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Princípios da pureza metodológica da teoria pura do direito de Hans Kelsen

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30/10/2021 às 15:25
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NOTAS

[1] “Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe a garantir um conhecimento apenas dirigido ao direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental” (KELSEN, 2003, p. 1).

[2]  “A teoria pura do direito a qual apresenta o direito como ele é, sem legitimá-lo como justo ou desqualificá-lo como injusto; ela é a indagação do real e do possível, e não do direito justo” (KELSEN, 2011, p. 81).

[3] Para Kelsen (2005, p. 08) o “conceito de direito não tem quaisquer conotação moral. Ele designa uma técnica específica de organização social”. O direito como “ordem jurídica” não se qualifica como uma ordem justa ou boa. “Existem ordens jurídicas que, a partir de certo ponto de vista, são injustas. Direito e justiça são dois conceitos diferentes. O direito, considerado como distinto da justiça, é direito positivo. (...) A ciência do direito positivo deve ser claramente distinguida de uma filosofia da justiça.” 

[4] Entendemos que o princípio da neutralidade caiu por terra em meados do século XX com os trabalhos de Werner Heisenberg (1927, p. 174-175) e Thomas Kuhn (1970). O primeiro liquida esse princípio ao formular o princípio da incerteza no âmbito da física quântica, já o segundo inviabiliza o referido princípio em razão da sua noção filosófica de “paradigma”. 

[5] “As modernas ordens jurídicas também contêm, por vezes, normas através das quais são previstas recompensas para determinados serviços, como títulos e condecorações [sanção positiva]. Estas, porém, não constituem característica comum a todas as ordens sociais a que chamamos Direito nem nota distintiva da função essencial destas ordens sociais. Desempenham apenas um papel inteiramente subalterno dentro destes sistemas que funcionam como ordens de coação [sanção negativa]” (KELSEN, 2003, p. 37).

[6] Segundo Kelsen o “desejo de evitar a sanção intervém como motivo na produção desta conduta, deve responder-se que esta motivação constitui apenas uma função possível e não uma função necessária do Direito, que a conduta conforme o Direito, que é a conduta prescrita, também pode ser provocada por outros motivos e, de fato, é muito frequentemente, provocada também por outros motivos, como sejam as ideias religiosas ou morais” (KELSEN, 2003, p. 38).

[7] Um bom exemplo disso é o procedimento de análise de validade das normas jurídicas chamado Controle de Constitucionalidade, como veremos a seguir. 

[8] Por que Hans Kelsen, na sua TPD, considera apropriado à ciência do direito o modelo de vigência e o modelo de eficácia da norma jurídica, mas lhe nega o modelo de validade axiológico? Ao cumprir a agenda proposta pelo positivismo científico, Kelsen parece entender que é possível realizar um estudo científico (estudo objetivo) do direito ao identificar a sua metodologia, ao descrever o conteúdo linguístico (conceitos científicos) e lógico das sentenças jurídicas (relações lógicas existentes entre as normas jurídicas); e abordar os fatos de cumprimento ou não das normas jurídicas de modo descritivo (por exemplo, como dados estatísticos: 70\% dos agentes cumprem a lei e 30\% não a cumprem). Para Kelsen, na seara dos valores só é possível realizar uma compreensão subjetiva do direito (uma leitura não científica do direito), uma vez que acredita que a validade axiológica é proveniente de um relativismo ético. Vide nota 11.

[9]  “[A] norma fundamental é aquela norma que é pressuposta quando o costume, através do qual a Constituição surgiu, ou quando o ato constituinte (produtor da Constituição) posto conscientemente por determinados indivíduos são objetivamente interpretados como fatos produtores de normas; quando -- no último caso -- o indivíduo ou a assembleia de indivíduos que instituíram a Constituição sobre a qual a ordem jurídica assenta são considerados como autoridade legislativa. Neste sentido, a norma fundamental é a instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como constituição no sentido lógico--jurídico, para a distinguir da Constituição em sentido jurídico-positivo. Ela é o ponto de partida de um processo: do processo da criação do direito positivo. Ela própria não é uma norma posta, posta pelo costume ou pelo ato de um órgão jurídico, não é uma norma positiva, mas uma norma pressuposta, na medida em que a instância constituinte é considerada como a mais elevada autoridade e por isso não pode ser havida como recebendo o poder constituinte através de uma outra norma, posta por uma autoridade superior“ (KELSEN, 2003, p. 221). 

[10] Lembremos de Kant (2008, p. 657): ``Por sistema entendo a unidade das formas diversas do conhecimento sob uma única ideia'' (Crítica da Razão Pura, A 832/B 860).

[11] Eis um bom exemplo de modelo de validade axiológico. 

[12] Nesse sentido, vide já a distinção aristotélica entre justo particular corretivo e justo particular distributivo contida no livro V do tratado Ética à Nicômaco.

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[13] Muitas políticas públicas têm como fundamento essa lógica da igualdade material, tal como é o caso do programa da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc) chamado “Bolsa família”, que contribui para o combate à pobreza no Brasil. O Programa Bolsa Família atende às famílias que vivem em situação de pobreza e de extrema pobreza. Pode participar do Bolsa Família a família com renda por pessoa, até o presente momento, de até R$ 89,00 mensais; e famílias com renda por pessoa entre R$ 89,01 e R$ 178,00 mensais, desde que tenham crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos. A regra de proporcionalidade de promoção da distribuição equitativa, nesse caso, e a da hipossuficiência.  


REFERÊNCIAS  

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Tradução María Araujo y Julían Marías. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. 

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. v. 2. Tradução Gabriel Galache e Fidel Garcia. São Paulo: Edições Loyola, 2001. 

ALVES, Rubens. Filosofia da Ciência. Introdução ao Jogos e a suas Regras. São Paulo: Loyola, 2010. 

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução Manuela Pinto dos Santos. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008. 

KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 

KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução Luís C. Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 

KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. Trad. Cretella Jr e Agnes Cretella. São Paulo: RT, 2011. 

KUHN, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: The University Chicago, 1970.  

HEISENBERG, W. Ueber den anschaulichen Inhalt der quantentheoretischen Kinematik and Mechanik. Zeitschrift für Physik, 43, 1927: p. 172-198. 

RABENROST, Eduardo.  Ser e do Dever Ser na Teoria Kelseneana do Direito. Revista Direito   e Liberdade. Vol. 1, n.1, p. 119 –130, 2005. 

HÖFFE, O.  Justiça Política. Tradução Ernildo Stein. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 

SORAES, R. Maurício. Direito e Princípios Constitucionais. Salvador: Juspodium, 2008. 

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Sobre o autor
Rodrigo Costa Ferreira

Professor Adjunto de Filosofia e Teoria do Direito na UFRN (CERES) e na UEPB (CCJ). Professor convidado na ESMA-TJPB. Mestre em lógica pela UFPB. Doutor em Filosofia Analítica pela UFPB-UFPE-UFRN. Líder do grupo de pesquisa JUDITE- JUstiça, DIreito e TEcnologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Costa. Princípios da pureza metodológica da teoria pura do direito de Hans Kelsen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6695, 30 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94204. Acesso em: 3 mai. 2024.

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