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Processo e responsabilidade ambiental

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05/11/2021 às 14:55
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo do direito possui séculos de história, por exemplo, remonta a sua origem preocupações com o direito penal e com o direito da propriedade. Já o direito ambiental começou a ganhar espaço – tanto academicamente, quanto na prática jurídica – a partir da segunda metade do século passado. Isso revela um grande ocaso do direito com o meio ambiente, que era então dominado por uma “visão mecanicista da razão cartesiana” (LEFF, 2004, p. 15), que constituiu as teorias econômicas vigentes ao legitimar uma falsidade, o progresso da civilização moderna.

A luta por um meio ambiente ecologicamente equilibrado, então, vem evoluindo de forma expressiva dentro dos textos normativos internacionais e pátrios a partir dos anos 60, quando se constatou a irracionalidade ecológica da economia de produção e consumo (LEFF, 2004). Essa mudança na legislação é fundamental para a proteção ambiental, pois, o direito é responsável por conter e alterar a conduta da sociedade. O instituto da responsabilidade civil é somente uma das diversas formas pela qual o direito pode influenciar o comportamento das pessoas no trato com o meio ambiente. Entretanto, como aponta Ost (1995, p. 119), a “juridicização da ecologia é ainda embrionária; quanto à ecologização do direito, incompleta e frequentemente desnaturada, ela engendra inúmeros efeitos perversos: instabilidade, hipertecnicidade e ineficácia da norma são alguns indícios”.

Buscou-se nesse artigo compreender o estatuto jurídico do bem ambiental e o instituto da responsabilidade civil ambiental, concordando com o exposto por Silveira e Grassi (2014, p. 91) quando afirmam que “as noções de meio, natureza-projeto e patrimônio, conforme formuladas pelo autor belga, constituem importantes instrumentos de reflexão acerca do papel do direito em face da interação entre ser humano e natureza”. Para então, argumentar no seguinte sentido: caso se queira adotar a visão do bem ambiental e a da responsabilidade ecológica sustentada por Ost, deve-se partir para fundamentos institucionais mais complexos (e intersubjetivos) que a esfera institucional do agir jurídico. Propõe-se que essa base institucional social para a responsabilidade ambiental e a transmissão de uma herança na forma de patrimônio ecológico pode ser encontrada na teoria de Honneth.

Logo, o desenvolvimento da responsabilidade civil ambiental representa um modo de agir que não pode ser concebido na esfera de agir do direito. Diante do fenômeno ambiental, não se pode pensar em uma responsabilidade individualista, em outras palavras, quando se fala em responsabilidade civil ambiental se deve pensar em relação ao agir ao outro ser humano. Deve-se pensar no “ser em si mesmo no outro”, que faz referência a instituições sociais, uma vez que somente práticas harmonizadas e consolidadas fazem com que os indivíduos que compartilham estas instituições possam se reconhecer reciprocamente como outros de si mesmos. E somente essa forma de reconhecimento é a que possibilita ao indivíduo implementar e realizar uma responsabilidade civil ambiental de caráter mais elevado.

Por fim, exemplificando o exposto neste artigo, o Estado de Direito Socioambiental pode ser compreendido como a instituição na qual os sujeitos podem ler, nas práticas harmonizadas de sua estrutura normativa, quais as contribuições em face da responsabilidade civil ambiental. Ou seja, esta instituição deve fornecer meios para que se realize a responsabilidade ambiental e a transmissão do patrimônio comum ecológico, pois isto é possível somente em sua comunalidade. Dentro da ótica deste artigo, o Estado de Direito Socioambiental, portanto, constitui um conceito de cunho teórico-abstrato que abrange não apenas elementos jurídicos, mas também sociais e políticos com a finalidade de construir uma responsabilidade civil ambiental capaz de elevar o agir individualizado da prática jurídica, visando a harmonia entre os ecossistemas e garantir a realização da dignidade e da liberdade do ser humano.

Além disso, é preciso romper com o perfil privado e individualista de processo. Este paradigma jurisdicional não favorece a possibilidade de se ter decisões justas e democráticas. O processo exige transgressão nas suas bases fechadas ao caráter repressivo da jurisdição, reduzida às partes individuais. “O movimento à abertura que a constitucionalização do processo imprime, pode bem mostrar o deslocamento importante do modelo de processo de perfil liberal para o modelo social, comprometido com os valores democráticos e republicanos” (SALDANHA; ESPINDOLA, 2008, p. 50-51). Uma alternativa é pensar o processo de forma democrática e constitucional, pois ele rompe com o modelo tradicional de processo individualista e possui a perspectiva deum resultado mais amplo, quando se considera os atingidos pela decisão. Além disso, acontece uma abertura da jurisdição constitucional para toda a sociedade, tudo em contrário ao fechamento democrático que as estruturas ordinárias de processo estabelecem (SALDANHA; ESPINDOLA, 2008).

Assim, é de suma importância a busca de uma jurisdição que aproxime o Estado do jurisdicionado. Afinal, o direito não é uma engrenagem, mas uma ciência que tem no elemento humano seu fim primeiro. As diferenças – e desigualdades – devem motivar a atuação do Estado e naturalmente da jurisdição. As formas de controle social do direito e da participação da comunidade, como audiência pública, agregadas a um novo olhar (agir) sobre a jurisdição do primeiro grau, com a assimilação das formas de democracia participativa, coletivizando-se as questões tratadas individualmente pelo Código de Processo podem contribuir de forma decisiva para o abandono da letargia que vitima a ciência jurídica na pós-modernidade. (MARIN, 2015, p. 239-241)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm>.

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SALDANHA, Jânia Maria Lopes. A influência do neoliberalismo sobre a jurisdição. A difícil sintonia entre eficiência e efetividade. In: MARIN, Jeferson Dytz (Coord.). Jurisdição e processo. v. 3. Curitiba: Juruá, 2009.

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STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Libraria do Advogado Editora, 2004.


Notas

[1] Importante pontuar que para o mesmo autor, em outro estudo, “muito embora a Constituição brasileira não utilize a expressão patrimônio comum ecológico, ou outra equivalente, o contexto constitucional é perfeitamente coerente com esta noção, a qual Ost pretende retomar em sua Filosofia da natureza e do Direito, e que guarda grandes possibilidades interpretativas”. Concorda-se, neste artigo, com este estudo, que o texto constitucional é coerente com a teoria firmada por Ost.

[2] “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

[3] “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

[4] “Art. 927. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

[5] Artigo 14, § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

[6] A função preventiva era apenas vislumbrada a partir da constatação de que a facilitação para a atribuição da responsabilidade sem a necessidade de comprovação de culpa apresentava uma advertência às condutas arriscadas e um estímulo para aquelas consideradas seguras (CARVALHO, 2008, p. 76).

[7] “O patrimônio inscreve-se, simultaneamente numa lógica pecuniária e numa racionalidade simbólica; ele surge, simultaneamente alienável e inalienável, dentro e fora de comércio, consoante o considerarmos sob o ângulo do conteúdo ou do continente, do parcial ou do global. Ele produz-se como um feixe de interesses, mas também como um conjunto de encargos, respondendo uns aos outros; ele implica, ao mesmo tempo, ser protegido e gerido, conservado e administrado; ele acomoda-se à sobreposição num mesmo espaço de diversas prerrogativas distintas, remetendo para utilizações e titulares diferentes – o patrimônio, diremos, é como um nimbo, lançado em nome do interesse geral, sobre bens e coisas, relevando ora da propriedade privada, ora do domínio público, ora da soberania nacional, ora do regime internacional.” (OST, 1995, p. 354).

[8] Concepção desenvolvida por Castanheiras Neves e aderida por Ovídio Baptista da Silva e Jânia Saldanha, segundo Marin (2015, p. 42).

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Sobre o autor
César Augusto Cichelero

Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL). Doutorando em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com bolsa CAPES. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2018), com bolsa CAPES e integrando o grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2016), com bolsa PIBIC/CNPq e integrando o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas Sociais (NEPPPS). Advogado e colunista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CICHELERO, César Augusto. Processo e responsabilidade ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6701, 5 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93805. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Publicado originalmente em: https://www.editorafi.org/232direito

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