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Jurisprudência defensiva ou deficiência do recurso especial?

30/10/2021 às 14:50
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Por que tantos recursos são barrados no STJ?

Não são poucas as petições de recurso especial que deixam de ser conhecidas no Superior Tribunal de Justiça em razão da aplicação de óbices sumulares, os quais têm recebido, com certo tom de indignação por parte dos advogados, a pecha de jurisprudência defensiva.

O Recurso Especial, quando é admitido na origem, recebe um segundo juízo de admissibilidade realizado pelo STJ, que pode rever e modificar tal decisão, tendo em vista que a ela não se vincula.[2]

É exatamente aí onde surge a contenda. Isso porque os advogados acreditam que, uma vez tendo sido admitido na origem o seu recurso especial, ele também ultrapassará o juízo de admissibilidade no âmbito da Corte Superior, e quando esta deixa de conhecê-lo, ou a ele nega provimento com base na aplicação de súmulas, os causídicos entram em desespero.

Ocorre que algumas reflexões devem ser feitas. Não se discorrerá aqui sobre os conceitos de requisitos extrínsecos e intrínsecos do recurso, porque o viés do presente artigo é a objetividade e a praticidade.

A experiência vivenciada no STJ quanto à análise da admissibilidade dos recursos aponta para uma expertise cada vez mais acurada dos analistas processuais e até mesmo dos ministros, que, ao bater os olhos na peça, já conseguem identificar de plano, se ela está apta ou não para ter o mérito analisado.

Assim, por se tratar de recurso de fundamentação vinculada às estritas hipóteses do art. 105, III, da Constituição Federal, o expediente exige do advogado um ônus argumentativo que permita ao analista identificar com facilidade o cumprimento dos requisitos de admissibilidade do recurso. Não pode o causídico esperar que a Corte Superior conheça de seu apelo nobre sem que ele tenha levado ao Tribunal de origem o exame da matéria em sede de apelação ou de agravo de instrumento, por exemplo, efetivando assim o necessário prequestionamento, e afastando a aplicação analógica das Súmulas 282 e 356/STF.

Cumpre ressaltar que para que ocorra o prequestionamento, não basta que a parte afirme que redigiu em seu recurso a matéria que deveria ser examinada pelo Tribunal de origem, sendo que, caso a Corte local não se manifeste sobre tal matéria, deve o recorrente opor embargos de declaração para provocar o exame pelo órgão julgador colegiado, e se mesmo assim ele ficar silente, o recorrente deve apontar violação ao art. 1.022, do CPC/2015 em preliminar de seu recurso especial (prequestionamento ficto), sob pena de aplicação da Súmula 211/STJ.

Para afastar a incidência da Súmula 7/STJ, a parte deve demonstrar que a modificação do acórdão recorrido não demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, não sendo suficiente alegar que sua pretensão prescinde de tal reexame, ou que se trata apenas de valoração das provas, sendo antes necessário, apontar-se os dispositivos de lei federal violados (não pode ser norma local, nem violação de súmula), seguidos de necessária conexão dialética entre o teor dos artigos, e os trechos do acórdão recorrido que a eles nega vigência, indicando-se, preferencialmente, jurisprudência do STJ que respalde as suas afirmações. O mesmo se aplica quanto ao óbice da Súmula 5/STJ, que não raras vezes é usado em conjunto com a Súmula 7.

Uma coisa que é básica, mas que muitos advogados ainda se equivocam é quanto ao conceito de decisão de última instância. Tal decisão, para fins de interposição do RESp não pode ser monocrática, sob pena de incidência analógica da Súmula 281/STF. Caso o relator na origem decida monocraticamente a apelação ou agravo de instrumento, o advogado deve interpor o agravo interno para que a questão seja levada ao órgão colegiado, sob pena de não conhecimento do apelo excepcional. Note-se que mesmo quando o órgão colegiado aprecia Embargos de Declaração opostos contra decisão monocrática, aquele não examina a controvérsia, mas apenas afere a presença ou não de um dos vícios indicados no art. 1.022, I e II, do CPC/2015. Por conseguinte, o fato de existir decisão colegiada não impede a subsequente interposição de agravo interno, este sim, apto a levar ao órgão coletivo o exame da questão controvertida (AgInt no REsp 1.919.260/PB, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Primeira Turma, DJe 24/6/2021).

O RESp deve apontar qual é a sua hipótese de cabimento (alínea do permissivo constitucional em que ele se funda), bem como quais os dispositivos de lei federal que foram violados pelo acórdão recorrido, ainda que ele seja interposto apenas com base em divergência jurisprudencial, sob pena de aplicação analógica da Súmula 284/STF por deficiência de fundamentação. A mesma Súmula se aplica quando a parte, apesar de dizer quais são os artigos violados, não demonstra fundamentadamente em que ponto houve o malferimento. Isso também ocorre quando a divergência jurisprudencial não é demonstrada através de citação de trechos do acórdão recorrido e do julgado paradigma, que em tese, respaldaria o recurso (cotejo analítico). Nesse sentido a jurisprudência do STJ é bem clara, e autoexplicativa, bastando uma simples consulta para saber como se demostra o dissídio jurisprudencial. A parte deve também citar o repositório oficial de jurisprudência de onde tirou os paradigmas.

Se houver mais de um fundamento no acórdão recorrido, suficiente para mantê-lo, a parte recorrente deverá impugná-lo especificamente, sob pena de aplicação analógica da Súmula 283/STF. Na dúvida, o ideal é impugnar cada fundamento do acórdão. E se o acórdão se funda também em premissa constitucional, como a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais etc., deve a parte interpor Recurso Extraordinário concomitantemente ao Resp, sob pena de incidência da Súmula 126/STJ.

Para evitar a aplicação da Súmula 83/STJ, a parte deve demonstrar que o acórdão recorrido diverge da jurisprudência mais atual e contemporânea da Corte, indicando, inclusive, que o STJ modificou a jurisprudência em que se baseou o acórdão recorrido.

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Não há como esgotar-se neste artigo as várias outras peculiaridades da admissibilidade do RESp, e por isso, preferiu-se indicar os principais óbices sumulares que normalmente impedem o exame do seu mérito, indicando-se também algumas maneiras de afastá-los ou evitá-los (sem pretensão de tê-las como absolutas).

Destarte o termo jurisprudência defensiva não é muito apropriado. Isso porque quem atua em uma Corte Superior deve, para além de arcar com o seu ônus argumentativo, estar atento à regularidade formal do recurso, a fim de que ele ultrapasse o juízo de admissibilidade e tenha o mérito apreciado. O CPC/2015 não desprezou a análise de admissibilidade recursal para que o mérito fosse examinado a qualquer custo.

Está sedimentado na jurisprudência desta Corte o entendimento de que a decisão de admissibilidade ou certidão de tempestividade oriundas do Tribunal a quo não vincula o Superior Tribunal de Justiça, que tem a incumbência indelegável de rever o juízo de admissibilidade do recurso especial, assim submetido a duplo controle.

STJ. Corte Especial. AgInt nos EDcl nos EAREsp 1.600.923/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, publicado no DJe 1/7/2021.

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Sobre o autor
Leonis de Oliveira Queiroz

Mestre em Regulação e Políticas Públicas (Universidade de Brasília - UNB). Pós-graduado em Direito Público. Graduado em Direito e em Segurança da Informação. Ex- Conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal COPEN/DF. Servidor do Superior Tribunal de Justiça (ex-assessor da Presidência). Advogado licenciado. Autor de livro e diversos artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Leonis Oliveira. Jurisprudência defensiva ou deficiência do recurso especial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6695, 30 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94436. Acesso em: 21 dez. 2024.

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