6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se propôs a analisar o tratamento dispensado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça à figura do abandono afetivo, temática que exige um tratamento interpretativo diferenciado, tomando por base a Constituição Federal. Tal tratamento interpretativo decorre tanto da relevância que a família possui na ordem constitucional quanto da necessidade de adaptação a sua nova realidade, que sofreu profundas alterações ao longo dos últimos anos. Assim, a superação do modelo familiar patriarcal ensejou o surgimento de um modelo familiar contemporâneo, no qual o afeto funciona como valor norteador. Para se adequar às novas modificações mostrou-se necessária a realização de adaptações não apenas na seara legislativa, mas também na seara jurisprudencial, sendo esta fundamental para a aplicação concreta desses novos paradigmas.
Desse modo, a nova compreensão adotada parte do pressuposto de que aos genitores não cabe apenas o mero suporte financeiro, mas também o auxílio afetivo e emocional, sob pena de ocasionar danos imateriais incalculáveis. Ainda que o ordenamento não possa obrigar um pai a amar o seu filho, é importante ressaltar que a busca não é por amor, mas sim pela segurança dos direitos da criança e do adolescente bem como pela responsabilidade daqueles que possuem o dever de cuidado.
Com fundamento nisso, o Superior Tribunal de Justiça passou a reconhecer a aplicabilidade do instituto da responsabilidade civil às relações familiares no que diz respeito ao abandono afetivo, consolidando entendimentos que representaram um notável avanço para o aprimoramento da interpretação constitucionalizada do direito de família.
REFERÊNCIAS
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Notas
1 AgInt no AREsp 492243/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 12/06/2018
2 AgRg no AREsp 766159/MS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 09/06/2016
3 AgInt no AREsp 1270784/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 15/06/2018.
4 REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017.