Inicialmente, cabe esclarecer que a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, encontra-se em plena vigência, conforme dispõe o art. 194. Vejamos:
Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Como se observa, a lei entrou em vigor na data de sua publicação, ocorrida em edição extra do Diário Oficial da União de 1º de abril de 2021, sem qualquer limitação quanto à sua eficácia.
Vale lembrar que a eficácia de uma norma somente pode ser limitada ou restringida mediante disposição expressa ou, como defendem alguns, no mínimo, implícita.
Dessa forma, a Lei nº 14.133/2021 é válida, vigente e eficaz, exceto no que se refere a eventuais normas que dependam de regulamentação, o que exige indicação expressa, conforme mencionado.
Ora, se a lei está vigente, pode ser aplicada. Ademais, a própria norma estabelece que:
"Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso” (art. 191).
Nesse sentido, destacamos o entendimento do autor Joel de Menezes Niebuhr em sua obra Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos:
“No entanto, repita-se que a Lei n. 14.133/2021 já entrou em vigência com a sua publicação, o que significa que desde então é permitido à Administração adotá-la. Logo, as entidades e órgãos que se sentirem preparados, estão autorizados a passar a adotar o regime novo a partir de quando entenderem conveniente. Não precisam esperar os dois anos.”
Partindo da premissa de que a Lei está em vigor e de que não se pode admitir eficácia contida ou limitada de nenhuma de suas normas sem expressa previsão legal – ainda que implícita –, é possível concluir pela possibilidade de aplicação imediata do art. 75 da Lei nº 14.133/2021, uma vez que inexiste qualquer indicação de limitação de sua vigência por qualquer motivo.
Nesse sentido, destacamos, inclusive, os comentários do ilustre autor Marçal Justen Filho em sua recentíssima obra Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei nº 14.133/2021:
“Todas as regras sobre a fase de instrução do processo licitatório, sobre a governança pública e os deveres no tocante à organização da atividade administrativa têm aplicabilidade imediata. Admite-se inclusive a aplicação imediata das normas sobre contratação direta, desde que observada a integralidade do regime da Lei 14.133/2021 sobre o processo de contratação (o que compreende inclusive a etapa preparatória).”
Destaca-se, ainda, trecho do parecer emitido por Dawilson Moreira Barcelos nos autos do Processo n.º 008.967/2021-0:
Consulta. Aplicação imediata da Lei n. 14.133/2021. Dispensa de licitação. Artigo 75, II. Possibilidade. Orientações. Contratação Direta por Dispensa de licitação. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Consulta jurídica quanto à viabilidade de aplicação do novo regramento de licitações e contratos às aquisições diretas por dispensa de licitação do TCU. Remessa à Segedam.
(...)
52. Isso posto, opinamos pela viabilidade jurídica da utilização imediata do regime contido na lei n. 14.133/2021 para as situações compreendidas nos incisos I e II do art. 75, desde que cumprido o disposto no art. 72. e atendidas as consignações registradas neste parecer.
(...)
TCU, Consultoria Jurídica, em 15 de julho de 2021.
DAWISON MOREIRA BARCELOS
Nesse sentido, a Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 75, inciso II, assim dispõe:
Art. 75. É dispensável a licitação:
(...)
II - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;
Vemos, portanto, que a Nova Lei de Licitações determina que, no caso de serviços e compras (que não envolvam obras e serviços de engenharia) com valor total de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a licitação será dispensável, considerando que o custo da contratação não justifica os gastos da Administração com o procedimento licitatório.
É consenso entre professores e doutrinadores que esses novos valores beneficiarão, e muito, a grande maioria dos órgãos públicos, que passarão a realizar licitações em uma quantidade significativamente menor.
No que concerne ao procedimento, a nova legislação estabelece, de forma clara e minuciosa, as formalidades que devem ser observadas para a realização das dispensas de licitação. Vejamos:
Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I - documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;
II - estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23. desta Lei;
III - parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;
IV - demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;
V - comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;
VI - razão da escolha do contratado;
VII - justificativa de preço;
VIII - autorização da autoridade competente.
Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.
Entende-se, portanto, que, caso a Administração opte por utilizar o limite de contratação direta estabelecido na nova legislação, deverá observar o formalismo exigido no art. 72 supra indicado.
Da leitura do art. 72, verifica-se a necessidade de regulamentação do referido dispositivo, especialmente no que concerne à realização do Estudo Técnico Preliminar, definido no inciso XX do art. 6º como:
“Documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação.”
Isso porque a expressão “se for o caso”, contida no inciso I do art. 72 da Lei nº 14.133/2021, relativiza o termo “deverá”, conferindo ao Gestor Público a análise do caso concreto para decidir pela necessidade ou não da elaboração dos Estudos Preliminares, bem como a forma de realização da estimativa de valor, conforme os §§ 1º e 2º do art. 23.
Considerando, ainda, que o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) não se encontra em pleno funcionamento, permitindo, por ora, apenas a publicação das dispensas eletrônicas por órgãos que já disponham de plataformas digitais integradas a ele, o regulamento também deverá dispor sobre a forma de publicação do ato autorizativo da contratação. Importante ressaltar que o parágrafo único do art. 72 da Lei nº 14.133/2021 estabelece que:
“O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.”
Por sua vez, o inciso LII do art. 6º da referida lei define sítio eletrônico oficial como:
“Sítio da internet certificado digitalmente por autoridade certificadora, no qual o ente federativo divulga de forma centralizada as informações e os serviços de governo digital dos seus órgãos e entidades.”
Vale destacar que, em live do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) realizada em 13/09/2021, durante o evento 1º Encontro Sebrae-SP e TCESP sobre a Nova Lei de Licitações 14.133/21, disponível no YouTube, a Dra. Maria das Graças Bigal Barbosa da Silva ressaltou a necessidade de edição de regulamento para que os órgãos públicos possam utilizar os novos limites de dispensa. Segundo a especialista, essa ferramenta será fundamental para agilizar e desburocratizar as compras públicas, além de reduzir custos, desde que sua implementação seja realizada de forma adequada e em conformidade com os novos requisitos legais.
Por todo o exposto, não se vislumbram óbices na nova legislação para a adoção da contratação direta, nos limites estabelecidos, desde que sejam observados os procedimentos indicados no art. 72 da nova lei e editado regulamento que contemple, de forma clara:
A necessidade ou não da realização do Estudo Técnico Preliminar;
A metodologia para a estimativa de valor, conforme os §§ 1º e 2º do art. 23 da Lei nº 14.133/2021; e
A forma de divulgação do ato autorizativo e do extrato do contrato, quando houver.