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A guerra fiscal e a dicotomia entre a proposta de Súmula Vinculante nº 69 e a ADPF nº 198

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27/10/2021 às 15:40
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É legítima a solicitação de muitos Estados no sentido de se sobrestar a tramitação da proposta de Súmula Vinculante 69, até que seja definitivamente julgada a ADPF 198 pelo STF.

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo discutir os impactos socioeconômicos da chamada guerra fiscal em cada Estado da Federação e as formas de controle na concessão de incentivos fiscais de ICMS, em especial no que se refere à exigência de autorização unânime dos Estados, no âmbito do Confaz. Nessa análise, aborda-se o controle de constitucionalidade em sede de controle concentrado exercido pelo Supremo Tribunal Federal e a polêmica Proposta de Súmula Vinculante nº 69, elaborada pelo próprio STF, ao mesmo tempo em que se encontra pendente de julgamento a ADPF nº 198, por meio da qual se discute, justamente, a constitucionalidade do dispositivo da Lei Complementar nº 24/75 que prevê a deliberação unânime dos Estados, em sede do Confaz, como requisito para concessão de incentivos fiscais de ICMS.

Palavras-chave: ICMS. Guerra fiscal. Proposta de Súmula Vinculante nº 69. ADPF nº 198.


Introdução

Os incentivos fiscais, quando bem empregados, são instrumentos imprescindíveis na promoção do desenvolvimento regional.

No exercício de sua autonomia financeira, é natural que haja disputa de investimentos entre os Estados, o que, de fato, pode gerar crescimento econômico para a região incentivada, e, consequentemente, trazer benefícios para a população a população local, desde que praticada com a observância dos dispositivos constitucionais de preservação da Federação, a exemplo da regra de concessão de benefícios fiscais de ICMS mediante convênio entre os Estados (art. 155, § 2º, XII, g).

Do contrário, a partir de uma prática desmedida e generalizada de atração de investimentos privados mediante concessão de incentivos fiscais de ICMS à revelia do Confaz, instalar-se-ia uma verdadeira guerra fiscal, resultando em efeitos nefastos não só ao pacto federativo, mas também às finanças públicas, à livre concorrência e, por conseguinte, ao mercado interno.

Na prática, ante a ausência de um controle efetivo na concessão dos incentivos fiscais, é justamente o que ocorre. A malversação do ICMS como instrumento de política fiscal para a atração de investimentos privados é a regra.

Assim, diante da multiplicação de processos relativos a atos normativos concedendo incentivos fiscais unilateralmente, apesar da consolidada jurisprudência no sentido de sua inconstitucionalidade, o STF, visando inibir essa prática reiterada, encaminhou a proposta de Súmula Vinculante nº 69, cujo teor torna ilegítima qualquer prática de concessão de benefício fiscal sem convênio prévio.

Em que pese a pertinência da preocupação do Ministro Gilmar Mendes, autor da proposta, é razoável que, antes da aprovação da mencionada súmula, promova-se um juízo de ponderação e se reflita acerca das eventuais consequências de sua aprovação, em especial frente aos questionamentos trazidos pela ADPF nº 198, ainda pendente de julgamento, em que se questiona a constitucionalidade da previsão de unanimidade nas deliberações no âmbito do Confaz, como pressuposto para a legítima concessão de incentivos fiscais de ICMS.

É o que se busca, ainda que de maneira despretensiosa, neste breve estudo.

Desenvolvimento

A prática da concessão do incentivo fiscal consiste no desenvolvimento do próprio Estado. Abdica-se do ingresso de recursos imediatos com o objetivo de estimular a prosperidade em determinada região.

Quando da intervenção estatal mediante a concessão de incentivo fiscal, deve-se avaliar se, de fato, essa ferramenta se revela como a mais adequada, tanto do ponto de vista de possíveis distorções da concorrência, quanto da gestão das finanças públicas.

A compatibilização do desenvolvimento regional e da livre concorrência torna-se um pouco mais complexa nos incentivos fiscais de ICMS, uma vez que se trata de tributo de característica marcadamente nacional[1], que deveria, portanto, encontrar-se na competência tributária do ente federal[2], a fim de evitarem-se quais quaisquer conflitos entre os entes subnacionais.

Nesse particular, destaca-se o fato de que na grande maioria dos sistemas tributários de outros países, o ICMS se encontra inserido no imposto sobre o valor agregado (ou adicionado) IVA, sempre nacional.

No Brasil, como bem destaca Ricardo Alexandre, no afã de dividir tão importante tributo entre todos os entes federativos, o legislador constituinte criou três importantes impostos que, em grande parte do mundo, reúnem-se em apenas um. Assim, ao lado do ICMS estadual, criaram-se o IPI federal e o ISSQN municipal[3].

É indiscutível, no entanto, que dentre as parcelas não nacionais do IVA, a possibilidade de guerra fiscal surge com toda a sua força no que diz respeito ao ICMS, o grande arrecadador nacional.

Na busca de investimentos, os Estados instalam um verdadeiro leilão de vantagens, por meio do qual cada ente da Federação engendra uma sistemática de forma a tornar-se mais atrativo para o investidor privado.

As técnicas de investimentos são as mais diversas[4]: a) diferimento de ICMS (na importação, na aquisição interna de insumos, na aquisição de bens para o ativo fixo); b) financiamento do ICMS devido; c) redução do ICMS financiado; d) participação acionário do Estado; e) crédito presumido do ICMS; f) redução unilateral da base de cálculo; g) financiamento de terrenos e infraestruturas etc.

Assim, a fim de evitar que se estabeleça esse leilão de vantagens entre os entes federados, desencadeando uma guerra em que poucos ganham e quase todos perdem, a própria Constituição estabeleceu algumas regras a fim de harmonizá-lo na Federação.

Nas palavras de Ruy Barbosa Nogueira, para se evitar esta guerra tributária entre os Estados-membros e considerando também que a intervenção do Estado no domínio econômico é tarefa precípua do poder central, foram tomadas todas as providências para que o ICMS fosse um imposto neutro[5].

Nesse contexto, com vistas a inibir a guerra fiscal entre os Estados, foi editada a Lei Complementar n. 24, de 7 de janeiro de 1975, demandando celebração de convênio pelos Estados no âmbito do Confaz para autorizá-los a conceder quaisquer espécies de benefícios fiscais em matéria de ICMS:

Posteriormente, com o advento da Constituição de 1988, a Lei Complementar n. 24/75 foi recepcionada, como efeito das cláusulas de recepção previstas no art. 34, §§ 3º, 4º, 5º dos ADCT, ainda que parte da doutrina[6], minoritariamente, sustente que o art. 1º, IV, quando se refere aos benefícios ou favores financeiros, não teria sido recepcionado, indicando como fundamento o art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição de 1988, que se refere apenas aos incentivos e benefícios fiscais.

Em seu art. 2º, a Lei Complementar 24/75 remete ao Conselho Fazendário (Confaz), a necessidade de aprovação de qualquer política extrafiscal que implique a redução ou qualquer outra forma de desoneração do contribuinte em relação ao ICMS, que, por sua vez, deve ser deliberada por unanimidade dos entes federados ali representados.

Como bem destaca o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto na ADI 3936,

é evidente que essa preocupação, ao restar positivada, demonstra o zelo do legislador constituinte com os equilíbrios financeiro e político inerentes ao pacto federativo. O federalismo opõe certas condicionantes à atuação dos entes federados de forma a preservar a sua harmonia e eficiência.

Essa previsão de unanimidade das deliberações dos entes como pressuposto para a concessão de incentivos fiscais é tema que gera muita polêmica na doutrina.

De um lado, autores como Paulo de Barros Carvalho posicionam-se pelo fim da unanimidade nas deliberações, por se tratar de um desencontro com os princípios democráticos e da proporcionalidade. Nesse sentido, há, inclusive, propostas legislativas[7] em trâmite no Congresso Nacional com vistas a extirpar a exigência de unanimidade.

Por outro lado, outra parte da doutrina considera razoável a exigência de unanimidade dos Estados para a concessão de incentivos fiscais, sob o argumento de que, se porventura fosse exigida apenas votação por maioria, alguns dos Estados da Federação poderiam reunir-se para conceder incentivos fiscais a um ou a algum deles com vistas a exterminar o mercado interno de outro ente federado.

Seguindo essa linha, Ives Gandra da Silva Martins considera, inclusive, que

o sistema federativo poderia restar modificado e sensivelmente desfigurado, passando a ser apenas formalmente federativo, se emendas constitucionais reduzissem a expressão quase nenhuma a autonomia política, financeira ou administrativa das unidades federativas.

E o autor complementar ao afirmar que

na autonomia financeira dos Estados, é o ICMS a sua fonte de receita, tributo cuja a estadualização implica a existência de regras na Lei Suprema destinada a evitar que os Estados sejam privados do direito de dirigir suas políticas regionais, ou que sejam pressionados a concederem benefícios por autênticos leilões provocados por investidores que escolhem o local de sua instalação em função dos benefícios que este ou aquele Estado lhes ofereçam.[8]

Não obstante a posição de Ives Gandra da Silva Martins em prol da unanimidade das deliberações para concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, não se vislumbra o status de cláusula pétrea a tal preceito.

De acordo com as lições de Antônio Roberto Sampaio Dória[9], nem mesmo a supressão da competência tributária dos Estados em matéria de ICMS configuraria medida tenente a abolir a forma federativa de Estado, na medida em que a autonomia financeira do ente pode ser conferida de diferentes modos.

Portanto, a mera modificação de procedimento para concessão de incentivos fiscais de ICMS não estaria a configurar qualquer vulneração do pacto federativo e da livre concorrência.

No entanto, enquanto não aprovada alterações na LC 24/75, a exemplo do que propõe o PL n. 85/2011, permanece válida a exigência de unanimidade para a aprovação de incentivos de ICMS.

Ainda assim, ante a ausência de quaisquer sanções ao descumprimento da previsão legal, os Estado, indiscriminadamente, concedem seus incentivos à revelia do Confaz, gerando toda sorte de efeitos deletérios à concorrência e às finanças públicas.

Dados os deletérios efeitos tributários, financeiros e econômicos da guerra fiscal, os Estados ditos prejudicados pela concessão de incentivos fiscais unilaterais insurgiram-se contra tal prática, principalmente por meio da propositura de inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidades.

Da jurisprudência do STF, contata-se que a concessão de incentivos fiscais unilaterais é prática antiga e rotineira de todos os Estados, apesar da consolidada jurisprudência no sentido de sua inconstitucionalidade.

Inclusive, em mapeamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade[10], observa-se que constitui estratégia processual dos Estados, por ocasião da véspera do julgamento, proceder à revogação dos atos normativos, o que enseja a perda do objeto da ação, editando-se, de modo imediato, outro ato normativo com o mesmo conteúdo.

Um exemplo claro dessa prática ocorreu com o Estado de São Paulo que, quando do julgamento das ADIs n. 2.429 e 2.430-PR, ajuizadas em face do Decreto Estadual n. 45.290/2000 (RICMS), que previa hipóteses de diferimento, redução de alíquota, base de cálculo e créditos presumidos do ICMS à revelia do Confaz, revogou tais benefícios por meio do Decreto n. 51.512/07. Ato seguinte, protocolizou petição perante o STF, comunicando tal fato e, como resposta, este, automaticamente, retirou as ações de sua pauta, julgando-as prejudicadas por perda superveniente de objeto, em atendimento ao consolidado entendimento jurisprudencial.

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Nesse contexto, e a partir de reiteradas decisões do STF declarando a inconstitucionalidade de incentivos fiscais de ICMS concedidos à revelia do Confaz, foi apresentada, em abril de 2012, por iniciativa do Ministro Gilmar Mendes, a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) n. 69, com o seguinte teor:

qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação de convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional.

Conferida oportunidade de manifestação aos interessados na PSV n. 69, estes, em sua maioria, sustentaram pela impropriedade da proposta e, subsidiariamente, pela modulação dos efeitos da súmula.

Inclusive, recentemente, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal apresentou parecer ao STF contrário à aprovação da súmula vinculante n. 69, que terá profundo impacto sobre o equilíbrio federativo, bem como sobre as finanças estaduais e das empresas que usufruíram dos benefícios fiscais.

Em que pese a louvável ratio dessa Proposta de Súmula Vinculante n. 69, visando equacionar de maneira mais célere as problemáticas envolvendo a guerra fiscal de ICMS, as críticas sofridas por essa proposta são carreadas, em grande parte, pelo disposto na legislação ainda vigente, disposta no § 2º, do art. 2º da Lei Complementar nº 24/75, que exige prévia aprovação de convênio, por unanimidade, pelo Confaz.

A exigência da mencionada unanimidade é polêmica e gera inúmeras discussões políticas, econômicas e doutrinárias, sendo, inclusive objeto de questionamento por meio da APDF nº 198.

Proposta em agosto de 2009, encontra-se em tramitação no STF a ADPF n. 198 DF que questiona a constitucionalidade da exigência de decisão unânime para a aprovação dos benefícios fiscais de ICMS, a partir dos seguintes fundamentos: i)Violação ao princípio democrático, inscrito no Preâmbulo e no art. 1º da Constituição Federal, por desconsiderar a vontade da maioria. Nesse sentido, pondera que a Constituição Federal não exige a unanimidade para a aprovação de quaisquer dos diplomas legais que compõem o processo legislativo, sendo possível a revogação da própria Lei Complementar nº 24/75 por maioria absoluta; ii) Violação ao princípio federativo, porque interferem na autonomia dos Estados-membros, conferindo mais poderes a um ente federativo que aos demais, haja vista a possibilidade de uma única manifestação contrária à concessão do benefício sobressair-se à vontade dos outros; iii) Violação ao princípio da proporcionalidade, ao argumento de que a exigência de unanimidade não é adequada ao alcance da finalidade a que se propõe, qual seja, o desestímulo à guerra fiscal. Nessa linha, aduz que a referida unanimidade não é necessária nem razoável, pois a eficácia da norma seria igualmente alcançada na hipótese de se consagrar a vontade da maioria.

Quanto à alegação de violação do princípio democrático, a doutrina pátria que faz coro à tese de inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da Lei Complementar n. 24/75, destaca que a exigência de unanimidade não existe nem mesmo para alterar a Constituição Federal, vez que as propostas de emenda constitucional devem ser aprovadas por 3/5 dos votos dos membros do Congresso Nacional e todo o restante do processo legislativo possui regras de aprovação inferiores a essa proporção de 3/5, sendo a regra geral a de metade mais um dos membros das Casas Legislativas (art. 47 da Constituição Federal). Mesmo a aprovação das Súmulas Vinculantes pelo STF exige a concordância de apenas 2/3 de seus membros (art. 103-A, caput, da Constituição Federal).

Doutrinadores como Fernando Facury Scaff[11], chegam a afirmar que a exigência da unanimidade decisória no Confaz representa um resquício do sistema autoritário do regime militar, que deveria ter sido encerrado normativamente com o advento da Constituição Federal de 1988.

Roberta Kaufmann[12] esclarece que a prevalecer o requisito da unanimidade nas deliberações do CONFAZ, subverter-se-á a ideia majoritária pelo reconhecimento da ditadura da minoria, quando a vontade de um único membro passa a ter supremacia.

Nesse particular, o fim da exigência de unanimidade para a aprovação, pelo Confaz, de programas estaduais de incentivo de ICMS está em discussão no Congresso Nacional, conforme propõe A Emenda Substitutiva ao Projeto de Lei Complementar n. 130/2014, de autoria do Senador Luiz Henrique.

Conclusão

O fenômeno da guerra fiscal, isto é, de conflito de competências tributárias entre os entes políticos na busca de investimentos, é, Indubitavelmente, um dos mais tormentosos problemas político-constitucionais da atualidade.

A disputa de investimentos entre os Estados, no exercício de sua autonomia financeira, é salutar aos Estados, considerando que pode aumentar o bem-estar dos cidadãos, desde que praticada com a observância da Constituição, que dispõe de mecanismo de preservação da Federação, a exemplo da exigência de convênio para a concessão de incentivos de ICMS (art. 155, §2º, XII, g), das atribuições do Senado Federal em matéria tributária e do próprio mecanismo de controle de constitucionalidade, consectário da supremacia da norma constitucional.

Ocorre que, no mais das vezes, a estratégia desenvolvimentista empreendida pelos Estados da Federação ignora quaisquer postulados ético-fiscais. Os ardis expedientes adotados em sede material alcançam a esfera processual, não havendo, assim, qualquer moral por parte dos Estados, que se julgam prejudicados ao questionarem os benefícios fiscais unilaterais.

Um claro exemplo desses arranjos normativos engendrados para concessão de benefícios fiscais a empresas em geral ou a segmentos econômicos específicos com o propósito de atrair investimentos para os respectivos territórios, é a estratégia processual dos Estados que, às vésperas do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas em face de leis que concedem benefícios fiscais à revelia do Confaz, procedem à revogação dos atos normativos, o que enseja a perda do objeto da ação, editando, em seguida, outro ato normativo com o mesmo conteúdo.

Muito disso se deve ao fato inexistir quaisquer sanções ao descumprimento da previsão legal, os Estados, indiscriminadamente, concedem seus incentivos à revelia do Confaz, gerando toda sorte de efeitos prejudiciais às finanças públicas.

Diante desse quadro, é compreensível a preocupação do STF em ver suas decisões serem respeitadas, sem manobras ou estratégias processuais do entes no intento de burlar os efeitos erga omnes e vinculantes de suas decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade concentrado, o que resultou na proposta da súmula vinculante n. 69, vez que, se por ventura aprovada, nos termos da redação proposta, quaisquer desonerações concedidas ter-se-ão por nulas, o que ocasionará a cobrança do tributo que deixou de ser arrecadado.

Assim, na hipótese de vingar a proposta da Súmula Vinculante nº 69, o Estado lesado com a outorga unilateral de benefícios fiscais terá um caminho mais simples e célere para resolver a questão, qual seja, poderá valer-se da Reclamação direta ao STF, arguindo desobediência à referida súmula.

No entanto, em que pese a pertinência dos fundamentos que levaram à propositura da mencionada súmula vinculante, não se pode olvidar que, concomitantemente, perante o próprio STF, encontra-se em curso a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 198, ajuizada pelo Governador do Distrito Federal, com pedido liminar em face do artigo da Lei Complementar nº 24/75 que prevê a deliberação unânime dos Estados em sede do Confaz para a concessão de incentivos fiscais do ICMS.

O Governador Distrital atribui ao dispositivo a pecha da inconstitucionalidade por violar o princípio democrático em que as decisões são tomadas pela maioria. Dada a sua enorme repercussão, A Federação das Indústrias dos Estados do Mato Grosso, Goiás, Paraíba, Mato Grosso do Sul e São Paulo ingressaram com pedidos de amicus curiae, que foram deferidos.

Com o justificado receio de verem suas leis declaradas inconstitucionais a qualquer momento, há grande mobilização entre os Estados da Federação com vistas a convalidar perante o Confaz os incentivos unilaterais ainda não declarados inconstitucionais.

Esse quadro atual vem gerando grande insegurança não apenas para os entes federados, mas, principalmente, para os contribuintes beneficiados pelos incentivos do ICMS, que se veem na iminência de serem cobrados pelos créditos tributários resultantes da invalidação, pelo STF, das normas de concessão das benesses fiscais.

Assim sendo, mostra-se legítima a solicitação de muitos Estados intervenientes, no sentido de se sobrestar o procedimento de aprovação da proposta de Súmula Vinculante nº 69, até que seja definitivamente julgada a ADPF nº 198 pelo STF.

Ao STF, como guardião da Constituição, é dado harmonizar a necessária celeridade no enfrentamento da questão com exames mais atentos dos propósitos econômicos e sociais das normas tributárias indutoras, sob pena de, ao adotar soluções generalistas, atentar-se contra um ato anterior praticado pelo Estado (venire contra factum próprio), o que implicaria violação frontal ao princípio da boa-fé objetiva que prescreve tanto ao particular, quanto mais ao Poder Público, num dever de colaboração e retidão.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Renan Oliveira Rainho. A guerra fiscal e a dicotomia entre a proposta de Súmula Vinculante nº 69 e a ADPF nº 198. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6692, 27 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94375. Acesso em: 2 nov. 2024.

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