Capa da publicação O credenciamento e inseguranças nos processos de contratação direta (Lei 14.133/2021)
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O credenciamento e a Lei n. 14.133/2021

A positivação do credenciamento e a minimização das inseguranças nos processos de contratação direta por inexigibilidade de licitação

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14/12/2021 às 18:10

Resumo:


  • A Lei nº 8.666/1993 regulamentou as licitações e contratos públicos por quase 27 anos, sendo substituída pela Lei nº 14.133/2021.

  • O Credenciamento, não detalhado na lei anterior, foi amplamente utilizado com base em interpretações jurisprudenciais e doutrinárias para casos de inexigibilidade de licitação.

  • A nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021) trouxe previsões expressas sobre o Credenciamento, estabelecendo conceito, natureza, hipóteses de aplicação e requisitos para sua utilização.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O advento da Lei 14.133/2021 positivou o instituto do credenciamento e minimizou as inseguranças havidas nos tribunais de contas.

Introdução

A lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993 vigorou com exclusividade por aproximadamente 27 anos no cenário nacional. O seu propósito, explícito em sua ementa, é essencialmente o de instituir normas para licitações e contratos da Administração Pública. A sua edição reside na necessidade de regulamentação de dispositivos constitucionais que tratam de licitações e contratos do Poder Público.

A licitação é a regra geral para que a Administração Pública realize a contratação de bens e serviços com vistas à realização do interesse público. Ao prever que os eventos em que o dever de licitar é possível de ser afastado ou é absolutamente impraticável, o Parlamento nacional estabeleceu, respectivamente, as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

As hipóteses de dispensa de licitação constituem um rol taxativo, podendo ser empregadas mediante autorização expressa em lei, enquanto as hipóteses de inexigibilidade compõem uma vasta gama de possibilidades, pois a sua ocorrência se dará sempre que houver inviabilidade de competição, isto é, sempre que for impossível promover disputa entre os agentes econômicos interessados em contratar com a Administração Pública. Dada a alta carga interpretativa do principal critério posto para ocorrência da impossibilidade de licitar, o Legislador, ao tempo de edição da lei n.º 8.666/1993, não detalhou as principais possibilidades de anulação da disputa entre os fornecedores potenciais. Coube, portanto, aos tribunais de contas e à escassa doutrina especializada, por meio de arranjos interpretativos e análises de caso, a definição de procedimentos e enquadramento do credenciamento como hipótese de licitação inexigível.

A pouca expressividade doutrinária e a ausência de definições e procedimentos em lei tornaram o Credenciamento um instituto cercado por incertezas e equívocos, o que conduziu o TCU a se pronunciar inúmeras vezes acerca da forma de operar a inexigibilidade de licitação quando a intenção do Poder Público for a contratação do máximo possível de fornecedores interessados.

O objetivo desta pesquisa consiste em, por meio de uma abordagem qualitativa e de caráter exploratório, utilizando-se de levantamentos bibliográficos e documentais, responder o seguinte questionamento: "o advento da nova legislação foi capaz de encerrar a senda de inseguranças acerca da utilização do credenciamento como hipótese de inexigibilidade licitatória?". Para a resolução do problema, passou-se à explicação da natureza jurídica, dos procedimentos e dos elementos caracterizadores do instituto à luz da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, especificamente dos julgados afetos ao tema Credenciamento. Após isso, realizou-se breve comparativo dos textos legais afetos à inexigibilidade licitatória e o estudo do instituto na nova legislação.

LICITAÇÃO NO BRASIL

1.1   BREVE HISTÓRICO DAS LICITAÇÕES NO BRASIL

A temática das licitações foi tratada em diversas legislações no decorrer da história do direito brasileiro. Recordam-nos Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 62) que o primeiro instrumento legal a tratar com propriedade acerca do tema foi o Código da Contabilidade Pública da União de 1922 e o Decreto-Legislativo n.º 4.536/1922, este regulamentado por meio do Decreto n.º 15.783/1922. Após isso, ocorreram os Decreto-Lei n.º 200/1967, a Lei n.º 5.456/1968 e a Lei n.º 6.946/1981, e posteriormente o Decreto-Lei n.º 2.300/1986, que regeu as licitações e contratos no âmbito do Governo Federal até 1993, tendo sido substituído pela Lei n.º 8.666/1993.

1.2   A FINALIDADE E A OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO

A Constituição Federal de 1988 determinou, em seu art. 37, XXI, a execução de licitação como regra geral para que a Administração Pública adquira bens e realize a contratação de serviços. A consagração do instituto às linhas constitucionais visa essencialmente não deixar ao exclusivo arbítrio do administrador público a escolha dos agentes econômicos a serem contratados.

A licitação, conforme os entendimentos de Carvalho Filho (2015, p. 240), pode ser entendida como um procedimento administrativo e vinculado que visa proporcionar à Administração Pública, para fins de contratação, a seleção da melhor proposta fornecida por um entre diversos interessados. Caracteriza-se, essencialmente, por verdadeira disputa entre diversos fornecedores que possuem o objetivo de negociar com o Poder Público, tendo este o propósito de selecionar aquele que representa maior vantajosidade ao interesse coletivo.

Ensina-nos Carvalho Filho (2015, p. 241) que "[...] não pode a Administração abdicar do certame licitatório antes da celebração de seus contratos, salvo em situações excepcionais definidas em lei". Na mesma toada, Meirelles, Burle Filho e Burle (2016, p. 307) afirmam que a licitação "[...] é o antecedente necessário do contrato administrativo; o contrato é o consequente lógico da licitação", e ainda que somente "[...] a lei pode desobrigar a Administração, quer autorizando a dispensa de licitação, quando exigível, quer permitindo a substituição de uma modalidade por outra [...]" (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 326). Ainda conforme ressaltado em parecer exarado pela Advocacia Geral da União (2017), a realização de licitação pública visa à elevação do princípio da isonomia e, de maneira indireta, o prestígio aos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade. A evidência, portanto, é que devido às aspirações que visa efetivar, a licitação consiste em procedimento de realização obrigatória por parte do poder público, que deverá resguardar a isonomia e a supremacia do interesse público.

1.3   CONTRATAÇÕES DIRETAS NA LEI N.º 8.666/1993

A existência do dever de licitar não exclui a possibilidade de exceções à regra. Conforme destaque feito por Justen Filho (2014, p. 390), a própria CF/1988 se encarregou de estabelecer outras possibilidades em que é afastada a presunção de que a licitação produz a melhor contratação, dispondo para a Administração instrumentos para realização de contratação direta. Esses instrumentos foram tratados por meio da lei n.º 8.666/1993 e da lei n.º 14.133/2021. Os instrumentos são a dispensa e a inexigibilidade de licitação, classificados como modos de contratação direta (BRASIL, 2021).

1.3.1   Dispensa de licitação

A dispensa é caracterizada pela situação em que, teoricamente, a licitação poderia ser realizada, porém que, em razão de algumas particularidades do caso, a lei autoriza a sua não obrigatoriedade.

 Carvalho Filho (2015, p. 255) elenca a excepcionalidade e a taxatividade como aspectos preliminares que devem ser considerados ao entendimento da dispensa de licitação. Primeiro, a excepcionalidade indica que as hipóteses de dispensa estabelecidas no texto legal, dadas as suas especificidades, fogem à regra geral e que somente por isso foi autorizada a exceção ao dever de licitar. Segundo que a taxatividade descreve que o rol de hipóteses definidas pelo legislador não podem ser ampliadas pelo administrador público; o legislador entendeu que somente as hipóteses positivadas são convenientes à concretização do interesse público.

No que se refere à subdivisão da dispensa de licitação entre licitação dispensada e licitação dispensável, assinalada por parte da doutrina, conforme Justen Filho (2014, p. 396), não se mostra de grande utilidade, pois em ambos os casos o legislador autoriza a contratação direta, não sendo essa autorização vinculante ao administrador, que possui autonomia para escolher motivadamente por realizar ou não o procedimento licitatório.

1.3.2   Inexigibilidade de licitação  

A inexigibilidade de licitação, ao contrário da dispensa, será utilizada em razão da impossibilidade de realização do procedimento licitatório, porque há a anulação completa da possibilidade de licitação. No entendimento de Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 198), refere-se à inexigibilidade aos casos em que, por causa da ausência de competição, não existe ao administrador a faculdade para licitar.

Ao citarem Maria Zanella di Pietro, momento em que reforçam que na inexigibilidade há marcante presença da inviabilidade de competição, os doutrinadores Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 221), referem-se às hipóteses descritas no artigo 25, da lei n.º 8.666/1993, como sendo de cunho exemplificativo, visto a existência da expressão "em especial", que comporta a inclusão de outros casos, desde que esses também anulem a possibilidade de competição entre fornecedores. Acerca disso, Justen Filho (2014, p. 486), também nos fornece ensinamentos acerca da possibilidade de hipóteses outras e diferentes das elencadas na LLC, ao dizer que "configurando-se inviabilidade de competição numa situação que não se enquadra nos três incisos do art. 25, a contratação será alicerçada diretamente no caput do dispositivo", isto é, como inexigibilidade de licitação.

À vista do exposto, a lei n.º 8.666/1993 descreve em rol não exaustivo três hipóteses especiais em que seria inviabilizada a competição. São eles: fornecedor exclusivo, quando as aquisições somente puderem ser fornecidos por um único fornecedor; atividades artísticas, quando houver a necessidade de contratação de profissionais do setor artístico e consagrados pela crítica especializada ou pela opinião pública; e, serviços técnicos especializados, que ocorre quando a necessidade é a de contratar serviços técnicos especializados, de natureza singular e que devem ser realizados por profissionais de notória especialização.

Assim, a especificação desse rol de hipóteses em que a inexigibilidade é possível não anula a aplicabilidade de outras possibilidades, desde que impossível a competição entre os agentes de mercado. Esse entendimento não encontra objeção da doutrina, sequer da jurisprudência, estando evidente no texto da lei, sendo essa compreensão a responsável pelo surgimento do credenciamento.

1.3.2.1   Credenciamento  

O Credenciamento enquanto procedimento de inexigibilidade de licitação foi construído, durante o império da Lei n.º 8.666/1993, a partir de reiteradas decisões das Cortes de Contas e da consolidação dos escassos entendimentos doutrinários, uma vez que, diferentemente das hipóteses anteriormente citadas, a legislação não continha previsão expressa e pormenorizada do instituto.

A ausência de determinações legais específicas foi capaz de provocar inúmeros questionamentos e equívocos no trato da coisa pública por parte de incontáveis administradores, pois em que pese as repetidas decisões dos tribunais, silente foi a legislação acerca do tema. O Credenciamento consiste fundamentalmente na contratação de todos os agentes econômicos interessados, que eliminaria a disputa, critério indispensável ao procedimento de licitação.

1.4   Aplicabilidade da Lei n.º 14.133/2021  

1.4.1   A eficácia limitada das normas de Credenciamento  

A Constituição Federal, em seu artigo 22, XXVII, estabelece que é competência privativa da União a edição de normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

À União cabe, portanto, a definição de normas que versem sobre licitações e contratos administrativos e que possam ser aplicadas de maneira uniforme em todas as esferas da Administração Pública. Essas normas, devido ao seu caráter generalista, conforme ensinam Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 142), não poderão esgotar a matéria regulada, bem como não poderão invadir a autonomia legislativa dos demais entes federados, sendo facultado a esses a elaboração de normas complementares, desde que não conflitantes com a normatização geral imposta por lei federal.

As normas que preveem necessidade de regulamento, ou regulamentação, ato de poder ou ato normativo são, em sua grande parte, conforme entendimento da Advocacia Geral da União (2021, p. 17), inaplicáveis, tratando-se, por isso, de normas de eficácia limitada. Ao observar a NLLC, nota-se a incidência de diversos pontos que trazem expressões como regulamento, regulamentação, ato do poder executivo federal, ato e ato normativo. Segundo Leite (2020, p. 68), normas de eficácia limitada são aquelas que "[...] requerem integração normativa para a produção plena de seus efeitos jurídicos, de forma a permitir uma aplicação concreta e positiva".

No caso das normas delimitadoras do Credenciamento na NLLC, é correto considerar que sejam normas de cunho geral e de eficácia limitada, visto que definem parâmetros a serem observados e determinam a regulamentação infralegal do instituto, evidenciando que não foram positivadas de forma exaustiva, estando carentes de definição de procedimentos.

O CREDENCIAMENTO E A LEI N.º 8.666/1993

A Lei de Licitações e Contratos que vigora desde a década de 90 manteve-se silente quanto ao Credenciamento, reservando-se a não o definir ou mesmo a autorizar a sua admissão. O principal ponto de escoramento da Administração Pública para a utilização do instituto foram, portanto, as escassas produções doutrinárias e o abundante acervo de decisões tomadas pelos tribunais de contas, especialmente pelo TCU.

Acerca da participação fundamental do TCU na sistematização do instituto, o STJ declarou que:

"[...] o Credenciamento constitui hipótese de inexigibilidade de licitação não prevista no rol exemplificativo do art. 25 da Lei n. 8.666/93, amplamente reconhecida pela doutrina especializada e pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que pressupõe inviável a competição entre os credenciados " (TCU-REsp: 1.747.636, Relator: Gurgel de Faria, Data de julgamento: 9/12/2021, 1ª Turma)

Em sede de Consulta realizada pelo Secretário do Tesouro Nacional, ainda que não conhecida a demanda por ausência de legitimidade, o TCU, em deliberação plenária, acompanhando o voto do relator, decidiu:

"[...] o sistema de credenciamento, quando realizado com a devida cautela, assegurando o tratamento isonômico aos interessados na prestação dos serviços e negociando-se conforme as condições de atendimento, obtendo-se uma melhor qualidade dos serviços além do menor preço, podendo ser adotado sem licitação amparado no art. 25 da Lei 8.666 / 93 " (TCU-Consulta: 104, Relator: Adhemar Paladini Ghisi, Data de julgamento: 27/3/2021, Plenário)

Observa-se que já há largo tempo a sistemática de credenciamento é admitida pela Tribunal de Contas da União, desde que atendidos determinados critérios caracterizadores. O credenciamento, portanto, mesmo não expressamente determinado em lei, possui o seu elemento fundamental (a inviabilidade de competição) claramente consagrado pela legislação, sendo indiscutível, como se sabe, a sua possibilidade, desde que presente a impossibilidade de licitar.

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2.1   O CREDENCIAMENTO SOB A ÓTICA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

2.1.1   A jurisprudência do TCU acerca da legalidade do Credenciamento  

A adoção do procedimento de credenciamento como hipótese de licitação inexigível foi objeto de vasta análise no âmbito do Tribunal de Contas da União, em diversas ocasiões.

O ministro relator Raimundo Carneiro, citando trecho das considerações da CEF acerca do voto do saudoso ministro Adhemar Ghisi constante da Decisão 104/1995-Plenário (TCU-TCE: 436, Relator: Raimundo Carneiro, Data de julgamento: 28/1/2020, Segunda Câmara), ressaltou que a compreensão do credenciamento como autêntica hipótese de inexigibilidade de licitação, ainda que não expressamente previsto na Lei n.º 8.666/1993, está há décadas consolidado na jurisprudência da Corte, conforme se verifica abaixo:

"11. Trata-se de entendimento sedimentado há décadas neste Tribunal, conforme bem assinalado pela Selog ao resgatar as considerações do saudoso Ministro Adhemar Ghisi no Voto condutor Decisão 104/1995-Plenário, verbis: Finalizando, constatamos ter ficado devidamente esclarecido no processo TC 008.797/93-5 [relatório aprovado pelo Plenário em Sessão de09/12/1993, no TC 008.797/93-5, matéria administrativa, sem acórdão associado] que o sistema de credenciamento, quando realizado com a devida cautela, assegurando tratamento isonômico aos interessados na prestação dos serviços e negociando-se as condições de atendimento, obtém-se uma melhor qualidade dos serviços além do menor preço, podendo ser adotado sem licitação amparado no art. 25 da Lei 8.666/93 (grifo acrescido) " (TCU, Relator: Raimundo Carreiro, Data de julgamento: 4/3/2020, Plenário).

Para além disso, a Corte já ratificou a proposta de que o Credenciamento, embora não previsto nos incisos do art. 25 da Lei n.º 8.666/1993, vem sendo admitido pela doutrina e pela jurisprudência como legítima hipótese de inexigibilidade de licitação (TCU-CONS: 351, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 3/3/2010, Plenário). Conforme o texto jurisprudencial, o procedimento encontra-se aludido no caput do dispositivo legal, tendo em vista a existência do critério "inviabilidade de competição" para a validade do Credenciamento.

O entendimento de que a inviabilidade de competição é critério essencial para os procedimentos de contratação direta, por inexigibilidade, está evidente no dispositivo legal e perfeitamente assentido na jurisprudência do TCU. Acerca disso, em sede de Consulta, o Tribunal deliberou que o procedimento de inexigibilidade de licitação poderá ser realizado caso demonstrada a inviabilidade da competição, nos termos do caput do art. 25 da Lei n.º 8.666/1993 (TCU-CONS: 2.054, Relator: Ubiratan Aguiar, Data de julgamento: 8/11/2006, Plenário), e ainda que "[...] possível a contratação com base no caput do art. 25 sempre que houver comprovada inviabilidade de competição". Assim, para quaisquer possibilidades de adoção da inexigibilidade de licitação, verifica-se, é indispensável que haja impossibilidade de competição entre os potenciais fornecedores.

A inviabilidade de competição, portanto, é fundamental ao Credenciamento enquanto hipótese de inexigibilidade licitatória prevista no art. 25 da Lei n.º 8.666/1993: "[...] considerado uma forma de contratação válida pela jurisprudência desta Corte de Contas, nas situações em que se observa a inviabilidade de competição pela contratação de todos [...]" (TCU-RA: 352, Relator: Benjamin Zymler, Data de julgamento: 24/2/2016, Plenário).

A inexigibilidade de licitação decorre fundamentalmente da inviabilidade de competição, isto é, da total impossibilidade de confronto entre os agentes de mercado. Essa característica torna impossível a execução de um certame licitatório, diferentemente da dispensa de licitação, em que há uma faculdade do administrador. O Credenciamento, enquanto procedimento de inexigibilidade, baseia-se no critério de inviabilidade para o devido enquadramento legal, ainda que não tipificado na Lei n.º 8.666/1993, sendo adequado:

"[...] quando se verifica a inviabilidade de competição para preenchimento das vagas, bem como quando a demanda pelos serviços é superior à oferta e é possível a contratação de todos os interessados, sendo necessário o desenvolvimento de metodologia para a distribuição dos serviços entre os interessados de forma objetiva e impessoal [...]" (TCU-RA: 352, Relator: Benjamin Zymler, Data de julgamento: 24/2/2016, Plenário).

2.1.2   O TCU e os critérios de legalidade do Credenciamento  

A jurisprudência do TCU está orientada no sentido de que há acerto legal na utilização do Credenciamento como hipótese de licitação inexigível. Para isso, estabelece critérios para que seja adotado. Os critérios são a publicação do instrumento editalício, a ampla oportunidade de contratação e a vantajosidade/igualdade de preços aos credenciados.

2.1.2.1   Publicação do instrumento editalício  

Por meio do Acórdão, conforme voto do relator, o TCU ressalta que há previsão legal para a utilização do Credenciamento como procedimento de contratação direta pela Administração Pública, sendo ele uma das espécies de inexigibilidade de licitação, que sucede a uma etapa na qual todos os interessados possuem igual oportunidade de se credenciar:

"[...] o credenciamento afigura-se como hipótese prevista na lei, uma espécie de inexigibilidade de licitação no momento de contratação, precedida de etapa prévia, na qual todos tiveram igual oportunidade de se credenciar, ampliando notavelmente as exigências do art. 26 da Lei nº 8.666/1993 [...]" (TCU-CONS: 1.150, Relator: Aroldo Cedraz, Data de julgamento: 15/5/2013, Plenário).

Percebe-se que o entendimento da Corte está no sentido que há legalidade na adoção do procedimento quando este é precedido de etapa prévia, momento em que será ampliada a todos os interessados a possibilidade de adesão ao Credenciamento. Sobre isso, há outros julgados que confirmam o entendimento, demonstrando a necessidade de publicação de instrumento editalício que materialize o chamamento público:

"22. Assim, quando a licitação for inexigível porque o gestor manifestou o interesse de contratar todos os prestadores, ele poderá adotar o procedimento de chamada pública, por meio da abertura de um edital e chamar todos os prestadores que se enquadrem nos requisitos constantes do edital para se cadastrarem e contratarem com a Administração Pública" (TCU-REPR: 784, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 11/4/2018, Plenário).

"9.2.3 na elaboração dos avisos de credenciamento, a escolha do prazo entre a publicação do edital e a entrega dos documentos, dentro da margem discricionária prevista no item 3.2.1.1 do Manual Normativo AD244 da Caixa Econômica Federal, deve guiar-se pelo interesse público e pelo princípio da razoabilidade, considerando as peculiaridades do objeto, a urgência da contratação, a extensão da documentação a ser apresentada e, ainda, a necessidade de atrair um número de interessados que represente o universo do mercado" (TCU-TCE: 436, Relator: Raimundo Carneiro, Data de julgamento: 28/1/2020, Segunda Câmara).

Ainda sobre o tema, diz a jurisprudência do TCU:

"21. E, no caso da inexigibilidade de licitação, o referido Manual de Orientações exemplifica que ela pode ocorrer quando houver incapacidade de se instalar concorrência entre os licitantes, como no caso de haver somente um prestador apto a fornecer o objeto a ser contratado, ou na hipótese de o gestor manifestar interesse de contratar todos os prestadores de serviços de seu território de uma determinada área desde que devidamente especificada no edital" (TCU-REPR: 784, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 11/4/2018, Plenário).

A elaboração de Edital como etapa prévia à realização dos procedimentos de contratação, constitui etapa necessária, inclusive, aos processos licitatórios em geral, conforme se extrai do art. 38, I, da Lei n.º 8.666/1993.

O entendimento doutrinário caminha no mesmo sentido acerca da indispensabilidade do Edital. No que tange a isso, ensina-nos Hack (2020, p. 21) que "[...] o edital é a lei da licitação, devendo o procedimento seguir o disposto no edital, sob pena de nulidade, em caso de seu descumprimento", bem como que "[...] se o ato convocatório de uma licitação for mal elaborado ou então contiver imperfeições, com certeza a licitação estará fadada ao insucesso, não chegando ao seu termo final [...]" (HIGA; CASTRO; DE OLIVEIRA, 2018, p. 180). Nas palavras de Carvalho Filho (2015, p. 288), edital "[...] é o ato pelo qual a Administração divulga as regras a serem aplicadas em determinado procedimento de licitação". É, portanto, documento de observância obrigatória ao licitante, tendo em vista que, ainda nos dizeres de Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 156), "[...] aos licitantes cabe analisar minuciosamente os editais, atendo-se a todas as exigências e formulando suas propostas em conformidade com as orientações dispostas pela Administração". Assim, em se tratando contratação pública, será por meio do Edital, instrumento de elevada importância para o atendimento dos fins contratuais, que a Administração estabelecerá os fundamentos sobre os quais a contratação se sustentará.

Ocorrerá no Edital, desse modo, a descrição dos critérios objetivos que permitirão aos credenciados a contratar, por inexigibilidade, com a Administração Pública.

O chamamento público, portanto, estabelecido como requisito ao Credenciamento, deverá ser realizado por meio de Edital. Esse entendimento está também corroborado pelo Ministério da Saúde (2016, p. 31), que orienta que o procedimento deverá obedecer a algumas etapas, entre as quais a realização de chamamento público a partir da publicação de edital.

2.1.2.2   Ampla oportunidade de contratação  

A melhor compreensão desse requisito encontra-se descrita na própria jurisprudência do TCU, que estabelece:

"9.2.3. embora não esteja previsto nos incisos do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, o credenciamento tem sido admitido pela doutrina e pela jurisprudência como hipótese de inexigibilidade inserida no caput do referido dispositivo legal, porquanto a inviabilidade de competição configura-se pelo fato de a Administração dispor-se a contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições por ela estabelecidas, não havendo, portanto, relação de exclusão" (TCU-CONS: 351, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 3/3/2010, Plenário).

Ora, é primordial que haja, para a Administração, o autêntico interesse de contratar com todos os fornecedores disponíveis no mercado, sem que seja a qualquer um imposto algum critério de exclusão, sob risco de tornar viável a competição. A viabilidade de competição, nesse caso, tornaria obrigatório a realização de procedimento licitatório e impossível a inexigibilidade. A execução do procedimento de credenciamento, portanto, exigiria da Administração a garantia da igualdade de condições entre todos os fornecedores que possuíssem interesse para contratar com o Poder Público, para que irrestritamente todos com ela contratassem.

Esse critério é justamente o que mais diferencia o Credenciamento dos outros cabimentos de licitação inexigível, visto que demonstra o legítimo interesse da Administração em contratar com todos os fornecedores interessados para melhor atender o interesse público. Acerca do interesse em com todos contratar, Quirino e Zanzoni (2017) discursam que "[...] o interesse público é melhor atendido, vez que a pluralidade de prestadores é o que efetivamente atende às necessidades da Administração Pública e promove a correta execução do objeto".

2.1.2.3   Vantajosidade/igualdade de preços aos credenciados  

O ministro Aroldo Cedraz, em seu voto proferido quando da deliberação plenária, destaca que para a adoção do Credenciamento, a Administração deve demonstrar, além de preenchidos os demais critérios, a vantagem/igualdade dos valores estipulados em relação aos preços praticados no mercado. Vejamos:

"Considerando as reiteradas decisões do TCU no sentido de que o credenciamento deve ser utilizado para a contratação de serviços médicos, jurídicos e de treinamento, desde que a Administração fixe critérios objetivos, e ainda que sejam observados quatro aspectos fundamentais quando da análise da adequação do uso do credenciamento, quais sejam: [...] que reste demonstrado, no processo, a vantagem/igualdade dos valores definidos em relação aos preços de mercado [...]" (TCU-CONS: 1.150, Relator: Aroldo Cedraz, Data de julgamento: 15/5/2013, Plenário).

Verifica-se, portanto, como um dos critérios de constituição do Credenciamento que caberá à Administração a determinação dos preços a serem pagos pelo objeto contratado, sendo que esses devem representar efetiva vantajosidade ao Poder Público, devendo ser aplicados igualitariamente entre os credenciados.

Ao realizar a estipulação do preço exato que estará disposta a pagar, a Administração estabelece o que é realmente vantajoso para si e neutraliza a competitividade entre os fornecedores, eliminando o poder de barganha desses para com o Poder Público. Essa neutralização de competitividade põe todos os credenciados em pé de igualdade, frustrando qualquer pretensão de licitação, garantindo a todos os fornecedores igualdade de rentabilidade para cada unidade de serviço e/ou produto fornecido.

O CREDENCIAMENTO E A LEI N.º 14.133/2021

O Projeto de Lei do Senado Federal n.º 4.253/20, aprovado em 10/12/2020, originou, após os devidos trâmites, a Lei n.º 14.133, de 1º de abril de 2021, denominada Lei de Licitações e Contratos. A sua existência visa à revogação gradual da lei n.º 8.666/1993, antiga lei das licitações e contratos administrativos, da lei n.º 10.520/2002, que rege o pregão, e parte da lei n.º 12.462/2011, que cuida do Regime Diferenciado de Contratações. Além disso, verifica-se que foram incorporados às suas normas determinações contidas em outras espécies normativas infralegais, tais como instruções normativas ministeriais. Nota-se também a expressa legalização de diversos entendimentos jurisprudenciais já consolidados no universo jurídico, tal como o Credenciamento.

Por obviedade, assim como a lei anterior, a NLLC não regerá o comportamento das estatais, que possuem estatuto jurídico próprio e exclusivo. Tratará, entretanto, além do Credenciamento, de outras matérias não previstas na legislação anterior, tal como o sistema de registro de preços.

A lei, portanto, solidifica alguns entendimentos não tratados pelo diploma a que sucedeu.

3.1   Inexigibilidade e Credenciamento  

3.1.1   O Credenciamento e a nova legislação  
3.1.1.1   Conceito, definição e critérios legais do Credenciamento  

A Lei n.º 14.133/2021, diferentemente da legislação anterior, passou a definir o Credenciamento. Referiu-se ao procedimento em seu artigo 6º, inciso XLIII, como sendo o processo administrativo de chamamento público por meio do qual a Administração convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocado (BRASIL, 2021). 

A conceituação do procedimento no texto legal evidenciou a assertividade do legislador ao realizar a apropriação das orientações traçadas pelo Tribunal de Contas da União, utilizando-se fundamentalmente da evolução jurisprudencial para solidificar a técnica na lei. 

Ressaltam Nóbrega e de Torres (2021) que a nova lei de licitações não categorizou o Credenciamento como hipótese de inexigibilidade de licitação, mas como um procedimento auxiliar necessário para ulteriores contratações diretas[1]. A compreensão do instituto como um procedimento auxiliar das licitações, como se verifica, em que pese não ser a nomenclatura mais apropriada, sendo mais adequado a definição de natureza como sendo de procedimento auxiliar das contratações diretas, tendo em vista ser uma hipótese de exceção à licitação,mostra-se acertada. Acerca disso, destaca-se o seguinte pronunciamento do TJDFT:

"3.1. O credenciamento trata-se de um mecanismo para se efetivar uma contratação em que a licitação seria inexigível, conforme se depreende do art. 25 da Lei 8.666/93, ou seja, em casos em que houver inviabilidade de competição" (TJDFT-AGRAVO: 1.137.847, Relator: Vera Andrighi, Data de julgamento: 14/11/2018, 6ª Turma Cível).

Assim, em relação ao credenciamento propriamente dito a legislação em estudo não deixou nada subentendido, mas expressamente declarou que é aplicável quando evidenciada a inviabilidade de competição e a possibilidade ou exigibilidade de contratação por meio do instituto[2]. As hipóteses em que o credenciamento é possível estão definidas na própria lei[3].

A inovação está plenamente evidenciada no texto legal, pois enquanto a Lei n.º 8.666/1993 deixou apenas implícito a aplicabilidade do Credenciamento quando inviável a competição, a Lei n.º 14.133/2021 o assimilou por completo em seu conjunto normativo. Nesse sentido, já se pronunciou a 5ª Turma Cível do TJDFT acerca do Credenciamento expressamente previsto na NLLC[4].

A nova lei estabelece no parágrafo único do artigo 79 que o procedimento de credenciamento deverá ser regulamentado. Definiu ainda as seguintes regras para adoção do procedimento: divulgação e manutenção permanente de edital de chamamento de interessados, definição de critérios objetivos de distribuição de demandas, nas hipóteses de contratações paralelas e não excludentes, definição de valor da contratação pela própria Administração, registro das cotações de mercado no momento da contratação, na hipótese de mercados fluidos, vedação ao cometimento do objeto do contrato a terceiros, e definição de prazos, em edital, para efetivação de denúncia contratual[5].

3.1.1.2   Divulgação e manutenção permanente do edital  

No que se refere à essencialidade do edital como instrumento convocatório, o legislador manteve a mesma regra anterior, sendo, dessa maneira, indispensável ao procedimento, in verbis:

Art. 79, § único, "I - a Administração deverá divulgar e manter à disposição do público, em sítio eletrônico oficial, edital de chamamento de interessados, de modo a permitir o cadastramento permanente de novos interessados" (BRASIL, 2021).

Cabe destacar que assim como antes o Credenciamento deverá permanecer sempre aberto ao ingresso de novos interessados, aumentando-se, dessa forma, o número de participantes em prol da realização do interesse público, mantendo assim a lisura e a transparência do procedimento.

3.1.1.3   Definição de critérios objetivos para distribuição de demandas  

Esse critério diz respeito à objetividade quanto a escolha dos credenciados no momento da prestação dos serviços, quando o objeto pretendido não permitir contratações imediatas e simultâneas. Está sinalizada na própria lei, que diz, in verbis:

Art. 79, § único, "II - na hipótese do inciso I do caput deste artigo, quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda" (BRASIL, 2021).

Verifica-se, portanto, que a escolha efetiva do fornecedor do objeto deverá recair sobre o usuário, não devendo ser uma imputação da própria Administração, sob risco de violação do requisito em estudo. Essa adequada compreensão encontra sustentação em decisão do TCU, assim descrita:

"[...] Considerando as reiteradas decisões do TCU no sentido de que o credenciamento deve ser utilizado para a contratação de serviços médicos, jurídicos e de treinamento, desde que a Administração fixe critérios objetivos, e ainda que sejam observados quatro aspectos fundamentais quando da análise da adequação do uso do credenciamento, quais sejam: contratação de todos os selecionados, mesmo que demandados em quantidade não uniforme; impessoalidade/objetividade na definição da demanda por contratado (TCU-CONS: 1.150, Relator: Aroldo Cedraz, Data de julgamento: 15/5/2013, Plenário).

Essa regra em nada difere do já orientado pelo TCU e já revisto neste trabalho de pesquisa.

3.1.1.4   Definição de valor da contratação pela própria Administração  

Trata-se de uma regra também já abordada neste trabalho e que foi completamente assimilada pela nova legislação.

Conforme Quirino e Zanzoni (2017), em alinhamento com as decisões do TCU, deve ser observado, entre outros requisitos, a fixação criteriosa de tabela de preços que a Administração estará disposta a pagar, bem como as condições e prazos para pagamento das obrigações.

3.1.1.5   Registro das cotações de mercado no momento da contratação  

Esse critério se aplica às hipóteses de mercados fluidos.

Os mercados fluidos, dadas as inúmeras condições que influenciam na mutabilidade constante dos preços, deverão ter suas cotações realizadas no momento da contratação. Trata-se de regra também já utilizada pela Administração no decorrer da vigência da Lei n.º 8.666/1993 na hipótese de credenciamento de companhias aéreas, por exemplo, em que, realizado todo processo de seleção da companhia aérea credenciada por meio do SCDP, permaneciam armazenadas as cotações feitas no momento da escolha.

3.1.1.6   Vedação ao cometimento do objeto do contrato a terceiros  

Estabelece essa regra que o próprio credenciado deverá realizar o objeto contratado, não repassando a responsabilidade a terceiros.

3.1.1.7   Definição de prazos, em edital, para efetivação de denúncia contratual

Trata-se medida de cunho administrativo. A Administração, por essa regra, deverá definir no instrumento convocatório os prazos para a realização de denúncia da relação contratual.

3.1.2   Hipóteses de utilização do Credenciamento  

A Lei n.º 14.133/2021 estabeleceu a possibilidade de adoção do procedimento de Credenciamento nas seguintes circunstâncias:

a.  paralela e não excludente;

b.  com seleção a critério de terceiros; e,

c.   em mercados fluídos.

3.1.2.1   Hipótese de contratação paralela e não excludente  

Trata-se de hipótese em que há a necessidade de a Administração contratar simultaneamente o maior número possível de serviços ou fornecedores. Um clássico exemplo aplicável a essa hipótese é a de contratação de serviços médicos, aos quais serão distribuídas as demandas com racionalidade e isonomia.

3.1.2.2   Hipótese de contratação com seleção a critério de terceiros  

A segunda hipótese é a em que a seleção do Credenciado ocorrerá segundo o critério de terceiros, beneficiários diretos da prestação. Ocorre também quando da contratação de serviços médicos, em que o beneficiário direto decidirá, por seus próprios critérios, qual dos credenciados será o melhor para resolução de sua necessidade.

3.1.2.3   Hipótese de contratação em mercados fluidos  

Nas palavras de Nóbrega e de Torres (2021), trata-se de novidade pouquíssimas vezes experimentadas antes de nova legislação. Refere-se fundamentalmente aos casos em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção por meio de processo licitatório.

A hipótese de utilização do procedimento de Credenciamento em mercados fluídos permite a adoção do sistema em ambientes econômicos em que existem marcantes incertezas, induzindo-nos à compreensão que é permitido, conforme ressaltado por Nóbrega e de Torres (2021), a contratação sem a prévia definição de preços. Tal coisa ocorre no credenciamento de companhias aéreas, por exemplo, em que há reajustes constantes nos preços das passagens. Parece-nos cabível também na compra de commodities que possuem valores negociados em bolsas de valores e constantemente têm seus preços modificados pelas especulações mercadológicas.

3.2   Minimização das inseguranças nos processos de contratação direta por inexigibilidade de licitação  

A minimização das inseguranças nos processos de contratação direta por inexigibilidade de licitação, nas hipóteses em que é aplicável o Credenciamento, requer clareza não apenas no reconhecimento da legalidade e definição da natureza do instituto, como ocorreu na Lei n.º 14.133/2021, mas principalmente nas regras gerais balizadoras de sua aplicabilidade e na elaboração de regulamentos que irão conferir efetividade plena ao sistema.

A possibilidade de utilização do Credenciamento para viabilização de contratações diretas por inexigibilidade de licitação foi assunto tratado em diversas decisões do Tribunal de Contas da União, que em todas as oportunidades demonstrou que o instrumento, desde que acompanhado da inviabilidade de competição e observadas determinadas regras publicação de edital para permanente possibilidade de credenciamento, concessão de ampla oportunidade de contratação aos interessados, vantajosidade para a Administração e igualdade de preços entre os credenciados, é plenamente aplicável de acordo com o caput do artigo 25, da Lei n.º 8.666/1993. Assim, o posicionamento do TCU no decorrer da história sempre foi evidente no sentido de que consistia o Credenciamento em hipótese de inexigibilidade de licitação, mesmo que ausente expressa previsão legal, estando resguardado pela lei de licitações e contratos anterior, alinhado, portanto, ao princípio da legalidade.

As reiteradas decisões do TCU, entretanto, não foram suficientes para tornar juridicamente seguro aos administradores a aplicação do Credenciamento. Fazia-se necessário, além da previsão expressa em texto legal, a especificação das hipóteses de cabimento e a uniformização pela própria Administração Pública dos procedimentos operacionais. Com o advento da Lei n.º 14.133/2021, além da expressa previsão e da especificação das ocasiões em que é cabível, o Credenciamento ganhou parâmetros que o balizam e determinação de regulamento próprio.

Assim, à vista da eficácia limitada imposta às normas que regem o Credenciamento na Lei n.º 14.133/2021, faz-se recomendável a priorização de edição de instrumento regulatório com o propósito de dispor regras que sejam capazes de operacionalizar e uniformizar a execução do instituto, evitando formas de aplicação distintas pelos órgãos e entidades que integram a Administração Pública na mesma esfera de poder.

Ao editar regulamento, deverá a Administração observar as regras mínimas de regulamentação, expostas nos incisos do parágrafo único do artigo 79 e já discorridas no presente trabalho.

3.2.1   Atenção à hipótese de mercados fluidos  

Conforme evidenciado no presente estudo, trata-se especialmente de inovação legislativa o conceito de mercados fluido trazido pela Lei n.º 14.133/2021. Essa hipótese de aplicação do Credenciamento, quando interpretada de forma ampla, concordante com a opinião de Nóbrega e de Torres (2021), confere ao procedimento grande potencial de viabilizador de marketplaces a serem dispostos à utilização da Administração, principalmente ao se considerar a ampliação de seu escopo, que lhe deu a possibilidade de ser usado para a aquisição de bens e não apenas serviços. Essa potencialização do Credenciamento poderá proporcionar grande ganho de eficiência, segurança e produtividade, especialmente em temas delicados e de precificação fortemente dinâmica, como ocorre nos casos de fornecimento de passagens aéreas e transporte terrestre de passageiros mediado por aplicativos de mobilidade, tais como Uber, Cabify e 99.

Em razão da volatilidade dos critérios de precificação, característica fundamental dos mercados fluidos, deverá o regulamento prever ainda as formas de registro das cotações de mercado vigentes no momento da contratação, comprovando que a administração de fato contratou de forma mais vantajosa. Na hipótese de credenciamento de empresas mediadoras de transporte terrestre de passageiro poderiam os regulamentos preverem, por exemplo, a possibilidade de utilização de plataformas tecnológicas que interagissem com as diversas empresas atuantes no mercado, para realizar assim, no momento da chamada ao fornecimento, a captação automática dos preços disponíveis.

3.2.2   Possibilidade ampla de aplicação do Credenciamento  

Diferentemente dos entendimentos jurisprudenciais dominantes, que compreendiam o Credenciamento como hipótese de inexigibilidade, a NLLC classificou o instituto como tendo natureza de procedimento auxiliar de licitação, induzindo-nos a considerar que não está, portanto, adstrito às hipóteses de inviabilidade de competição. Assim, conforme orientam Nóbrega e de Torres (2021), poder-se-á pensar na utilização do procedimento como procedimento prévio a outras contratações diretas, por dispensa ou por inexigibilidade. Essa possibilidade, entretanto, somente poderia ser viabilizada por meio regulamentar.

A edição de um regulamento que abrisse a utilização do Credenciamento para essas hipóteses, visto que há notável probabilidade de surgirem esses questionamentos, permitiria uma utilização futura mais juridicamente segura e permissiva quanto ao surgimento de inovações no setor público.

Conclusão 

O presente trabalho teve como objetivo principal explorar a capacidade da NLLC a resolver as inseguranças advindas da omissão do Credenciamento havida na lei n.º 8.666/1993. Para tanto, foram traçadas linhas gerais acerca da evolução das legislações brasileiras que versam sobre o assunto e sobre o dever de licitar e suas exceções regulamentadas em lei. Após essas linhas gerais, passou-se à análise do instituto do Credenciamento durante a vigência da LLC, ocasião em que foram estudadas as competências do Tribunal de Contas da União e o tratamento que essa Corte dispensou ao Credenciamento, incluindo o histórico das principais decisões acerca do tema e os critérios de legalidade construídos para o instituto. Por conseguinte, foi realizada a análise da abordagem realizada pela lei n.º 14.133/2021, a começar pelo comparativo entre as duas legislações entre a NLLC e a LLC, tendo por fim o conceito, definição e critérios legais do Credenciamento.

A pesquisa evidenciou que as inseguranças relativas ao Credenciamento não se fundamentavam em eventual incerteza acerca de sua existência. A subsunção do sistema de Credenciamento à inexigibilidade de licitação é inconteste, visto que a contratação de todos anula obrigatoriamente a competição entre os agentes que desejam fornecer bens e serviços à Administração Pública. A eliminação da competitividade subtrai do dever de licitar o elemento que lhe é fundamental: a disputa entre os fornecedores que, por meio do menor preço e da melhor condição, visam contratar com a Administração. Essa possibilidade, portanto, sempre foi evidente na LLC, mesmo que esta não se referisse diretamente ao Credenciamento. Os dados da pesquisa revelam, portanto, que as inseguranças atinentes ao Credenciamento possuíam como eixo principal a forma de execução do procedimento, não a sua possibilidade.

A lei n.º 8.666/1993 viabilizava indiretamente a utilização do Credenciamento, porém não o delimitava, sequer dispunha sobre as regras de seu processamento, seus requisitos além da inviabilidade de competição ou mesmo sua natureza. A nova legislação, diferentemente da lei sucedida, positivou e definiu os requisitos gerais do Credenciamento. Ao positivá-lo, conceituou-o e atribuiu-lhe características definidoras, capazes de permitir ao operador da lei a pormenorização dos elementos que compõem o instituto e quais os seus limites de aplicabilidade. Ao definir os seus requisitos, determinou a necessidade de regulamentação, que poderá conceder ao instituto a segurança necessária para sua operacionalização. Entende-se que a ação de positivar esses termos conferiu ao Credenciamento o que lhe faltava na legislação anterior. Na NLLC o Credenciamento está conceituado e delimitado, suas regras primordiais de processamento estão definidas e, portanto, evidenciado aos destinatários da lei que há segurança na utilização do instituto, ainda que pendente regulamento infralegal.

A conclusão da pesquisa corresponde à premissa que o advento da nova legislação foi capaz de minimizar a senda de inseguranças acerca da utilização do credenciamento.

A conclusão exposta está justificada, pois a nova legislação:

  1. conceituou o Credenciamento como processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados;
  2. definiu a natureza do Credenciamento como de procedimento auxiliar das licitações, ainda que, com toda vênia, não seja conceitualmente a mais adequada, visto que o Credenciamento consiste em hipótese em que a licitação é inaplicável. Não seria, portanto, procedimento auxiliar das licitações, mas procedimento auxiliar das contratações públicas;
  3. estabeleceu as hipóteses em que o Credenciamento seria aplicável. São três: a primeira, em contratações paralelas e não excludentes; a segunda, quando a seleção ocorrer a critério de terceiros, e; a terceira, em mercados fluidos;
  4. estabeleceu que o Credenciamento fosse regulamentado por meio de instrumentos normativos infralegais, de acordo com a necessidade local;
  5. estabeleceu regras fundamentais a serem obedecidas quando da elaboração dos regulamentos. Foram determinadas seis regras: a primeira, a publicação permanente de edital de chamamento público; a segunda, a definição de critérios objetivos para distribuição de demandas; a terceira, definição de condições padronizadas de contratação, com definição do valor da contratação; a quarta, o registro das cotações vigentes no momento da contratação em caso de mercados fluidos; a quinta, a proibição de cometimento do objeto a terceiros sem a autorização da Administração, e a sexta, a definição em edital dos prazos para a denúncia contratual.

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Sobre o autor
Breno Almeida Souza

Advogado (OAB/DF 73.387), com enfoque de atuação nas áreas trabalhista, licitações públicas, contratos administrativos e cível; membro das Comissões de Direito do Trabalho e de Direito Bancário, do Conselho Seccional da OAB no Distrito Federal; há meia década colabora no desenvolvimento e implementação de soluções inovadoras no âmbito da Administração Pública Federal, onde serviu na estatal federal Empresa de Planejamento e Logística S/A, vinculada ao então Ministério da Infraestrutura, e atualmente na Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S/A (atualmente INFRA S/A), vinculada ao Ministério dos Transportes, em Brasília/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Breno Almeida. O credenciamento e a Lei n. 14.133/2021: A positivação do credenciamento e a minimização das inseguranças nos processos de contratação direta por inexigibilidade de licitação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6740, 14 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95403. Acesso em: 25 dez. 2024.

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