Morar em um condomínio traz para o cidadão uma obrigação importante que é o pagamento da taxa condominial. Mesmo que o condomínio não seja reconhecido efetivamente como uma pessoa jurídica, na prática ele atua como se fosse e a receita oriunda do pagamento das taxas é de suma importância para sua sobrevivência.
No que diz respeito à taxa condominial, sua instituição é uma imposição legal, senão vejamos:
Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:
I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
Para não ficar dúvidas quanto à importância da taxa condominial e a obrigação do condômino de pagar, o art. 1.336 do Código Civil destaca:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
A questão então parece aparentemente simples, pois a convenção deve prever a forma e modo de pagamento da taxa condominial, e a lei impõe como dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio. Mas ainda resta uma dúvida: Quem é condômino?
Condômino por definição pura é aquele que é o real proprietário do imóvel, ou seja, aquele que tem o seu nome gravado na matrícula do imóvel. Contudo, em situações excepcionais, condômino pode não ser o proprietário, pode ser um promitente comprador, conforme autoriza o § 2º do art. 1.334 do Código Civil:
Art. 1.334. (omissis)
(...)
§ 2 o São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.
Dai surge a grande discussão travada por anos e anos entre compradores de imóvel na planta e construtores. Por regra, os construtores impõem em seus contratos de adesão a responsabilidade do promissário comprador de arcar com a taxa condominial mesmo que não tenha recebido as chaves. Ainda, como forma de resguarda a empresa, impõe na convenção de condomínio cláusula que possibilita a empresa pagar taxa condominial em valor muito inferior ao pago pelos demais condôminos. Seriam estas disposições válidas? Para o judiciário, não!
Para começar a debater a questão precisamos trazer precedente do e. Superior Tribunal de Justiça que já pacificou o entendimento através de Repetitivo (tema 886), cuja tese firmada fora:
a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do Condomínio acerca da transação;
b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto; c) Se restar comprovado: (i) que o promissário comprador imitira-se na posse; e (ii) o Condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.
Primeiro ponto é que, para o STJ, a relação deve ser analisada pela relação jurídica material entre o imóvel e o ocupante, ou seja, não importa aqui a certidão de matrícula, mas quem tem a posse do imóvel. E para que o promissário comprador possa ser responsabilizado pela taxa condominial, devem ser preenchidos os seguintes requisitos: (i) que o promissário comprador imitira-se na posse; e (ii) o Condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.
Em resumo: Não tendo sido o promissário comprador imitido na posse e não havendo prova inequívoca de que o condomínio tinha ciência da transação (compra e venda), a responsabilidade é do construtor. Nesse sentido inclusive também entendeu a juíza de direito Flávia Silva da Penha, da 2ª Vara Cível da Comarca de Vespasiano/MG 1:
A parte embargante pretende se esquivar da responsabilidade pelo pagamento da taxa condominial afirmando que não obstante não ter o terceiro adquirente, promitente comprador, imitido-se na posse, foi notificado para tanto, deve ser a data da notificação considerada como data da transferência da responsabilidade pelo pagamento. Contudo, verifica-se que a notificação não tem o efeito pretendido pela parte embargante, não podendo ser considerada como início da relação material do promitente comprador com o imóvel. Não houve notícia de ajuizamento de ação para consignação das chaves.
Conforme jurisprudência firmada acima colacionada, verifica-se que a responsabilidade em análise transfere para o promissária mediante a comprovação de requisitos cumulativas, quais sejam: Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador. No caso dos autos, verifica-se a ausência dos dois requisitos, vez que não comprovou a parte embargante ter o condomínio ter tido ciência inequívoca da transação alegada.
Diante do exposto, resta rejeitar a alegação da parte embargante quanto o afastamento da responsabilidade pelo pagamento das contribuições condominiais.
Reconhecida então a responsabilidade da construtora quando não comprovada a entrega das chaves e quando não comprovada a ciência inequívoca do credor (condomínio) acerca da transação (compra e venda), resta entender se é válida estipulação em convenção de condomínio acerca de pagamento a menor da taxa condominial pela construtora.
O tema também fora enfrentado pela juíza Flávia Silva Penha:
Prosseguiu a parte embargante afirmando que faria jus ao pagamento das contribuições condominiais com a redução prevista na convenção condominial, que prevê em seu benefício o pagamento de 30% do valor da contribuição sindical em relação às unidades não comercializadas. A parte embargada, por sua vez, alega tratar-se de cláusula abusiva e ilegal, pretendendo o afastamento de sua aplicação.
O art. 12 da Lei nº 4.591/1964 dispõe que "cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio". Nesse contexto, cabe à convenção estabelecer os critérios de pagamento das taxas condominiais, a forma de rateio e as sanções para as hipóteses de inadimplemento das obrigações (art. 1.334 do CC/2002).
A taxa condominial destina-se ao pagamento das despesas de conservação e/ou manutenção do edifício, em especial despesas correntes, bem como para possibilitar a realização de obras de melhorias ou modificações, assim como arcar com demais gastos não previsto.
(...)
A convenção do condomínio aprovada com votos da construtora quando ainda proprietária de quórum suficiente previu benefício em seu interesse, que gera distorção do propósito da contribuição condominial na medida em que ao pagar o valor inferior as demais unidades tem que arcar com a diferença, não havendo nenhuma aparente justificativa para que essa situação ocorra. Enquanto proprietária do imóvel, ainda que imóvel nunca comercializada, mantém a parte embargada relação com o bem imóvel que a qualifica como os demais, devendo, portanto, ter as mesmas obrigações.
A matéria já passou por análise perante o Superior Tribunal de Justiça através do REsp 1.816039/MG, cuja ementa citamos abaixo:
RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ART. 1.022 DO CPC/2015. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. CONVENÇÃO. OUTORGA. CONSTRUTORA. TAXA CONDOMINIAL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a discutir se a convenção de condomínio pode estabelecer, apenas para unidades imobiliárias ainda não comercializadas, o correspondente a 30% (trinta por cento) do valor integral da taxa condominial devida.
3. A convenção outorgada pela construtora/incorporadora não pode estabelecer benefício de caráter subjetivo a seu favor com a finalidade de reduzir ou isentar do pagamento da taxa condominial.
4. A taxa condominial é fixada de acordo com a previsão orçamentária de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência.
5. A redução ou isenção da cota condominial a favor de um ou vários condôminos implica oneração dos demais, com evidente violação da regra da proporcionalidade prevista no inciso I do art. 1.334 do CC/2002 6. Recurso especial provido. (REsp 1816039/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020)
É claro que o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e também do juízo da 2ª Vara Cível de Vespasiano/MG vão de encontro com a melhor aplicação do direito. O credor, no caso condomínio, não pode ser prejudicado por fato relacionado a contrato particular firmado entre terceiros (construtora e comprador), isso porque o pacta sunt servanda somente se aplica às partes contratantes, por óbvio. Ademais, cláusulas de benefício subjetivo ao construtor que impõem desvantagem manifestamente excessiva aos demais condôminos, que colocam em pé de desigualdade condôminos, e ainda com clara desproporcionalidade, são nulas de pleno direito.
1 Processo nº 5004567-57.2020.8.13.0290.