Capa da publicação Podem ser cumuladas multas de mora e punitiva do IPVA?
Artigo Destaque dos editores

Podem ser cumuladas multas de mora e punitiva do IPVA?

Exibindo página 3 de 3
15/09/2021 às 14:45
Leia nesta página:

9. Da denúncia espontânea

Por considerar que, na multa de mora, predomina o intuito indenizatório, Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 551) entende que a denúncia espontânea não afasta os juros de mora e a multa de mora. No que concerne à multa de mora, essa é a regra prevista na lei do ICMS do Estado de São Paulo.20

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, é de a multa de mora ter caráter punitivo, de modo que basta o sujeito passivo pagar o tributo devido e os juros de mora antes do início de qualquer procedimento administrativo ou ação fiscal relacionada com o fato ilícito. Para essa corrente jurídica: a “denúncia espontânea” visa incentivar o contribuinte a declarar eventos jurídicos tributários que foram por ele omitidos; o benefício não se aplica ao contribuinte que declarou o tributo devido, mas não o recolheu até a data de vencimento.

Com a devida vênia, não concordamos com o entendimento do STJ, visto que ele dá ao contribuinte que agiu de forma temerária ou descurada tratamento mais favorável do que ao contribuinte que cumpriu seus deveres instrumentais, apurando e declarando o imposto devido, mas não o recolheu até a data de vencimento. Isso não se coaduna com o “princípio da isonomia” em sua face positiva, que manda tratar desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam. Em se tratando de punição, a mais gravosa deve naturalmente ser aplicada ao contribuinte que agiu de forma mais temerária ou ousada, e não o contrário.


10. Conclusão

Multa de mora tem caráter preventivo, punitivo e indenizatório. É devida quando o contribuinte não recolhe até a data do vencimento: o ICMS devido que declarou em GIA; o IPVA com recolhimento esperado pela Fazenda do Estado. Em ambos os casos, o crédito tributário é composto pelo imposto não recolhido, juros de mora e multa de mora.

Somente no caso de sonegação ou fraude, que sempre resulta do descumprimento de dever instrumental, é que o IPVA deve ser exigido por meio de Auto de Infração e Imposição de Multa. Nesse caso, o crédito tributário é composto por imposto, juros de mora e multa por descumprimento de dever instrumental (punitiva); não se exige multa de mora, porque ela também tem caráter punitivo. Pode ainda o crédito tributário exigido no auto de infração ser apenas multa por descumprimento de dever instrumental, que se verifica quando o descumprimento não é causa da falta de pagamento do imposto.

Quando descumprimento de dever instrumental causar o não-recolhimento do IPVA, este “deverá” ser exigido no próprio Auto de Infração e Imposição de Multa, não obstante no parágrafo único do art. 19 da lei do IPVA conste o verbo “poderá”. Se o imposto for cobrado em lançamento por notificação, será exigida multa de mora. Não pode a norma jurídica facultar à autoridade administrativa tributária que exija o IPVA por auto de infração ou por lançamento por notificação, se haverá multa de mora no lançamento, mas não no auto de infração. Além de afrontar o princípio da segurança jurídica, a norma permite a cobrança de duas multas decorrentes da prática de uma só infração.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003.

CARVALHO, André Gomes. Sanções administrativas tributárias e a divergência doutrinária acerca das multas moratórias. Revista Jus Navigandi, Teresina, jan. 2012 (Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20946/sancoes-administrativas-tributarias-e-a-divergencia-doutrinaria-acerca-das-multas-moratorias> Acesso em: 08/04/2021).

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1990.

PECHI, Wagner. Modalidade de lançamento do IPVA. Jus Navigandi, 05/2020 (Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/81845/modalidade-de-lancamento-do-ipva> Acesso em: 09/04/2021).


NOTAS

1 Disponível em: <https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx> / Acesso Rápido ICMS > / . Lei 6.374/89 Acesso em: 07/04/2021.

2 Disponível em: <https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx> / Acesso Rápido ITCMD > / . Lei 10.705/00 Acesso em: 08/04/2021, e em: < https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx> / Acesso Rápido IPVA > . Lei 13.296/08 Acesso em: 08/04/2021.

3 Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br> / Legislação / Leis Ordinárias / 1996 / 9.430, de 27.12.96 Acesso em: 08/04/2021.

4 As infrações do inc. I do art. 85 da lei do ICMS do Estado de São Paulo (Lei 6.374/1989) são relativas ao pagamento do imposto. A falta de pagamento do imposto ocorre, por exemplo, com a entrega de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA – com valor de “imposto a recolher” inferior ao escriturado no livro Registro de Apuração do ICMS (alínea “d”) ou com a falta de entrega da GIA (alínea “l”).

5 Quando o descumprimento de dever instrumental deu causa à falta de pagamento do imposto e o relato desse descumprimento se subsome com justeza à classe típica de infrações descrita no antecedente de norma geral e abstrata sancionadora, essa norma é a que deverá ser aplicada para exigir a multa. Quando inexistir essa norma, aplica-se a norma geral e abstrata sancionadora prevista na alínea “l” do inc. I do art. 85 da Lei 6.374/1989 (falta de pagamento do imposto, em hipótese não prevista nas demais alíneas do inciso).

6 Como a falta de escrituração de documento relativo à saída de mercadoria, cuja operação não está sujeita ao pagamento do imposto ou que está sujeita ao pagamento em operação posterior (multas previstas na primeira e na segunda parte, respectivamente, da alínea “c” do inc. V do art. 85 da Lei 6.374/1989).

7 O Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) é documento de porte obrigatório pelo condutor do veículo. É emitido anualmente pelo DETRAN, desde que pagos o IPVA, a taxa de licenciamento e o DPVAT (seguro obrigatório) do exercício, bem como as multas de trânsito.

8 O descumprimento do dever de registrar o veículo no DETRAN está previsto no inciso V do art. 39 da Lei 13.296/2008. Embora o texto descreva a infração como “deixar de fornecer documentos ou informações necessários à inscrição ou alteração do Cadastro de Contribuintes do IPVA ...”, essa conduta omissiva hoje ocorre quando o proprietário ou possuidor deixa de registrar o veículo no Cadastro do DETRAN do Estado de São Paulo, visto que, enquanto não for instituído o Cadastro de Contribuintes do IPVA a que se referem os artigos 30 e 31 da Lei 13.296/2008, “serão utilizadas as informações constantes do cadastro de veículos do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN” (art. 3° das Disposições Transitórias da citada lei).

9 Entendemos que a regra seja para dispensar (ou não exigir) o pagamento do IPVA do veículo que, colocado à disposição para locação em estabelecimento de empresa locadora situado em outro Estado, foi locado com a condição de ser devolvido em estabelecimento da empresa situado em território paulista, mas que, logo após a devolução, deverá retornar para estabelecimento do Estado de origem.

10 Pelo texto do art. 33 da Lei 13.296/2008, a empresa locadora de veículos que operar no Estado de São Paulo está obrigada a fornecer os dados necessários à inscrição no Cadastro de Contribuintes do IPVA, em relação a todos os veículos que vierem a ser locados ou colocados à disposição para locação nesse Estado, inclusive aos veículos a que se refere o inciso II do artigo 15 dessa lei.

11 Leis 12.181/2005 e 6.606/1989 disponíveis respectivamente em: <https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx> / Leis / 2005 / Lei 12181 de 2005; e <https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx> / Leis / Ant. 1990 / Lei 6606 de 1989 Acessos em: 09/04/2021.

12 É o que ocorre com o veículo: registrado no Cadastro de Veículos do DETRAN do Estado de São Paulo, sem informação de furto, roubo, ou outra causa que descaracterize o domínio ou a posse; não transferido para outra Unidade da Federação; ou sem a informação de “baixa permanente”. A presunção relativa é de que, em primeiro de janeiro do exercício corrente (critério temporal da regra-matriz de incidência do IPVA, para veículo usado): a relação de propriedade continuava em nome do então proprietário ou da pessoa domiciliada no Estado de São Paulo, por este indicada em Comunicação de Venda do Veículo; ou a posse do veículo ainda estava com o então possuidor.

13 Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Processos/Consulta-Processual> Acesso em 10/04/2021.

14 No caso de tributo sujeito à homologação por parte de autoridade administrativa, preferimos usar a expressão “formalização do crédito tributário” (pelo contribuinte), em vez do termo “autolançamento”.

15 A nova redação dada ao § 1° do art. 18 (pelo inc. X do art. 1º da Lei 9.459/1996) mandava calcular as multas, impostas por exercício, sobre os respectivos valores básicos corrigidos monetariamente, aplicando-se o disposto no art. 17 da Lei 6.606/1989, exceto em relação à multa de mora. O caput do art. 17 prescrevia a incidência, sobre o valor do imposto, de correção monetária, de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês ou fração e de multa de mora de 20% (vinte por cento). A partir da vigência da nova regra do § 1° do art. 18, portanto, não mais se exigiu multa de mora em Auto de Infração e Imposição de Multa. No Ofício GS/CAT 588/96 (disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=202> / Projeto – Autor PL 670/1996), o Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo encaminhou ao Senhor Governador do Estado minuta de projeto de lei que introduzia alterações na Lei 6.606/1989 (documentos 3 e 4). É o seguinte o texto do 5° parágrafo do ofício: “O inc. X do referido artigo 1°, (sic) propõe a eliminação da aplicação cumulativa das multas de mora e infracional, por ocasião da lavratura do Auto de Infração e Imposição de Multa” (negritamos) (documento 3). O Governador encaminhou, por intermédio do Senhor Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o projeto de lei à Assembleia (documentos 1 e 2), solicitando que o exame da propositura se fizesse em regime de urgência (documento 2). Na Assembleia, o projeto de lei recebeu o número 0670/1996, tendo sido aprovado como Lei 9.459, de 16/12/1996. (Acessos em: 09/04/2021)

16 A partir de 1° de janeiro de 1999, quando a Lei 10.175/1998 passou a produzir efeitos, foi suspensa a atualização monetária dos débitos fiscais (caput do art. 2°) e a taxa de juros de mora passou a ser equivalente: por mês, à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, para títulos federais, acumulada mensalmente (item 1 do § 1° do art. 1°); por fração, a 1% (um por cento) (item 2 do § 1° do art. 1°). (Disponível em: <https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx> / Leis / 1998 / Lei 10175 de 1998 Acesso em 11/04/2021).

17 “Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

18 “Art. 39 - Constituem condutas passíveis de imposição de multa:

I - fraudar o recolhimento do imposto, no todo ou em parte: multa de uma vez o valor do imposto não recolhido, nunca inferior a 100 (cem) UFESPs;

II - deixar de exibir no prazo estabelecido, quando notificado, quaisquer documentos exigidos pelo fisco: multa correspondente a 30 (trinta) UFESPs por documento, até o limite de 150 (cento e cinquenta) UFESPs por veículo;

III - deixar de prestar informações quando obrigado, ou fazê-lo de forma inexata ou incompleta: multa correspondente a 30 (trinta) UFESPs por veículo;

IV - proceder de modo a possibilitar a redução ou supressão do tributo devido por terceiro: multa de uma vez o valor do imposto não recolhido, nunca inferior a 100 (cem) UFESPs;

V - deixar de fornecer documentos ou informações necessários à inscrição ou alteração do Cadastro de Contribuintes do IPVA: multa, por exercício, correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor do imposto, nunca inferior a 10 (dez) UFESPs;

VI - induzir o fisco a proceder à inscrição ou alteração indevidas no Cadastro de Contribuintes do IPVA: multa, por exercício, correspondente a uma vez o valor do imposto, nunca inferior a 50 (cinqüenta) UFESPs;

VII - deixar, a locadora de veículos, de cumprir a obrigação acessória prevista no artigo 33 desta lei: multa, por exercício, equivalente a 100 (cem) UFESPs por veículo;

VIII - cometer qualquer outra infração a dispositivo da legislação relativa ao imposto, sem penalidade específica: multa correspondente a 10 (dez) UFESPs.

. . . “.

19 É a seguinte a redação do art. 87 da lei do ICMS (Lei 6.374/1989):

“Art. 87 - O valor do imposto declarado ou transcrito pelo fisco, nos termos dos artigos 56 e 58 desta lei, quando não recolhido no prazo estabelecido na legislação, fica sujeito a multa moratória, calculada sobre o valor do imposto ou da parcela, de: (Redação dada ao artigo pela Lei 13.918, de 22-12-2009; DOE 23-12-2009)

I - 2% (dois por cento), até o 30º (trigésimo) dia contado da data em que deveria ter sido feito o recolhimento;

II - 5% (cinco por cento), do 31º (trigésimo primeiro) ao 60º (sexagésimo) dia contado da data em que deveria ter sido feito o recolhimento;

III - 10% (dez por cento), a partir do 60º (sexagésimo) dia contado da data em que deveria ter sido feito o recolhimento;

IV - 20% (vinte por cento), a partir da data em que tiver sido inscrito na Dívida Ativa.

§ 1º - ( . . . )

§ 2º - O disposto neste artigo aplica-se aos demais débitos fiscais relativos ao imposto, enquanto não exigidos por meio de auto de infração.” (negritamos)

Da interpretação sistemática das regras do caput, dos incisos e do § 2° do artigo conclui-se que as disposições que cuidam da multa moratória não se aplicam ao débito fiscal exigido por meio de auto de infração.

De acordo com o disposto no item 2 do parágrafo único do art. 24 da lei do ITCMD (Lei 10.705/2000) – que estabelece o desconto percentual de multa por descumprimento de dever instrumental – o pagamento de multa fixada em “auto de infração e imposição de multa” com desconto não dispensa, nem elide a aplicação dos juros de mora devidos. Como a regra não menciona a multa de mora, conclui-se que ela não deve ser exigida.

20 De fato, dispõe o art. 88 da Lei 6.374/1989:

“Art. 88 - O contribuinte que procurar a repartição fiscal, antes de qualquer procedimento do fisco, para sanar irregularidade relacionada com o cumprimento de obrigação pertinente ao imposto fica a salvo das penalidades previstas no artigo 85, desde que a irregularidade seja sanada no prazo cominado.

§ 1º - Tratando-se de infração que implique falta de pagamento do imposto, aplicam-se as disposições do artigo anterior.

. . . ”

O art. 88 trata da “denúncia espontânea”, pois “sanar irregularidade relacionada com o cumprimento de obrigação pertinente ao imposto” é declarar e recolher o imposto devido. As penalidades a que o contribuinte fica a salvo, previstas no art. 85, são sanções por descumprimento de deveres instrumentais. Se a infração implica falta de pagamento do imposto, aplicam-se as disposições do artigo 87, que cuida da incidência da multa de mora sobre o valor do imposto declarado ou transcrito pelo fisco, nos termos dos artigos 56 e 58 da lei, quando não recolhido no prazo estabelecido na legislação. Na “denúncia espontânea” para o ICMS, portanto, o contribuinte deve também recolher multa de mora sobre o valor do imposto.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. Podem ser cumuladas multas de mora e punitiva do IPVA?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6650, 15 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92904. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos