fato acaba dando ensejo à expressão remedies precede right, que numa tradução livre significa que o processo e a observação de sua forma antecedem e são mais importantes do que a busca pelo justo.

Desta forma, na Inglaterra, durante muito tempo, o caráter axiológico do Direito não teve qualquer influência significativa na atitude dos juristas; enquanto no continente, o Direito Romano agia como ordenamento supletivo, em busca do justo na fragmentária ordem jurídica, então vigente.

O Common Law desenvolve-se com um caráter essencialmente prático, com base no respeito à forma, que determinava a adequação do processo ao caso concreto, e, posteriormente, utilizando as decisões judiciais.

Estas características, eventualmente traziam empecilhos à adequação do Direito às novas exigências sociais, uma vez que a lentidão para se introduzir um novo conceito que redefinisse uma noção anterior era desanimadora. O Common Law dá mostras de debilidade e passa a necessitar de um corretivo. Entra em cena o equity.

2.3. Fraqueza do Common Law e surgimento da Equity

Como sói acontecer com sistemas excessivamente formais, o Common Law não pode acompanhar o ritmo do desenvolvimento da sociedade inglesa.

O formalismo rigoroso e o conteúdo puramente processual do Direito inglês não tinha uma capacidade cambiante que lhe impusesse o ritmo necessário para se por a frente dos tempos. Dessa forma aparece a equity cujo principal intento era corrigir eventuais falhas existentes nos julgamentos dos juízes dos Tribunais Reais.

Este recurso alternativo que surge de forma pretensiosa a partir do século XV, pode ser definido como um sistema jurídico paralelo que visava, através do recurso a um Tribunal específico, o julgamento do caso com base no processo de Direito Canônico, e na capacidade supletiva do Direito Romano, à semelhança do que ocorria no continente.

O julgamento era feito pelo Chanceler do rei, que em geral era um jurista, e suas decisões, a princípio, eram plenamente aceitas pelos tribunais de Common Law.

O problema maior da equity como sistema rival é que seu surgimento coincide com uma gradativa concentração do poder real, e uma indisposição cada vez maior entre o rei e o parlamento.

Ora, tanto o parlamento como os tribunais reais faziam parte do que era chamado de Curia regis. Gradativamente essa ligação, resultante do tipo peculiar de feudalismo aplicado na Inglaterra e já mencionado aqui, foi se desfazendo.

O primeiro grande sinal de tal afastamento foi a feitura da Magna Carta, pelos barões ingleses, que tanto impõe limitações ao poder real, como a atividade jurisdicional dos Tribunais de Westminster.

A peleja continuou indefinidamente até justamente o século XV, quando numa série de dois reinados, o do Rei James I, e o do Rei Carlos I, a Inglaterra entra numa vertiginosa série de acontecimentos que levará à primeira revolução burguesa da história.

A razão do parlamento se insurgir contra a monarquia tem origens socio-econômicas. O deslocamento do poder econômico, passando da aristocracia para as camadas médias da população, notadamente aquela que sofrera maior influência da ideologia reformista calvinista, impõe a necessidade de semelhante deslocamento do poder político. Assim a Câmara dos Comuns, principal expoente da defesa dos ideais anti-absolutistas no parlamento, passa a ser o maior entrave na autoridade real.

Justamente em razão dessa disputa cada vez maior pelo poder político, o rei tenta trazer mais uma vez a capacidade jurisdicional para o seu campo de atuação. Dessa forma, a equity torna-se um instrumento de expressão do absolutismo real, pois a atividade jurisdicional era exercida pelos tribunais reais, e ainda que o nome denotasse algum tipo de comprometimento com o monarca, a atividade dos tribunais do Common Law eram completamente independentes.

Não nos esqueçamos, porém, que o surgimento do novo sistema jurídico supletivo é oportuno para eventuais correções na rigidez formal e na essência processual do Common Law.

A conotação absolutista da equity vai desaparecer definitivamente quando a Inglaterra embarca na sua revolução burguesa que culmina com a Revolução Gloriosa.

A solução encontrada para harmonizar os dois sistemas, depois de violentos embates entre os dois tribunais, é uma coexistência dualista entre ambos. Com o passar do tempo, no entanto, a equity vai perdendo o conteúdo supletivo e a sistematização de suas normas vai se tornando tão rígida quanto a que ocorre com o Common Law.

O que há de interessante neste período de ruptura do Common Law , é que o instrumento utilizado para neutralizar a ação da equity como ferramenta do poder absolutista, que é o parlamento, vai dar ensejo a produção e ênfase de uma nova ruptura que remodelará o Common Law, nos séculos XIX e XX: a lei.

2.4. A modernização do Common Law

A revolução burguesa ocorrida na Inglaterra um século antes de chocar o mundo com o similar francês, redefiniu o caráter geral do Estado.

O absolutismo monárquico, ali, foi definitivamente sepultado. Houve, em função da luta contra a tirania, uma produção caudalosa de documentos libertários, e o parlamento passou a ter poder de legislar no Reino Unido.

O reflexo dessa atividade na área jurídica na Inglaterra, era esperado, já que o que concedia o maior poder ao parlamento, era a capacidade de produzir uma fonte do Direito que não era levada em conta pelo sistema inglês, fundamentalmente jurisprudencial.

O papel da lei cresce gradativamente. Mas o que vai marcar uma ruptura do sistema jurídico, a última, desde então, e vai redefini-lo, é a atividade parlamentar de reformulação da organização judiciária inglesa, claramente obsoleta diante das novas exigências da sociedade industrial, que demandavam eficácia e celeridade jurisdicional, e um acesso mais amplo à Justiça.

Esta reforma é efetuada através dos Judicature Acts do século XIX, dando novos contornos a organização judiciária inglesa, que será objeto da segunda parte de nosso estudo.

O Estado contemporâneo também apresenta-se como um desafio para o Common Law. Com o aumento cada vez maior da industrialização, a institucionalização do capitalismo e o crescimento vertiginoso do Estado, o Direito inglês enfrentará problemas em duas frentes distintas. A primeira delas é a defesa do indivíduo perante o Estado e a segunda é o crescimento do socialismo inglês, com a nova noção de Welfare State, desenvolvida pelo Partido Trabalhista, no início do século, ambos os desafios, com caráter puramente administrativo.

O que marca, porém, definitivamente o período em análise é a atividade parlamentar de reformulação da organização judiciária, o que nos dá uma noção da importância que se defere ao caráter funcional do Estado, baseado na atividade precípua de dizer o Direito.

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Sobre o autor
Hugo César Araújo de Gusmão

acadêmico de Direito na UEPB, em Campina Grande (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUSMÃO, Hugo César Araújo. Visão panorâmica da organização judiciária inglesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/927. Acesso em: 22 dez. 2024.

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