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Alguns apontamentos sobre o plano judicial compulsório no superendividamento (art. 104-B)

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15/12/2021 às 15:40

Resumo:


  • A possibilidade de instaurar um processo de revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas mediante um plano compulsório judicial, caso não haja conciliação com os credores.

  • O consumidor pode requerer a citação dos credores que não conciliaram nas audiências pré-processuais ou extrajudiciais, para integrarem a relação processual e participarem do processo de revisão e repactuação de dívidas.

  • O administrador nomeado pelo juiz para auxiliar na elaboração do plano de pagamento compulsório não pode acarretar ônus às partes e deverá apresentar a proposta em até 30 dias, garantindo o mínimo existencial ao consumidor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Desde que haja reserva suficiente para o mínimo existencial, poderão conviver os pagamentos dos planos voluntário e compulsório.

Não havendo a conciliação com algum credor (seja judicialmente pelo art. 104-A, seja a extrajudicial pelo art. 104-C), restará a possibilidade, caso o consumidor requeira, de instaurar um processo de revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas, mediante um plano compulsório judicial.[2]

A requerimento do consumidor, o juiz procederá a citação dos credores que não conciliaram na hipótese das audiências pré-processuais (nos núcleos pelo art. 104-A) e extrajudiciais (pelo art. 104-C). Como ainda não havia relação processual, será necessário a citação para os credores integrarem a relação.

Já na hipótese da audiência judicial em processo de revisão e/ou repactuação de dívidas (art. 104-A), como os credores já foram citados para a integrarem a relação processual, eles deverão ser intimados para a nova fase com o requerimento do consumidor. Nesta hipótese, o que temos é uma relação processual única dividida em duas fases. A primeira será visando a conciliação. A segunda, condicionada ao requerimento do consumidor, será para contestação, apresentação de provas e definição do plano de pagamento compulsório.

Nada impede, até mesmo pelo princípio da economia dos atos processuais, que o consumidor, quando do requerimento do processo de repactuação de dívidas do art. 104-A, já manifeste o interesse no plano judicial compulsório, caso algum credor não venha a conciliar. Assim, os credores serão citados para a audiência de conciliação e, não havendo acordo quando da audiência, já começará a correr o prazo de 15 para contestar, nos moldes semelhantes ao que acontece nos arts. 334 e 335 do CPC.

Neste último caso, sendo uma relação processual única, toda a documentação e as informações prestadas na audiência do art. 104-A serão consideradas pelo magistrado e/ou administrador para a elaboração do plano judicial compulsório (§1º do art. 104-B).

Já na hipótese da audiência pré-processual nos núcleos (art. 104-A) e extrajudicial (art. 104-C), será importante o consumidor informar e anexar na petição inicial toda a documentação suficiente para a elaboração do plano, demonstrando atualmente a sua situação econômica (renda mensal individual e familiar e valores disponíveis para pagamento das dívidas); a causa principal do superendividamento (se foi decorrente de perda de emprego, morte familiar, divórcio, etc); se na concessão do crédito houve alguma ofensa aos arts. 54-B ao art. 54-G; quais são os credores e as respectivas dívidas (se vencidas ou vincendas); quais credores participaram da audiência conciliatória e quais não participaram e não justificaram; quais os gastos para aferição do mínimo existencial: moradia, saúde, alimentação, educação, lazer, impostos, entre outros. [3]

Em razão do princípio do contraditório, os credores deverão, em sua defesa, através da contestação, anexar documentos e justificar as razões pelas quais não acordaram com o plano apresentado pelo consumidor na audiência conciliatória (§2º do art. 104-B). Pode ocorrer, por exemplo, de o consumidor propor pagamento de valores muito aquém de sua real condição financeira, situação que legitimamente ensejará a recusa pelo fornecedor, devendo este provar que o consumidor poderá arcar com pagamentos de valores superiores.

O juiz poderá nomear administrador para auxiliá-lo na elaboração do plano de pagamento, desde que esta nomeação não acarrete ônus às partes (consumidor e fornecedor).

A lei não detalha especificamente como o administrador será escolhido e, muito menos, como será remunerado. O que define somente é que a participação do administrador não poderá onerar as partes. Assim, caso não haja outra forma especificada, ela poderá ser, a nosso ver, custeada pelos Fundos de Direitos Difusos. Mas o ideal é que fosse criado um fundo específico para o tratamento do superendividamento, financiado e custeado pelas multas administrativas e civis decorrente dos abusos envolvendo concessão de crédito e pelos principais fornecedores envolvidos nas demandas de superendividamento.

A previsão de financiamento deste fundo pelos fornecedores seria importante até como uma forma de punir os que praticam os abusos no mercado de crédito, incentivando-os a alterarem suas condutas abusivas, tendo um forte apelo preventivo. Afinal de contas, não seria justo onerar a sociedade com mais um custo (pagamento do administrador) se quem está fomentando o superendividamento, principalmente em razão da não verificação do princípio do crédito responsável, são alguns fornecedores.

Embora a lei mencione administrador, nada impede que seja uma equipe multidisciplinar composta de economistas, assistentes sociais, psicólogos, entre outros, que terão conhecimentos técnicos para viabilizar um plano de pagamento que seja viável e sustentável. Haverá situações mais complexas que será importante a atuação do administrador (ou uma equipe) para auxiliar o magistrado na elaboração do plano.

O administrador, uma vez nomeado e de posse de toda a documentação apresentada pelo consumidor e fornecedor e, após as diligências que eventualmente precisem ser feitas (como, por exemplo, a intimação dos birôs de crédito para informar a situação do consumidor, caso esta informação não conste no processo), apresentará, em 30 dias, uma proposta de plano de pagamento, com medidas de temporização e de atenuação de encargos e juros, garantindo o mínimo existencial.

No plano judicial compulsório, prevê o §4º que deverá ser assegurado aos credores, no mínimo, o valor do principal da dívida, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço. Assim, a ideia é garantir ao credor, pelo menos, o pagamento, ainda que parcelado, do principal (ou seja, retirados os juros, multas e demais encargos). [4]

Assim, o valor do principal da dívida, devidamente corrigido, deve ser considerado como patamar mínimo na elaboração do plano. Isso não impede, porém, nos casos em que mesmo que haja a manutenção do principal, não seja possível garantir o mínimo existencial, o administrador sugerir e o juiz definir que o pagamento da dívida, pelo consumidor, seja menor que o principal. Isso porque a verificação do mínimo existencial no plano de pagamento, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, é garantia e direito fundamental, devendo prevalecer sobre o valor do principal da dívida (direito do credor).

Aliás, poderá haver casos em que a renda do consumidor sequer é suficiente para a manutenção da sua vida digna e de sua família (ou seja, não há a verificação do mínimo existencial com a renda atual do consumidor). Nestes casos, ainda que não tenha previsão legal específica e em razão do princípio da dignidade da pessoa humana, entendo que o plano de pagamento deverá ser suspenso até o que o consumidor venha a ter condições novamente de disponibilizar alguma quantia para a quitação da dívida ao credor.

Neste caso, o plano de pagamento, que estará suspenso pelo prazo de 5 anos (prazo máximo de vigência do plano pelo §4º do art. 104-B), deverá dispor das hipóteses dos incisos do §4º do art. 104-A, como a suspensão ou extinção das ações judiciais em curso; data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor dos bancos de dados e cadastros de inadimplentes e, principalmente, condicionando à suspensão do plano não somente à abstenção de condutas do consumidor que agravem a sua situação de superendividamento (como a proibição de contrair novos empréstimos); mas também o dever de informar ao juízo sobre a melhora de sua condição econômica, para fins de readequação do plano de pagamento de acordo com a nova realidade econômica.

Conforme salientado, o plano compulsório deverá durar, no máximo, 5 anos. Este foi o período que o legislador entendeu por bem vincular parte da renda do consumidor superendividado ao pagamento da dívida (tanto que o plano de pagamento voluntário proposto pelo consumidor deverá ser também, no máximo, de 5 anos). Com isso, 5 anos é o prazo razoável que o consumidor, sob certas condições a serem estabelecidas no plano voluntário e no plano judicial, terá parte da renda comprometida para pagamento, devendo posteriormente a este prazo, com a quitação do plano, ficar liberado das dívidas.

Na hipótese de suspensão do plano por falta de renda para pagamento ao credor, sem afetar o mínimo existencial, passados os 5 anos e cumpridos as exigências impostas no plano, entendo também que o consumidor estará livre das dívidas. Caso contrário, aquele consumidor superendividado que não tem condições mínimas de participar de nenhum plano de pagamento estaria preso às dívidas até que, ao menos, ocorresse a prescrição delas. Se o intuito da norma é promover a reinserção social do superendividado, resgatando a sua dignidade (perdida em razão da pressão e consequências advindas das dívidas), não se pode prestigiar o direito de crédito do credor em detrimento do princípio da dignidade da pessoa humana.[5]

No plano compulsório há a possibilidade do juiz, dependendo da situação do consumidor, estipular um prazo de carência para que comece a efetuar o pagamento das prestações. Estipula o §4º do art. 104-B que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias. Assim, dependendo da hipótese, seja necessário e prudente possibilitar um prazo para que parte da renda do consumidor comece a ficar comprometida com o pagamento do plano, não podendo este prazo ser maior do que 180 dias. Estipulado o prazo de pagamento da primeira parcela, as demais, pelo §4º do art. 104-B, deverão ser mensais iguais e sucessivas. A experiência e cultura brasileira é de pagamento de contas e recebimentos de salários e rendas mensalmente. A estipulação de prestações mensais visa dar ao consumidor maiores condições dele se organizar financeiramente para a manutenção da sua vida com dignidade e, ao mesmo tempo, efetuar o pagamento das prestações do plano.

Uma dúvida que poderá surgir é o entendimento sobre a expressão após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código contido no §4º do art. 104-B. O texto, aprovado no Senado Federal e enviado à Câmara, não constava de tal expressão. A ideia da inclusão desta expressão, segundo o parecer do Deputado Franco Cartafina, foi ajustar a cronologia do pagamento do plano compulsório à hipótese agora incluída no art. 104-A, § 2º de sujeição de credor ausente ao plano conciliatório.[6]

Expliquemos melhor: na Câmara dos Deputados foi alterado o art. 104-A, §2º, para possibilitar que o credor, injustificadamente ausente na audiência de conciliação com dívida certa e conhecida, pudesse se sujeitar ao plano proposto pelo consumidor. Ou seja, como sanção ao não comparecimento injustificado à audiência, o credor perderia a oportunidade de negociar com o consumidor, ficando sujeito ao plano apresentado. Assim, em razão desta inclusão no §2º do art. 104-A, foi incluída, também, no §4º do art. 104-B, a menção de que o credor que foi incluído no plano de pagamento compulsório por não comparecer injustificadamente à audiência, somente receberá seus créditos após o pagamento dos credores que conciliaram.

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A inclusão desta expressão, no nosso sentir, é inadequada é só serve para causar confusão sobre o real alcance pretendido.[7] A delimitação de que o credor injustificadamente ausente só receberá o seu crédito após os credores que anuíram ao acordo já está prevista no §2º do art. 104-A. Assim, não haveria necessidade de incluir tal menção no §4º do art. 104-B, que trata de hipótese diferente, qual seja, de plano judicial compulsório de dívidas de credores que participaram da audiência e não conciliaram (e, também, de dívidas de credores que não participaram da audiência de maneira injustificada e que os valores não eram certos e determinados quando da realização da audiência).

Da forma como ficou a redação, dá a entender que o pagamento do plano compulsório, na hipótese do art. 104-B, somente se dará após o pagamento dos credores que anuíram ao acordo (seja na audiência judicial - art. 104-A, seja na audiência extrajudicial art. 104-C), o que pode causar dificuldades de ordem prática.

Se entendermos que o prazo máximo que o consumidor ficará vinculado ao plano é de 5 anos e, considerando que o plano voluntário pode ser feito em até 5 anos, o plano judicial compulsório não teria efetividade, pois os 5 anos seriam destinados somente ao pagamento do plano voluntário. De outro lado, se entendermos que não há um prazo máximo de vinculação do consumidor ao plano de pagamento (o que acreditamos ser contrário ao espírito da norma de proteção ao superendividamento), teríamos um prazo muito longo de pagamento e vinculação da renda do consumidor, já que poderia ficar vinculado aos 5 anos do plano voluntário mais 5 anos do plano compulsório (isso sem contar o prazo de carência de 180 dias).

Ademais, sancionar também aquele que compareceu à audiência e que por alguma razão não anuiu ao acordo é desarrazoável e injustificado, uma vez que a proposta apresentada pelo consumidor pode estar muito aquém de sua real condição financeira, fato, então, que o fornecedor poderá, legitimamente, recusar e demonstrar que o plano proposto não deve prosperar, quando da apresentação da contestação no processo de repactuação e revisão de dívidas do art. 104-B.

Diante disso, a melhor interpretação para o §4º do art. 104-B, nos moldes da redação original que incluímos quando do relatório final apresentado e que foi aprovado no Senado Federal, conjugado com a justificativa do parecer elaborado pelo Deputado Franco Cartafina, que resultou na aprovação na Câmera dos Deputados, é a de que a expressão após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código ficaria limitado para os credores que não participaram da audiência injustificadamente e que serão inseridos compulsoriamente no plano de pagamento apresentado pelo consumidor.

Já os credores que participaram da audiência e não acordaram, ficarão sujeitos ao plano compulsório do art. 104-B, se assim o consumidor o requerer. Neste caso, o pagamento pelo consumidor se dará em até 180 dias da sentença que definir o plano. Nesta hipótese e desde que haja reserva suficiente para o mínimo existencial, poderão conviver os pagamentos dos planos voluntário e compulsório.

A sanção então de postergação no pagamento (para depois do pagamento aos credores que acordaram) é para os credores ausentes injustificadamente na audiência de conciliação, ato que é considerado, inclusive, atentatório à dignidade da justiça (§8º do art. 334 do CPC).

O art. 104-B não estipulou que as dívidas devem ser pagas de maneira uniforme (ao mesmo tempo) e proporcional a todos os credores. Assim, na sentença, o juiz poderá estipular prazos e ajustes diferentes de pagamento dependendo do tipo de credor, do tipo de dívida, e levando em consideração principalmente a conduta do fornecedor na concessão do crédito (tendo como referencial as hipóteses do art. 54-B ao art. 54-G).

Assim, dívidas relacionadas à concessão de crédito podem ter prazos mais longos e redução de juros maiores (moratórios e remuneratórios) do que dívidas relacionadas à prestação de serviços, como mensalidades escolares e planos de saúde.

Avaliar como o crédito foi concedido e como o credor se portou na audiência de conciliação também podem ser fatores para o escalonamento e ajustes dos pagamentos. Credores que desrespeitaram o princípio do crédito responsável e que por isso contribuíram para a situação do superendividamento poderão ser ressarcidos posteriormente e sofrerem redução maior em seus créditos do que àqueles credores que agiram de maneira transparente e leal. O mesmo pode ocorrer com credores que somente participaram de maneira proforma na audiência, não levando sequer uma proposta para conciliação em detrimento de outros que participaram de maneira cooperativa, buscando conciliar com o consumidor.

Do mesmo modo, o credor que não participou da audiência de maneira injustificada e não foi incluído no plano de pagamento proposto pelo consumidor pelo fato da dívida não estar certa e determinada, nos moldes do §2º do art. 104-A, também poderá ser sancionado pelo juiz com a postergação de seu pagamento e com a redução maior de seu crédito quando do plano judicial compulsório do art. 104-B.

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Sobre o autor
Leonardo Garcia

Procurador do Estado do Espírito Santo; foi assessor do Relator no Senado Federal envolvendo a Lei do Superendividamento; mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, Diretor do Brasilcon; Membro do Condecon/ES; Professor de Direito do Consumidor e autor de vários livros jurídicos, entre eles o Código de Defesa do Consumidor Comentado, atualmente na 16ªed., Ed. Juspodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Leonardo. Alguns apontamentos sobre o plano judicial compulsório no superendividamento (art. 104-B). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6741, 15 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95473. Acesso em: 30 dez. 2024.

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